Feliciano Barreiras Duarte: “O PSD, pelo que se percebe, também tem racistas e xenófobos”

24-08-2017
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Em entrevista ao Expresso, Feliciano Barreiras Duarte deixa um aviso aos seus correligionários de partido: "Se o PSD para ganhar eleições tiver de fazer eleitoralismo com a imigração e minorias étnicas, é um sinal preocupante e de fraqueza. Parece que afinal vale tudo para ter votos e tentar ganhar eleições."

Barreiras Duarte não é uma voz qualquer – é a maior autoridade do PSD sobre políticas de imigração. Está a fazer um doutoramento nessa área e foi secretário de Estado nos Governos de Durão Barroso, de Santana Lopes e de Passos Coelho, sempre com a tutela da imigração. Também foi chefe de gabinete de Passos antes de este chegar a primeiro-ministro.

Nesta entrevista, insurge-se contra as referências de Passos Coelho à nova lei da imigração, no comício do Pontal. Nesse discurso, o líder do PSD criticou a possibilidade de "qualquer um" poder entrar em Portugal e associou a questão da imigração à criminalidade. Barreiras Duarte não tem dúvidas: esse é um discurso com base em "achismos" que não tem correspondência com a realidade e só serve a radicais. A "grande dúvida" que verbaliza, que tem ouvido de outras pessoas, é outra: "Se este tipo de proclamações é apenas típico da época pré-eleitoral autárquica ou se é o início de um caminho diferente do PSD relativamente a estas matérias."

Como viu as declarações de Passos Coelho sobre as alterações à lei da imigração?

Com muita preocupação. Aliás, têm sido muitas as pessoas e as instituições, sendo ou não do PSD, que depois dessas declarações me têm contactado, demonstrando nuns casos revolta e indignação e noutros casos preocupação, porque não se reveem neste tipo de proclamações e temem o efeito rastilho que podem ter negativamente para Portugal e os portugueses. E para muitos a grande dúvida é se este tipo de proclamações é apenas típico da época pré-eleitoral autárquica ou se é o início de um caminho diferente do PSD relativamente a estas matérias.

Passos não tem razões para esta preocupação?

Do que ouvi e li, não existe qualquer razão para preocupações. Portugal mantém-se em vários rankings internacionais como um dos países mais seguros, atrativo, competitivo a esses níveis. Por razões diversas, não temos nada que ver, nestas matérias, com países como a França, a Hungria, a Inglaterra, a República Checa, a Grécia, etc. O perfil dos imigrantes e da imigração em Portugal, é muito diferente em muitas variáveis – religiosas, económicas, sociais e culturais.

O líder do PSD alertou para a possibilidade de bastar uma promessa de contrato de trabalho para que alguém possa residir em Portugal. Isso não é afrouxar demasiado as regras?

Essas e outras perceções não são as mais corretas. A fazer fé no que tenho visto e lido, não passam de perceções e opiniões erradas e de interpretações importadas de outras geografias. Sempre fui contra o “achismo” na vida e na política. As análises e proclamações políticas, muitas vezes baseadas no “achismo”, só aumentam os problemas. E o fenómeno imigratório é demasiado sério para as sociedades contemporâneas inclusivas e plurais estarem à mercê do “achismo”. Portugal tem um quadro jurídico relativo a estas matérias muito equilibrado, em conformidade com o Direito da Imigração europeu. Os portugueses podem estar serenos.

Passos avisou também contra “a possibilidade de qualquer um residir em Portugal”. Concorda que esta frase tem em si a génese de um discurso xenófobo?

PSD é o partido político em Portugal que mais trabalho tem feito sobre as migrações e minorias étnicas. Foi o PSD que criou, solidificou e aplicou uma verdadeira política de imigração em Portugal com resultados positivos. Com reconhecimento internacional. Portugal tem ganho muito com a imigração, a vários níveis. Até económica e socialmente. Mas também demograficamente, culturalmente, etc. Foi com governos do PSD que essa política foi criada e implementada, a partir da Presidência do Conselho de Ministros e não do Ministério da Administração Interna, com visões securitárias. O que acontece agora é que o PSD, pelo que se percebe, também tem racistas e xenófobos, que pelos vistos têm apoios internos para defenderem essas posições. Pelo que me dizem, estão no PSD porque é um partido maior. E escolheram-no, não pela ideologia e património político, mas sim pelo seu tamanho. Mas o PSD nunca foi, não é, nem deverá ser um partido político com discursos (e espero práticas) com tiques ‘trumpistas’ e ‘lepenistas’.

