Autárquicas, as lutas pelo poder dentro dos partidos

05-04-2017
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Domingos Pereira queria ser candidato à Câmara de Barcelos. Não pôde, o Partido Socialista (PS) tinha outro (Miguel Costa Gomes). O deputado demitiu-se dos cargos partidários, entregou o cartão de militante e vai a jogo como independente. Mas, de norte a sul, no litoral e no interior, no Portugal profundo, há inúmeros casos de desobediências locais, vetos nacionais, acusações a quente e dissidências. Estes são só alguns.

Lusa

1. Vizela: o vice (trineto) do bolinhol contra o presidente-réu

Era uma vez um vice-presidente que queria ser o candidato do PS nas eleições seguintes. Ora deu-se a coincidência de o presidente se querer recandidatar. Ainda assim, o vice, Victor Hugo Salgado, avançou sem medos e convocou uma assembleia extraordinária na concelhia para votar no candidato à câmara. Victor, contrariando o próprio nome, não venceu. Ganhou Dinis Costa, o actual autarca, por 18-14. É candidato. Mas o seu ex-vice, a quem retirou no dia seguinte os pelouros, também - como independente.

Na apresentação da candidatura, num arraial minhoto em Cascalheira, em Julho, Victor Hugo assumiu-se como filho da terra: "Sou candidato porque amo a minha terra, a terra que me viu nascer, a terra do meu pai e da minha avó, a Dona Quininha da Rua da Rainha, a neta da Dona Joaquina Ferreira da Silva, a criadora do bolinhol de Vizela." Além destes pergaminhos, tem o apoio de vários pesos pesados do PS vizelenses. Houve 15 demissões na estrutura local, em ruptura com Costa.

Por fim, não falta um caso de tribunal. Os dois, um enquanto presidente, outro enquanto vereador, foram constituídos arguidos num caso de 870 mil euros em ajustes directos para obras na sede do município. Victor foi ilibado, Dinis foi acusado em Novembro. Em reunião de câmara, justificou-se: "O caso ganha destaque porque sou figura pública, caso contrário passaria despercebido." Pois.

2. Amares: a mudança de camisola

"Já perdemos", desabafa um militante do PS. Os socialistas teriam um candidato óbvio: o actual presidente da câmara, eleito pelo PS, e que já anunciou nova candidatura. Mas a palavra-chave é mesmo "nova": agora corre por PSD e CDS, no Juntos por Amares, com tal ímpeto que até impôs aos novos parceiros a inclusão como número três da lista de mais uma vereadora da actual equipa PS, Cidália Abreu.

Manuel Moreira era militante desde 1974 - o que prova que nem a antiguidade impede uma transferência atempada - e anunciou que pedirá a desfiliação. O divórcio era previsível: durante o mandato, o presidente e o seu vice, líder da concelhia socialista, zangaram-se. Manuel Moreira explica assim a situação à SÁBADO: "Quando chegamos ao ponto de não ter o apoio do nosso vice-presidente nas votações do órgão executivo, então é porque o diálogo não está a acontecer." Moreira chegou a "pedir ajuda à direcção da distrital" do PS, mas "mas essa ajuda nunca chegou". Já o "PSD apareceu nesse momento de forma aberta". Moreira exonerou de funções Jorge Tinoco e passou a governar com o apoio do PSD - o que também era previsível. Afinal, no lugar do ex-número dois socialista despedido colocou o vereador Isidro Araújo, que foi o cabeça-de-lista do PSD, contra ele, em 2013. E que em 2017 é o seu número dois na nova lista.

3. Vila do Bispo, implosão socialista em curso

A simples frase "24 dirigentes locais demitiram-se" do PS causa estranheza. Mas não estranhe, no dia 25, aconteceu em Vila do Bispo. Aliás, num concelho em que o PS tem 90 militantes, o líder da concelhia admitiu à Lusa que muitos deles poderiam também deixar o partido - e 70% já o fizeram. Uma hecatombe (à escala local, é certo). É simples: em 2015, Adelino Soares, presidente da câmara de Vila do Bispo viu o PS local retirar-lhe a confiança política, por desrespeitar compromissos eleitorais. O processo de escolha do candidato acabou avocado pela direcção nacional, que escolheu Adelino. A concelhia sentiu-se desautorizada e disse que a direcção desautorizou até a anterior decisão de retirar confiança política ao presidente da câmara. Portanto, o PS tem candidato: pode é vir a ter também um adversário independente, promovido pelos socialistas demissionários.

