PALAVROSSAVRVS REX: AUTO DA PORCA DO REGIME XII

11-07-2018
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[As Aventuras do Santa Alcoveta] 

SóCrash, o Santa Alcoveta, o grande Crash impante e ufano do Rato e de Portugal, não tem dormido bem. As insónias sucedem-se. Tem pesadelos terríveis. Por isso convocou Isabel Loira Moreira para lhe vir ler uns poemas e assim ajudá-lo a adormecer. A deputada do desbragamento, da fúria sexual e das rupturas de Extrema-Esquerda acorre ao seu mestre num pronto. 23 horas em ponto, ei-la que assoma à porta da Bramcamp e fala pelo intercomunicador: 

— Sou eu, SóCrash. Trouxe os meus livros, anotados. 

— Olá, querida deputada que eu coloquei no grupo parlamentar do nosso PS para infernizar a tola ao Seguro, sobe, sobe... 

— É para já, Santa Puta.
Uma vez adentrada naquele templo de conforto e luxo, Isabel Loira Moreira não esconde o seu espanto, as fragrâncias, a decoração... 

— Pá, SóCrash, enquanto filha de Adriano Moreira, um conservador que ajudou a fundar o CDS e que foi ministro de Salazar, comungando algumas ideias corporativistas do Estado Novo e apoiando activamente a política, devo dizer que isto é fantástico. 

— Ainda bem que gostas, Isabel Loira Moreira... 

— 'Pera aí, Santa Puta... Pronto, já foi... 

— O quê, pá? 

— Um orgasmo. Estar aqui, olhar para a tua qólidade de vida... 

— Eh pá, Isabel, ainda bem que não seguiste as pisadas ideológicas do pai. Nunca terias tido um na vida. Ahahahaahahah 

— Eheheheeh, Santa Puta. Queres então que te leia, declame, vá!, os meus poemas para que adormeças... 

— Sim, como vês, já estou de pijama. Completamente pronto... 

— O meu pai..., não lhe perdoo o salazarismo e o serviço ao Estado Novo. Ok, eu admiro o papá, ele faz análises absolutamente brilhantes do País e da situação do país, sobretudo tendo em conta o contexto internacional, que é uma coisa que pouca gente faz. 

— Mas é da Direita Decadente, Isabel Loira... 

— Pá, mas tem uma lucidez enorme. 

— O teu pai tem dito umas coisas do agrado do nosso Rato. 

— 'Tá velho e amoleceu e gosta de agradar ao Don Marioleone. 

— Pois é, minha vaca, mas tu não tens nada a ver com ele... Apostataste essa herança, escreves poesia pornográfica e agora estás aqui com o teu outro papá para me leres essas cenas. Oxalá consiga adormecer. 

— Vou dar o meu melhor, Santa Puta... 

— Vá, então começa lá. Por falar no teu papá, pode ser qualquer merda do teu sumptuoso «Apátrida»... 

— Ok, SóCrash... Não me lembro de não gostar de política por isso não sei como surgiu isso de gostar de política. É verdade que cresci numa casa em que a política esteve sempre presente. Isso foi uma influência determinante mas o facto é que acabei por tirar o curso de Direito e escolhi a área de direito público, mas só me realizei com a vida de deputada... 

— Eu também nunca soube fazer nada, mas aprendi muito a tramar quem me aparecesse pela frente... Primeiro, na concelhia, mais tarde na distrital, finalmente no País. Um gajo tem de ser implacável, Isabel. 

— Todos me perguntam como é que o meu pai viu a minha entrada nas listas do PS ou como viu a defesa do casamento entre pessoas do mesmo sexo. 

— Essa cena foi fixe porque desactivamos a agenda do Burloque de Esquerda... 

— Fico espantada, Santa Puta, por isso causar tanta curiosidade. 

— Foi a curiosidade do Correio da Manhã, esse antro de calúnias, ataques pessoais, e assassinato do meu mau carácter? 

— Não dou conversa a jornais reaccionários. É um bocadinho sinal de pouca evolução dos tempos. Parece-me tão natural que numa família possam existir diferenças ideológicas que quando fui confrontada com perguntas a esse respeito, fiquei espantadíssima. Isso nunca foi uma questão, é de uma naturalidade avassaladora. 

— Menos em França, Isabel. Em França, pá, os movimentos contra essa cena que nós roubamos ao Burloque de Esquerda, são radicais e maioritários, Pá, nem aborto, nem casamento interssexual. Nada... Quem haveria de dizer, um país revolucionário e avançado daqueles... 

