hanoin oin-oin: Ainda o jogo do pau

12-07-2018
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O meu texto
partilhando algumas das minhas inquietações sobre os rumos atuais do jogo do
pau motivou uma resposta interessante de Frederico Martins, à qual vou tentar
responder aqui:

Olá João,

Não sou um erudito do jogo do pau nem da cultura portuguesa. Tenho feito um
esforço de investigação, dentro dos limites do meu conhecimento, e partilho do
desejo de ver o jogo do pau a ser estudado mais profundamente por alguém mais
capaz. Darei as minhas opiniões como o meu ponto de vista, que não pretende ser
uma verdade absoluta, mas sim a minha interpretação actual, que face à escassez
de fontes, nunca posso afirmar com grandes certezas.

Não vejas isto como uma oposição aos teus argumentos, pois concordo pelo menos
com a grande parte destes, e até apresento mais alguns pontos a favor, no
entanto esta é a forma como vejo estas questões do ponto de vista de um
praticante de Esgrima Lusitana e amante do Jogo do Pau.

Também não sou um
erudito do jogo do pau ou da cultura portuguesa e, como tu, tenho mais
perguntas do que respostas... E de resto uma abordagem científica não significa
apresentar-se como detentor da verdade, mas sim como alguém que tem opiniões
fundamentadas, que podem ser invalidadas por novos dados.

1- “Jogo” e “pau” //Acho o problema não só na palavra jogo mas também na
palavra “pau” não desgosto da expressão, de forma alguma, mas vejo na população
em geral o torcer do nariz à apresentação da mesma. E foi nesse sentido que se
tentou aplicar o nome de Esgrima Lusitana.

Para suportar o nome de jogo do pau, poderia acrescentar que já vi em alguns
textos antigos portugueses a expressão “mestre no jogo das armas” ou “jogar às
armas” o que indica que na cultura portuguesa o “jogo” significava também
treino militar.

Vários outros tratados de armas Italianos pelo menos também se referem a treino
militar como “jogo”, como Achille Marozzo (1484-1553), Antonio Manciolino Séc.
XVI, entre outros. Por exemplo, fazendo distinção entre “gioco stretto” e
“gioco largo” referindo-se a diferentes distâncias. Estes tratados falam
geralmente de vários tipos de armas e não de uma espada especifica.

Nessa altura não creio que fizesse confusão a ninguém. No entanto a esgrima
olímpica não se chama jogo de espada, mas sim esgrima, e hoje em dia, na população
em geral, jogo já não tem nenhuma conotação marcial e como já referi
anteriormente, é mal interpretado por quem não conhece, por isso o mestre Nuno
Russo está a tentar aplicar o nome de Esgrima Lusitana.

Este nome, não é no entanto uma invenção totalmente moderna. Já Zacharias d’Aça
em 1883 se referia ao jogo do pau como a Esgrima Nacional, assim como António
Caçador (1963) sub-titula o seu livro sobre jogo do pau. Creio que já dai advêm
a necessidade de demonstrar que se trata de uma esgrima ou de uma actividade
marcial(de combate) e não de um jogo, como tem sido vista a expressão mais
recentemente.

Eu sinceramente preferia ver o nome Jogo do pau a ser utilizado, mas percebo e
suporto a utilização de Esgrima Lusitana, que faz sentido no mundo em que vivemos
e é mais rapidamente compreendido pelo publico em geral. Também podes ver o
nome Esgrima Lusitana, como sendo a escola do mestre Nuno Russo, que inclui o
varapau e o bastão e segue um programa técnico especifico.

Para te dizer a
verdade até preferia que o problema dos “lusitanos esgrimistas” fosse com a
palavra “jogo” e não com a palavra “pau”. Não tenho nada contra os esforços de
utilização da técnica do jogo do pau nas modalidades de esgrima histórica
reconstituída levados a cabo pelo mestre Luís Preto, mas o jogo do pau têm uma
veneranda tradição e história por si mesmo, independente de hipotéticas origens
em esgrimas de armas de corte, e não deve envergonhar-se de ser uma arte
marcial de uso do pau para combate. Neste texto podem encontrar-se alguns dados
interessantes sobre essa tradição: http://www.freewebs.com/pontuada/O_jogo_do_pau_em_Portugal.pdf.

Além das
referências que mencionas também esta enciclopédia  http://www.freewebs.com/pontuada/Enciclopedia_1949-imprimir.pdf  (não sei qual, tirei as fotocópias
de uma que havia na biblioteca da minha escola quando era puto – mas no texto
diz-se que 1949 é a “actualidade”)  define o jogo do pau como “esgrima
característica portuguesa”.  Parece-me
que a designação de “esgrima portuguesa” ou “esgrima nacional” foi sendo
associada ao jogo do pau em diversas fontes eruditas, normalmente escritas, mas
o povo e os praticantes continuaram a usar normalmente a designação tradicional
de “jogo do pau”. Dizes tu que “no
entanto a esgrima olímpica não se chama jogo de espada, mas sim esgrima, e hoje
em dia, na população em geral, jogo já não tem nenhuma conotação marcial”.
Penso que os praticantes de jogo do pau não deviam ter a atitude de uma marca
de refrigerantes que se preocupa com a escolha de um nome que permita uma maior
penetração no mercado, se os mestres que nos ensinaram uma arte marcial, que
receberam por sua vez de outros mestres, sempre lhe chamaram jogo do pau,
porque é que temos de lhe mudar agora o nome? E se o problema é marketing
porque é que não lhe chamam algo como “PSJ
- Portuguese Staff Jitsu” ou “MMA com
um Grande Cacete” – provavelmente iam atrair imensos malucos pagantes... E
já agora, para ilustrar como a “população em geral” pode estar errada a
propósito de conotações marciais, eis o que John Clements diz a propósito da
esgrima olímpica: “Yet some say modern
sport fencing (particularly foil fencing) is so far removed from its martial
origins as to barely qualify as swormanship“ (em “Renaissance Swordmanship –
The Illustrated Use of Rapiers and Cut-and-Thrust Swords”, p. 14)

