Deputados médicos dizem “não” à eutanásia

23-05-2019
marcar artigo

Se a decisão estivesse nas mãos deles, os quatro projetos (do PAN, BE, PS e PEV) para descriminalizar a morte assistida – quer a eutanásia, quer o suicídio assistido – não seriam aprovados. Ricardo Baptista Leite, Isaura Pedro, José António Silva (os três do PSD) e Isabel Galriça Neto (CDS) estão contra as iniciativas – como, de resto, a generalidade dos deputados das bancadas a que pertencem -, ao passo que António Sales (PS) faria com que a votação ficasse em 4-1 (favorável ao “não”), caso apenas os deputados médicos fossem chamados a pronunciar-se sobre o assunto esta tarde na Assembleia da República.

A VISÃO interrogou os cinco parlamentares sobre se a prática da morte assistida é ou não compaginável com o Juramento de Hipócrates, o compromisso que os clínicos assumem na altura da sua formatura, e só o coordenador socialista na Comissão de Saúde, António Sales, respondeu que sim. “O juramento de Hipócrates, até se olhar para adaptação da declaração de Genebra de 1983, diz solenemente que a saúde do meu doente será a minha primeira preocupação. Com base neste princípio, pergunto qual será o nosso papel no prolongamento de uma vida humana quando o que está em causa não é a saúde, mas uma doença que destrói, limita e, de alguma forma, humilha as pessoas conscientes da sua condição? A missão do médico não é apenas a de salvar ou prolongar vidas; é, acima de tudo, de aliviar o sofrimento. Não de uma forma paternalista, mas de igual para igual com a pessoa que sofre”, justifica.

Os deputados de direita, por sua vez, encaram a questão com uma perspetiva diferente, isto é, socorrem-se esse essencialmente do princípio de que o médico se comprometeu a guardar o “máximo de respeito pela vida humana”. “São valores completamente antagónicos”, sustenta Isaura Pedro, que é acompanhada por José António Silva. “Nós fomos formatados para salvar e não para matar. E quando isto acontece, e infelizmente acontece muitas vezes, sentimos uma impotência muito grande. O nosso papel é salvar as pessoas”, aponta o social-democrata.

Já Ricardo Baptista Leite, coordenador do PSD na Comissão de Saúde, recorda que na versão inicial o Juramento de Hipócrates “tinha uma frase que dizia que o médico não provocaria a morte do seu doente, mesmo que instado a tal” e que essas palavras não tinham “nada de religioso ou ideológico”. Era, acrescenta, “uma razão muito pragmática porque o sofrimento era tal que, à época, a tentação seria matar aquela pessoa para lhe aliviar o sofrimento”. Embora não faça desse o pilar da sua argumentação, entende que os médicos devem quer é “que as pessoas possam viver com dignidade até ao final da sua vida”.

“Nós temos a obrigação de, em primeiro lugar, não fazer mal ao nosso doente e temos a obrigação de proteger a vida, entendendo que em situações de doenças graves e comprovadamente irreversíveis não temos de manter o nosso paciente vivo à custa de um sofrimento desajustado porque isso implicaria estar a fazer-lhe mal. Não há qualquer desumanidade no juramento de Hipócrates. O obrigação do médico não é manter as pessoas vivas à custa de mais sofrimento”, clarifica Isabel Galriça Neto, que não vê, contudo, nessa premissa uma janela de oportunidade para se legitimar a morte a pedido, “eliminando quem está a sofrer”, ao invés de se mitigar o sofrimento.

E a centrista vai mais longe: “Temos de ter bem claro que não devemos provocar distanásia, ou seja, usar terapêuticas que são artificiais e desproporcionadas. Lamentavelmente, isso acontece na prática e há muitas pessoas que são favoráveis a legislar a favor da eutanásia por causa de haver obstinação terapêutica, quando ela já é tida como má prática.”

Baptista Leite acaba, assim, por lamentar que se fale tanto da “dignidade da morte” e que se esqueça aquilo que designa por “medidas para a dignidade da vida”, colocando o acento tónico nos cuidados domiciliários, na definição de um estatuto do cuidado informal, nos apoios sociais públicos e ainda dos cuidados paliativos. Nestes cuidados, refere, Portugal “está em 41º lugar a nível mundial”. Pelo meio, salienta que para garantir a dignidade e conforto a pessoas em fim de vida “teríamos de gastar mais 1.000 milhões de euros por ano”. “É uma questão de opção orçamental também”, atira, numa implícita ao Governo.

No entanto, o argumento a que recorre com maior ênfase, com base num estudo publicado na revista científica Current Oncology, é o da desproteção dos mais vulneráveis e com menos recursos económicos. Essa investigação, nota, procurou identificar as principais causas pelas quais as pessoas pedem a morte e concluiu que “são transversais a todo o mundo: burnout causado pela doença, o facto de a pessoa estar a sofrer, a sentir que perdeu o controlo, a depressão e as situações de sentirem que são um peso para a família ou para os cuidadores”. “Perante este conjunto de situações, há uma grande falácia: porque estas pessoas quando procuram apoios de saúde ou sociais são-lhe absolutamente negados. É-lhes dito, sobretudo se forem pobres, vulneráveis ou carenciados, que não existe mais nada que o Estado lhes possa dar. Se forem ricos, arranjam sempre solução, mas os pobres estão sujeitos à sua sorte. Sofrem, e sofrem muito. Não me parece que uma pessoa num sofrimento extremo, sem qualquer tipo de opção, seja verdadeiramente livre”, explica o social-democrata.