— O meu pai estava na primeira fila da apresentação do meu livro sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Faz o que todos os pais normais fazem e eu faço o que todas as filhas normais fazem: apoiamo-nos mutuamente. No fundo temos as mesmas preocupações mas soluções diferentes. É só isso. 

— Claro, pá, Isabel. Nós, no Rato, somos muito mais que uma família. Somos uma famiglia... Eheheeheh 

— Ouve, Santa Puta, nós somos jacobinos, pá. Andamos para aqui a cagar tacos e a falar de Esquerda e de Direita a ver se o pessoal enganado por nós, primeiro com as esmolas dos teus Governos e depois com a factura deste Governos decadente, nos devolve o poder que só pode ser nosso. 

— Foda-se, Isabel Loira, agora até me geraste um frisson, um arrepio na espinha... 

— Tu, pá, meu caralho, Santa Puta, foste um bom primeiro-ministro, corajoso. Enfrentaste imensas dificuldades, em comparação com Passos Coelho sofreste um duplo padrão em relação à Direita. Gostava de ver aprovada a adopção por todas as pessoas e que fosse possível a uma mulher conceber um filho sem necessidade de ter um parceiro, como acontece em Espanha. 

— Sim, mas para isso é preciso que o meu Gajo, o Costa, vença as próximas eleições e com maioria absoluta. 

— Isso será difícil, Santa Puta... 

— Mas estamos a conseguir destruir todos os dias o prestígio do Governo e dos seus ministros fragilizados pelo boicote estrutural nos suportes informáticos que temos patrocinado, Isabel... 

— São batalhas que levam o seu tempo, Santa Puta. A partir do momento em que há uma maioria de Direita, há coisas que não vale a pena apresentar como proposta de lei sob pena de inscrever num caminho de vitórias uma derrota. E quanto ao teu Gajo, o Costa, não sei... 

— Tu és formada em Direito, és uma constitucionalista, o mundo ensina-te tudo o que deves aprender, tens viajado e visto o que a Esquerda faz de único e maravilho ao nosso vasto mundo. 

— Sim. Pensei muito em ti, Santa Puta, quando estive em Cuba. Havana é um poema, mas a miséria é horrível e a forma como escondem isso com propaganda é terrível. Olha, como tu, entre 2005 e 2011, também gastaste balúrdios em cenas do tipo, como aquele negócio da PT com o teu outro gajo, o Figo. Podíamos fazer de Portugal uma Cuba, porque as pessoas, quando se consegue chegar a elas, estar lá o tempo suficiente para ir jantar a casa de um cubano, conhecer a história deles e eles sorrirem apesar da miséria... 

— Espera que o meu Gajo, o Costa, seja eleito e faremos disto a Cuba que pudermos, com pessoas gratas aos nossos subsídios e que também sorriem apesar da miséria, como os cubanos... 

— Sabes, Santa Puta, Tenho uma mente de há 80 anos atrás, quando andávamos a dizer mal da Igreja, a pontapear os colhões dos padres, pá, aquele jacobinismo puro e duro que ainda habita na cabeça do nosso padrinho Don Marioleone... pá, Santa Puta... 

— E na do Enferrujado Rodrigues e nos caramelos fósseis da Esquerda que odeiam o PS, o PCP e o Burloque... Enfim, Isabel Loira Moreira, vamos lá à tua declamação... 

— Ok, SóCrash, vamos ao meu «Apátrida». 

— Vamos. 

— Esta merda que eu escrevi prolonga e aprofunda temáticas obsessivas, quase fetichistas, e tópicos discursivos que caracterizam desde há muito a minha obra. 

— Sim, pá... 

— Leste o meu Correspondência Comercial e A Excelência no Atendimento? 

— Claro, pá... 

SóCrash havia já ingressado na sua ampla cama na qual, se bem se lembram, tivera o inexcedível colóquio com o Diabo: 

— Leste o meu Pessoas só? 

— Sim, pá... 

— E o meu Quando uma palavra não basta, candidato ao prémio Saramago... 

— Claro, pá, Isabel... 

— Leste as minhas 160 páginas do Ansiedade. 

— Foda-se, Isabel, li tudo o que escreveste, só que em oblíquo... Também leio aquele caralho, o Palavrossavrvs em oblíquo... 

— Este é o quarto livro. Ok. Pronto, sou escritora e ser escritora é escrever palavras, mesmo que com erros de ortografia. 