2- Nunca vi preconceito em relação aos nomes das pancadas. A única pessoa que
vi utilizar nomes diferentes foi o Luis Preto quanto ensina estrangeiros. Mas
isso advêm da ideia dele de que ao ensinar-se qualquer actividade, se deve
utilizar palavras que as pessoas compreendam. Assim, em inglês faz sentido
utilizar nomes ingleses para as pancadas, apesar das outras artes marciais
todas fazerem o contrário. Não discordo que isso seja mais eficaz na
aprendizagem, no entanto gosto bastante da ideia de utilizar os nomes em
Português por uma questão de manter uma ligação cultural à arte praticada.
Quanto à utilização desses nomes “arcaicos” em português, em em vez de nomes
mais compreensíveis, como “Obliqua” ou “ascendente”, não creio que seja
necessário, pois não custa assim tanto a um português aprender um termo da
própria língua, e em todas as aulas que tive sempre foram os termos utilizados.

Acho que isso tem
a ver com a atitude de quem ensina e quem aprende, em relação ao que é
ensinado. Nas escolas de MMA (artes marciais misturadas?) ensinam-se técnicas,
competências motoras, formas de movimentar o corpo com objetivos ofensivos ou
defensivos. Se um determinado pontapé veio da Tailândia ou um estrangulamento
chegou do Brasil, depois de ter tido origem no Japão, isso pouco interessa aos
envolvidos, a não ser como curiosidade. Porém na maior parte das artes
marciais, sejam antigas ou reformulações mais recentes, os mestres são
portadores de uma cultura que transmitem junto com as técnicas, e os alunos
querem normalmente sentir algum tipo de comunhão com essa cultura. No dojo de
judo temos a etiqueta japonesa e as ideias de Jigoro Kano sobre pedagogia, nos
de aikido ou shorinji kempo temos um pacote cultural que inclui até muito de
religião, nas rodas de capoeira do mundo inteiro gringos e malais de todas as
cores e línguas cantam em português sobre o Senhor do Bonfim e Besouro Mangagá.
Não sei o suficiente sobre os alunos de esgrima histórica aí pelas europas,
posso acreditar que um grupo que se especialize em estudar, por exemplo, “La
Verdadera Destreza” tenha algum apreço pela cultura espanhola (e pela história
de Espanha da época), mas suponho que em geral os entusiastas da esgrima
marcial antiga europeia não estejam interessados em aprender jogo do pau
enquanto arte marcial portuguesa de combate com vara, nem lhes interesse a cultura
portuguesa, e que só queiram do jogo do pau as técnicas que possam ser aplicáveis
ao seu passatempo. Se este for o caso, a posição do mestre Luís Preto será
semelhante à de um mestre de Muay Thai num ginásio de MMA, onde as pessoas só
querem aprender os pontapés que ele traz e não teriam paciência para o “Wai
khru ram muay”, por exemplo. Nesse contexto, faz todo o sentido que ele dê
nomes ingleses às técnicas.

3- Se o caso a favor da ligação do jogo do pau com a esgrima de armas
antigas fosse apenas os nomes dos ataques, como referidos no livro do rei D.
Duarte I (1391-1438), eu veria isso como uma mera curiosidade, e não como um
argumento histórico de referência. Quase como um mito.

E foi assim que vi essa ligação durante muito tempo. No entanto, para uma
análise mais séria da ligação creio que é essencial a análise de dois
documentos “descobertos” mais recentemente. Falo do “Memorial Da Prattica do
Montante” de D. Diogo Gomes de Figueiredo (1651) e “Do Arte de Esgrima” de
Domingos Luis Godinho (1599). Quem é conhecedor de jogo do pau, sabe que no norte
sempre se praticou o combate contra vários adversários, ainda hoje há grupos
muito tradicionais a praticarem o jogo contra dois e o jogo do meio. Está
prática bem documentada em vídeo e presente também no programa técnico do
mestre Nuno Russo, está também descrita no mais antigo manual de jogo do pau
que conheço, “A arte do Jogo do Pau” Joaquim António Ferreira (1886).

Estes textos podem ser analisados mais profundamente para uma melhor
compreensão dos mesmos, no entanto deixo aqui a primeira linha de algumas das
chamadas “regras” ou situações que estes 3 autores descrevem.

"Memorial Da Prattica do Montante" Mestre de Campo Diogo Gomes de
Figueyredo (1651):

-“Regra para brigar com gente por detraz e por diante”

-"Serve esta regra para brigar em hũa rua larga com gente por detras o por
diante”

"Do Arte de Esgrima" - Domingo Luis Godinho (1599)
Autor portugues mas o texto está em espanhol, traduzi aqui para simplificar.

- "sercado em plasa campo o calhe”

- ”sercado en calhe mea angosta de atras e adelante”

“A arte do Jogo do Pau” Joaquim António Ferreira (1886)

-“Quando eu seguir por uma estrada e me apareça um inimigo pela frente e outro
pela retaguarda”

-"Quando me encontrar cercado de inimigos devo (…)"

São apenas dois exemplos de cada autor, mas cada um tem muitos mais exemplos,
sendo que a grande parte das regras que ensinam são mesmo contra vários
adversários em várias situações.