Nuno Amado, ex-líder da concelhia, não descarta a hipótese. Em todo o caso, neste momento não há socialistas nas juntas de freguesia, nem maioria na câmara.

No último congresso nacional o PS aprovou, como regra genérica, permitir a recandidatura de todos os presidentes de câmara socialistas em condições legais para o fazer. Sem excepções. Maria da Luz Rosinha, a coordenadora autárquica, considera aliás que o processo foi "um sucesso", já que a regra comum clarificou o processo para as 308 câmaras, embora não evitando alguns acidentes: "Mas isso é a vida, somos humanos", relativiza.

4. Oeiras: o espectro do "autarca modelo" sobre o delfim e o PSD

Mais um caso humano, muito humano, agora no PSD: um ex-delfim que não quer sair de cena para o regresso do ex-mentor. O drama passa-se em Oeiras: Isaltino Morais, antigo autarca-modelo, terá (terá, porque para já não mostra o jogo) pretensões de voltar a sê-lo (pelo menos autarca, modelo logo se vê); e Paulo Vistas, ex-braço-direito de Isaltino, está à frente da câmara e volta a avançar. Mesmo que Isaltino não avance, já assegurou nervos e temor na barricada do ex-aliado, espécie de vitória moral.

Por tabela, conseguem ainda fazer crescer o problema do PSD, que ambos abandonaram em 2005, quando Marques Mendes (então líder) vetou Isaltino como candidato devido às investigações de que era alvo e que o conduziriam à prisão. Passos Coelho recusa apoiar Isaltino, mas o PSD já o sondou para candidato à Assembleia Municipal. Em vão. Como reserva o partido tem o vereador Ângelo Pereira, líder da concelhia, mas receia - provavelmente, bem - ficar só com as migalhas em caso de embate entre o criador e a criatura.

5. Fafe: "Só vou com o Pompeu." Ou não, outro também serve

Raul Cunha, independente eleito pelo PS, viu o seu vice-presidente, Martins Pompeu, candidatar-se à concelhia do PS em 2016. Entusiasmou-se e garantiu: "É com este projecto para o PS que queremos trabalhar e que estamos disponíveis para conversar sobre as condições para uma eventual recandidatura. Em nenhuma outra situação isso é possível", garantiu. Surgiu um pequeno percalço: Pompeu, "a única situação em que isso é possível", perdeu as eleições bem perdidas: teve 174 votos contra os 394 do adversário José Ribeiro.

Face a isto, Cunha veio dizer: "O PS não vai precisar da minha ajuda", em 2017. Mas isto foi em Junho. Em Dezembro, no sábado antes do Natal, Raul Cunha passou discretamente pela sede do PS a dar conta da sua disponibilidade para ser candidato pelo PS - mesmo com Ribeiro à frente. Justificou a mudança em entrevista ao Notícias de Fafe: "O que me motivou foi ter percebido que existe um grande movimento na sociedade fafense." A chamada vaga de fundo, detectada pelo próprio. Ora bem, José Ribeiro e a sua nova concelhia queriam outro candidato: Antero Barbosa. O processo foi avocado pela direcção nacional, que impôs Cunha - e Ribeiro acatou. Resta uma dúvida: é Cunha (que concorre com Ribeiro) ou é Ribeiro (que fará a campanha de Cunha) quem deglute o maior sapo?

6. Amarante: Sou o Avelino, quem quer casar com a carochinha?

Aos 72 anos, e com duas derrotas no pecúlio mais recente, Avelino Ferreira Torres talvez pudesse pensar desistir. Longe disso, ameaça novo regresso, perdão, nova tentativa de regresso - o que são coisas diferentes. O alvo é de novo Amarante (e não Marco de Canaveses, onde foi presidente da câmara), no que diz ser tributo ao irmão Joaquim. Com vontade, e até dedicatória, agora só quer arranjar um partido que o apoie.

Em Outubro, em entrevista à SÁBADO, vincava que podia ir pelo CDS, ou como independente, face ao braço-de-ferro que mantém com Adriano Santos, líder da concelhia de Amarante, que o acusara de tentar dar um golpe naquela estrutura ao forjar 205 fichas de militante. "Pode acontecer é alguém meter o Adriano Santos na justiça por outras coisas. Isto não tem pés para andar. Não fui eu sequer", respondia, irritado, Avelino.