António Sales rebate a lógica. Sublinha, por outro lado, que a votação desta terça-feira se prende com o “direito à decisão e à autodeterminação” e defende que o Estado “não vai obrigar ninguém” a suicidar-se ou a pedir que o façam. “Cada deputado deve sobrepor à sua decisão individual aquilo que deve ser o espaço de liberdade individual dos cidadãos”, resume, mesmo concordando com a ideia de que é preciso repensar e reforçar os cuidados paliativos. “É uma discussão completamente diferente”, adverte.

Isabel Galriça Neto introduz ainda um outro ponto na discussão. “A eutanásia não é uma terapia. Portanto, porquê acantoná-la aos médicos e serem eles os executores da morte? Isto é um abastardamento da prática médica e vai-se impor aos médicos que sejam executores da morte de alguém quando isso contraria a sua deontolongia. Porque é que não se criam os executores da eutanásia? Não têm de ser médicos, nem sequer os enfermeiros”, assevera a coordenadora dos democratas-cristão na Comissão de Saúde, que dá conta da pressão que existe noutros países sobre os médicos objetores de consciência (outro aspeto em que as suas reservas coincidem com as de Baptista Leite).

Quanto à votação parlamentar propriamente dita – em que BE, PEV e PAN votarão a favor dos diplomas, CDS e PCP contra, e PS e PSD darão liberdade aos deputados (embora os socialistas estejam quase todos do lado do “sim” e os sociais-democratas mais divididos -, Baptista Leite pede que os partidos “possam, pelo menos, parar” para que haja “uma discussão mais aprofundada”. “Não consigo compreender como é que a um ano de eleições legislativas, havendo partidos que assumidamente querem pôr isto na agenda, porque é que não o fazem de forma democraticamente honesta e colocam nos programas eleitorais?”, questiona.

Sales faz um apelo diferente aos companheiros que se sentam no hemiciclo em S. Bento. “A abstenção não é uma boa solução. Não se deve ficar no limbo, as pessoas não devem enterrar a cabeça na areia. Era uma solução mais fácil, mas deve haver um sim ou um não”, finaliza.

Se a decisão estivesse nas mãos deles, os quatro projetos (do PAN, BE, PS e PEV) para descriminalizar a morte assistida – quer a eutanásia, quer o suicídio assistido – não seriam aprovados. Ricardo Baptista Leite, Isaura Pedro, José António Silva (os três do PSD) e Isabel Galriça Neto (CDS) estão contra as iniciativas – como, de resto, a generalidade dos deputados das bancadas a que pertencem -, ao passo que António Sales (PS) faria com que a votação ficasse em 4-1 (favorável ao “não”), caso apenas os deputados médicos fossem chamados a pronunciar-se sobre o assunto esta tarde na Assembleia da República.

A VISÃO interrogou os cinco parlamentares sobre se a prática da morte assistida é ou não compaginável com o Juramento de Hipócrates, o compromisso que os clínicos assumem na altura da sua formatura, e só o coordenador socialista na Comissão de Saúde, António Sales, respondeu que sim. “O juramento de Hipócrates, até se olhar para adaptação da declaração de Genebra de 1983, diz solenemente que a saúde do meu doente será a minha primeira preocupação. Com base neste princípio, pergunto qual será o nosso papel no prolongamento de uma vida humana quando o que está em causa não é a saúde, mas uma doença que destrói, limita e, de alguma forma, humilha as pessoas conscientes da sua condição? A missão do médico não é apenas a de salvar ou prolongar vidas; é, acima de tudo, de aliviar o sofrimento. Não de uma forma paternalista, mas de igual para igual com a pessoa que sofre”, justifica.

Os deputados de direita, por sua vez, encaram a questão com uma perspetiva diferente, isto é, socorrem-se esse essencialmente do princípio de que o médico se comprometeu a guardar o “máximo de respeito pela vida humana”. “São valores completamente antagónicos”, sustenta Isaura Pedro, que é acompanhada por José António Silva. “Nós fomos formatados para salvar e não para matar. E quando isto acontece, e infelizmente acontece muitas vezes, sentimos uma impotência muito grande. O nosso papel é salvar as pessoas”, aponta o social-democrata.

Já Ricardo Baptista Leite, coordenador do PSD na Comissão de Saúde, recorda que na versão inicial o Juramento de Hipócrates “tinha uma frase que dizia que o médico não provocaria a morte do seu doente, mesmo que instado a tal” e que essas palavras não tinham “nada de religioso ou ideológico”. Era, acrescenta, “uma razão muito pragmática porque o sofrimento era tal que, à época, a tentação seria matar aquela pessoa para lhe aliviar o sofrimento”. Embora não faça desse o pilar da sua argumentação, entende que os médicos devem quer é “que as pessoas possam viver com dignidade até ao final da sua vida”.

