Ana Pinho: “Serralves é maior do que as pessoas que cá estão”

26-04-2017
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Ana Pinho de Macedo Silva, 48 anos, é desde janeiro a presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves. Na casa desde 2010, onde integrou a comissão executiva nos últimos três anos, a ex-CEO da UBS Portugal é uma mulher extremamente reservada. Filha de Armando Pinho, sobrinha de Ilídio Pinho e mulher de Nuno Macedo Silva, a gestora não gosta de se expor, prefere guardar segredo sobre as suas relações familiares e opta sempre pela terceira pessoa quando se refere ao cargo que ocupa. Nasceu em Vale de Cambra, onde fez o liceu, terminou a licenciatura em Economia na Universidade do Porto, viveu em Londres uma larga temporada para regressar ao país e se dedicar à banca. Fez questão de nos receber no gabinete do conselho de administração de Serralves, naquela que foi a sua primeira entrevista, sublinhando que a Fundação é mais importante do que as pessoas que por lá passam.

Serralves é uma casa à qual está ligada desde o início da sua criação, em 1989. O seu pai faz parte do primeiro núcleo de fundadores. O que é que isso significa no presente?

Sempre ouvi falar de Serralves de uma forma apaixonada, ligada a um sonho que se queria concretizar. O meu pai não esteve no conselho de administração, mas está ligado a uma empresa que é um grande mecenas, a Arsopi. Eu ouvia falar de como era preciso congregar o esforço de tanta gente. Hoje percebo que esse equilíbrio é uma herança que se ganha e se deve preservar.

Também a RAR, a empresa do seu marido, faz parte dos primeiros fundadores. Como é que estas circunstâncias a influenciaram?

O pai do meu marido pertenceu ao conselho de administração e foi das pessoas que deram mais do seu tempo para que tudo isto acontecesse, é verdade. Não sei como tudo isto me influenciou, simplesmente vim.

Quem é que a convidou?

O doutor António Gomes de Pinho, que na altura era o presidente da Fundação.

O que pesou na sua decisão?

Estava disponível. Não havia ainda comissão executiva, só foi criada no final de 2012. Reuníamo-nos uma vez por mês, não ocupava o tempo que depois veio a ocupar.

rui duarte silva

Trabalhava na banca. Ao contrário de todos os anteriores presidentes, não tinha ligação nem à política nem ao sector da economia cultural. Porque foi convidada?

Não sei.

Mas sabe porque aceitou o convite?

Lá está... Foi o facto de já considerar Serralves uma instituição pela qual vale a pena lutar e pela qual vale a pena darmos o nosso tempo. E também porque gosto de arte contemporânea e gosto muitíssimo deste sítio. É único.

Trabalha em regime pro bono. Sente o cargo que ocupa como uma missão?

Sinto. E é uma missão muito apaixonante.

O facto de ter capacidade financeira para poder trabalhar em Serralves pro bono facilitou a sua opção?

Claro, mas não posso fazer isto sempre. E aqui tenho de referir que o meu marido é determinante. Trabalho dias inteiros, noites e muitos fins de semana e ele tem uma grande paciência. Provavelmente porque gosta muito de Serralves, apoiou-me e formamos uma parceria nesta decisão de estar aqui os três anos que devo estar. O dinheiro permite esta liberdade, mas nem toda a gente estaria disposta a fazer este tipo de opção quando tem a possibilidade de continuar a ter uma atividade que lhe dê compensação financeira.

Que desígnio tem para a Fundação?

Acho que temos de diversificar e potenciar as nossas fontes de financiamento. Serralves é uma fundação de serviço público que de facto presta um enorme serviço ao país. Temos de corrigir a discrepância na cooperação do Estado. A parceria que nos une tem de ser equilibrada. A contribuição de 36%, que corresponde ao momento atual, é tudo menos isso. Estamos presentes em muitos mais sítios a nível nacional e não tão concentrados na cidade do Porto. Queremos alargar o nosso número de fundadores ao país inteiro.

Como é que se atraem fundadores num momento como este que atravessamos?