Cada manual, de diferentes mestres e de séculos diferente, apresenta soluções
ligeiramente diferentes, o que creio ser natural. Pode-se até dizer que isto é
o comum em todas as artes marciais e que não evidencia nenhuma ligação especial
ao jogo do pau. No entanto, há que reparar, dos vários autores europeus de
tratados de esgrima antiga com as mais variadas armas, e de várias
nacionalidades, Alemães, Italianos, Ingleses, e de vários séculos, apesar de um
ou outro mencionarem ocasionalmente o combate contra vários adversários, nenhum
deles trata tão profundamente do assunto, como o Figueiredo, Godinho ou
Ferreira tratam nos seus manuais. E isto é quase único na tradição portuguesa.
Autores como George Silver (ca. 1560s–1620s) e Giacomo di Grassi(Séc. XVI)
dedicam um ou outro paragrafo a combate contra vários adversários, enquanto que
dos 3 autores portugueses, cada um tem pelo menos 10 regras especificas contra
vários adversários. Dos autores antigos não só com o montante mas Godinho
refere o mesmo com qualquer tipo de espada. Isto, sendo que não há muitos mais
manuais de esgrima de autores portugueses deste tempo, é grande parto do que
conhecemos da nossa esgrima.

Para quem conhecer o jogo do pau, deixo aqui uma regra de Godinho:
http://jogodopau.tumblr.com/post/43481457974/cercado-numa-praca-campo-ou-rua

Esta descrição quase que se podia pôr lado a lado, e adaptar passo a passo ao
jogo do pau, ainda hoje praticado por muitos grupos de jogo do pau e presente
no programa técnico de Esgrima Lusitana. como diria o Carlos do Carmo, se isto
não é jogo do pau, eu sou chinês(com a devida ressalva de que com certeza,
gostava que existisse um estudo mais profundo do tema, do que aquele que eu
consigo fazer).

Não conhecia
estes autores portugueses, obrigado pelas referências. Entretanto encontrei a
página da AGEA Editora (http://www.ageaeditora.com/), vou tentar adquirir algum
do material publicado por eles.

Como eu disse no
meu outro texto, acho que é possível uma ligação. Duvido é que seja uma ligação
direta, como aquela em que o mestre Luís Preto acredita: “Jogo do Pau is Historical Fencing and Historical Fencing is Jogo do Pau”
e <<Regarding Jogo do Pau as “Portuguese
staff fencing” is not correct, since it actually is a medieval fencing skill,
with either long sword or staffs, depending on the social conditioning factors
that determine which weapons are at hand.>> (in “Combat in
Outnumbered scenarios – The origin of historical fencing”). Eu acho que é
errado declarar que “o jogo do pau não é esgrima de pau portuguesa porque é uma
técnica medieval de esgrima com espadas ou paus”, o que estiver mais a jeito.
Basta ir reler o texto que mencionei, ou perguntar ao mestre Nuno Russo (que
foi o mestre de Luís Preto) o que lhe ensinaram os seus próprios mestres, para
ver que o que o jogo do pau é. O jogo do pau é um sistema de combate tradicional (“arte marcial”)
português com pau longo, contra um ou vários adversários; o jogo do pau pode ter sido influenciado na
sua génese pela esgrima do montante adaptada pelos instrutores militares medievais
para ensinar aos membros da plebe arrebanhados para servir como peões na infantaria
dos senhores feudais uma forma mais eficaz de usarem os seus chuços. As tuas
citações sobre o combate contra vários adversários, ou o facto de a vara ser normalmente
agarrada numa das extremidades, podem ser argumentos que apoiam esta hipotética
influência. Parece-me correta esta análise do mestre Luís Preto no seu blog:  “Defensively,
it is an art in which, regardless of the weapon being handled, the parries are
executed with the part of the weapon that corresponds to the edge of a bladed
weapon. As can be seen in the images below, the nuckles are always directed
outwards and, thus, the parry being shown is intercepting the incoming strike
with the same area of the defender's weapon, regardless of it being bladed or
round.” (in http://jogodopau.blogspot.pt/2013/12/jogo-do-pau-stick-or-sword-art.html).
Mas parece-me que cria confusão desnecessária a colocação de fotografias do uso
da bengala neste texto, uma vez que, como dizes, o “bastão português” ou “bengala
portuguesa” é uma modalidade desenvolvida pelo mestre Nuno Russo. Portanto não
pode ser “a medieval fencing skill, with either long sword or staffs”. Aliás, o
tamanho é mais próximo do da falcata lusitana do que do montante medieval...
Por outro lado, poderia ser interessante ver a execução dos sarilhos do jogo do pau com uma espada longa, como um montante.

Parece-me também que
uma coisa importante a ter em conta nestas análises é que a motricidade humana
não é apenas biológica, mas também culturalmente marcada. As pessoas andam,
dançam, sentam-se, gesticulam... e usam sistemas complexos de combate desarmado,
ou com armas tradicionais, de formas diferentes em diferentes culturas e
sociedades. Há muito em comum se compararmos os deslocamentos de um japonês com
uma katana ou com um jo, como há muito em comum se observarmos os movimentos de
um praticante de kalaripayattu com um pau ou com uma espada, é apenas natural
que haja coisas semelhantes em artes marciais desenvolvidas no extremo
ocidental da Europa, em que uma pode ter influenciado a outra, e que tenham
ataques de uma “wide-motion, bashing, power-oriented striking art“ como
acontece no jogo do pau e acontecia na esgrima de montante.

