O trilho da floresta

06-09-2019
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15 anos depois dos incêndios devastadores que consumiram
mais de 40 mil hectares, a Serra de Monchique voltou a tingir-se de vermelho e negro,
na consumação da tragédia que se adivinhava para aquele território algarvio.

Depois do mês de Julho mais frio dos últimos 30 anos, Agosto
entrou quente, em resultado de uma onda de calor provocada por poeiras do Norte
de Africa, que de certo modo, repetiu o quadro meteorológico registado em 2004,
quando o fogo percorreu 12 mil hectares da Serra do Caldeirão, entre Almodôvar
e São Brás de Alportel.

No dia 5 de Agosto, as chamas deflagraram na Perna da Negra,
e só viriam a ser dominadas passados 7 dias, depois de deixar um rasto negro de
caos e destruição na Serra de Monchique e nos céus do Algarve. Feitas as
contas, arderam mais de 27 mil hectares de espaços florestais nos concelhos de
Monchique e de Silves e com menor impacto em Portimão e também em Odemira, no
distrito de Beja.

O incêndio da Serra de Monchique visto do espaço

“A exceção da regra”, afirmaria António Costa em declarações
na sede da Autoridade Nacional de Proteção Civil, num balanço da prontidão da
resposta do sistema nacional de combate aos incêndios florestais naqueles dias
de Estio intenso. No mesmo tom, Eduardo Cabrita, Ministro da Administração
Interna, enaltecia o facto de não se terem registado vítimas mortais naquele grande
incêndio, que destruiu mais de 50 casas de primeira habitação e obrigou à
evacuação de vários povoados serranos. Não obstante o registo positivo do Governo,
a lição foi clara – o Pais contínua vulnerável aos grandes incêndios
florestais!

Em Maio, Miguel Freitas, Secretário de Estado das Florestas,
reconhecia em Monchique que o Algarve era uma das regiões que apresentava maior
risco de incêndio. Estas declarações foram proferidas no âmbito de uma visita
ao terreno, nas quais também enaltecia o bom trabalho realizado pelo Governo na
prevenção, nomeadamente no que respeita à infraestruturação do território. Aliás,
havia sido esse o registo tranquilizador transmitido à comunicação social no
balanço dessa iniciativa realizada com o objetivo de sensibilizar para a
importância do trabalho conjunto de prevenção, de forma a minimizar o risco de
grandes incêndios na Serra de Monchique. Pois bem, o empenho e as palavras de
conforto viriam a revelar-se pouco eficazes…

Do rescaldo deste grande incêndio, que durante uma semana
mobilizou mais de um milhar de combatentes e mais de uma dezena de meios
aéreos, é possível extrair algumas conclusões para reflexão: 1) Portugal
continua sem capacidade para gerir de uma forma eficiente e eficaz os teatros
de operação complexos dos grandes incêndios florestais; 2) Portugal continua
sem uma articulação forte e eficiente entre a entidade responsável pelo pilar
da prevenção estrutural – ICNF - e as autarquias, a quem acomete a
responsabilidade de garantir a execução das medidas inscritas nos respetivos
planos municipais, nomeadamente no que respeita às faixas de gestão de
combustíveis e 3) Portugal continua sem deter uma equipa de peritos que apoie o
levantamento no terreno dos pontos críticos para as intervenções de
estabilização de emergência após o fogo e, neste domínio, a serra de Monchique
constitui um território de elevado risco e de grande sensibilidade face ao
regime pluviométrico torrencial que caracteriza a região algarvia.

Nessa perspetiva, era importante que o novo Observatório
Técnico Independente dos incêndios, criado na alçada da Assembleia da
República, produzisse uma análise aprofundada a este incêndio donde resultasse
um estudo público que avaliasse o maior incêndio florestal registado este ano
na Europa nas suas múltiplas vertentes. É imperioso conhecer a fundo o que
correu bem e menos bem em Monchique e retirar ilações para que o sistema possa
evoluir. O País não se pode compadecer com mais relatórios inconclusivos como
aquele que foi produzido pela Proteção Civil após o incêndio de Catraia –
Tavira, em 2012, em que foram consumidas pelas chamas 26 mil hectares da Serra
do Caldeirão.