— Por que achas que comprei a peta do Acordo Ortográfico? Foi para lançar uma espécie de Bancarrota na Língua e confundir ainda mais a populaça... 

— Gosto de articular a literatura da abjecção e a tentativa frustrada de se configurar como escritora maldita. 'Bora mergulhar no meu demónio do asfalto e nos abismos de uma insanidade teatralizada?! 

— Oh Isabel, lê lá qualquer merda. Eu quero adormecer... 

— O meu vórtice vocabular vai deixar-te louco, SóCrash... É a margem, a periferia da sanidade, o meu sagaz oportunismo na escolha destes territórios significantes: pág. 35: «o gajo não sabe um cu do que se passa»; «um buraco diferente» − pág. 25... 

— Isso é fixe, Isabel... 

— Repara nesta transnomição onomatopaica «chiiiiiiiiiiiiiiiiiiu», pág. 33, prorrogado no «cala as minhas esplanadas» da pág. 51, e no ritmado «clique, clique, clique» da pág. 47! 

— Isabel, estou a ficar zonzo... 

— ... «matar o bailado dos qualificativos», pág. 11, «vou vomitar» − pág. 40; «o meu umbigo vomitado numa noite aterradora» − pág. 32; «talvez nesse dia ausente tenha / entrado em sua casa e amparasse / o vómito» − pág. 40; «esmurra o vomitado nas casas de banho» − pág. 34. 

— Foda-se, pá, isso é sublime. 

— Não me interrompas, Santa Puta... A minha abertura e a minha recepção, físicas e corpóreas, são totais e vorazmente carnívoras, ávidas da plenitude dos sentidos, num experimentalismo sucessivo, às vezes múltiplo, e sempre infindo. Vou ler-te o que a ex-ministra e pianista Gabriela Canavilhas escreveu na contracapa do meu livro: «Isabel Moreira não pára de surpreender». 

— Grande ex-ministra do meu ex-Governo... é pena ela não saber o que diz no Frente a Frente da SICN... 

— ... «estrume de dor», página 8. E pronto, este meu estrume de dor constitui-se como metáfora e síntese perfeitas destas minhas 104 páginas, impressas na Bloco Gráfico, Lda. Mas há mais: «estou peganhenta», pág. 12,... «fumei três ganzas e bebi uma garrafa de vinho tinto», pág. 38,... «fui a um bar e comi coisas verdes»,... pág. 39, «e tal e tal e o caralho», pág. 15,... «dói-me o útero / e de repente tudo cheira mal,» pág. 19;... «o meu útero, desde então, gentilmente destruído», pág. 67; «aquele entra e sai ritmado, gramatical,», pág. 19; «tirando três dedos femininos de dentro dela», pág. 41, «metendo o que pode no que vai dar a umas trompas laqueadas», pág. 41;
«tantos gajos, mães, eu tão bêbeda,
meticulosa, um a um, odor a odor, nos
pescoços, nas virilhas, nos cus, onde
fosse, respirar gajo a gajo à procura de
um cheiro familiar
familiar
nós», página 77... 

Entretanto, SóCrash, o Santa Puta, efectivamente ia adormecendo, deixando Isabel Loira Moreira auto-hipnotizada pela sua declamação esforçada: 

— ... «num charco, um charco de esperma a tapar a primeira marca de ter sido mãe», pág. 33... «morro a procurar o teu cheiro em duas ancas», pág. 74... «esfregar urtigas no sexo». Isso é do blogue «Consolação», texto de 2010; pp. 42-43, esta «menina-lobo que uiva culpas»;... «comeu uma colherada de batatas», pág. 42; «a menina leva um estalo na cara», pág. 43; «eu de mãos atadas nas costas a lamber o chão.», pág. 53; «o amigo que me enfiava uma nota no sexo», pág. 53;... «unilateralidade sem dolo», pág. 68... 

Isabel vê-se só, sem o concurso da atenção do seu mestre, SóCrash. 

— Bem, é pena que não me possas ouvir na parte apóstata e herege... árvores «tão altas que esmurram deus», pág. 22; «o choro inútil de deus», pág. 27; «deus a dar cabo de tudo», pág. 32; «a cegueira de um tiro de deus amarelo ao máximo ao nosso encontro», pág. 28; «a cegueira de um tiro de deus amarelo máximo ao nosso encontro», pág. 104; «deus a mijar-se de medo pelas pernas abaixo naquele temporal», pág. 98... «− quem és tu, pai? / − disseste pai? / − não, disse pau.»... 

E foi assim que SóCrash adormeceu e Isabel Loira Moreira ficou ali, só, sentindo-se estranhamente deprimida.