4- Lusitana refere-se neste caso de uma forma geral ao povo português, tal
como “Os Lusiadas”, não se tenta limitar a um grupo de portugueses de um local
especifico, mas de forma generalizada. Tal como Luso-Americano, refere-se a um
Portugal e América e não a Entre Douro e Tejo e América.

Prefiro “portuguesa”
ou “lusa”, como em “equipa lusa”, por exemplo. Não gosto da designação de “lusitanos”
para os portugueses por várias razões. Uma é que é uma designação errada, na
época das invasões romanas os lusitanos coexistiam com outros povos nativos na
Península Ibérica e a sua área incluía uma parte do que agora é Portugal mais
ou menos entre o Douro e o Tejo e uma parte do que agora é a Espanha. Outra
razão é que me faz lembrar idiotices do tempo da historiografia salazarista,
como dias da raça e coisas assim. Carlos Consiglieri em “Os lusitanos e a
historiografia” fala das “ideias
ultra-românticas de historiadores que tentaram construir uma identidade
nacional a partir dos Lusitanos”, mas Portugal é um país de mestiçagens
várias, e a hipervalorização dos lusitanos faz-se à custa de desvalorizar as contribuições de outros povos que para cá vieram, incluindo os próprios
romanos. Diz-nos também a “História de Portugal” coordenada por Rui Ramos: “Como os estudos genéticos revelaram
recentemente, esta História deixou marcas na composição da população. Na
Península Ibérica, os portugueses são aqueles em cujos genes mais vestígios se
encontram de duas das mais importantes migrações para a Península desde o
século I: os judeus sefarditas, chegados do Médio Oriente no início da era
cristã, e os berberes muçulmanos, vindos do Norte de África no século VIII.”
E esta miscigenação é ainda mais acentuada no sul do país. Uma terceira razão é
que os espanhóis também têm invocado ao longo dos séculos o título de
descendentes dos lusitanos. Mauricio Pastor Muñoz, no seu livro “Viriato”
conta-nos sobre como a partir do século XVII se publicaram em Espanha livros
com Viriato como protagonista. P.ex.: “Assim,
A. González Bustos publica a sua comédia intitulada O Espanhol Viriato, onde enaltece a figura de Viriato.”
Depois, já no séc. XX: “Pouco depois,
Viriato, a quem o padre Mariana chama “libertador quase de Espanha”, passou a
denominar-se “caudilho Viriato” e é comparado a Francisco Franco. Em todos os
trabalhos que fazem referência a Viriato, principalmente nos manuais de
História de Espanha, insiste-se na imagem de Viriato como “caudilho” de Espanha”
(p. 263). E etc, etc. Mais recentemente a série de televisão espanhola “Hispania– La Leyenda” também faz equivaler as designações “lusitanos” e “espanhóis”.

5- Quase todas a técnicas de varapau europeias, Sejam italianas, francesas etc,
utilizam o varapau de forma semelhante, isto é, em rotação completa, segurando
numa das pontas. No entanto, práticamente só em Portugal se vê ainda a pratica
de jogo do pau contra vários adversários. Não digo que seja tudo a mesma coisa,
e creio que em Portugal, por alguma razão esta prática se preservou em
excelente forma, mas não me surpreende existirem formas bastante similares por
toda a Europa. O Garrote canário que vi e já experimentei com um mestre que nos
visitou é substancialmente diferente do jogo do pau português.

O quarterstaff
inglês não é propriamente segurado pela ponta. Nem o maide ceathrún irlandês, a
acreditar em John W. Hurley (“Shillelagh – The Irish Fighting Stick”). Tenho o “TheMartial Arts of Renaissance Europe”, de Sydney Anglo, e logo na capa vê-se uma
imagem antiga de lutadores europeus a agarrarem o pau pelo meio. Nem a vara do
jogo do pau açoriano, de acordo com Luís Preto: “consists exclusively of single
combat, using the stick primarily at short distance by holding the stick in the
middle” (“Jogo do Pau – The Ancient Art and Modern Science of Portuguese Stick
Fighting”, p. 17). Mas concordo que haja uma tendência europeia para pegar no
pau pela ponta e bater em rotação.

6- O bastão português é de facto uma adaptação recente, e como é praticado
hoje, é um aperfeiçoamento tomado a cabo pelo mestre Nuno Russo, o qual tem
todo e quase exclusivo mérito por isso. As menções de utilização de bengala
tradicionalmente são realmente muito esporádicas e não creio que nunca tenha
sido uma pratica corrente. No entanto creio que a adaptação da técnica do
varapau a bastões de um certo peso, é excelente e extremamente eficaz,
refletindo todos os conceitos e princípios do varapau, inclusive o tal combate
contra vários adversários, que é para mim, a melhor aplicação de armas para
defesa pessoal que alguma vez vi.

Nada a dizer. O
mérito deve ser reconhecido, e a modalidade de bastão criada pelo mestre Nuno
Russo parece-me muito interessante como complemento ao jogo do pau tradicional.

Alonguei-me tanto que tive que dividir isto. São questões que requerem de facto
discussão e agradeço o teu post por isso. Abraço.

Já agora, sabes
se há alguns livros sobre esgrima histórica em Portugal? Não as reedições dos
escritos na época em que ela ainda não era “histórica”, que mencionaste, mas
alguma coisa escrita nos últimos anos?