É muito difícil. As câmaras municipais têm connosco uma relação de parceria que é diferente da relação dos outros fundadores. A contribuição é a mesma [100 mil euros], mas é repartida em quatro anos e tem contrapartidas associadas. Organizamos exposições nas autarquias com uma grande componente de serviço educativo e a publicação de edições relativas a essas mostras. Este ano já fizemos quatro e vamos fazer muito mais até ao final do ano.

Diz quem a conhece que a sua agenda de contactos é enorme. Tem funcionado na angariação de novos fundadores e mecenas?

Utilizamos as pessoas que conhecemos para levar para a frente aquilo em que acreditamos. De resto, o conselho de administração tem nove membros e todos eles fazem o mesmo.

Em que pontos é que a economia e a cultura se tocam?

Desde logo no contributo para o desenvolvimento de um país. No entanto, muitas vezes há a tentação de, quando falta dinheiro, cortar-se naquilo que se julga que é menos essencial. Compreendo e sei que há produtos e serviços básicos que se têm de manter. Mas não creio que se possa cortar numa área que contribui de forma tão vital e ativa para a formação das pessoas. São elas que no futuro poderão contribuir para o tal desenvolvimento do país, um país que se quer pensado, refletido. Por outro lado, cultura e economia estão unidas no sector do turismo. Se olharmos hoje para Portugal, constatamos que o turismo é uma área em franco desenvolvimento e onde podemos ter algumas vantagens económicas.

Fala de um país que neste momento corta em força no orçamento que atribui à cultura. As fundações como Serralves não recebem a comparticipação do Estado desde janeiro. Do ponto de vista estratégico como é que encara este período?

Como dizem, este ano ainda não recebemos nem um euro da contribuição do Estado. Acreditamos que isso venha a acontecer em breve, pelo menos no que respeita a uma parte dessa comparticipação. No entanto, consideramos que Serralves está numa situação particularmente injusta e gostava de usar mesmo esta palavra porque corresponde exatamente ao meu sentimento. Entre todas as instituições similares, Serralves é aquela que tem o apoio mais reduzido do Estado. Recebemos 2,78 milhões de euros nos últimos três anos e temos um orçamento de oito milhões. Trata-se de uma magnitude completamente diferente daquela que é a comparticipação do Estado noutras entidades, quer em termos absolutos quer em termos relativos.

Quando é que essa contribuição começou a diminuir?

A partir de 2011, quando foram introduzidos cortes orçamentais nas fundações, foi criada uma exceção que isentava as instituições que recebiam menos de 50% do Estado [Serralves dependia em 45% do OE] — algo virtuoso que faz com que as instituições sejam incentivadas a trabalhar e a arranjar fontes de financiamento alternativas, seja através do mecenato seja através de receitas próprias. Penso que é uma medida boa para todos, para o país e para o Estado, que as instituições por ele apoiadas tentem também conseguir fontes de financiamento alternativas. Mas essa exceção acabou em 2013, quando sofremos um corte de 30%. Resta referir que esse corte não foi igual para todos. O CCB não teve um corte no mesmo valor.

É uma luta sua conseguir inverter essa situação?

É uma luta de Serralves, sim. Mas é preciso que haja vontade política para que chegue a bom porto.

Qual tem sido a sua engenharia financeira para contornar estes cortes? Na última entrevista dada pelo seu antecessor, Luís Braga da Cruz, em dezembro passado, ele afirmava que Serralves estava “nos limites”.

E está mesmo nos limites. No entanto, e isto é o mais importante, estamos com vontade de fazer muitas coisas e não queremos que nos cortem essa ambição. Trabalhar é o grande objetivo. É uma pena que uma instituição, que é o museu pago mais visitado do país, que no ano passado recebeu 525 mil pessoas, seja tratada de uma forma que não consideramos justa, volto a sublinhar. Serralves sempre teve uma gestão cautelosa e temos vindo a cortar em coisas que não se veem, desde desligar o ar condicionado mais cedo a renegociar contratos com os fornecedores, à não abertura de contratos para mais recursos humanos...

Significa que não têm cortado no investimento mas apenas no funcionamento?

Exato. Mas não temos investido quase nada porque não temos dinheiro. Fizemos obras de conservação e de reabilitação nas quais o Estado não tem entrado com qualquer verba. E fazemos investimento em obras de arte através do fundo de aquisições anual.