[As Aventuras do Santa Alcoveta] 

SóCrash, o Santa Alcoveta, o grande Crash impante e ufano do Rato e de Portugal, não tem dormido bem. As insónias sucedem-se. Tem pesadelos terríveis. Por isso convocou Isabel Loira Moreira para lhe vir ler uns poemas e assim ajudá-lo a adormecer. A deputada do desbragamento, da fúria sexual e das rupturas de Extrema-Esquerda acorre ao seu mestre num pronto. 23 horas em ponto, ei-la que assoma à porta da Bramcamp e fala pelo intercomunicador: 

— Sou eu, SóCrash. Trouxe os meus livros, anotados. 

— Olá, querida deputada que eu coloquei no grupo parlamentar do nosso PS para infernizar a tola ao Seguro, sobe, sobe... 

— É para já, Santa Puta.
Uma vez adentrada naquele templo de conforto e luxo, Isabel Loira Moreira não esconde o seu espanto, as fragrâncias, a decoração... 

— Pá, SóCrash, enquanto filha de Adriano Moreira, um conservador que ajudou a fundar o CDS e que foi ministro de Salazar, comungando algumas ideias corporativistas do Estado Novo e apoiando activamente a política, devo dizer que isto é fantástico. 

— Ainda bem que gostas, Isabel Loira Moreira... 

— 'Pera aí, Santa Puta... Pronto, já foi... 

— O quê, pá? 

— Um orgasmo. Estar aqui, olhar para a tua qólidade de vida... 

— Eh pá, Isabel, ainda bem que não seguiste as pisadas ideológicas do pai. Nunca terias tido um na vida. Ahahahaahahah 

— Eheheheeh, Santa Puta. Queres então que te leia, declame, vá!, os meus poemas para que adormeças... 

— Sim, como vês, já estou de pijama. Completamente pronto... 

— O meu pai..., não lhe perdoo o salazarismo e o serviço ao Estado Novo. Ok, eu admiro o papá, ele faz análises absolutamente brilhantes do País e da situação do país, sobretudo tendo em conta o contexto internacional, que é uma coisa que pouca gente faz. 

— Mas é da Direita Decadente, Isabel Loira... 

— Pá, mas tem uma lucidez enorme. 

— O teu pai tem dito umas coisas do agrado do nosso Rato. 

— 'Tá velho e amoleceu e gosta de agradar ao Don Marioleone. 

— Pois é, minha vaca, mas tu não tens nada a ver com ele... Apostataste essa herança, escreves poesia pornográfica e agora estás aqui com o teu outro papá para me leres essas cenas. Oxalá consiga adormecer. 

— Vou dar o meu melhor, Santa Puta... 

— Vá, então começa lá. Por falar no teu papá, pode ser qualquer merda do teu sumptuoso «Apátrida»... 

— Ok, SóCrash... Não me lembro de não gostar de política por isso não sei como surgiu isso de gostar de política. É verdade que cresci numa casa em que a política esteve sempre presente. Isso foi uma influência determinante mas o facto é que acabei por tirar o curso de Direito e escolhi a área de direito público, mas só me realizei com a vida de deputada... 

— Eu também nunca soube fazer nada, mas aprendi muito a tramar quem me aparecesse pela frente... Primeiro, na concelhia, mais tarde na distrital, finalmente no País. Um gajo tem de ser implacável, Isabel. 

— Todos me perguntam como é que o meu pai viu a minha entrada nas listas do PS ou como viu a defesa do casamento entre pessoas do mesmo sexo. 

— Essa cena foi fixe porque desactivamos a agenda do Burloque de Esquerda... 

— Fico espantada, Santa Puta, por isso causar tanta curiosidade. 

— Foi a curiosidade do Correio da Manhã, esse antro de calúnias, ataques pessoais, e assassinato do meu mau carácter? 

— Não dou conversa a jornais reaccionários. É um bocadinho sinal de pouca evolução dos tempos. Parece-me tão natural que numa família possam existir diferenças ideológicas que quando fui confrontada com perguntas a esse respeito, fiquei espantadíssima. Isso nunca foi uma questão, é de uma naturalidade avassaladora. 

— Menos em França, Isabel. Em França, pá, os movimentos contra essa cena que nós roubamos ao Burloque de Esquerda, são radicais e maioritários, Pá, nem aborto, nem casamento interssexual. Nada... Quem haveria de dizer, um país revolucionário e avançado daqueles... 

