Escrita Criativa / Poesia

15-04-2019
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VIRTUDE DA IGNORÂNCIA?


algum tempo atrás vi um filme, lançado nos EUA em 2014, e que se intitula
“Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) ”. Certamente, só pelo
“Birdman”, eu não teria visto o filme, mesmo lendo a sinopse, como faço sempre.
Na verdade, verifiquei que se tratava de um ator que recusou fazer o quarto
filme da mesma saga, na mesma personagem – o de um super-herói – e que, agora
no teatro, entendia poder mostrar todo o seu talento, enquanto procurava repor
a notoriedade que ia perdendo à medida que o tempo passava. Mais do que a
sinopse ou o facto de o filme ter nove nomeações para os Óscares de 2015 e ter
obtido quatro prémios – melhor filme, melhor realizador (o mexicano Alejandro
González Iñarritu), melhor argumento e melhor fotografia – o que me levou a ver
este filme foi o apêndice do título: “A Inesperada Virtude da Ignorância”! É a
curiosidade própria de quem pretende, de forma permanente, ultrapassar a
ignorância e, ao mesmo tempo, de quem tem dificuldade em descobrir qualquer
virtude na ignorância.

Reconheço
que, para muitos, é fácil e cómodo aceitar a ignorância como algo relaxante,
evitando assim a toxicidade contagiante da verdade, que na maior parte das
vezes magoa, e para as quais nem sempre se está preparado. Sim, porque a
verdade poder ter algo de tóxico, na medida em que transforma a dor emocional
em toxicidade, quando não há uma resposta adequada à dor produzida pelo efeito
da verdade.

Neste
sentido, há determinados acontecimentos, que resultam em notícias, e que produz
efeitos diferentes, consoante o perfil de quem lê ou, simplesmente, ouve. O
mesmo tema, a uns provoca umas “cócegas” que dá para sorrir, pelo
sensacionalismo e incredibilidade, a outros uma enorme revolta, com vontade de
partir tudo, sobrando a indiferença para uma maioria pachorrenta, que parece
estar vacinada contra tudo aquilo que tem o condão de ferir ou chocar. Vejamos quatro
casos, meramente exemplificativos, com algum distanciamento e sem procurar
fazer juízos de valor:


“Mulher enterrou o marido no quintal” [Correio da Manhã]. Envolveu um casal de
escoceses que vivia há seis anos numa quinta em Linhares da Beira. Ele poderia sofrer
de uma doença do foro oncológico, faleceu e sabe-se que a esposa não comunicou o
óbito às autoridades. O corpo foi encontrado e identificado na quinta onde
viviam, tanto pela PJ como pela polícia científica. O tribunal de Celorico de Beira
condenou, por profanação de cadáver, esta mulher, professora, desempregada, ficando
obrigada ao pagamento de uma multa de € 790 + “prisão subsidiária” de € 105 +
as respetivas custas judiciais;

– “Trânsito cortado nos Aliados devido a
viatura suspeita” [TVI24]. Tratava-se de uma carrinha preta, de matrícula
portuguesa, registada em nome de um cidadão da Macedónia. O trânsito chegou a
ser cortado nos dois sentidos durante cerca de 4 horas, com a polícia a
instalar um perímetro de segurança e a ser activada uma equipa cinotécnica e
uma brigada de inativação de explosivos, que não detetou nada suspeito, a não
ser a viatura deixada em plena avenida dos Aliados, no Porto. Mais tarde foi
referido – sem obter confirmação –, que este aparato ocorreu por avaria da
viatura e que o proprietário terá ido, com um amigo, comer uns hambúrgueres;

