Tique de "aparelhismo"? Militantes acusam BE de criar listas irregulares

23-07-2019
marcar artigo

Pode o nome mais votado pela distrital não ser o cabeça de lista às legislativas por Santarém? Pode e, por votação unilateral da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda, assim será: Carlos Matias não liderará a lista por aquele distrito, apesar ter sido o nome votado por 68% dos aderentes na assembleia distrital de 29 de junho.

José Sena Goulão/Lusa

A nível nacional, a estrutura do partido mais importante entre convenções votou uma semana depois, no sábado, 6 de julho, quem encabeçará as listas do partido. E sem novidades incluiu os nomes dos dirigentes e deputados Catarina Martins (Porto), Mariana Mortágua e Pedro Filipe Soares (Lisboa), José Manuel Pureza (Coimbra), Joana Mortágua (Setúbal), João Vasconcelos (Faro) e Moisés Ferreira (Aveiro). Mas outro deputado, Carlos Matias, foi preterido.

A direção do BE propôs antes a professora e ativista pelos direitos das mulheres, Fabíola Cardoso, como alternativa. E na votação na Mesa Nacional, esta venceu com 49 votos, contra 14 na lista apresentada pela distrital e três abstenções.

Estatutos ignorados?

Mas a proposta da direção do Bloco não seguiu os estatutos em vigor no próprio partido, revistos já em 2018. No artigo 10.º, o ponto cinco refere que "compete à Mesa Nacional, sob proposta das assembleias distritais e regionais, decidir sobre a primeira candidata ou candidato das listas à A.R."

É nesse mesmo artigo que Carlos Matias baseia o seu argumento de que a votação na Mesa Nacional foi "irregular", uma "decisão de matriz anti-democrática e de desrespeito por quem votou". Outro (agora) antigo dirigente distrital, Romão Ramos, vai mais longe e diz ter havido uma "ilegalidade".

Carlos Matias revela que esta segunda-feira, 15, haverá reunião da coordenadora da distrital que decidirá se apresenta recurso para a Comissão de Direitos.

Uma distrital magoada

"Além da irregularidade processual, é o desprezo por uma "copiosa derrota", como já vi escrito", diz à SÁBADO Carlos Matias.

Romão Ramos escreveu uma carta aos órgãos nacionais, e a que a SÁBADO teve acesso, em que se desfilia do Bloco depois de um "acumular de inúmeras situações" entre a direção nacional e a a distrital de Santarém. E acusa o partido de ser tornado "num delírio febril de aparelhismo, centralismo democrático, sectarismo e ortodoxia completamente desligado das bases." E diz existirem outros que sentem o mesmo.

À SÁBADO, recorda, por exemplo, como o nome proposto pela concelhia para as autárquicas em Salvaterra de Magos (a antiga presidente Ana Cristina Ribeiro) foi recusado. Dessa vez, "Mariana Mortágua e Adelino Fortunato foram lá tentar demover ideia e não conseguiram". Desta vez, a 29 de junho, foi o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares que se apresentou na reunião da Assembleia Distrital que votou o cabeça de lista. O parlamentar e dirigente nacional terá recordado que a última palavra era da Mesa Nacional (argumento mais tarde utilizado pelo partido quando os resultados foram publicamente criticados).

A maioria dos presentes (119, diz Carlos Matias, referindo que nem no Porto ou Lisboa houve tantos aderentes) votou uma resolução a repudiar "veementemente esta e qualquer outra tentativa de ingerência externa nas suas decisões em matérias que são da sua exclusiva competência".

Romão Ramos acrescenta: "Houve indignação grande sobre o que se estava a passar – sobre o que ia ser a proposta do secretariado – e por isso apareceu tanta gente para votar no Carlos Matias." Sessenta e oito por cento votaram de facto nesta lista, apresentada pela distrital. Com este resultado, Fabíola Cardoso estava arredada como líder por Santarém. Mas a Mesa Nacional decidiria o oposto.

"É rejeitar a proposta de uma lista que foi amplamente sufragada na maior assembleia distrital que houve em todo o país, num plenário amplamente democrático", critica Carlos Matias. "Esta decisão em concreto obviamente que enfraquece o Bloco".

Como tudo se processou

Depois do trabalho de um ano de reunião com as concelhias para construir a lista sugerida pelo distrito às legislativas de outubro, a apenas uma semana de votação dos nomes a direção distrital recebeu um email, descreve à SÁBADO Romão Ramos.

