O conselheiro outra vez

22-05-2017
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Luís Barra/Visão

Não, não é só em Portugal, claro, mas a nossa percentagem de paleio inútil, desnecessário e contraproducente deverá ser das mais elevadas do mundo. E há o facto extraordinário, que mereceria tratados psicossociológicos, de haver tanta e tanta gente do género nos lugares mais poderosos, logo, precisamente aqueles onde deveria haver mais responsabilidade, visão, capacidade de decisão e sentido de estratégia. Mas não. Com honrosas excepções, somos um país de reuniões e conceitos, as primeiras normalmente inúteis, os segundos normalmente vazios. Somos um país de gente que fala demais e que teoriza demais. O defeito é mais ou menos geral, mas o catedrático António Borges parece apostado em levar a coisa a patamares nunca vistos. Veja-se, a título de exemplo, como Miguel Relvas evitou os holofotes no auge da polémica sobre a sua pessoa. Basta accionar um nadinha os mecanismos do bom-senso e da autopreservação. Mas o professor António Borges não raciocina assim. Ou então nem sequer pensa na matéria. Pensávamos que já tinha ido longe de mais quando, em entrevista televisiva, se esqueceu por momentos de que não é primeiro-ministro, e que, portanto, dispensamos que nos dê notícias como se fosse. Foi quando, se bem se recorda, explicou com o sorriso displicente o que iria acontecer na RTP, o tal modelo que já estava decidido (ainda que nenhum português tivesse confirmação oficial), e que, sim, esse modelo de concessão faria com que os novos donos “concessionários” pudessem fazer o que lhes apetecesse com os trabalhadores. Seguiu-se o sururu que sabemos, com críticas dos mais diversos quadrantes, que se perguntavam, mais uma vez, porque vem de vez em quando o professor-consultor-conselheiro lançar gasolina num país em chamas. Alguns avançaram uma explicação: a vaidade, senhores, aliada à soberba, cocktail explosivo de personalidade. A vaidade de querer demonstrar que está por dentro de tudo, que tudo tem o seu dedo, que tem o poder, inclusive, de ser ele a anunciar certas coisas aos portugueses. O professor Borges, noutros tempos tantas vezes apontado como potencial líder do PSD, mas que nunca verdadeiramente se decidiu por essa luta, ou parece esquecido de que não é primeiro-ministro ou vive numa nostalgia de o não ser, o que o leva a agir como se fosse, por momentos, talvez para experimentar a sensação. Deveríamos, ainda assim, pensar que lê jornais, vê televisão, ouve rádio, escuta comentários de pessoas. Deveríamos concluir que não poderá ter deixado de ver o quanto foi criticado por se meter em terrenos sensíveis, que ainda por cima não lhe competem. Mas está visto que não. Anda atarefado o primeiro-ministro, aflito a ver como se emenda aquela cruzada da TSU, nesse equilíbrio difícil que é ter-de-abandonar-mesmo-uma-medida-que-lhe-poderia-custar-o-poder-mas-ao-mesmo-tempo-tentar-fazê-lo-sem-parecer-um-fraco-que-volta-atrás... e zás!, lá vem Borges novamente. O mesmo ar displicente de professor que só tem alunos estúpidos, a mesma calma e serenidade de quem não percebe que está a brincar com granadas políticas. Lá veio o conselheiro-professor chamar estúpidos aos empresários portugueses que se manifestaram contra a medida da TSU que tirava aos pobres para dar aos ricos. Um número muito significativo desses empresários é responsável por criação de emprego, inovação e competitividade. Muitos deles sabem quem são os funcionários, têm de gerir salários e expectativas, estar de olho na concorrência para não perder clientela, o que inevitavelmente levaria a problemas graves na sua empresa. Ou seja, Borges decidiu chamar incompetentes aos que vivem no mundo real, gerem um mundo real e têm pessoas reais a seu cargo. Fê-lo, mais uma vez, exibindo apenas um “conhecimento” de computador e fórmulas em papel, e demonstrando, mais uma vez, que o mundo que conhece parece ser apenas aquele que se vê da janela do seu confortável escritório, onde certamente pensa muito para depois poder dar os seus doutos conselhos. Seria bom percebermos quantos embaraços serão precisos para Passos Coelho aconselhar o conselheiro a ficar sossegado.