Mas o CDS deverá ir a votos com o PSD, como há quatro anos. Nada que apoquente Avelino, que não descarta qualquer hipótese. Nem mesmo a do PS.

7. Leiria: escrevi-te uma carta

Em autárquicas, a abundância de candidatos costuma dar mais problemas do que a escassez. Leiria confirma: houve-os em excesso, pelo menos na área do PSD. Feliciano Barreiras Duarte, deputado e ex-secretário de Estado Adjunto de Miguel Relvas, tinha luz verde do presidente do partido para avançar. Tudo simples? Não. A concelhia impôs Fernando Costa, antigo presidente da Câmara das Caldas da Rainha, derrotado em 2013 por Bernardino Soares em Loures.

Insatisfeito com o obstáculo, e socorrendo-se das sondagens que o apontavam como mais bem colocado para vencer, Barreiras Duarte escreveu uma carta a Passos, de quem foi chefe de gabinete. A missiva, sabe-se lá como (nós não sabemos), tornou-se pública. Uma surpresa. O texto lembrava um encontro em Setembro, em Coimbra. "Nunca pedi a ninguém para ser candidato. (…) Disseste que, se eu aceitasse, teria da tua parte e da Comissão Política Nacional todo o apoio, que era importante ganhar Leiria e que ficarias muito agradado com essa minha eventual candidatura. E chamaste-me a atenção para ter cuidado com as tradicionais divisões internas do PSD de Leiria", lia-se na mensagem, citada pelo Público. O líder decidiu: o apelo foi em vão, Fernando Costa levou a melhor.

8. Golegã: GAP, não tem a ver com glúteos, mas com ambição

GAP pode ser a sigla de várias coisas: Glúteos, Abdominais e Pernas, aula clássica em qualquer ginásio (mais mulheres a assistir) ou Gabinete de Apoio à Presidência, em qualquer autarquia do País. Na Golegã, significa ainda Força Independente pela Golegã, Azinhaga e Pombalinho, um movimento de independentes que, como em tantos outros casos, alojava no seu seio um ex-autarca inconformado com o facto de não poder continuar. Depois de 16 anos como presidente da câmara pelo PS, José Veiga Maltez não poderia recandidatar-se (a lei de limitação de mandatos fez muita gente infeliz por esse País fora), não gostou da escolha do sucessor (Rui Medinas, por sinal seu antigo vice-presidente) e criou o GAP para concorrer à Assembleia Municipal. E ganhou. Na câmara ficou Medinas e coabitaram (sim, adivinhou, houve umas dificuldades) quatro anos.

Agora, que a lei já não o impede de voltar ao lugar onde, supomos, se sentiu feliz, o médico equaciona desafiar Medinas e o PS, por ainda diagnosticar várias "doenças" ao município. Como independente, pelo GAP, com músculos fortes? Talvez, mas o PSD está à espreita e pode capitalizar o duelo, apoiando-o. Não acredita? "Não está nada fechado. Tanto podemos apoiá-lo como não", adianta uma fonte social-democrata.

9. Ponte de Lima: Assunção manda, Abel retalia

Assunção Cristas impôs-se, e, tal como o PS ou o PSD noutros locais, mostrou que mesmo em autárquicas, manda quem pode e obedece quem deve: em Ponte de Lima abdicou de ouvir a concelhia e decidiu que o candidato seria o presidente em funções, Victor Mendes. O líder concelhio, Abel Baptista, não gostou. Renunciou a todos os cargos que exercia por eleição partidária, inclusivamente o de deputado e deixou São Bento (não se lembrou da "solução Domingos Pereira" do PS).

Apesar de não cessar a militância, avança agora como independente por não se rever na gestão de Mendes. "Não dá nenhuma garantia, não traz mais-valia face às exigências de um concelho que sempre teve grandes presidentes", explica à SÁBADO, ciente de que vai partir o centro-direita, mas admitindo implicitamente que também é esse o objectivo: "Espero que seja capaz de dividir os eleitores para gerar uma alternativa àquilo que Ponte de Lima teve nos últimos anos."

No Congresso de 2016, marcado pela despedida de Paulo Portas e pela ascensão de Cristas, Baptista fez parte do grupo que construiu uma moção que seria de apoio a Nuno Melo. E chegou a transmitir à líder do CDS que se o eurodeputado avançasse, não teria dúvidas sobre que lado escolheria. Há quem admita que foi castigado; Abel evita essa interpretação.