E o facto de Passos ter associado imigração e criminalidade? Será uma tentativa de explorar medos

Quem estuda o fenómeno da imigração comprova que associar imigração com terrorismo é errado, demagógico, é redutor e é perigosíssimo. Bem sabemos que para alguns na vida política a polémica é o seu único alimento, sobretudo por via mediática. É caso para dizer que estaremos outra vez no campo do “achismo” contra a realidade dos factos. Se me perguntarem se há terroristas que usaram a figura jurídica de imigrante, asilado ou refugiado, é verdade. Mas são uma ínfima parte. No século XXI, num mundo cada vez mais aberto, as migrações vieram para ficar. Os Estados têm de ver as migrações como uma oportunidade, não um problema.

Foi secretário de Estado no Governo de Passos com o pelouro da imigração. Já tinha exercido essas funções nos governos de Santana e de Durão Barroso. Esta alteração da lei agora aprovada vai contra as políticas dos governos PSD?

O PSD, quer em governos quer na oposição, sempre assumiu a imigração como algo positivo. Fiel sempre à história do nosso país, ao humanismo cristão e à defesa da dignidade da pessoa humana. Na esteira da defesa de valores da nossa genética ideológica e programática. Trabalhei estas matérias com Durão Barroso e Santana Lopes e sobretudo com Nuno Morais Sarmento, e as suas orientações foram sempre essas. Aliás, veja-se o excelente trabalho que Santana Lopes tem feito sobre estas matérias na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. São todos gente culta, com mundo, cosmopolitas, moderados, com preocupações sociais, humanistas.

Em que medida esta postura de Passos contraria a história do PSD nestas matérias?

Pode, se deixar de considerar o essencial do que deve ser uma política de imigração. Que ao ser criada e aplicada, para servir os interesses de um país e da sua população, tem de basear-se em princípios. No nosso caso concreto, rigor nas entradas e humanismo no acolhimento e na integração. E fiéis à nossa tradição de país aberto ao mundo. É conveniente pensarmos bem de cada vez que queremos diabolizar o estrangeiro, um imigrante, ou um refugiado, porque temos cerca de cinco milhões de portugueses a viver em quase 140 países. Para quem há muitas décadas exigimos que sejam bem acolhidos. Até mete dó a contradição e a incoerência de algumas pessoas que brincam com o fogo, ao abordarem de forma populista e generalista estas matérias, descurando potenciais efeitos de ricochete sobre os portugueses.

Sentiu, enquanto foi chefe de gabinete de Passos Coelho, ou quando foi secretário de Estado, que as suas ideias sobre imigração colidiam com as dele?

Foram muito poucas as vezes que falámos sobre estas matérias. Tenho, aliás, os meus diários bem recheados desses tempos. E se a memória não me falha, das poucas vezes que falámos pareceu-me que era uma matéria a que não dava especial prioridade. Numa campanha eleitoral telefonou-me para pedir opinião sobre o assunto, quando fez declarações sobre ser um amigo dos africanos. De resto, recordo-me que a aprovação da estratégia nacional para a comunidade cigana, por mim tratada enquanto governante, por imposição europeia, demorou demasiado para chegar a Conselho de Ministros.

Voltam as suspeitas de xenofobia em relação ao PSD, depois das declarações de André Ventura sobre a comunidade cigana. Vê razões para temer que o PSD vá por essa via populista para ter ganhos eleitorais?

Espero que não. Porque, a acontecer, o PSD estará a hipotecar muito do seu futuro de partido político moderado, tolerante e humanista. E a acantonar-se na direita política retrógrada, caceteira, populista e oportunista. Renegando o património político nestas e noutras matérias. Aliás, não deixa de ser curioso verificar a incoerência de pessoas que se têm assumido tão liberais, defensoras da sociedade aberta, do globalismo, da circulação de capitais e de empresas, e que nestas matérias são por um Portugal a preto e branco e fechado. O PSD nunca foi isso e no futuro deverá tudo fazer para combater isso. Mas infelizmente são sinais dos tempos. Existe um conjunto de pessoas que chegaram ao PSD ontem e que não respeitam referências, património ideológico e afins. Acham que o PSD só começou a existir e a servir Portugal quando eles aderiram. E conhecem o país mais pela internet e pelo Google do que pela realidade. Se o PSD para ganhar eleições tiver de fazer eleitoralismo com a imigração e minorias étnicas, é um sinal preocupante e de fraqueza. Parece que afinal vale tudo para ter votos e tentar ganhar eleições.