Um abraço,

O meu texto
partilhando algumas das minhas inquietações sobre os rumos atuais do jogo do
pau motivou uma resposta interessante de Frederico Martins, à qual vou tentar
responder aqui:

Olá João,

Não sou um erudito do jogo do pau nem da cultura portuguesa. Tenho feito um
esforço de investigação, dentro dos limites do meu conhecimento, e partilho do
desejo de ver o jogo do pau a ser estudado mais profundamente por alguém mais
capaz. Darei as minhas opiniões como o meu ponto de vista, que não pretende ser
uma verdade absoluta, mas sim a minha interpretação actual, que face à escassez
de fontes, nunca posso afirmar com grandes certezas.

Não vejas isto como uma oposição aos teus argumentos, pois concordo pelo menos
com a grande parte destes, e até apresento mais alguns pontos a favor, no
entanto esta é a forma como vejo estas questões do ponto de vista de um
praticante de Esgrima Lusitana e amante do Jogo do Pau.

Também não sou um
erudito do jogo do pau ou da cultura portuguesa e, como tu, tenho mais
perguntas do que respostas... E de resto uma abordagem científica não significa
apresentar-se como detentor da verdade, mas sim como alguém que tem opiniões
fundamentadas, que podem ser invalidadas por novos dados.

1- “Jogo” e “pau” //Acho o problema não só na palavra jogo mas também na
palavra “pau” não desgosto da expressão, de forma alguma, mas vejo na população
em geral o torcer do nariz à apresentação da mesma. E foi nesse sentido que se
tentou aplicar o nome de Esgrima Lusitana.

Para suportar o nome de jogo do pau, poderia acrescentar que já vi em alguns
textos antigos portugueses a expressão “mestre no jogo das armas” ou “jogar às
armas” o que indica que na cultura portuguesa o “jogo” significava também
treino militar.

Vários outros tratados de armas Italianos pelo menos também se referem a treino
militar como “jogo”, como Achille Marozzo (1484-1553), Antonio Manciolino Séc.
XVI, entre outros. Por exemplo, fazendo distinção entre “gioco stretto” e
“gioco largo” referindo-se a diferentes distâncias. Estes tratados falam
geralmente de vários tipos de armas e não de uma espada especifica.

Nessa altura não creio que fizesse confusão a ninguém. No entanto a esgrima
olímpica não se chama jogo de espada, mas sim esgrima, e hoje em dia, na população
em geral, jogo já não tem nenhuma conotação marcial e como já referi
anteriormente, é mal interpretado por quem não conhece, por isso o mestre Nuno
Russo está a tentar aplicar o nome de Esgrima Lusitana.

Este nome, não é no entanto uma invenção totalmente moderna. Já Zacharias d’Aça
em 1883 se referia ao jogo do pau como a Esgrima Nacional, assim como António
Caçador (1963) sub-titula o seu livro sobre jogo do pau. Creio que já dai advêm
a necessidade de demonstrar que se trata de uma esgrima ou de uma actividade
marcial(de combate) e não de um jogo, como tem sido vista a expressão mais
recentemente.

Eu sinceramente preferia ver o nome Jogo do pau a ser utilizado, mas percebo e
suporto a utilização de Esgrima Lusitana, que faz sentido no mundo em que vivemos
e é mais rapidamente compreendido pelo publico em geral. Também podes ver o
nome Esgrima Lusitana, como sendo a escola do mestre Nuno Russo, que inclui o
varapau e o bastão e segue um programa técnico especifico.

Para te dizer a
verdade até preferia que o problema dos “lusitanos esgrimistas” fosse com a
palavra “jogo” e não com a palavra “pau”. Não tenho nada contra os esforços de
utilização da técnica do jogo do pau nas modalidades de esgrima histórica
reconstituída levados a cabo pelo mestre Luís Preto, mas o jogo do pau têm uma
veneranda tradição e história por si mesmo, independente de hipotéticas origens
em esgrimas de armas de corte, e não deve envergonhar-se de ser uma arte
marcial de uso do pau para combate. Neste texto podem encontrar-se alguns dados
interessantes sobre essa tradição: http://www.freewebs.com/pontuada/O_jogo_do_pau_em_Portugal.pdf.

Além das
referências que mencionas também esta enciclopédia  http://www.freewebs.com/pontuada/Enciclopedia_1949-imprimir.pdf  (não sei qual, tirei as fotocópias
de uma que havia na biblioteca da minha escola quando era puto – mas no texto
diz-se que 1949 é a “actualidade”)  define o jogo do pau como “esgrima
característica portuguesa”.  Parece-me
que a designação de “esgrima portuguesa” ou “esgrima nacional” foi sendo
associada ao jogo do pau em diversas fontes eruditas, normalmente escritas, mas
o povo e os praticantes continuaram a usar normalmente a designação tradicional
de “jogo do pau”. Dizes tu que “no
entanto a esgrima olímpica não se chama jogo de espada, mas sim esgrima, e hoje
em dia, na população em geral, jogo já não tem nenhuma conotação marcial”.
Penso que os praticantes de jogo do pau não deviam ter a atitude de uma marca
de refrigerantes que se preocupa com a escolha de um nome que permita uma maior
penetração no mercado, se os mestres que nos ensinaram uma arte marcial, que
receberam por sua vez de outros mestres, sempre lhe chamaram jogo do pau,
porque é que temos de lhe mudar agora o nome? E se o problema é marketing
porque é que não lhe chamam algo como “PSJ
- Portuguese Staff Jitsu” ou “MMA com
um Grande Cacete” – provavelmente iam atrair imensos malucos pagantes... E
já agora, para ilustrar como a “população em geral” pode estar errada a
propósito de conotações marciais, eis o que John Clements diz a propósito da
esgrima olímpica: “Yet some say modern
sport fencing (particularly foil fencing) is so far removed from its martial
origins as to barely qualify as swormanship“ (em “Renaissance Swordmanship –
The Illustrated Use of Rapiers and Cut-and-Thrust Swords”, p. 14)