Há contributos dos fundadores e de mecenas?

Temos feito uma maior aproximação aos fundadores, mecenas e patronos para tentar que não abandonem o barco. Queremos que as pessoas estejam mais presentes, que nos frequentem, que venham cá, que falem com os artistas, que visitem as exposições quando elas estão em montagem... Se fizerem o mesmo que o Estado, então aí é impossível sobrevivermos.

rui duarte silva

O recurso a coproduções e a produções estrangeiras também é uma forma de eliminar custos?

Sim, mas não só. Serralves sempre teve essa lógica de atuação desde o início. Ao recorrermos a coproduções internacionais também estamos a entrar no circuito internacional, um processo fundamental para um posicionamento firme. O primeiro diretor do Museu, Vicente Todoli, fê-lo de uma forma brilhante, João Fernandes também o fez e Suzanne Cotter está a fazê-lo.

Não terá havido uma perda de visibilidade de Serralves em termos internacionais, e até nacionais, nos últimos anos?

Pelo contrário. É verdade que no período de Vicente Todoli se fizeram aqui grandes exposições históricas, Bacon, Warhol, Paula Rego... Mas também continuamos a fazê-las, tudo tem de evoluir. O que fazemos hoje e que não fazíamos até há poucos anos é, não só continuar a participar em coproduções internacionais relevantes, mas também exportar exposições produzidas aqui. Fizemos uma exposição no Guggenheim de Nova Iorque de uma artista iraniana, a Farmafarmaian, fizemos a exposição de arquitetura, o “Processo SAAL”, que esteve no maior centro de exposição e arquivos de arquitetura do mundo, em Montreal. Este ano tivemos uma grande exposição de Helena Almeida no Jeu de Paume, em Paris, e no ano passado recebemos a primeira exposição da Bienal de São Paulo realizada fora do Brasil. Portanto, do meu ponto de vista, Serralves está no caminho inverso da perda.

Um dos próximos acontecimentos que vão marcar a Fundação será a construção da Casa Manoel de Oliveira, projetada por Siza Vieira. Quanto vai custar?

Pedimos uma verba superior ao limite da candidatura, que é de 2,1 milhões de euros, portanto teremos de acrescentar nós o valor necessário à criação da Casa Manoel de Oliveira.

Por quem será dirigida?

Há uma pessoa que foi sugerida pelo cineasta, António Preto, que tem estado a trabalhar connosco nessa área e na conceção de uma programação adequada.

Esperam um reforço da comparticipação estatal para a gestão dessa casa?

Sim. É uma área nova, isso deve justificá-lo por si só.

É tida como uma administradora de continuidade. É assim que se vê ou, pelo contrário, é no papel da inovação que se situa?

Serralves é maior do que as pessoas que cá estão e que temporariamente têm de zelar pelos interesses da Fundação. Obviamente, gostaria que continuasse o caminho de sucesso que teve até aqui. Não podemos é ter a capacidade de fazer tanta coisa, que é tão importante para a região e para o país, e não poder exercê-la porque há muitas dificuldades económicas. Esta situação tem de ser corrigida. Estou cá há seis anos e meio e participei nas decisões porque estive nos últimos três anos na comissão executiva. Mas, claro, as pessoas têm formas diferentes de ser e de agir. Talvez se possa dizer que eu sou mais interventiva na gestão do dia a dia. Tento ajudar e estar envolvida, até porque há falta de pessoal.

Quer dizer que o conselho de administração é agora mais interventivo?

Não no que respeita às decisões, mas sim no que se refere à presença constante nesta casa, na procura de mecenato, de novos fundadores e no contacto com o Estado para resolver questões do dia a dia e em prol das ideias.

É aí que a sua administração também é mais inovadora?