– “DIAP abre inquérito ao caso do
currículo de Feliciano Barreiras Duarte” [RTP]. Após notícia do semanário Sol,
em que fica a suspeição sobre a falsificação do currículo apresentado para
efeitos de mestrado, em Direito, na Universidade Autónoma de Lisboa (onde
defendeu a sua dissertação, em 2014), a RTP noticiou ter recebido uma nota da
Procuradoria- Geral da República, em que refere ter remetido para “inquérito no
Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa os elementos que
recolheu”, sobre este caso do currículo do atual secretário-geral do PSD. O
visado, no ponto 1.1.4 da sua biografia oficial, escreveu: “Está a concluir o
doutoramento com uma tese sobre ‘Políticas Públicas e Direita da Imigração’ em
parceria com a Universidade Pública[1] de
Berkeley, Califórnia, EUA, com o estatuto de visiting scholar (vidé abaixo
Certificado de Inscrição na Universidade de Berkeley)”. O Departamento de
Relações Públicas daquela Universidade desmentiu que esta pessoa tenha o
estatuto de visiting scholar, correspondente a investigador convidado. O
próprio retirou este item do seu currículo, disse que nunca esteve naquela
universidade e espera serenamente pelo desfecho do caso, pois “nada fez de
errado”;

– “Expresso diz que EDP pagou 10 milhões
de IRC. Elétrica diz que pagou 481 milhões” [Negócios jornal on-line, numa
alusão a notícia do semanário Expresso]. “A EDP [liderada por António Mexia]
conseguiu, em 2017, uma taxa efetiva de imposto sobre os seus lucros de 0,7 %,
o que representa a taxa mais baixa entre as empresas PSI-20 que já apresentaram
as contas anuais.  Isso significaria que sobre
um resultado líquido de 1,52 mil milhões de euros, o grupo EDP apurou um
imposto líquido de 10,3 milhões”. Para que conste, “a EDP acabou o ano de 2017
com lucros de 1.113 milhões de euros e distribuiu 690 milhões de euros aos seus
acionistas em dividendos”. Uma fonte oficial da EDP apressou-se a comunicar que
“em 2017 pagou cerca de 481 milhões de euros em IRC em Portugal”, entendendo
que o semanário Expresso “confunde o reporte contabilístico refletido no
relatório e contas com os valores efectivamente pagos em sede de IRC”. Ter-se-á
chegado ao valor de 0,7% de taxa de IRC a pagar devido a um “conjunto de créditos
fiscais, benefícios relativos a dividendos e outros benefícios”, pode ler-se no
Negócios. Carlos César, presidente do partido e líder parlamentar do PS, já
solicitou ao governo [PS] informações acerca deste caso.

Cada um destes citados casos poderia ser
abordado individualmente, em crónica, seja pela vertente da miséria humana, da
necessidade de atenta vigilância e/ou de acabar com os lóbis instalados e “furos
legislativos” conducentes a engenharias financeiras, apenas ao alcance de
alguns e lesivas do erário; sempre com a intenção de realçar algo que possa
despertar, modificar e exigir mudança de comportamentos – para melhor,
subentenda-se.

No dia em que a BIRD Magazine estreia a
sua nova página e que eu completo a minha 74.ª crónica, realço que o que fiz em
total liberdade, englobando-as maioritariamente na rubrica
“Cidadania e Sociedade”. Além desta, o leitor atento pode encontrar nesta
revista on-line as seguintes rubricas:
Ambiente e Natureza; Arte; Ciência e Tecnologia; Concursos; Desporto; Economia;
Educação; Entrevistas; Filosofia; Gente da Minha Terra; Justiça; Life &
Stile; Literatura; Mundo; Notícias; Poesia; Política; Psicologia; Religião;
Saúde e Vida; Veterinária. São mais de cinquenta os cronistas residentes, que
colaboram quinzenalmente, de forma regular. Se este projeto cresceu na
blogosfera q.b., se o seu slogan é “O
pouso das palavras, o voo das opiniões” e se hoje a BIRD aparece com um “novo
ar”, tal reflete a vitalidade conferida pelo editor, pelos colaboradores e
pelos leitores. Os leitores têm mesmo um importante peso, ao opinarem construtivamente
sobre os conteúdos. É certo que alguns desses, perante uma conversa profunda,
têm uma postura semelhante à de alguém ao lado que apenas se foca na gravata
mal colocada, no cabelo despenteado ou na roupa que não combina, esquecendo,
por completo, o conteúdo. Felizmente, o feedback
positivo tem incentivado e dá créditos para continuar; o editor sabe-o. A BIRD
Magazine é sinónimo de diminuição progressiva da ignorância. E como o país não
precisa de gente esperta, mas sim da virtude de gente desperta!...

© Jorge Nuno (2018)

[1] A
designação “Pública” está incorreta.