Em todo o caso, há reciprocidade: se Cristas castigou, ele prepara-se para retaliar. Embora seja um partido democrata-cristão, não se dá a outra face. É olho por olho, em política vale o Antigo Testamento.

10. Pombal: Aceito todos, vai ser uma festa

"Sou candidato a presidente da câmara de Pombal, para que não restem dúvidas." Foi desta forma que, na semana passada, Narciso Mota confirmou que o PSD vai ter a concorrência de um ex-militante, agora independente (é o movimento clássico) com mais de duas décadas de experiência autárquica.

Narciso garante que se disponibilizou ao PSD, mas a concelhia empatou, o que o levou a entregar o cartão de militante. Mesmo que o seu sucessor no município, Diogo Mateus, tenha qualificado a iniciativa (sem que a candidatura estivesse na rua) como "manifestação meio estrambólica para marcar uma posição", está criado mais um embaraço para o PSD. Já o próprio não parece nada embaraçado e diz que aceitará o apoio de todos os partidos, da esquerda à direita. São todos bem-vindos.

11. Covilhã: Agarrem-me, que estou zangado com Passos, o inábil

Os ex-autarcas revelam-se exímios a detectar vagas de fundo em seu favor. À SÁBADO, o antigo (até 2013) presidente "laranja" Carlos Pinto reconhece que a sua candidatura como independente em 2017 "não está posta de parte", uma vez que, garante, "há um grande movimento a insistir". É a vaga de fundo, lá está.

E responsabiliza Passos: "Tudo isto acontece por inabilidade e falta de sensibilidade política do presidente do PSD que, alertado a tempo e horas, fez destas autárquicas um exercício de displicência política chocante. (…) Eu espero que em Outubro não tenha de pagar uma factura pesada." Carlos Pinto não gostou da escolha do PSD (Marco Batista).

Na Covilhã, corre o rumor de que o ex-autarca admite tentar uma ultrapassagem ao seu partido pela direita: como candidato à Assembleia Municipal ao lado de Adolfo Mesquita Nunes. O próprio desmente: "Não há nada com o CDS."

Este artigo foi originalmente publicado na edição 666 da SÁBADO, nas bancas a 2 Fevereiro de 2017.

Domingos Pereira queria ser candidato à Câmara de Barcelos. Não pôde, o Partido Socialista (PS) tinha outro (Miguel Costa Gomes). O deputado demitiu-se dos cargos partidários, entregou o cartão de militante e vai a jogo como independente. Mas, de norte a sul, no litoral e no interior, no Portugal profundo, há inúmeros casos de desobediências locais, vetos nacionais, acusações a quente e dissidências. Estes são só alguns.

Lusa

1. Vizela: o vice (trineto) do bolinhol contra o presidente-réu

Era uma vez um vice-presidente que queria ser o candidato do PS nas eleições seguintes. Ora deu-se a coincidência de o presidente se querer recandidatar. Ainda assim, o vice, Victor Hugo Salgado, avançou sem medos e convocou uma assembleia extraordinária na concelhia para votar no candidato à câmara. Victor, contrariando o próprio nome, não venceu. Ganhou Dinis Costa, o actual autarca, por 18-14. É candidato. Mas o seu ex-vice, a quem retirou no dia seguinte os pelouros, também - como independente.

Na apresentação da candidatura, num arraial minhoto em Cascalheira, em Julho, Victor Hugo assumiu-se como filho da terra: "Sou candidato porque amo a minha terra, a terra que me viu nascer, a terra do meu pai e da minha avó, a Dona Quininha da Rua da Rainha, a neta da Dona Joaquina Ferreira da Silva, a criadora do bolinhol de Vizela." Além destes pergaminhos, tem o apoio de vários pesos pesados do PS vizelenses. Houve 15 demissões na estrutura local, em ruptura com Costa.

Por fim, não falta um caso de tribunal. Os dois, um enquanto presidente, outro enquanto vereador, foram constituídos arguidos num caso de 870 mil euros em ajustes directos para obras na sede do município. Victor foi ilibado, Dinis foi acusado em Novembro. Em reunião de câmara, justificou-se: "O caso ganha destaque porque sou figura pública, caso contrário passaria despercebido." Pois.