É uma administração que quer abrir mais a Fundação. Esse é um desejo. Temos de ser uma instituição inovadora, mas inovadora no que mostra. Além da expansão nacional e internacional, gostava muito que se desenvolvesse a área da arquitetura, um novo campo de atuação desde logo por termos recebido o arquivo do arquiteto Siza Vieira, tal como a área do cinema através da Casa Manoel de Oliveira. Dois focos de interesse que se coadunam com o que cada vez mais se faz nos museus de arte contemporânea de todo o mundo. E gostava ainda de potenciar muito mais a relação entre o museu e o parque. Vou algumas vezes com a diretora artística, Suzanne Cotter, a feiras e museus, e trago sempre essa ideia: dar um salto na programação que se estende ao parque.

Como foi acordada com o Governo a mostra dos Mirós em Serralves?

O então ministro da Cultura, João Soares, veio cá no final de dezembro e propôs à administração a realização da mostra. De seguida falámos com a diretora do museu e ela achou bem. Aliás, desde o início considerou que a mostra deveria ser feita na Casa de Serralves.

A exposição é uma aposta no aumento de público?

É um marco, não penso que seja uma aposta. Já no início do ano tivemos duas exposições com imenso público, a de Wolfgang Tillmans e a da Coleção Sonnabend. Nós temos exposições populares.

Será essa a missão da Fundação, ou será dar ao público aquilo que outras instituições, por motivos comerciais, não podem dar?

Estou convicta de que temos uma programação profundamente equilibrada. Neste momento temos a exposição de Silvestre Pestana, um artista que trabalha desde os anos 60 e foi pioneiro no vídeo e na performance. Embora seja conhecido entre os seus pares e tenha inspirado uma nova geração de artistas, não é propriamente um nome muito conhecido do grande público. É um trabalho que eu, pessoalmente, adoro. Continuamos a mostrar artistas e obras que os outros museus não mostram. Esta linha não se esgota.

E havia algum buraco na programação para que a exposição dos Mirós se pudesse encaixar?

Por acaso estava programada uma exposição da coleção que não será feita. Mas não veio roubar espaço a nenhuma outra que não se pudesse fazer mais à frente. Estamos muito entusiasmados com a exposição e vamos fazê-la de uma forma que penso que será muito bem recebida. O design, por exemplo, vai ser do arquiteto Siza Vieira, para tentar dar um ar contemporâneo à exposição. Estamos em contacto com um administrador da Fundação Miró, que é um grande especialista da obra do pintor catalão, para que seja o curador em parceria com a nossa equipa.

O aumento do número de visitantes tem ocorrido em muitas instituições nacionais e internacionais à custa de uma programação mais populista. É isso que quer que aconteça em Serralves?

É delicado. O sucesso só se alcança quando há equilíbrio. Mas é muito importante que Serralves continue a fazer exposições que chamam a atenção a nível internacional e que sempre foram a marca da casa. Ao mesmo tempo, é preciso que também haja pelo menos uma vez por ano uma mostra que atraia novos públicos, que normalmente não vêm e que passam a vir. É o que acontece com o Serralves em Festa. Por isso tentamos que a direção do museu seja sensível ao facto de que também é preciso mostrar exposições fáceis, digamos assim.

O mandato de um diretor em Serralves é de cinco anos. Pensa reconduzir Suzanne Cotter?

Penso que até ao final do ano haverá uma conversa com ela nesse sentido. Considero a Suzanne Cotter uma pessoa com quem é muito fácil trabalhar. É muito organizada, cumpre o que diz que faz, o que é uma coisa que valorizo muito nas pessoas com quem trabalho, tem uma carteira de contactos internacionais muitíssimo relevante e é alguém que se entregou completamente a Serralves. Estou bastante contente com ela.

Serralves ocupou o lugar de catalisador na cultura contemporânea e teve um papel muito importante no diálogo entre esta cidade e a comunidade artística nacional. Marcava a agenda. Esta Câmara reposicionou o Porto como centro e laboratório de cultura. Como é que tudo isto alterou a forma como a instituição olha para o papel que pode desempenhar?

Estamos onde devemos estar. Serralves foi o primeiro museu de arte contemporânea do país. A nossa preocupação atualmente é, precisamente, fazer uma programação onde as artes performativas estejam em diálogo com as artes visuais. Evidentemente que nunca poderemos, nem temos essa competência, fazer o que o Rivoli faz. Mas esse é também um caminho dos museus de arte contemporânea. Sempre houve uma preocupação que os artistas estivessem ligados a nós e não vejo que isso não esteja acontecer.