Noutra dimensão de análise, constatou-se que o Governo foi
célere na resposta de emergência, fruto da experiência adquirida no ano
passado. De imediato, o Governo anunciou medidas de apoio em matéria de
habitação, de recuperação das linhas de água e de apoio para a alimentação aos
animais da região afetada e de distribuição de açúcar aos apicultores, para a
alimentação das suas abelhas. Capoulas Santos também anunciou a
disponibilização de ajudas através dos fundos comunitários do PDR2020,
nomeadamente um pacote de apoio financeiro dirigido aos agricultores para a
recuperação do potencial produtivo, por exemplo através da recuperação de
instalações ou substituição de alfaias agrícolas, que estará disponível para as
cerca de 400 explorações afectadas e uma medida de apoio específica para as
operações de estabilização de emergência dos solos, no valor de 4,5 milhões de
euros.

Na perspetiva do médio e longo prazo, António Costa anunciou
um plano de reordenamento económico da Serra de Monchique, para que este
território no futuro não dependa tanto das espécies de crescimento rápido, com
uma aposta em espécies e produtos autóctones, inclusivamente na perspetiva do
enriquecimento da oferta turística do Algarve.

Em 2013, tive a oportunidade de colaborar num estudo de
diagnóstico dos territórios de baixa densidade do Algarve e, no decurso do
trabalho de campo realizado na Serra de Monchique, foi possível constatar a
existência de um enorme potencial nos recursos endógenos – a gastronomia
serrana, o porco e seus derivados, a aguardente de medronho, o turismo de
natureza e ornitológico e, na sua base, a floresta -, mas também da falta de um
instrumento de política orientador e catalisador do interesse de investimento
dos vários agentes económicos.

O plano de reordenamento agora anunciado pode ser esse elemento
agregador que faltava para dinamizar a Serra de Monchique. Com o prazo do final
do ano, a coordenação da sua elaboração acomete ao presidente da Câmara de
Monchique, com o apoio dos municípios adjacentes e da Administração Central e é
daqui que pode nascer uma boa oportunidade para uma nova visão de futuro para a
Serra de Monchique. De certo modo, é essa a ênfase que o Secretário de Estado
das Florestas e do Desenvolvimento Rural colocou ao afirmar que a questão
central reside na mudança do “perfil florestal de Monchique”, com a diversificação
da base produtiva da economia rural, assente num mosaico paisagístico bastante
diferente do atual.

O Ministro do Ambiente, numa visita recente área ardida na
Serra de Monchique, reforçou a ideia do Governo subjacente ao projeto, ao
expressar a necessidade de uma paisagem desenhada e projetada de forma a melhor
valorizar aquele território e todo o capital natural que encerra, conciliando
com a melhoria da sua resistência aos incêndios florestais. De facto, é essa
abordagem que é preciso ter a coragem política de concretizar – uma nova visão
de futuro para aquele território, tornando-o mais atrativo, menos vulnerável ao
fogo e que valorize e remunere os proprietários pelos serviços ambientais
prestados pela floresta autoctone.

Do meu ponto de vista, o processo em curso de revisão do
Plano Regional de Ordenamento Florestal do Algarve pode constituir uma boa base
de trabalho para a materialização dessa nova visão para a Serra de Monchique.
Ainda nessa linha de raciocínio, importará olhar, também, para a experiência
intermunicipal bem-sucedida nas “Terras do Infante”, que valoriza a capacidade
coletiva de três municípios algarvios – Lagoa, Vila do Bispo e Alzejur – no
desenvolvimento de projetos de interesse comum para aquele território,
nomeadamente no que respeita à defesa da floresta contra incêndios.

Sem partilhar do otimismo militante do Primeiro-Ministro,
Portugal precisa de aproveitar estas situações mobilizadoras da Sociedade para
criar as oportunidades para avançar. Nesse prisma, é preciso abordar estas
circunstâncias com objectividade, com uma base sólida de conhecimento técnico e
científico de suporte e, acima de tudo, com a responsabilização dos agentes que
podem contribuir para a mudança, onde para além dos municípios diretamente envolvidos
e da AMAL (Ass. Municípios da Região do Algarve), também a CCDR Algarve, o
ICNF, a Agência Portuguesa do Ambiente, o Turismo de Portugal, os agentes
económicos e a população devem ser chamados a intervir na valorização dos
territórios e dos seus recursos endógenos.

Aguardemos pelo final do ano para conhecer as linhas que
irão tecer o plano de ordenamento e de que forma se irá concretizar essa visão
de futuro para a Serra de Monchique, pois esta é uma oportunidade de mudança
que não se pode desperdiçar.

