“A economia será mais pujante se não desperdiçarmos 2/3 do território”

28-08-2016
marcar artigo

Em Portugal “temos um centralismo crónico, doentio e atávico” e continua a existir um estigma em relação ao interior. É assim que Helena Freitas faz o retrato instantâneo do país, depois de cinco meses a percorrer o território nacional de norte a sul e de este a oeste.

A professora da Universidade de Coimbra foi nomeada em fevereiro, pelo primeiro-ministro, António Costa, não apenas para fazer o diagnóstico do interior mas sobretudo para propor soluções. Está agora na fase final de redação das conclusões, que deixará em São Bento até final de agosto. Em setembro será o próprio primeiro-ministro a apresentá-las ao país.

Há propostas de trabalho para todos os ministérios nas cerca de duzentas sugestões que Helena Freitas vai fazer ao poder central. Esse mesmo poder que nas últimas décadas “desinvestiu claramente” no interior do país, o que foi empurrando aos poucos dois terços da população nacional para a faixa litoral (sobretudo compreendida na Grande Lisboa e o eixo Porto/Viana do Castelo).

O país está agora claramente divido e sem uma estratégia territorial ambiciosa. “O que estou a fazer é a identificar medidas que possam ser úteis, de forma a que possamos fazer um novo mapa de Portugal, que identifique claramente o papel da fachada atlântica e a função da fachada peninsular”, que hoje não existe. Helena Freitas não tem dúvidas de que, para ser mais sustentável, mais internacional e mais competitivo, “o país tem de ser mais coeso”. Sustenta que é isso que traz riqueza: “E isto não são palavras vãs. É mesmo assim. A economia será muito mais pujante quando deixarmos de desperdiçar dois terços do território português”.

Quando lhe perguntamos se este discurso não irá cair em saco roto, responde rápido e sem papas na língua: “A encomenda foi feita pelo próprio primeiro-ministro pelo que, presumo, será para levar a sério. A primeira parte está feita. A segunda traduz-se na aplicação de medidas. Agora, este é, garantidamente, um trabalho para várias legislaturas. É uma espécie de maratona”.

O poder político tem de assumir o que quer para o interior

Se o poder político chegar à conclusão de que o processo de desertificação em curso no interior é que é o melhor para o país, “é pena, mas que se assuma de uma vez por todas o que se quer”.

Uma coisa é certa, segundo Helena Freitas: “Os problemas do litoral serão, mais tarde ou mais cedo, os do interior”, caso não se invista a sério em políticas de coesão territorial. “O desemprego, a solidão, a má qualidade de vida, o abandono dos mais velhos, a falta de oportunidades, etc. Tudo isso vai acabar por acontecer. Ou melhor, já começa a ser evidente. Só não vê quem não quer”.

Aquela responsável diz acreditar fortemente na mudança do paradigma territorial, pela simples razão de que “a situação atual não é sustentável”. Não é sustentável, por exemplo, a situação demográfica, de envelhecimento e de desequilíbrio litoral/interior. “Temos alguns municípios em situação de pré-extinção. Se o país quiser assumir isso... eu penso que é um desperdício de recursos”.

E há recursos no país que “não podemos desperdiçar. Por exemplo, quando vou a Armamar ou a Moimenta da Beira, se houver ali uma aposta séria na fileira da maçã deixa de haver desemprego naquela zona. E as pessoas começam a gostar de ver os campos cultivados, o que, por sua vez, vai fomentar a transformação, a exportação de valor acrescentado e, se calhar, será fácil perceber que Portugal pode ter ali um centro de competências. É apenas um exemplo”, explica Helena Freitas. Diz que ninguém está a inventar a roda, lembrando o relatório de Michael Porter (professor da Harvard Business School), sobre a aposta de Portugal nos sectores tradicionais, com mais de 20 anos) que, considera, “continua atualíssimo”.

Estar longe do principal cliente não faz sentido

Depois, há também o facto de muitas empresas não se instalarem junto à fronteira com Espanha (principal parceiro comercial de Portugal) optando antes pelo litoral, com custos de transporte acrescidos. Explica que algumas já perceberam a vantagem de estar no interior, casos da Frulact (Covilhã) ou de um empresário — que não quis identificar — que escolheu Bragança, para investir no sector dos componentes para automóvel, precisamente porque muita da produção seguirá para Espanha, ali mesmo ao lado.

Sobre a questão de o país (com 200 quilómetros de largura) ter assumido que tem ‘interior’, Helena Freitas recorda o episódio que lhe foi relatado por Paulo Fernandes, presidente da Câmara do Fundão. Enquanto recebia um grupo empresarial chinês que ponderava investir na zona industrial daquela cidade beirã, a determinada altura é-lhe perguntado qual era o porto mais próximo, para daí enviar a produção para outros continentes. “Ou seja, o conceito de distância pode ser algo muito relativo”.