2. Amares: a mudança de camisola

"Já perdemos", desabafa um militante do PS. Os socialistas teriam um candidato óbvio: o actual presidente da câmara, eleito pelo PS, e que já anunciou nova candidatura. Mas a palavra-chave é mesmo "nova": agora corre por PSD e CDS, no Juntos por Amares, com tal ímpeto que até impôs aos novos parceiros a inclusão como número três da lista de mais uma vereadora da actual equipa PS, Cidália Abreu.

Manuel Moreira era militante desde 1974 - o que prova que nem a antiguidade impede uma transferência atempada - e anunciou que pedirá a desfiliação. O divórcio era previsível: durante o mandato, o presidente e o seu vice, líder da concelhia socialista, zangaram-se. Manuel Moreira explica assim a situação à SÁBADO: "Quando chegamos ao ponto de não ter o apoio do nosso vice-presidente nas votações do órgão executivo, então é porque o diálogo não está a acontecer." Moreira chegou a "pedir ajuda à direcção da distrital" do PS, mas "mas essa ajuda nunca chegou". Já o "PSD apareceu nesse momento de forma aberta". Moreira exonerou de funções Jorge Tinoco e passou a governar com o apoio do PSD - o que também era previsível. Afinal, no lugar do ex-número dois socialista despedido colocou o vereador Isidro Araújo, que foi o cabeça-de-lista do PSD, contra ele, em 2013. E que em 2017 é o seu número dois na nova lista.

3. Vila do Bispo, implosão socialista em curso

A simples frase "24 dirigentes locais demitiram-se" do PS causa estranheza. Mas não estranhe, no dia 25, aconteceu em Vila do Bispo. Aliás, num concelho em que o PS tem 90 militantes, o líder da concelhia admitiu à Lusa que muitos deles poderiam também deixar o partido - e 70% já o fizeram. Uma hecatombe (à escala local, é certo). É simples: em 2015, Adelino Soares, presidente da câmara de Vila do Bispo viu o PS local retirar-lhe a confiança política, por desrespeitar compromissos eleitorais. O processo de escolha do candidato acabou avocado pela direcção nacional, que escolheu Adelino. A concelhia sentiu-se desautorizada e disse que a direcção desautorizou até a anterior decisão de retirar confiança política ao presidente da câmara. Portanto, o PS tem candidato: pode é vir a ter também um adversário independente, promovido pelos socialistas demissionários.

Nuno Amado, ex-líder da concelhia, não descarta a hipótese. Em todo o caso, neste momento não há socialistas nas juntas de freguesia, nem maioria na câmara.

No último congresso nacional o PS aprovou, como regra genérica, permitir a recandidatura de todos os presidentes de câmara socialistas em condições legais para o fazer. Sem excepções. Maria da Luz Rosinha, a coordenadora autárquica, considera aliás que o processo foi "um sucesso", já que a regra comum clarificou o processo para as 308 câmaras, embora não evitando alguns acidentes: "Mas isso é a vida, somos humanos", relativiza.

4. Oeiras: o espectro do "autarca modelo" sobre o delfim e o PSD

Mais um caso humano, muito humano, agora no PSD: um ex-delfim que não quer sair de cena para o regresso do ex-mentor. O drama passa-se em Oeiras: Isaltino Morais, antigo autarca-modelo, terá (terá, porque para já não mostra o jogo) pretensões de voltar a sê-lo (pelo menos autarca, modelo logo se vê); e Paulo Vistas, ex-braço-direito de Isaltino, está à frente da câmara e volta a avançar. Mesmo que Isaltino não avance, já assegurou nervos e temor na barricada do ex-aliado, espécie de vitória moral.

Por tabela, conseguem ainda fazer crescer o problema do PSD, que ambos abandonaram em 2005, quando Marques Mendes (então líder) vetou Isaltino como candidato devido às investigações de que era alvo e que o conduziriam à prisão. Passos Coelho recusa apoiar Isaltino, mas o PSD já o sondou para candidato à Assembleia Municipal. Em vão. Como reserva o partido tem o vereador Ângelo Pereira, líder da concelhia, mas receia - provavelmente, bem - ficar só com as migalhas em caso de embate entre o criador e a criatura.

5. Fafe: "Só vou com o Pompeu." Ou não, outro também serve

Raul Cunha, independente eleito pelo PS, viu o seu vice-presidente, Martins Pompeu, candidatar-se à concelhia do PS em 2016. Entusiasmou-se e garantiu: "É com este projecto para o PS que queremos trabalhar e que estamos disponíveis para conversar sobre as condições para uma eventual recandidatura. Em nenhuma outra situação isso é possível", garantiu. Surgiu um pequeno percalço: Pompeu, "a única situação em que isso é possível", perdeu as eleições bem perdidas: teve 174 votos contra os 394 do adversário José Ribeiro.