2- Nunca vi preconceito em relação aos nomes das pancadas. A única pessoa que
vi utilizar nomes diferentes foi o Luis Preto quanto ensina estrangeiros. Mas
isso advêm da ideia dele de que ao ensinar-se qualquer actividade, se deve
utilizar palavras que as pessoas compreendam. Assim, em inglês faz sentido
utilizar nomes ingleses para as pancadas, apesar das outras artes marciais
todas fazerem o contrário. Não discordo que isso seja mais eficaz na
aprendizagem, no entanto gosto bastante da ideia de utilizar os nomes em
Português por uma questão de manter uma ligação cultural à arte praticada.
Quanto à utilização desses nomes “arcaicos” em português, em em vez de nomes
mais compreensíveis, como “Obliqua” ou “ascendente”, não creio que seja
necessário, pois não custa assim tanto a um português aprender um termo da
própria língua, e em todas as aulas que tive sempre foram os termos utilizados.

Acho que isso tem
a ver com a atitude de quem ensina e quem aprende, em relação ao que é
ensinado. Nas escolas de MMA (artes marciais misturadas?) ensinam-se técnicas,
competências motoras, formas de movimentar o corpo com objetivos ofensivos ou
defensivos. Se um determinado pontapé veio da Tailândia ou um estrangulamento
chegou do Brasil, depois de ter tido origem no Japão, isso pouco interessa aos
envolvidos, a não ser como curiosidade. Porém na maior parte das artes
marciais, sejam antigas ou reformulações mais recentes, os mestres são
portadores de uma cultura que transmitem junto com as técnicas, e os alunos
querem normalmente sentir algum tipo de comunhão com essa cultura. No dojo de
judo temos a etiqueta japonesa e as ideias de Jigoro Kano sobre pedagogia, nos
de aikido ou shorinji kempo temos um pacote cultural que inclui até muito de
religião, nas rodas de capoeira do mundo inteiro gringos e malais de todas as
cores e línguas cantam em português sobre o Senhor do Bonfim e Besouro Mangagá.
Não sei o suficiente sobre os alunos de esgrima histórica aí pelas europas,
posso acreditar que um grupo que se especialize em estudar, por exemplo, “La
Verdadera Destreza” tenha algum apreço pela cultura espanhola (e pela história
de Espanha da época), mas suponho que em geral os entusiastas da esgrima
marcial antiga europeia não estejam interessados em aprender jogo do pau
enquanto arte marcial portuguesa de combate com vara, nem lhes interesse a cultura
portuguesa, e que só queiram do jogo do pau as técnicas que possam ser aplicáveis
ao seu passatempo. Se este for o caso, a posição do mestre Luís Preto será
semelhante à de um mestre de Muay Thai num ginásio de MMA, onde as pessoas só
querem aprender os pontapés que ele traz e não teriam paciência para o “Wai
khru ram muay”, por exemplo. Nesse contexto, faz todo o sentido que ele dê
nomes ingleses às técnicas.

3- Se o caso a favor da ligação do jogo do pau com a esgrima de armas
antigas fosse apenas os nomes dos ataques, como referidos no livro do rei D.
Duarte I (1391-1438), eu veria isso como uma mera curiosidade, e não como um
argumento histórico de referência. Quase como um mito.

E foi assim que vi essa ligação durante muito tempo. No entanto, para uma
análise mais séria da ligação creio que é essencial a análise de dois
documentos “descobertos” mais recentemente. Falo do “Memorial Da Prattica do
Montante” de D. Diogo Gomes de Figueiredo (1651) e “Do Arte de Esgrima” de
Domingos Luis Godinho (1599). Quem é conhecedor de jogo do pau, sabe que no norte
sempre se praticou o combate contra vários adversários, ainda hoje há grupos
muito tradicionais a praticarem o jogo contra dois e o jogo do meio. Está
prática bem documentada em vídeo e presente também no programa técnico do
mestre Nuno Russo, está também descrita no mais antigo manual de jogo do pau
que conheço, “A arte do Jogo do Pau” Joaquim António Ferreira (1886).

Estes textos podem ser analisados mais profundamente para uma melhor
compreensão dos mesmos, no entanto deixo aqui a primeira linha de algumas das
chamadas “regras” ou situações que estes 3 autores descrevem.

"Memorial Da Prattica do Montante" Mestre de Campo Diogo Gomes de
Figueyredo (1651):

-“Regra para brigar com gente por detraz e por diante”

-"Serve esta regra para brigar em hũa rua larga com gente por detras o por
diante”

"Do Arte de Esgrima" - Domingo Luis Godinho (1599)
Autor portugues mas o texto está em espanhol, traduzi aqui para simplificar.

- "sercado em plasa campo o calhe”

- ”sercado en calhe mea angosta de atras e adelante”

“A arte do Jogo do Pau” Joaquim António Ferreira (1886)

-“Quando eu seguir por uma estrada e me apareça um inimigo pela frente e outro
pela retaguarda”

-"Quando me encontrar cercado de inimigos devo (…)"

São apenas dois exemplos de cada autor, mas cada um tem muitos mais exemplos,
sendo que a grande parte das regras que ensinam são mesmo contra vários
adversários em várias situações.