Há vários modelos de pensar a política cultural. O que melhoraria na política cultural deste país?

Sem dúvida incentivaria as instituições que fazem bem, em vez de as penalizar que é o que acontece hoje em dia. Isto é recorrente. Mudam-se as vontades e continua a mesma coisa. Acho inaceitável. Esta maneira de funcionar mudaria, sem dúvida.

É fundadora?

Não.

E colecionadora?

Também não. Gosto muito de obras de arte, mas não compro.

Quando chegou teve a preocupação de conhecer bem a coleção?

Tive e ainda tenho. Tenho a preocupação de conhecer tudo o que se faz em Serralves, e desde o princípio do ano, quando assumi as funções de presidente, tento estar sempre presente e não é só do museu que estamos a falar, mas de todas as iniciativas. Esta é a minha forma de estar.

Sempre foi frequentadora desta casa. Como é que marcou a sua formação cultural?

Embora nessa altura já fosse adulta, gostei muito da exposição de Francis Bacon, não porque goste especialmente do Bacon, mas porque apreciei muitíssimo a forma como foi concebida. Também em 2000 fiz cá um curso de arte moderna e contemporânea, dado pelo Fernando Pernes, e estou a referir-me a este facto como um dos exemplos de várias coisas que me aproximaram a Serralves.

Foi nessa sequência que frequentou cursos na Christie’s e na Sotheby’s em Londres?

Não sei se as coisas estão relacionadas. Sempre gostei de ver coisas novas. No primeiro curso que fiz na Christie’s, o tema nem me interessava particularmente, foi sobretudo uma oportunidade porque era pós-laboral. Na altura, em 1996, estava na Business School e vivia perto da Christie’s de South Kensington, numa casa que partilhava com amigas.

Qual era a sua Londres?

É a minha segunda cidade. Apesar de ser enorme, não se sente essa dimensão. Há aqueles restaurantes muito simples onde se vai, há uma convivência muito fácil com gente de todo o lado, é muito cosmopolita e eu sentia-me muito confortável. Embora trabalhasse imenso e não tivesse muito tempo para fazer muita coisa, conseguia ir ao Soho e à ópera.

Mas foi no Porto que fez o curso de Economia.

Nem se colocou a hipótese de estudar fora.

E o seu Porto como era?

Não sou natural do Porto. Nasci em Vale de Cambra.

Onde está sediada a empresa do seu pai.

Sim. E fiz todo o liceu em Vale de Cambra. Só vim para o Porto no 12º ano, para o Liceu D. Manuel. Sempre estudei em escolas públicas. Fiz o curso na Universidade de Economia do Porto.

Hesitou na escolha do curso?

Muito. Estive hesitante entre arquitetura e economia. Em miúda desenhava plantas e o interior das salas, tenho vários desenhos desses.

Porque optou por economia e não por arquitetura?

Não sei. Nunca me tentaram influenciar. Estava na dúvida e, se calhar, fui pelo caminho mais fácil.

Ficou-lhe a nostalgia da arquitetura?

Nunca pensei nisso até aqui estar. Embora não o sabendo, pode também ser por isso que aceitei logo vir.

Cresceu em Vale de Cambra. Como era o ambiente?

O ambiente? As pessoas são mais próximas e talvez mais verdadeiras e solidárias. Nunca senti fronteiras sociais, só muito mais tarde me dei conta. Fez parte da educação que os meus pais me deram.

A empresa do seu pai era a maior empregadora? Havia uma relação com a comunidade?

Não havia. Talvez o que me tenha influenciado mais na relação com um lugar pequeno tenha sido a liberdade que isso me dava. Esse é um dos aspetos que tento privilegiar na educação do meu filho. Tínhamos tempo para brincar, hoje eles têm imensa atividades, o que me faz muita impressão. Lembro-me bem de como era o tempo. Tempo para brincar, para estudar, tempo para desenvolver a criatividade. Tenho dúvidas desta vida que levam os nossos filhos.

De que forma é que uma infância, sobretudo uma adolescência, passada numa pequena vila, a influenciou a perceber que nem todos têm as mesmas oportunidades de acesso à cultura?