Face a isto, Cunha veio dizer: "O PS não vai precisar da minha ajuda", em 2017. Mas isto foi em Junho. Em Dezembro, no sábado antes do Natal, Raul Cunha passou discretamente pela sede do PS a dar conta da sua disponibilidade para ser candidato pelo PS - mesmo com Ribeiro à frente. Justificou a mudança em entrevista ao Notícias de Fafe: "O que me motivou foi ter percebido que existe um grande movimento na sociedade fafense." A chamada vaga de fundo, detectada pelo próprio. Ora bem, José Ribeiro e a sua nova concelhia queriam outro candidato: Antero Barbosa. O processo foi avocado pela direcção nacional, que impôs Cunha - e Ribeiro acatou. Resta uma dúvida: é Cunha (que concorre com Ribeiro) ou é Ribeiro (que fará a campanha de Cunha) quem deglute o maior sapo?

6. Amarante: Sou o Avelino, quem quer casar com a carochinha?

Aos 72 anos, e com duas derrotas no pecúlio mais recente, Avelino Ferreira Torres talvez pudesse pensar desistir. Longe disso, ameaça novo regresso, perdão, nova tentativa de regresso - o que são coisas diferentes. O alvo é de novo Amarante (e não Marco de Canaveses, onde foi presidente da câmara), no que diz ser tributo ao irmão Joaquim. Com vontade, e até dedicatória, agora só quer arranjar um partido que o apoie.

Em Outubro, em entrevista à SÁBADO, vincava que podia ir pelo CDS, ou como independente, face ao braço-de-ferro que mantém com Adriano Santos, líder da concelhia de Amarante, que o acusara de tentar dar um golpe naquela estrutura ao forjar 205 fichas de militante. "Pode acontecer é alguém meter o Adriano Santos na justiça por outras coisas. Isto não tem pés para andar. Não fui eu sequer", respondia, irritado, Avelino.

Mas o CDS deverá ir a votos com o PSD, como há quatro anos. Nada que apoquente Avelino, que não descarta qualquer hipótese. Nem mesmo a do PS.

7. Leiria: escrevi-te uma carta

Em autárquicas, a abundância de candidatos costuma dar mais problemas do que a escassez. Leiria confirma: houve-os em excesso, pelo menos na área do PSD. Feliciano Barreiras Duarte, deputado e ex-secretário de Estado Adjunto de Miguel Relvas, tinha luz verde do presidente do partido para avançar. Tudo simples? Não. A concelhia impôs Fernando Costa, antigo presidente da Câmara das Caldas da Rainha, derrotado em 2013 por Bernardino Soares em Loures.

Insatisfeito com o obstáculo, e socorrendo-se das sondagens que o apontavam como mais bem colocado para vencer, Barreiras Duarte escreveu uma carta a Passos, de quem foi chefe de gabinete. A missiva, sabe-se lá como (nós não sabemos), tornou-se pública. Uma surpresa. O texto lembrava um encontro em Setembro, em Coimbra. "Nunca pedi a ninguém para ser candidato. (…) Disseste que, se eu aceitasse, teria da tua parte e da Comissão Política Nacional todo o apoio, que era importante ganhar Leiria e que ficarias muito agradado com essa minha eventual candidatura. E chamaste-me a atenção para ter cuidado com as tradicionais divisões internas do PSD de Leiria", lia-se na mensagem, citada pelo Público. O líder decidiu: o apelo foi em vão, Fernando Costa levou a melhor.

8. Golegã: GAP, não tem a ver com glúteos, mas com ambição

GAP pode ser a sigla de várias coisas: Glúteos, Abdominais e Pernas, aula clássica em qualquer ginásio (mais mulheres a assistir) ou Gabinete de Apoio à Presidência, em qualquer autarquia do País. Na Golegã, significa ainda Força Independente pela Golegã, Azinhaga e Pombalinho, um movimento de independentes que, como em tantos outros casos, alojava no seu seio um ex-autarca inconformado com o facto de não poder continuar. Depois de 16 anos como presidente da câmara pelo PS, José Veiga Maltez não poderia recandidatar-se (a lei de limitação de mandatos fez muita gente infeliz por esse País fora), não gostou da escolha do sucessor (Rui Medinas, por sinal seu antigo vice-presidente) e criou o GAP para concorrer à Assembleia Municipal. E ganhou. Na câmara ficou Medinas e coabitaram (sim, adivinhou, houve umas dificuldades) quatro anos.