— O meu pai estava na primeira fila da apresentação do meu livro sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Faz o que todos os pais normais fazem e eu faço o que todas as filhas normais fazem: apoiamo-nos mutuamente. No fundo temos as mesmas preocupações mas soluções diferentes. É só isso. 

— Claro, pá, Isabel. Nós, no Rato, somos muito mais que uma família. Somos uma famiglia... Eheheeheh 

— Ouve, Santa Puta, nós somos jacobinos, pá. Andamos para aqui a cagar tacos e a falar de Esquerda e de Direita a ver se o pessoal enganado por nós, primeiro com as esmolas dos teus Governos e depois com a factura deste Governos decadente, nos devolve o poder que só pode ser nosso. 

— Foda-se, Isabel Loira, agora até me geraste um frisson, um arrepio na espinha... 

— Tu, pá, meu caralho, Santa Puta, foste um bom primeiro-ministro, corajoso. Enfrentaste imensas dificuldades, em comparação com Passos Coelho sofreste um duplo padrão em relação à Direita. Gostava de ver aprovada a adopção por todas as pessoas e que fosse possível a uma mulher conceber um filho sem necessidade de ter um parceiro, como acontece em Espanha. 

— Sim, mas para isso é preciso que o meu Gajo, o Costa, vença as próximas eleições e com maioria absoluta. 

— Isso será difícil, Santa Puta... 

— Mas estamos a conseguir destruir todos os dias o prestígio do Governo e dos seus ministros fragilizados pelo boicote estrutural nos suportes informáticos que temos patrocinado, Isabel... 

— São batalhas que levam o seu tempo, Santa Puta. A partir do momento em que há uma maioria de Direita, há coisas que não vale a pena apresentar como proposta de lei sob pena de inscrever num caminho de vitórias uma derrota. E quanto ao teu Gajo, o Costa, não sei... 

— Tu és formada em Direito, és uma constitucionalista, o mundo ensina-te tudo o que deves aprender, tens viajado e visto o que a Esquerda faz de único e maravilho ao nosso vasto mundo. 

— Sim. Pensei muito em ti, Santa Puta, quando estive em Cuba. Havana é um poema, mas a miséria é horrível e a forma como escondem isso com propaganda é terrível. Olha, como tu, entre 2005 e 2011, também gastaste balúrdios em cenas do tipo, como aquele negócio da PT com o teu outro gajo, o Figo. Podíamos fazer de Portugal uma Cuba, porque as pessoas, quando se consegue chegar a elas, estar lá o tempo suficiente para ir jantar a casa de um cubano, conhecer a história deles e eles sorrirem apesar da miséria... 

— Espera que o meu Gajo, o Costa, seja eleito e faremos disto a Cuba que pudermos, com pessoas gratas aos nossos subsídios e que também sorriem apesar da miséria, como os cubanos... 

— Sabes, Santa Puta, Tenho uma mente de há 80 anos atrás, quando andávamos a dizer mal da Igreja, a pontapear os colhões dos padres, pá, aquele jacobinismo puro e duro que ainda habita na cabeça do nosso padrinho Don Marioleone... pá, Santa Puta... 

— E na do Enferrujado Rodrigues e nos caramelos fósseis da Esquerda que odeiam o PS, o PCP e o Burloque... Enfim, Isabel Loira Moreira, vamos lá à tua declamação... 

— Ok, SóCrash, vamos ao meu «Apátrida». 

— Vamos. 

— Esta merda que eu escrevi prolonga e aprofunda temáticas obsessivas, quase fetichistas, e tópicos discursivos que caracterizam desde há muito a minha obra. 

— Sim, pá... 

— Leste o meu Correspondência Comercial e A Excelência no Atendimento? 

— Claro, pá... 

SóCrash havia já ingressado na sua ampla cama na qual, se bem se lembram, tivera o inexcedível colóquio com o Diabo: 

— Leste o meu Pessoas só? 

— Sim, pá... 

— E o meu Quando uma palavra não basta, candidato ao prémio Saramago... 

— Claro, pá, Isabel... 

— Leste as minhas 160 páginas do Ansiedade. 

— Foda-se, Isabel, li tudo o que escreveste, só que em oblíquo... Também leio aquele caralho, o Palavrossavrvs em oblíquo... 

— Este é o quarto livro. Ok. Pronto, sou escritora e ser escritora é escrever palavras, mesmo que com erros de ortografia. 

— Por que achas que comprei a peta do Acordo Ortográfico? Foi para lançar uma espécie de Bancarrota na Língua e confundir ainda mais a populaça... 