"Uma funcionária do partido envia um email à coordenadora distrital a dizer que tem conhecimento que vai à assembleia distrital uma proposta que tem o Carlos Martins como cabeça de lista e informa que a comissão política [nacional] vai apresentar também um nome para ser candidato". Esse nome era o da professora Fabíola Cardoso.

O motivo: afastar a oposição interna

Romão Ramos não tem dúvidas de que o facto de Carlos Matias pertencer à corrente crítica Via Esquerda foi o motivo para o afastar. "A leitura que faço é esta", diz, relatando que "em distritos onde havia uma preponderância da Via Esquerda ou outras vozes que não alinhavam com a Comissão Nacional do partido foram linchadas." Só a distrital de Santarém fez este braço de ferro com os órgãos nacionais, "mas o que se passou em Braga e Leiria foi igual: o Heitor de Sousa e o Pedro Soares é que optaram por não extremar a situação" e não serão candidatos.

Carlos Matias acrescenta: "Gostaria que essa pergunta fosse endereçada à direção nacional" — e a SÁBADO fê-lo, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo. "Não foi por boas razões, foi por razões inconfessadas, porque o pretexto de renovação é falso: em Lisboa foi um candidato de 69 anos. Há um deputado que os próprios dirigentes nacionais dizem que fez um bom trabalho. Não é o meu juízo de mim próprio, foram eles que disseram. Mas que depois dizem que é afastado por renovação? É um pretexto que é evidentemente falso", acusa o atual deputado, acrescentando que há colegas, como José Soeiro, candidatos pela quinta vez. "O que é isso da renovação?"

"Esta ideia de pôr a Fabíola Cardoso é uma diretiva; já nem a direção volta atrás", assume Romão Ramos à SÁBADO, confessando-se descrente numa decisão favorável caso a distrital apresente um recurso.

"Isto é normal que se passe no PS, no PSD. Mas a matriz destes partidos sempre foi essa, de procurar ter grupos grandes, extensos e homogéneos. O Bloco sempre teve processo diferente: partiu do pressuposto da pluralidade, da diferença de opinião, da história de cada pessoa." No Bloco já não encontra essa matriz de Miguel Portas, como cita, e decidiu sair.

Pode o nome mais votado pela distrital não ser o cabeça de lista às legislativas por Santarém? Pode e, por votação unilateral da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda, assim será: Carlos Matias não liderará a lista por aquele distrito, apesar ter sido o nome votado por 68% dos aderentes na assembleia distrital de 29 de junho.

José Sena Goulão/Lusa

A nível nacional, a estrutura do partido mais importante entre convenções votou uma semana depois, no sábado, 6 de julho, quem encabeçará as listas do partido. E sem novidades incluiu os nomes dos dirigentes e deputados Catarina Martins (Porto), Mariana Mortágua e Pedro Filipe Soares (Lisboa), José Manuel Pureza (Coimbra), Joana Mortágua (Setúbal), João Vasconcelos (Faro) e Moisés Ferreira (Aveiro). Mas outro deputado, Carlos Matias, foi preterido.

A direção do BE propôs antes a professora e ativista pelos direitos das mulheres, Fabíola Cardoso, como alternativa. E na votação na Mesa Nacional, esta venceu com 49 votos, contra 14 na lista apresentada pela distrital e três abstenções.

Estatutos ignorados?

Mas a proposta da direção do Bloco não seguiu os estatutos em vigor no próprio partido, revistos já em 2018. No artigo 10.º, o ponto cinco refere que "compete à Mesa Nacional, sob proposta das assembleias distritais e regionais, decidir sobre a primeira candidata ou candidato das listas à A.R."

É nesse mesmo artigo que Carlos Matias baseia o seu argumento de que a votação na Mesa Nacional foi "irregular", uma "decisão de matriz anti-democrática e de desrespeito por quem votou". Outro (agora) antigo dirigente distrital, Romão Ramos, vai mais longe e diz ter havido uma "ilegalidade".

Carlos Matias revela que esta segunda-feira, 15, haverá reunião da coordenadora da distrital que decidirá se apresenta recurso para a Comissão de Direitos.

Uma distrital magoada

"Além da irregularidade processual, é o desprezo por uma "copiosa derrota", como já vi escrito", diz à SÁBADO Carlos Matias.