Sublinha que aquilo a que chamamos ‘litoralização’ acontece “porque não tivemos um processo de industrialização bem preparado. Associámos sempre a indústria às áreas urbanas de maior dimensão e o território rural foi ficando para trás, de forma discriminada e estigmatizada”. Aliás, recorda, nos últimos 20 anos foram investidos mais ou menos €40 mil milhões de fundos comunitários que acabaram por ir parar às zonas do território mais povoadas, onde há mais empresas e para onde convergem as infraestruturas.

“É verdade que é ali que há massa crítica, redes e tradição de investimento, mas é preciso desmontar duas coisas: discriminação positiva dos territórios, com criação de redes para microempresas e colocá-las na mesma divisão de competitividade. Por outro lado, também temos que ajustar os critérios da aplicação dos fundos para que estas microempresas possam beneficiar deles. Ou seja, territorializar a aplicação dos apoios comunitários”.

O Estado deve dar o exemplo e descentralizar serviços

Isso conduz a questão para outro nível de decisão: “Uma das questões essenciais para a competitividade do país é conseguir territorializar as políticas públicas. E aqui o papel dinamizador cabe claramente ao Estado”.

A responsável da Unidade de Missão para o Interior defende que o Estado passe a indicar para que regiões do país devem ser canalizados determinados fundos. Além disso, Helena Freitas não compreende, por exemplo, “por que razão alguns ministérios continuam a contratar apenas para Lisboa”. E refere os da Educação e da Agricultura, mas também aponta o da Justiça e ainda o da Saúde. “Se o Estado quiser pode proibir estes ministérios de criar empregos em Lisboa durante os próximos vinte anos. Basta querer”. Nota que as competências de muitos ministérios não têm de estar na capital.

“O Governo fará o que entender das minhas sugestões, mas eu não percebo porque é que uma direção-geral de Veterinária está em Lisboa. Assim como não percebo porque é que a direção-geral das Florestas também. Podem dizer que os quadros têm cá as famílias... OK, então nos próximos 10 ou 20 anos contrate-se para todo o território e não só para Lisboa. É assim que se faz noutros países”.

Em Portugal “temos um centralismo crónico, doentio e atávico” e continua a existir um estigma em relação ao interior. É assim que Helena Freitas faz o retrato instantâneo do país, depois de cinco meses a percorrer o território nacional de norte a sul e de este a oeste.

A professora da Universidade de Coimbra foi nomeada em fevereiro, pelo primeiro-ministro, António Costa, não apenas para fazer o diagnóstico do interior mas sobretudo para propor soluções. Está agora na fase final de redação das conclusões, que deixará em São Bento até final de agosto. Em setembro será o próprio primeiro-ministro a apresentá-las ao país.

Há propostas de trabalho para todos os ministérios nas cerca de duzentas sugestões que Helena Freitas vai fazer ao poder central. Esse mesmo poder que nas últimas décadas “desinvestiu claramente” no interior do país, o que foi empurrando aos poucos dois terços da população nacional para a faixa litoral (sobretudo compreendida na Grande Lisboa e o eixo Porto/Viana do Castelo).

O país está agora claramente divido e sem uma estratégia territorial ambiciosa. “O que estou a fazer é a identificar medidas que possam ser úteis, de forma a que possamos fazer um novo mapa de Portugal, que identifique claramente o papel da fachada atlântica e a função da fachada peninsular”, que hoje não existe. Helena Freitas não tem dúvidas de que, para ser mais sustentável, mais internacional e mais competitivo, “o país tem de ser mais coeso”. Sustenta que é isso que traz riqueza: “E isto não são palavras vãs. É mesmo assim. A economia será muito mais pujante quando deixarmos de desperdiçar dois terços do território português”.

Quando lhe perguntamos se este discurso não irá cair em saco roto, responde rápido e sem papas na língua: “A encomenda foi feita pelo próprio primeiro-ministro pelo que, presumo, será para levar a sério. A primeira parte está feita. A segunda traduz-se na aplicação de medidas. Agora, este é, garantidamente, um trabalho para várias legislaturas. É uma espécie de maratona”.

O poder político tem de assumir o que quer para o interior

Se o poder político chegar à conclusão de que o processo de desertificação em curso no interior é que é o melhor para o país, “é pena, mas que se assuma de uma vez por todas o que se quer”.