VIRTUDE DA IGNORÂNCIA?


algum tempo atrás vi um filme, lançado nos EUA em 2014, e que se intitula
“Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) ”. Certamente, só pelo
“Birdman”, eu não teria visto o filme, mesmo lendo a sinopse, como faço sempre.
Na verdade, verifiquei que se tratava de um ator que recusou fazer o quarto
filme da mesma saga, na mesma personagem – o de um super-herói – e que, agora
no teatro, entendia poder mostrar todo o seu talento, enquanto procurava repor
a notoriedade que ia perdendo à medida que o tempo passava. Mais do que a
sinopse ou o facto de o filme ter nove nomeações para os Óscares de 2015 e ter
obtido quatro prémios – melhor filme, melhor realizador (o mexicano Alejandro
González Iñarritu), melhor argumento e melhor fotografia – o que me levou a ver
este filme foi o apêndice do título: “A Inesperada Virtude da Ignorância”! É a
curiosidade própria de quem pretende, de forma permanente, ultrapassar a
ignorância e, ao mesmo tempo, de quem tem dificuldade em descobrir qualquer
virtude na ignorância.

Reconheço
que, para muitos, é fácil e cómodo aceitar a ignorância como algo relaxante,
evitando assim a toxicidade contagiante da verdade, que na maior parte das
vezes magoa, e para as quais nem sempre se está preparado. Sim, porque a
verdade poder ter algo de tóxico, na medida em que transforma a dor emocional
em toxicidade, quando não há uma resposta adequada à dor produzida pelo efeito
da verdade.

Neste
sentido, há determinados acontecimentos, que resultam em notícias, e que produz
efeitos diferentes, consoante o perfil de quem lê ou, simplesmente, ouve. O
mesmo tema, a uns provoca umas “cócegas” que dá para sorrir, pelo
sensacionalismo e incredibilidade, a outros uma enorme revolta, com vontade de
partir tudo, sobrando a indiferença para uma maioria pachorrenta, que parece
estar vacinada contra tudo aquilo que tem o condão de ferir ou chocar. Vejamos quatro
casos, meramente exemplificativos, com algum distanciamento e sem procurar
fazer juízos de valor:


“Mulher enterrou o marido no quintal” [Correio da Manhã]. Envolveu um casal de
escoceses que vivia há seis anos numa quinta em Linhares da Beira. Ele poderia sofrer
de uma doença do foro oncológico, faleceu e sabe-se que a esposa não comunicou o
óbito às autoridades. O corpo foi encontrado e identificado na quinta onde
viviam, tanto pela PJ como pela polícia científica. O tribunal de Celorico de Beira
condenou, por profanação de cadáver, esta mulher, professora, desempregada, ficando
obrigada ao pagamento de uma multa de € 790 + “prisão subsidiária” de € 105 +
as respetivas custas judiciais;

– “Trânsito cortado nos Aliados devido a
viatura suspeita” [TVI24]. Tratava-se de uma carrinha preta, de matrícula
portuguesa, registada em nome de um cidadão da Macedónia. O trânsito chegou a
ser cortado nos dois sentidos durante cerca de 4 horas, com a polícia a
instalar um perímetro de segurança e a ser activada uma equipa cinotécnica e
uma brigada de inativação de explosivos, que não detetou nada suspeito, a não
ser a viatura deixada em plena avenida dos Aliados, no Porto. Mais tarde foi
referido – sem obter confirmação –, que este aparato ocorreu por avaria da
viatura e que o proprietário terá ido, com um amigo, comer uns hambúrgueres;