[Texto publicado no Expresso de 19 de agosto de 2015]

Em entrevista ao Expresso, Feliciano Barreiras Duarte deixa um aviso aos seus correligionários de partido: "Se o PSD para ganhar eleições tiver de fazer eleitoralismo com a imigração e minorias étnicas, é um sinal preocupante e de fraqueza. Parece que afinal vale tudo para ter votos e tentar ganhar eleições."

Barreiras Duarte não é uma voz qualquer – é a maior autoridade do PSD sobre políticas de imigração. Está a fazer um doutoramento nessa área e foi secretário de Estado nos Governos de Durão Barroso, de Santana Lopes e de Passos Coelho, sempre com a tutela da imigração. Também foi chefe de gabinete de Passos antes de este chegar a primeiro-ministro.

Nesta entrevista, insurge-se contra as referências de Passos Coelho à nova lei da imigração, no comício do Pontal. Nesse discurso, o líder do PSD criticou a possibilidade de "qualquer um" poder entrar em Portugal e associou a questão da imigração à criminalidade. Barreiras Duarte não tem dúvidas: esse é um discurso com base em "achismos" que não tem correspondência com a realidade e só serve a radicais. A "grande dúvida" que verbaliza, que tem ouvido de outras pessoas, é outra: "Se este tipo de proclamações é apenas típico da época pré-eleitoral autárquica ou se é o início de um caminho diferente do PSD relativamente a estas matérias."

Como viu as declarações de Passos Coelho sobre as alterações à lei da imigração?

Com muita preocupação. Aliás, têm sido muitas as pessoas e as instituições, sendo ou não do PSD, que depois dessas declarações me têm contactado, demonstrando nuns casos revolta e indignação e noutros casos preocupação, porque não se reveem neste tipo de proclamações e temem o efeito rastilho que podem ter negativamente para Portugal e os portugueses. E para muitos a grande dúvida é se este tipo de proclamações é apenas típico da época pré-eleitoral autárquica ou se é o início de um caminho diferente do PSD relativamente a estas matérias.

Passos não tem razões para esta preocupação?

Do que ouvi e li, não existe qualquer razão para preocupações. Portugal mantém-se em vários rankings internacionais como um dos países mais seguros, atrativo, competitivo a esses níveis. Por razões diversas, não temos nada que ver, nestas matérias, com países como a França, a Hungria, a Inglaterra, a República Checa, a Grécia, etc. O perfil dos imigrantes e da imigração em Portugal, é muito diferente em muitas variáveis – religiosas, económicas, sociais e culturais.

O líder do PSD alertou para a possibilidade de bastar uma promessa de contrato de trabalho para que alguém possa residir em Portugal. Isso não é afrouxar demasiado as regras?

Essas e outras perceções não são as mais corretas. A fazer fé no que tenho visto e lido, não passam de perceções e opiniões erradas e de interpretações importadas de outras geografias. Sempre fui contra o “achismo” na vida e na política. As análises e proclamações políticas, muitas vezes baseadas no “achismo”, só aumentam os problemas. E o fenómeno imigratório é demasiado sério para as sociedades contemporâneas inclusivas e plurais estarem à mercê do “achismo”. Portugal tem um quadro jurídico relativo a estas matérias muito equilibrado, em conformidade com o Direito da Imigração europeu. Os portugueses podem estar serenos.

Passos avisou também contra “a possibilidade de qualquer um residir em Portugal”. Concorda que esta frase tem em si a génese de um discurso xenófobo?

PSD é o partido político em Portugal que mais trabalho tem feito sobre as migrações e minorias étnicas. Foi o PSD que criou, solidificou e aplicou uma verdadeira política de imigração em Portugal com resultados positivos. Com reconhecimento internacional. Portugal tem ganho muito com a imigração, a vários níveis. Até económica e socialmente. Mas também demograficamente, culturalmente, etc. Foi com governos do PSD que essa política foi criada e implementada, a partir da Presidência do Conselho de Ministros e não do Ministério da Administração Interna, com visões securitárias. O que acontece agora é que o PSD, pelo que se percebe, também tem racistas e xenófobos, que pelos vistos têm apoios internos para defenderem essas posições. Pelo que me dizem, estão no PSD porque é um partido maior. E escolheram-no, não pela ideologia e património político, mas sim pelo seu tamanho. Mas o PSD nunca foi, não é, nem deverá ser um partido político com discursos (e espero práticas) com tiques ‘trumpistas’ e ‘lepenistas’.