Miguel Galante (Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 324 (12.9.2018)

15 anos depois dos incêndios devastadores que consumiram
mais de 40 mil hectares, a Serra de Monchique voltou a tingir-se de vermelho e negro,
na consumação da tragédia que se adivinhava para aquele território algarvio.

Depois do mês de Julho mais frio dos últimos 30 anos, Agosto
entrou quente, em resultado de uma onda de calor provocada por poeiras do Norte
de Africa, que de certo modo, repetiu o quadro meteorológico registado em 2004,
quando o fogo percorreu 12 mil hectares da Serra do Caldeirão, entre Almodôvar
e São Brás de Alportel.

No dia 5 de Agosto, as chamas deflagraram na Perna da Negra,
e só viriam a ser dominadas passados 7 dias, depois de deixar um rasto negro de
caos e destruição na Serra de Monchique e nos céus do Algarve. Feitas as
contas, arderam mais de 27 mil hectares de espaços florestais nos concelhos de
Monchique e de Silves e com menor impacto em Portimão e também em Odemira, no
distrito de Beja.

O incêndio da Serra de Monchique visto do espaço

“A exceção da regra”, afirmaria António Costa em declarações
na sede da Autoridade Nacional de Proteção Civil, num balanço da prontidão da
resposta do sistema nacional de combate aos incêndios florestais naqueles dias
de Estio intenso. No mesmo tom, Eduardo Cabrita, Ministro da Administração
Interna, enaltecia o facto de não se terem registado vítimas mortais naquele grande
incêndio, que destruiu mais de 50 casas de primeira habitação e obrigou à
evacuação de vários povoados serranos. Não obstante o registo positivo do Governo,
a lição foi clara – o Pais contínua vulnerável aos grandes incêndios
florestais!

Em Maio, Miguel Freitas, Secretário de Estado das Florestas,
reconhecia em Monchique que o Algarve era uma das regiões que apresentava maior
risco de incêndio. Estas declarações foram proferidas no âmbito de uma visita
ao terreno, nas quais também enaltecia o bom trabalho realizado pelo Governo na
prevenção, nomeadamente no que respeita à infraestruturação do território. Aliás,
havia sido esse o registo tranquilizador transmitido à comunicação social no
balanço dessa iniciativa realizada com o objetivo de sensibilizar para a
importância do trabalho conjunto de prevenção, de forma a minimizar o risco de
grandes incêndios na Serra de Monchique. Pois bem, o empenho e as palavras de
conforto viriam a revelar-se pouco eficazes…

Do rescaldo deste grande incêndio, que durante uma semana
mobilizou mais de um milhar de combatentes e mais de uma dezena de meios
aéreos, é possível extrair algumas conclusões para reflexão: 1) Portugal
continua sem capacidade para gerir de uma forma eficiente e eficaz os teatros
de operação complexos dos grandes incêndios florestais; 2) Portugal continua
sem uma articulação forte e eficiente entre a entidade responsável pelo pilar
da prevenção estrutural – ICNF - e as autarquias, a quem acomete a
responsabilidade de garantir a execução das medidas inscritas nos respetivos
planos municipais, nomeadamente no que respeita às faixas de gestão de
combustíveis e 3) Portugal continua sem deter uma equipa de peritos que apoie o
levantamento no terreno dos pontos críticos para as intervenções de
estabilização de emergência após o fogo e, neste domínio, a serra de Monchique
constitui um território de elevado risco e de grande sensibilidade face ao
regime pluviométrico torrencial que caracteriza a região algarvia.

Nessa perspetiva, era importante que o novo Observatório
Técnico Independente dos incêndios, criado na alçada da Assembleia da
República, produzisse uma análise aprofundada a este incêndio donde resultasse
um estudo público que avaliasse o maior incêndio florestal registado este ano
na Europa nas suas múltiplas vertentes. É imperioso conhecer a fundo o que
correu bem e menos bem em Monchique e retirar ilações para que o sistema possa
evoluir. O País não se pode compadecer com mais relatórios inconclusivos como
aquele que foi produzido pela Proteção Civil após o incêndio de Catraia –
Tavira, em 2012, em que foram consumidas pelas chamas 26 mil hectares da Serra
do Caldeirão.