Uma coisa é certa, segundo Helena Freitas: “Os problemas do litoral serão, mais tarde ou mais cedo, os do interior”, caso não se invista a sério em políticas de coesão territorial. “O desemprego, a solidão, a má qualidade de vida, o abandono dos mais velhos, a falta de oportunidades, etc. Tudo isso vai acabar por acontecer. Ou melhor, já começa a ser evidente. Só não vê quem não quer”.

Aquela responsável diz acreditar fortemente na mudança do paradigma territorial, pela simples razão de que “a situação atual não é sustentável”. Não é sustentável, por exemplo, a situação demográfica, de envelhecimento e de desequilíbrio litoral/interior. “Temos alguns municípios em situação de pré-extinção. Se o país quiser assumir isso... eu penso que é um desperdício de recursos”.

E há recursos no país que “não podemos desperdiçar. Por exemplo, quando vou a Armamar ou a Moimenta da Beira, se houver ali uma aposta séria na fileira da maçã deixa de haver desemprego naquela zona. E as pessoas começam a gostar de ver os campos cultivados, o que, por sua vez, vai fomentar a transformação, a exportação de valor acrescentado e, se calhar, será fácil perceber que Portugal pode ter ali um centro de competências. É apenas um exemplo”, explica Helena Freitas. Diz que ninguém está a inventar a roda, lembrando o relatório de Michael Porter (professor da Harvard Business School), sobre a aposta de Portugal nos sectores tradicionais, com mais de 20 anos) que, considera, “continua atualíssimo”.

Estar longe do principal cliente não faz sentido

Depois, há também o facto de muitas empresas não se instalarem junto à fronteira com Espanha (principal parceiro comercial de Portugal) optando antes pelo litoral, com custos de transporte acrescidos. Explica que algumas já perceberam a vantagem de estar no interior, casos da Frulact (Covilhã) ou de um empresário — que não quis identificar — que escolheu Bragança, para investir no sector dos componentes para automóvel, precisamente porque muita da produção seguirá para Espanha, ali mesmo ao lado.

Sobre a questão de o país (com 200 quilómetros de largura) ter assumido que tem ‘interior’, Helena Freitas recorda o episódio que lhe foi relatado por Paulo Fernandes, presidente da Câmara do Fundão. Enquanto recebia um grupo empresarial chinês que ponderava investir na zona industrial daquela cidade beirã, a determinada altura é-lhe perguntado qual era o porto mais próximo, para daí enviar a produção para outros continentes. “Ou seja, o conceito de distância pode ser algo muito relativo”.

Sublinha que aquilo a que chamamos ‘litoralização’ acontece “porque não tivemos um processo de industrialização bem preparado. Associámos sempre a indústria às áreas urbanas de maior dimensão e o território rural foi ficando para trás, de forma discriminada e estigmatizada”. Aliás, recorda, nos últimos 20 anos foram investidos mais ou menos €40 mil milhões de fundos comunitários que acabaram por ir parar às zonas do território mais povoadas, onde há mais empresas e para onde convergem as infraestruturas.

“É verdade que é ali que há massa crítica, redes e tradição de investimento, mas é preciso desmontar duas coisas: discriminação positiva dos territórios, com criação de redes para microempresas e colocá-las na mesma divisão de competitividade. Por outro lado, também temos que ajustar os critérios da aplicação dos fundos para que estas microempresas possam beneficiar deles. Ou seja, territorializar a aplicação dos apoios comunitários”.

O Estado deve dar o exemplo e descentralizar serviços

Isso conduz a questão para outro nível de decisão: “Uma das questões essenciais para a competitividade do país é conseguir territorializar as políticas públicas. E aqui o papel dinamizador cabe claramente ao Estado”.

A responsável da Unidade de Missão para o Interior defende que o Estado passe a indicar para que regiões do país devem ser canalizados determinados fundos. Além disso, Helena Freitas não compreende, por exemplo, “por que razão alguns ministérios continuam a contratar apenas para Lisboa”. E refere os da Educação e da Agricultura, mas também aponta o da Justiça e ainda o da Saúde. “Se o Estado quiser pode proibir estes ministérios de criar empregos em Lisboa durante os próximos vinte anos. Basta querer”. Nota que as competências de muitos ministérios não têm de estar na capital.

“O Governo fará o que entender das minhas sugestões, mas eu não percebo porque é que uma direção-geral de Veterinária está em Lisboa. Assim como não percebo porque é que a direção-geral das Florestas também. Podem dizer que os quadros têm cá as famílias... OK, então nos próximos 10 ou 20 anos contrate-se para todo o território e não só para Lisboa. É assim que se faz noutros países”.

marcar artigo