Romão Ramos escreveu uma carta aos órgãos nacionais, e a que a SÁBADO teve acesso, em que se desfilia do Bloco depois de um "acumular de inúmeras situações" entre a direção nacional e a a distrital de Santarém. E acusa o partido de ser tornado "num delírio febril de aparelhismo, centralismo democrático, sectarismo e ortodoxia completamente desligado das bases." E diz existirem outros que sentem o mesmo.

À SÁBADO, recorda, por exemplo, como o nome proposto pela concelhia para as autárquicas em Salvaterra de Magos (a antiga presidente Ana Cristina Ribeiro) foi recusado. Dessa vez, "Mariana Mortágua e Adelino Fortunato foram lá tentar demover ideia e não conseguiram". Desta vez, a 29 de junho, foi o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares que se apresentou na reunião da Assembleia Distrital que votou o cabeça de lista. O parlamentar e dirigente nacional terá recordado que a última palavra era da Mesa Nacional (argumento mais tarde utilizado pelo partido quando os resultados foram publicamente criticados).

A maioria dos presentes (119, diz Carlos Matias, referindo que nem no Porto ou Lisboa houve tantos aderentes) votou uma resolução a repudiar "veementemente esta e qualquer outra tentativa de ingerência externa nas suas decisões em matérias que são da sua exclusiva competência".

Romão Ramos acrescenta: "Houve indignação grande sobre o que se estava a passar – sobre o que ia ser a proposta do secretariado – e por isso apareceu tanta gente para votar no Carlos Matias." Sessenta e oito por cento votaram de facto nesta lista, apresentada pela distrital. Com este resultado, Fabíola Cardoso estava arredada como líder por Santarém. Mas a Mesa Nacional decidiria o oposto.

"É rejeitar a proposta de uma lista que foi amplamente sufragada na maior assembleia distrital que houve em todo o país, num plenário amplamente democrático", critica Carlos Matias. "Esta decisão em concreto obviamente que enfraquece o Bloco".

Como tudo se processou

Depois do trabalho de um ano de reunião com as concelhias para construir a lista sugerida pelo distrito às legislativas de outubro, a apenas uma semana de votação dos nomes a direção distrital recebeu um email, descreve à SÁBADO Romão Ramos.

"Uma funcionária do partido envia um email à coordenadora distrital a dizer que tem conhecimento que vai à assembleia distrital uma proposta que tem o Carlos Martins como cabeça de lista e informa que a comissão política [nacional] vai apresentar também um nome para ser candidato". Esse nome era o da professora Fabíola Cardoso.

O motivo: afastar a oposição interna

Romão Ramos não tem dúvidas de que o facto de Carlos Matias pertencer à corrente crítica Via Esquerda foi o motivo para o afastar. "A leitura que faço é esta", diz, relatando que "em distritos onde havia uma preponderância da Via Esquerda ou outras vozes que não alinhavam com a Comissão Nacional do partido foram linchadas." Só a distrital de Santarém fez este braço de ferro com os órgãos nacionais, "mas o que se passou em Braga e Leiria foi igual: o Heitor de Sousa e o Pedro Soares é que optaram por não extremar a situação" e não serão candidatos.

Carlos Matias acrescenta: "Gostaria que essa pergunta fosse endereçada à direção nacional" — e a SÁBADO fê-lo, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo. "Não foi por boas razões, foi por razões inconfessadas, porque o pretexto de renovação é falso: em Lisboa foi um candidato de 69 anos. Há um deputado que os próprios dirigentes nacionais dizem que fez um bom trabalho. Não é o meu juízo de mim próprio, foram eles que disseram. Mas que depois dizem que é afastado por renovação? É um pretexto que é evidentemente falso", acusa o atual deputado, acrescentando que há colegas, como José Soeiro, candidatos pela quinta vez. "O que é isso da renovação?"

"Esta ideia de pôr a Fabíola Cardoso é uma diretiva; já nem a direção volta atrás", assume Romão Ramos à SÁBADO, confessando-se descrente numa decisão favorável caso a distrital apresente um recurso.

"Isto é normal que se passe no PS, no PSD. Mas a matriz destes partidos sempre foi essa, de procurar ter grupos grandes, extensos e homogéneos. O Bloco sempre teve processo diferente: partiu do pressuposto da pluralidade, da diferença de opinião, da história de cada pessoa." No Bloco já não encontra essa matriz de Miguel Portas, como cita, e decidiu sair.

marcar artigo