Agora, que a lei já não o impede de voltar ao lugar onde, supomos, se sentiu feliz, o médico equaciona desafiar Medinas e o PS, por ainda diagnosticar várias "doenças" ao município. Como independente, pelo GAP, com músculos fortes? Talvez, mas o PSD está à espreita e pode capitalizar o duelo, apoiando-o. Não acredita? "Não está nada fechado. Tanto podemos apoiá-lo como não", adianta uma fonte social-democrata.

9. Ponte de Lima: Assunção manda, Abel retalia

Assunção Cristas impôs-se, e, tal como o PS ou o PSD noutros locais, mostrou que mesmo em autárquicas, manda quem pode e obedece quem deve: em Ponte de Lima abdicou de ouvir a concelhia e decidiu que o candidato seria o presidente em funções, Victor Mendes. O líder concelhio, Abel Baptista, não gostou. Renunciou a todos os cargos que exercia por eleição partidária, inclusivamente o de deputado e deixou São Bento (não se lembrou da "solução Domingos Pereira" do PS).

Apesar de não cessar a militância, avança agora como independente por não se rever na gestão de Mendes. "Não dá nenhuma garantia, não traz mais-valia face às exigências de um concelho que sempre teve grandes presidentes", explica à SÁBADO, ciente de que vai partir o centro-direita, mas admitindo implicitamente que também é esse o objectivo: "Espero que seja capaz de dividir os eleitores para gerar uma alternativa àquilo que Ponte de Lima teve nos últimos anos."

No Congresso de 2016, marcado pela despedida de Paulo Portas e pela ascensão de Cristas, Baptista fez parte do grupo que construiu uma moção que seria de apoio a Nuno Melo. E chegou a transmitir à líder do CDS que se o eurodeputado avançasse, não teria dúvidas sobre que lado escolheria. Há quem admita que foi castigado; Abel evita essa interpretação.

Em todo o caso, há reciprocidade: se Cristas castigou, ele prepara-se para retaliar. Embora seja um partido democrata-cristão, não se dá a outra face. É olho por olho, em política vale o Antigo Testamento.

10. Pombal: Aceito todos, vai ser uma festa

"Sou candidato a presidente da câmara de Pombal, para que não restem dúvidas." Foi desta forma que, na semana passada, Narciso Mota confirmou que o PSD vai ter a concorrência de um ex-militante, agora independente (é o movimento clássico) com mais de duas décadas de experiência autárquica.

Narciso garante que se disponibilizou ao PSD, mas a concelhia empatou, o que o levou a entregar o cartão de militante. Mesmo que o seu sucessor no município, Diogo Mateus, tenha qualificado a iniciativa (sem que a candidatura estivesse na rua) como "manifestação meio estrambólica para marcar uma posição", está criado mais um embaraço para o PSD. Já o próprio não parece nada embaraçado e diz que aceitará o apoio de todos os partidos, da esquerda à direita. São todos bem-vindos.

11. Covilhã: Agarrem-me, que estou zangado com Passos, o inábil

Os ex-autarcas revelam-se exímios a detectar vagas de fundo em seu favor. À SÁBADO, o antigo (até 2013) presidente "laranja" Carlos Pinto reconhece que a sua candidatura como independente em 2017 "não está posta de parte", uma vez que, garante, "há um grande movimento a insistir". É a vaga de fundo, lá está.

E responsabiliza Passos: "Tudo isto acontece por inabilidade e falta de sensibilidade política do presidente do PSD que, alertado a tempo e horas, fez destas autárquicas um exercício de displicência política chocante. (…) Eu espero que em Outubro não tenha de pagar uma factura pesada." Carlos Pinto não gostou da escolha do PSD (Marco Batista).

Na Covilhã, corre o rumor de que o ex-autarca admite tentar uma ultrapassagem ao seu partido pela direita: como candidato à Assembleia Municipal ao lado de Adolfo Mesquita Nunes. O próprio desmente: "Não há nada com o CDS."

Este artigo foi originalmente publicado na edição 666 da SÁBADO, nas bancas a 2 Fevereiro de 2017.

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