Cada manual, de diferentes mestres e de séculos diferente, apresenta soluções
ligeiramente diferentes, o que creio ser natural. Pode-se até dizer que isto é
o comum em todas as artes marciais e que não evidencia nenhuma ligação especial
ao jogo do pau. No entanto, há que reparar, dos vários autores europeus de
tratados de esgrima antiga com as mais variadas armas, e de várias
nacionalidades, Alemães, Italianos, Ingleses, e de vários séculos, apesar de um
ou outro mencionarem ocasionalmente o combate contra vários adversários, nenhum
deles trata tão profundamente do assunto, como o Figueiredo, Godinho ou
Ferreira tratam nos seus manuais. E isto é quase único na tradição portuguesa.
Autores como George Silver (ca. 1560s–1620s) e Giacomo di Grassi(Séc. XVI)
dedicam um ou outro paragrafo a combate contra vários adversários, enquanto que
dos 3 autores portugueses, cada um tem pelo menos 10 regras especificas contra
vários adversários. Dos autores antigos não só com o montante mas Godinho
refere o mesmo com qualquer tipo de espada. Isto, sendo que não há muitos mais
manuais de esgrima de autores portugueses deste tempo, é grande parto do que
conhecemos da nossa esgrima.

Para quem conhecer o jogo do pau, deixo aqui uma regra de Godinho:
http://jogodopau.tumblr.com/post/43481457974/cercado-numa-praca-campo-ou-rua

Esta descrição quase que se podia pôr lado a lado, e adaptar passo a passo ao
jogo do pau, ainda hoje praticado por muitos grupos de jogo do pau e presente
no programa técnico de Esgrima Lusitana. como diria o Carlos do Carmo, se isto
não é jogo do pau, eu sou chinês(com a devida ressalva de que com certeza,
gostava que existisse um estudo mais profundo do tema, do que aquele que eu
consigo fazer).

Não conhecia
estes autores portugueses, obrigado pelas referências. Entretanto encontrei a
página da AGEA Editora (http://www.ageaeditora.com/), vou tentar adquirir algum
do material publicado por eles.

Como eu disse no
meu outro texto, acho que é possível uma ligação. Duvido é que seja uma ligação
direta, como aquela em que o mestre Luís Preto acredita: “Jogo do Pau is Historical Fencing and Historical Fencing is Jogo do Pau”
e <<Regarding Jogo do Pau as “Portuguese
staff fencing” is not correct, since it actually is a medieval fencing skill,
with either long sword or staffs, depending on the social conditioning factors
that determine which weapons are at hand.>> (in “Combat in
Outnumbered scenarios – The origin of historical fencing”). Eu acho que é
errado declarar que “o jogo do pau não é esgrima de pau portuguesa porque é uma
técnica medieval de esgrima com espadas ou paus”, o que estiver mais a jeito.
Basta ir reler o texto que mencionei, ou perguntar ao mestre Nuno Russo (que
foi o mestre de Luís Preto) o que lhe ensinaram os seus próprios mestres, para
ver que o que o jogo do pau é. O jogo do pau é um sistema de combate tradicional (“arte marcial”)
português com pau longo, contra um ou vários adversários; o jogo do pau pode ter sido influenciado na
sua génese pela esgrima do montante adaptada pelos instrutores militares medievais
para ensinar aos membros da plebe arrebanhados para servir como peões na infantaria
dos senhores feudais uma forma mais eficaz de usarem os seus chuços. As tuas
citações sobre o combate contra vários adversários, ou o facto de a vara ser normalmente
agarrada numa das extremidades, podem ser argumentos que apoiam esta hipotética
influência. Parece-me correta esta análise do mestre Luís Preto no seu blog:  “Defensively,
it is an art in which, regardless of the weapon being handled, the parries are
executed with the part of the weapon that corresponds to the edge of a bladed
weapon. As can be seen in the images below, the nuckles are always directed
outwards and, thus, the parry being shown is intercepting the incoming strike
with the same area of the defender's weapon, regardless of it being bladed or
round.” (in http://jogodopau.blogspot.pt/2013/12/jogo-do-pau-stick-or-sword-art.html).
Mas parece-me que cria confusão desnecessária a colocação de fotografias do uso
da bengala neste texto, uma vez que, como dizes, o “bastão português” ou “bengala
portuguesa” é uma modalidade desenvolvida pelo mestre Nuno Russo. Portanto não
pode ser “a medieval fencing skill, with either long sword or staffs”. Aliás, o
tamanho é mais próximo do da falcata lusitana do que do montante medieval...
Por outro lado, poderia ser interessante ver a execução dos sarilhos do jogo do pau com uma espada longa, como um montante.

Parece-me também que
uma coisa importante a ter em conta nestas análises é que a motricidade humana
não é apenas biológica, mas também culturalmente marcada. As pessoas andam,
dançam, sentam-se, gesticulam... e usam sistemas complexos de combate desarmado,
ou com armas tradicionais, de formas diferentes em diferentes culturas e
sociedades. Há muito em comum se compararmos os deslocamentos de um japonês com
uma katana ou com um jo, como há muito em comum se observarmos os movimentos de
um praticante de kalaripayattu com um pau ou com uma espada, é apenas natural
que haja coisas semelhantes em artes marciais desenvolvidas no extremo
ocidental da Europa, em que uma pode ter influenciado a outra, e que tenham
ataques de uma “wide-motion, bashing, power-oriented striking art“ como
acontece no jogo do pau e acontecia na esgrima de montante.