Luís Barra/Visão

Não, não é só em Portugal, claro, mas a nossa percentagem de paleio inútil, desnecessário e contraproducente deverá ser das mais elevadas do mundo. E há o facto extraordinário, que mereceria tratados psicossociológicos, de haver tanta e tanta gente do género nos lugares mais poderosos, logo, precisamente aqueles onde deveria haver mais responsabilidade, visão, capacidade de decisão e sentido de estratégia. Mas não. Com honrosas excepções, somos um país de reuniões e conceitos, as primeiras normalmente inúteis, os segundos normalmente vazios. Somos um país de gente que fala demais e que teoriza demais. O defeito é mais ou menos geral, mas o catedrático António Borges parece apostado em levar a coisa a patamares nunca vistos. Veja-se, a título de exemplo, como Miguel Relvas evitou os holofotes no auge da polémica sobre a sua pessoa. Basta accionar um nadinha os mecanismos do bom-senso e da autopreservação. Mas o professor António Borges não raciocina assim. Ou então nem sequer pensa na matéria. Pensávamos que já tinha ido longe de mais quando, em entrevista televisiva, se esqueceu por momentos de que não é primeiro-ministro, e que, portanto, dispensamos que nos dê notícias como se fosse. Foi quando, se bem se recorda, explicou com o sorriso displicente o que iria acontecer na RTP, o tal modelo que já estava decidido (ainda que nenhum português tivesse confirmação oficial), e que, sim, esse modelo de concessão faria com que os novos donos “concessionários” pudessem fazer o que lhes apetecesse com os trabalhadores. Seguiu-se o sururu que sabemos, com críticas dos mais diversos quadrantes, que se perguntavam, mais uma vez, porque vem de vez em quando o professor-consultor-conselheiro lançar gasolina num país em chamas. Alguns avançaram uma explicação: a vaidade, senhores, aliada à soberba, cocktail explosivo de personalidade. A vaidade de querer demonstrar que está por dentro de tudo, que tudo tem o seu dedo, que tem o poder, inclusive, de ser ele a anunciar certas coisas aos portugueses. O professor Borges, noutros tempos tantas vezes apontado como potencial líder do PSD, mas que nunca verdadeiramente se decidiu por essa luta, ou parece esquecido de que não é primeiro-ministro ou vive numa nostalgia de o não ser, o que o leva a agir como se fosse, por momentos, talvez para experimentar a sensação. Deveríamos, ainda assim, pensar que lê jornais, vê televisão, ouve rádio, escuta comentários de pessoas. Deveríamos concluir que não poderá ter deixado de ver o quanto foi criticado por se meter em terrenos sensíveis, que ainda por cima não lhe competem. Mas está visto que não. Anda atarefado o primeiro-ministro, aflito a ver como se emenda aquela cruzada da TSU, nesse equilíbrio difícil que é ter-de-abandonar-mesmo-uma-medida-que-lhe-poderia-custar-o-poder-mas-ao-mesmo-tempo-tentar-fazê-lo-sem-parecer-um-fraco-que-volta-atrás... e zás!, lá vem Borges novamente. O mesmo ar displicente de professor que só tem alunos estúpidos, a mesma calma e serenidade de quem não percebe que está a brincar com granadas políticas. Lá veio o conselheiro-professor chamar estúpidos aos empresários portugueses que se manifestaram contra a medida da TSU que tirava aos pobres para dar aos ricos. Um número muito significativo desses empresários é responsável por criação de emprego, inovação e competitividade. Muitos deles sabem quem são os funcionários, têm de gerir salários e expectativas, estar de olho na concorrência para não perder clientela, o que inevitavelmente levaria a problemas graves na sua empresa. Ou seja, Borges decidiu chamar incompetentes aos que vivem no mundo real, gerem um mundo real e têm pessoas reais a seu cargo. Fê-lo, mais uma vez, exibindo apenas um “conhecimento” de computador e fórmulas em papel, e demonstrando, mais uma vez, que o mundo que conhece parece ser apenas aquele que se vê da janela do seu confortável escritório, onde certamente pensa muito para depois poder dar os seus doutos conselhos. Seria bom percebermos quantos embaraços serão precisos para Passos Coelho aconselhar o conselheiro a ficar sossegado.

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