“Nós temos a obrigação de, em primeiro lugar, não fazer mal ao nosso doente e temos a obrigação de proteger a vida, entendendo que em situações de doenças graves e comprovadamente irreversíveis não temos de manter o nosso paciente vivo à custa de um sofrimento desajustado porque isso implicaria estar a fazer-lhe mal. Não há qualquer desumanidade no juramento de Hipócrates. O obrigação do médico não é manter as pessoas vivas à custa de mais sofrimento”, clarifica Isabel Galriça Neto, que não vê, contudo, nessa premissa uma janela de oportunidade para se legitimar a morte a pedido, “eliminando quem está a sofrer”, ao invés de se mitigar o sofrimento.

E a centrista vai mais longe: “Temos de ter bem claro que não devemos provocar distanásia, ou seja, usar terapêuticas que são artificiais e desproporcionadas. Lamentavelmente, isso acontece na prática e há muitas pessoas que são favoráveis a legislar a favor da eutanásia por causa de haver obstinação terapêutica, quando ela já é tida como má prática.”

Baptista Leite acaba, assim, por lamentar que se fale tanto da “dignidade da morte” e que se esqueça aquilo que designa por “medidas para a dignidade da vida”, colocando o acento tónico nos cuidados domiciliários, na definição de um estatuto do cuidado informal, nos apoios sociais públicos e ainda dos cuidados paliativos. Nestes cuidados, refere, Portugal “está em 41º lugar a nível mundial”. Pelo meio, salienta que para garantir a dignidade e conforto a pessoas em fim de vida “teríamos de gastar mais 1.000 milhões de euros por ano”. “É uma questão de opção orçamental também”, atira, numa implícita ao Governo.

No entanto, o argumento a que recorre com maior ênfase, com base num estudo publicado na revista científica Current Oncology, é o da desproteção dos mais vulneráveis e com menos recursos económicos. Essa investigação, nota, procurou identificar as principais causas pelas quais as pessoas pedem a morte e concluiu que “são transversais a todo o mundo: burnout causado pela doença, o facto de a pessoa estar a sofrer, a sentir que perdeu o controlo, a depressão e as situações de sentirem que são um peso para a família ou para os cuidadores”. “Perante este conjunto de situações, há uma grande falácia: porque estas pessoas quando procuram apoios de saúde ou sociais são-lhe absolutamente negados. É-lhes dito, sobretudo se forem pobres, vulneráveis ou carenciados, que não existe mais nada que o Estado lhes possa dar. Se forem ricos, arranjam sempre solução, mas os pobres estão sujeitos à sua sorte. Sofrem, e sofrem muito. Não me parece que uma pessoa num sofrimento extremo, sem qualquer tipo de opção, seja verdadeiramente livre”, explica o social-democrata.

António Sales rebate a lógica. Sublinha, por outro lado, que a votação desta terça-feira se prende com o “direito à decisão e à autodeterminação” e defende que o Estado “não vai obrigar ninguém” a suicidar-se ou a pedir que o façam. “Cada deputado deve sobrepor à sua decisão individual aquilo que deve ser o espaço de liberdade individual dos cidadãos”, resume, mesmo concordando com a ideia de que é preciso repensar e reforçar os cuidados paliativos. “É uma discussão completamente diferente”, adverte.

Isabel Galriça Neto introduz ainda um outro ponto na discussão. “A eutanásia não é uma terapia. Portanto, porquê acantoná-la aos médicos e serem eles os executores da morte? Isto é um abastardamento da prática médica e vai-se impor aos médicos que sejam executores da morte de alguém quando isso contraria a sua deontolongia. Porque é que não se criam os executores da eutanásia? Não têm de ser médicos, nem sequer os enfermeiros”, assevera a coordenadora dos democratas-cristão na Comissão de Saúde, que dá conta da pressão que existe noutros países sobre os médicos objetores de consciência (outro aspeto em que as suas reservas coincidem com as de Baptista Leite).

Quanto à votação parlamentar propriamente dita – em que BE, PEV e PAN votarão a favor dos diplomas, CDS e PCP contra, e PS e PSD darão liberdade aos deputados (embora os socialistas estejam quase todos do lado do “sim” e os sociais-democratas mais divididos -, Baptista Leite pede que os partidos “possam, pelo menos, parar” para que haja “uma discussão mais aprofundada”. “Não consigo compreender como é que a um ano de eleições legislativas, havendo partidos que assumidamente querem pôr isto na agenda, porque é que não o fazem de forma democraticamente honesta e colocam nos programas eleitorais?”, questiona.

Sales faz um apelo diferente aos companheiros que se sentam no hemiciclo em S. Bento. “A abstenção não é uma boa solução. Não se deve ficar no limbo, as pessoas não devem enterrar a cabeça na areia. Era uma solução mais fácil, mas deve haver um sim ou um não”, finaliza.

marcar artigo