4- Lusitana refere-se neste caso de uma forma geral ao povo português, tal
como “Os Lusiadas”, não se tenta limitar a um grupo de portugueses de um local
especifico, mas de forma generalizada. Tal como Luso-Americano, refere-se a um
Portugal e América e não a Entre Douro e Tejo e América.

Prefiro “portuguesa”
ou “lusa”, como em “equipa lusa”, por exemplo. Não gosto da designação de “lusitanos”
para os portugueses por várias razões. Uma é que é uma designação errada, na
época das invasões romanas os lusitanos coexistiam com outros povos nativos na
Península Ibérica e a sua área incluía uma parte do que agora é Portugal mais
ou menos entre o Douro e o Tejo e uma parte do que agora é a Espanha. Outra
razão é que me faz lembrar idiotices do tempo da historiografia salazarista,
como dias da raça e coisas assim. Carlos Consiglieri em “Os lusitanos e a
historiografia” fala das “ideias
ultra-românticas de historiadores que tentaram construir uma identidade
nacional a partir dos Lusitanos”, mas Portugal é um país de mestiçagens
várias, e a hipervalorização dos lusitanos faz-se à custa de desvalorizar as contribuições de outros povos que para cá vieram, incluindo os próprios
romanos. Diz-nos também a “História de Portugal” coordenada por Rui Ramos: “Como os estudos genéticos revelaram
recentemente, esta História deixou marcas na composição da população. Na
Península Ibérica, os portugueses são aqueles em cujos genes mais vestígios se
encontram de duas das mais importantes migrações para a Península desde o
século I: os judeus sefarditas, chegados do Médio Oriente no início da era
cristã, e os berberes muçulmanos, vindos do Norte de África no século VIII.”
E esta miscigenação é ainda mais acentuada no sul do país. Uma terceira razão é
que os espanhóis também têm invocado ao longo dos séculos o título de
descendentes dos lusitanos. Mauricio Pastor Muñoz, no seu livro “Viriato”
conta-nos sobre como a partir do século XVII se publicaram em Espanha livros
com Viriato como protagonista. P.ex.: “Assim,
A. González Bustos publica a sua comédia intitulada O Espanhol Viriato, onde enaltece a figura de Viriato.”
Depois, já no séc. XX: “Pouco depois,
Viriato, a quem o padre Mariana chama “libertador quase de Espanha”, passou a
denominar-se “caudilho Viriato” e é comparado a Francisco Franco. Em todos os
trabalhos que fazem referência a Viriato, principalmente nos manuais de
História de Espanha, insiste-se na imagem de Viriato como “caudilho” de Espanha”
(p. 263). E etc, etc. Mais recentemente a série de televisão espanhola “Hispania– La Leyenda” também faz equivaler as designações “lusitanos” e “espanhóis”.

5- Quase todas a técnicas de varapau europeias, Sejam italianas, francesas etc,
utilizam o varapau de forma semelhante, isto é, em rotação completa, segurando
numa das pontas. No entanto, práticamente só em Portugal se vê ainda a pratica
de jogo do pau contra vários adversários. Não digo que seja tudo a mesma coisa,
e creio que em Portugal, por alguma razão esta prática se preservou em
excelente forma, mas não me surpreende existirem formas bastante similares por
toda a Europa. O Garrote canário que vi e já experimentei com um mestre que nos
visitou é substancialmente diferente do jogo do pau português.

O quarterstaff
inglês não é propriamente segurado pela ponta. Nem o maide ceathrún irlandês, a
acreditar em John W. Hurley (“Shillelagh – The Irish Fighting Stick”). Tenho o “TheMartial Arts of Renaissance Europe”, de Sydney Anglo, e logo na capa vê-se uma
imagem antiga de lutadores europeus a agarrarem o pau pelo meio. Nem a vara do
jogo do pau açoriano, de acordo com Luís Preto: “consists exclusively of single
combat, using the stick primarily at short distance by holding the stick in the
middle” (“Jogo do Pau – The Ancient Art and Modern Science of Portuguese Stick
Fighting”, p. 17). Mas concordo que haja uma tendência europeia para pegar no
pau pela ponta e bater em rotação.

6- O bastão português é de facto uma adaptação recente, e como é praticado
hoje, é um aperfeiçoamento tomado a cabo pelo mestre Nuno Russo, o qual tem
todo e quase exclusivo mérito por isso. As menções de utilização de bengala
tradicionalmente são realmente muito esporádicas e não creio que nunca tenha
sido uma pratica corrente. No entanto creio que a adaptação da técnica do
varapau a bastões de um certo peso, é excelente e extremamente eficaz,
refletindo todos os conceitos e princípios do varapau, inclusive o tal combate
contra vários adversários, que é para mim, a melhor aplicação de armas para
defesa pessoal que alguma vez vi.

Nada a dizer. O
mérito deve ser reconhecido, e a modalidade de bastão criada pelo mestre Nuno
Russo parece-me muito interessante como complemento ao jogo do pau tradicional.

Alonguei-me tanto que tive que dividir isto. São questões que requerem de facto
discussão e agradeço o teu post por isso. Abraço.

Já agora, sabes
se há alguns livros sobre esgrima histórica em Portugal? Não as reedições dos
escritos na época em que ela ainda não era “histórica”, que mencionaste, mas
alguma coisa escrita nos últimos anos?

Um abraço,

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