Noutra dimensão de análise, constatou-se que o Governo foi
célere na resposta de emergência, fruto da experiência adquirida no ano
passado. De imediato, o Governo anunciou medidas de apoio em matéria de
habitação, de recuperação das linhas de água e de apoio para a alimentação aos
animais da região afetada e de distribuição de açúcar aos apicultores, para a
alimentação das suas abelhas. Capoulas Santos também anunciou a
disponibilização de ajudas através dos fundos comunitários do PDR2020,
nomeadamente um pacote de apoio financeiro dirigido aos agricultores para a
recuperação do potencial produtivo, por exemplo através da recuperação de
instalações ou substituição de alfaias agrícolas, que estará disponível para as
cerca de 400 explorações afectadas e uma medida de apoio específica para as
operações de estabilização de emergência dos solos, no valor de 4,5 milhões de
euros.

Na perspetiva do médio e longo prazo, António Costa anunciou
um plano de reordenamento económico da Serra de Monchique, para que este
território no futuro não dependa tanto das espécies de crescimento rápido, com
uma aposta em espécies e produtos autóctones, inclusivamente na perspetiva do
enriquecimento da oferta turística do Algarve.

Em 2013, tive a oportunidade de colaborar num estudo de
diagnóstico dos territórios de baixa densidade do Algarve e, no decurso do
trabalho de campo realizado na Serra de Monchique, foi possível constatar a
existência de um enorme potencial nos recursos endógenos – a gastronomia
serrana, o porco e seus derivados, a aguardente de medronho, o turismo de
natureza e ornitológico e, na sua base, a floresta -, mas também da falta de um
instrumento de política orientador e catalisador do interesse de investimento
dos vários agentes económicos.

O plano de reordenamento agora anunciado pode ser esse elemento
agregador que faltava para dinamizar a Serra de Monchique. Com o prazo do final
do ano, a coordenação da sua elaboração acomete ao presidente da Câmara de
Monchique, com o apoio dos municípios adjacentes e da Administração Central e é
daqui que pode nascer uma boa oportunidade para uma nova visão de futuro para a
Serra de Monchique. De certo modo, é essa a ênfase que o Secretário de Estado
das Florestas e do Desenvolvimento Rural colocou ao afirmar que a questão
central reside na mudança do “perfil florestal de Monchique”, com a diversificação
da base produtiva da economia rural, assente num mosaico paisagístico bastante
diferente do atual.

O Ministro do Ambiente, numa visita recente área ardida na
Serra de Monchique, reforçou a ideia do Governo subjacente ao projeto, ao
expressar a necessidade de uma paisagem desenhada e projetada de forma a melhor
valorizar aquele território e todo o capital natural que encerra, conciliando
com a melhoria da sua resistência aos incêndios florestais. De facto, é essa
abordagem que é preciso ter a coragem política de concretizar – uma nova visão
de futuro para aquele território, tornando-o mais atrativo, menos vulnerável ao
fogo e que valorize e remunere os proprietários pelos serviços ambientais
prestados pela floresta autoctone.

Do meu ponto de vista, o processo em curso de revisão do
Plano Regional de Ordenamento Florestal do Algarve pode constituir uma boa base
de trabalho para a materialização dessa nova visão para a Serra de Monchique.
Ainda nessa linha de raciocínio, importará olhar, também, para a experiência
intermunicipal bem-sucedida nas “Terras do Infante”, que valoriza a capacidade
coletiva de três municípios algarvios – Lagoa, Vila do Bispo e Alzejur – no
desenvolvimento de projetos de interesse comum para aquele território,
nomeadamente no que respeita à defesa da floresta contra incêndios.

Sem partilhar do otimismo militante do Primeiro-Ministro,
Portugal precisa de aproveitar estas situações mobilizadoras da Sociedade para
criar as oportunidades para avançar. Nesse prisma, é preciso abordar estas
circunstâncias com objectividade, com uma base sólida de conhecimento técnico e
científico de suporte e, acima de tudo, com a responsabilização dos agentes que
podem contribuir para a mudança, onde para além dos municípios diretamente envolvidos
e da AMAL (Ass. Municípios da Região do Algarve), também a CCDR Algarve, o
ICNF, a Agência Portuguesa do Ambiente, o Turismo de Portugal, os agentes
económicos e a população devem ser chamados a intervir na valorização dos
territórios e dos seus recursos endógenos.

Aguardemos pelo final do ano para conhecer as linhas que
irão tecer o plano de ordenamento e de que forma se irá concretizar essa visão
de futuro para a Serra de Monchique, pois esta é uma oportunidade de mudança
que não se pode desperdiçar.

Miguel Galante (Eng. Florestal)

Gazeta Rural, edição n.º 324 (12.9.2018)

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