E o facto de Passos ter associado imigração e criminalidade? Será uma tentativa de explorar medos

Quem estuda o fenómeno da imigração comprova que associar imigração com terrorismo é errado, demagógico, é redutor e é perigosíssimo. Bem sabemos que para alguns na vida política a polémica é o seu único alimento, sobretudo por via mediática. É caso para dizer que estaremos outra vez no campo do “achismo” contra a realidade dos factos. Se me perguntarem se há terroristas que usaram a figura jurídica de imigrante, asilado ou refugiado, é verdade. Mas são uma ínfima parte. No século XXI, num mundo cada vez mais aberto, as migrações vieram para ficar. Os Estados têm de ver as migrações como uma oportunidade, não um problema.

Foi secretário de Estado no Governo de Passos com o pelouro da imigração. Já tinha exercido essas funções nos governos de Santana e de Durão Barroso. Esta alteração da lei agora aprovada vai contra as políticas dos governos PSD?

O PSD, quer em governos quer na oposição, sempre assumiu a imigração como algo positivo. Fiel sempre à história do nosso país, ao humanismo cristão e à defesa da dignidade da pessoa humana. Na esteira da defesa de valores da nossa genética ideológica e programática. Trabalhei estas matérias com Durão Barroso e Santana Lopes e sobretudo com Nuno Morais Sarmento, e as suas orientações foram sempre essas. Aliás, veja-se o excelente trabalho que Santana Lopes tem feito sobre estas matérias na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. São todos gente culta, com mundo, cosmopolitas, moderados, com preocupações sociais, humanistas.

Em que medida esta postura de Passos contraria a história do PSD nestas matérias?

Pode, se deixar de considerar o essencial do que deve ser uma política de imigração. Que ao ser criada e aplicada, para servir os interesses de um país e da sua população, tem de basear-se em princípios. No nosso caso concreto, rigor nas entradas e humanismo no acolhimento e na integração. E fiéis à nossa tradição de país aberto ao mundo. É conveniente pensarmos bem de cada vez que queremos diabolizar o estrangeiro, um imigrante, ou um refugiado, porque temos cerca de cinco milhões de portugueses a viver em quase 140 países. Para quem há muitas décadas exigimos que sejam bem acolhidos. Até mete dó a contradição e a incoerência de algumas pessoas que brincam com o fogo, ao abordarem de forma populista e generalista estas matérias, descurando potenciais efeitos de ricochete sobre os portugueses.

Sentiu, enquanto foi chefe de gabinete de Passos Coelho, ou quando foi secretário de Estado, que as suas ideias sobre imigração colidiam com as dele?

Foram muito poucas as vezes que falámos sobre estas matérias. Tenho, aliás, os meus diários bem recheados desses tempos. E se a memória não me falha, das poucas vezes que falámos pareceu-me que era uma matéria a que não dava especial prioridade. Numa campanha eleitoral telefonou-me para pedir opinião sobre o assunto, quando fez declarações sobre ser um amigo dos africanos. De resto, recordo-me que a aprovação da estratégia nacional para a comunidade cigana, por mim tratada enquanto governante, por imposição europeia, demorou demasiado para chegar a Conselho de Ministros.

Voltam as suspeitas de xenofobia em relação ao PSD, depois das declarações de André Ventura sobre a comunidade cigana. Vê razões para temer que o PSD vá por essa via populista para ter ganhos eleitorais?

Espero que não. Porque, a acontecer, o PSD estará a hipotecar muito do seu futuro de partido político moderado, tolerante e humanista. E a acantonar-se na direita política retrógrada, caceteira, populista e oportunista. Renegando o património político nestas e noutras matérias. Aliás, não deixa de ser curioso verificar a incoerência de pessoas que se têm assumido tão liberais, defensoras da sociedade aberta, do globalismo, da circulação de capitais e de empresas, e que nestas matérias são por um Portugal a preto e branco e fechado. O PSD nunca foi isso e no futuro deverá tudo fazer para combater isso. Mas infelizmente são sinais dos tempos. Existe um conjunto de pessoas que chegaram ao PSD ontem e que não respeitam referências, património ideológico e afins. Acham que o PSD só começou a existir e a servir Portugal quando eles aderiram. E conhecem o país mais pela internet e pelo Google do que pela realidade. Se o PSD para ganhar eleições tiver de fazer eleitoralismo com a imigração e minorias étnicas, é um sinal preocupante e de fraqueza. Parece que afinal vale tudo para ter votos e tentar ganhar eleições.

[Texto publicado no Expresso de 19 de agosto de 2015]

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