– “DIAP abre inquérito ao caso do
currículo de Feliciano Barreiras Duarte” [RTP]. Após notícia do semanário Sol,
em que fica a suspeição sobre a falsificação do currículo apresentado para
efeitos de mestrado, em Direito, na Universidade Autónoma de Lisboa (onde
defendeu a sua dissertação, em 2014), a RTP noticiou ter recebido uma nota da
Procuradoria- Geral da República, em que refere ter remetido para “inquérito no
Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa os elementos que
recolheu”, sobre este caso do currículo do atual secretário-geral do PSD. O
visado, no ponto 1.1.4 da sua biografia oficial, escreveu: “Está a concluir o
doutoramento com uma tese sobre ‘Políticas Públicas e Direita da Imigração’ em
parceria com a Universidade Pública[1] de
Berkeley, Califórnia, EUA, com o estatuto de visiting scholar (vidé abaixo
Certificado de Inscrição na Universidade de Berkeley)”. O Departamento de
Relações Públicas daquela Universidade desmentiu que esta pessoa tenha o
estatuto de visiting scholar, correspondente a investigador convidado. O
próprio retirou este item do seu currículo, disse que nunca esteve naquela
universidade e espera serenamente pelo desfecho do caso, pois “nada fez de
errado”;

– “Expresso diz que EDP pagou 10 milhões
de IRC. Elétrica diz que pagou 481 milhões” [Negócios jornal on-line, numa
alusão a notícia do semanário Expresso]. “A EDP [liderada por António Mexia]
conseguiu, em 2017, uma taxa efetiva de imposto sobre os seus lucros de 0,7 %,
o que representa a taxa mais baixa entre as empresas PSI-20 que já apresentaram
as contas anuais.  Isso significaria que sobre
um resultado líquido de 1,52 mil milhões de euros, o grupo EDP apurou um
imposto líquido de 10,3 milhões”. Para que conste, “a EDP acabou o ano de 2017
com lucros de 1.113 milhões de euros e distribuiu 690 milhões de euros aos seus
acionistas em dividendos”. Uma fonte oficial da EDP apressou-se a comunicar que
“em 2017 pagou cerca de 481 milhões de euros em IRC em Portugal”, entendendo
que o semanário Expresso “confunde o reporte contabilístico refletido no
relatório e contas com os valores efectivamente pagos em sede de IRC”. Ter-se-á
chegado ao valor de 0,7% de taxa de IRC a pagar devido a um “conjunto de créditos
fiscais, benefícios relativos a dividendos e outros benefícios”, pode ler-se no
Negócios. Carlos César, presidente do partido e líder parlamentar do PS, já
solicitou ao governo [PS] informações acerca deste caso.

Cada um destes citados casos poderia ser
abordado individualmente, em crónica, seja pela vertente da miséria humana, da
necessidade de atenta vigilância e/ou de acabar com os lóbis instalados e “furos
legislativos” conducentes a engenharias financeiras, apenas ao alcance de
alguns e lesivas do erário; sempre com a intenção de realçar algo que possa
despertar, modificar e exigir mudança de comportamentos – para melhor,
subentenda-se.

No dia em que a BIRD Magazine estreia a
sua nova página e que eu completo a minha 74.ª crónica, realço que o que fiz em
total liberdade, englobando-as maioritariamente na rubrica
“Cidadania e Sociedade”. Além desta, o leitor atento pode encontrar nesta
revista on-line as seguintes rubricas:
Ambiente e Natureza; Arte; Ciência e Tecnologia; Concursos; Desporto; Economia;
Educação; Entrevistas; Filosofia; Gente da Minha Terra; Justiça; Life &
Stile; Literatura; Mundo; Notícias; Poesia; Política; Psicologia; Religião;
Saúde e Vida; Veterinária. São mais de cinquenta os cronistas residentes, que
colaboram quinzenalmente, de forma regular. Se este projeto cresceu na
blogosfera q.b., se o seu slogan é “O
pouso das palavras, o voo das opiniões” e se hoje a BIRD aparece com um “novo
ar”, tal reflete a vitalidade conferida pelo editor, pelos colaboradores e
pelos leitores. Os leitores têm mesmo um importante peso, ao opinarem construtivamente
sobre os conteúdos. É certo que alguns desses, perante uma conversa profunda,
têm uma postura semelhante à de alguém ao lado que apenas se foca na gravata
mal colocada, no cabelo despenteado ou na roupa que não combina, esquecendo,
por completo, o conteúdo. Felizmente, o feedback
positivo tem incentivado e dá créditos para continuar; o editor sabe-o. A BIRD
Magazine é sinónimo de diminuição progressiva da ignorância. E como o país não
precisa de gente esperta, mas sim da virtude de gente desperta!...

© Jorge Nuno (2018)

[1] A
designação “Pública” está incorreta.

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