— Gosto de articular a literatura da abjecção e a tentativa frustrada de se configurar como escritora maldita. 'Bora mergulhar no meu demónio do asfalto e nos abismos de uma insanidade teatralizada?! 

— Oh Isabel, lê lá qualquer merda. Eu quero adormecer... 

— O meu vórtice vocabular vai deixar-te louco, SóCrash... É a margem, a periferia da sanidade, o meu sagaz oportunismo na escolha destes territórios significantes: pág. 35: «o gajo não sabe um cu do que se passa»; «um buraco diferente» − pág. 25... 

— Isso é fixe, Isabel... 

— Repara nesta transnomição onomatopaica «chiiiiiiiiiiiiiiiiiiu», pág. 33, prorrogado no «cala as minhas esplanadas» da pág. 51, e no ritmado «clique, clique, clique» da pág. 47! 

— Isabel, estou a ficar zonzo... 

— ... «matar o bailado dos qualificativos», pág. 11, «vou vomitar» − pág. 40; «o meu umbigo vomitado numa noite aterradora» − pág. 32; «talvez nesse dia ausente tenha / entrado em sua casa e amparasse / o vómito» − pág. 40; «esmurra o vomitado nas casas de banho» − pág. 34. 

— Foda-se, pá, isso é sublime. 

— Não me interrompas, Santa Puta... A minha abertura e a minha recepção, físicas e corpóreas, são totais e vorazmente carnívoras, ávidas da plenitude dos sentidos, num experimentalismo sucessivo, às vezes múltiplo, e sempre infindo. Vou ler-te o que a ex-ministra e pianista Gabriela Canavilhas escreveu na contracapa do meu livro: «Isabel Moreira não pára de surpreender». 

— Grande ex-ministra do meu ex-Governo... é pena ela não saber o que diz no Frente a Frente da SICN... 

— ... «estrume de dor», página 8. E pronto, este meu estrume de dor constitui-se como metáfora e síntese perfeitas destas minhas 104 páginas, impressas na Bloco Gráfico, Lda. Mas há mais: «estou peganhenta», pág. 12,... «fumei três ganzas e bebi uma garrafa de vinho tinto», pág. 38,... «fui a um bar e comi coisas verdes»,... pág. 39, «e tal e tal e o caralho», pág. 15,... «dói-me o útero / e de repente tudo cheira mal,» pág. 19;... «o meu útero, desde então, gentilmente destruído», pág. 67; «aquele entra e sai ritmado, gramatical,», pág. 19; «tirando três dedos femininos de dentro dela», pág. 41, «metendo o que pode no que vai dar a umas trompas laqueadas», pág. 41;
«tantos gajos, mães, eu tão bêbeda,
meticulosa, um a um, odor a odor, nos
pescoços, nas virilhas, nos cus, onde
fosse, respirar gajo a gajo à procura de
um cheiro familiar
familiar
nós», página 77... 

Entretanto, SóCrash, o Santa Puta, efectivamente ia adormecendo, deixando Isabel Loira Moreira auto-hipnotizada pela sua declamação esforçada: 

— ... «num charco, um charco de esperma a tapar a primeira marca de ter sido mãe», pág. 33... «morro a procurar o teu cheiro em duas ancas», pág. 74... «esfregar urtigas no sexo». Isso é do blogue «Consolação», texto de 2010; pp. 42-43, esta «menina-lobo que uiva culpas»;... «comeu uma colherada de batatas», pág. 42; «a menina leva um estalo na cara», pág. 43; «eu de mãos atadas nas costas a lamber o chão.», pág. 53; «o amigo que me enfiava uma nota no sexo», pág. 53;... «unilateralidade sem dolo», pág. 68... 

Isabel vê-se só, sem o concurso da atenção do seu mestre, SóCrash. 

— Bem, é pena que não me possas ouvir na parte apóstata e herege... árvores «tão altas que esmurram deus», pág. 22; «o choro inútil de deus», pág. 27; «deus a dar cabo de tudo», pág. 32; «a cegueira de um tiro de deus amarelo ao máximo ao nosso encontro», pág. 28; «a cegueira de um tiro de deus amarelo máximo ao nosso encontro», pág. 104; «deus a mijar-se de medo pelas pernas abaixo naquele temporal», pág. 98... «− quem és tu, pai? / − disseste pai? / − não, disse pau.»... 

E foi assim que SóCrash adormeceu e Isabel Loira Moreira ficou ali, só, sentindo-se estranhamente deprimida.

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