Tenho bastante consciência disso e de que políticas devem ter em consideração essa desigualdade entre as populações e tentar que haja uma maior convergência. É natural que se os primeiros anos da minha vida foram vividos num sítio que na altura nem cidade era me tenha influenciado.

Quando chegou ao Porto o que a surpreendeu mais?

Não posso dizer “quando cheguei ao Porto”. Vínhamos regularmente aqui. Também é preciso dizer que estive em muitos outros sítios. Vivi em Lisboa, depois em Londres, trabalhei em Madrid... Nunca olho para as pessoas a pensar de onde vêm. A Suzanne [Cotter], por exemplo, não sei se é da Austrália, se é de Londres, do Porto... Digo isto assim e até pode parecer estranho, mas não me revejo nada nesse conceito da naturalidade. Gosto muito das pessoas e privilegio sempre esse contacto.

Referiu há pouco que acompanha muito a Suzanne Cotter a feiras de arte e exposições internacionais. É uma tentativa de se enriquecer pessoalmente ou de poder ter a decisão mais acertada na casa que está a gerir?

Sem dúvida que o motivo principal que me faz acompanhá-la é o da aprendizagem. Depois é também uma altura em que se encontram muitas pessoas que são relevantes e é importante estar presente. Às vezes não consigo.

Para um economista, a gestão de uma instituição cultural significa um corte na progressão da carreira?

Posso dizer que sim.

Portanto, há um espírito de missão acrescido?

Não vejo isso dessa forma, estou muito entusiasmada por estar aqui. Claro que aceitar a presidência neste contexto só faz sentido, para mim, se fizer o melhor que sei e posso, e se der todo o meu tempo. Na vida não se consegue nada sem muito trabalho. Sempre achei isso, fui educada assim, e é das coisas que mais valorizo na forma como fui educada.

rui duarte silva

É o que mais valoriza na sua herança?

Isso e os valores.

Que valores?

Dou muita importância à honestidade e à lealdade. E ao esforço. Há pessoas que se esforçam muito e não conseguem tudo o que deveriam e eu tenho mais simpatia por estas pessoas. Quando falo em esforço, estou a referir-me à dedicação. Estas são as verdadeiras heranças que se podem receber. Tudo o resto é efémero. Passa.

Foi um alívio sair da banca?

Foi. Quando acabei o curso, em 1990, toda a gente queria ir para a banca e hoje em dia vejo o contrário. Gosto muito da economia real, toda a vida trabalhei na área de investimento. Estive 12 anos na UBS e nos últimos anos estava à frente de um projeto e a montá-lo de raiz. Foi em 2009, no início da crise, e o UBS foi dos primeiros bancos a ser atingidos. Não havia dinheiro para contratar ninguém. Começou a tornar-se insuportável. Só não saí antes porque tinha ido buscar pessoas que estavam a trabalhar há vinte e tal anos num sítio e tinha-as convencido a integrar o projeto. Não podia deixá-las. É o tipo de coisa que nunca fiz nem nunca farei. Portanto, fui aguentando até ter sido tomada a decisão de se acabar com o projeto. A seguir aproveitei para tirar um ano sabático. O meu filho, que agora vai fazer 14 anos, tinha sete anos. Nunca estava com ele. Segundas e quartas estava em Lisboa, terças em Zurique, quintas em Madrid. Só vinha à sexta, quando vinha. Há coisas que são irrecuperáveis.

O que lhe trouxe este lugar de inesperado?

Gosto muito de ver as exposições começarem a ser pensadas e depois vê-las acontecer. Sentir que também faço parte. Uma das coisas de que mais gostei quando cheguei foi do serviço educativo. O facto de todos os dias termos imensas crianças e jovens que passam por aqui é das coisas que mais satisfação me dão.

Como é que passou a olhar para a arte contemporânea?

Sempre gostei. Mas quanto maior é esse contacto mais aprendemos. Hoje olho para a exposição do Silvestre Pestana e gosto. Não sei se percebo melhor. Sei que gosto.

Qual é a peça da coleção que prefere?

Não consigo dizer.

E a que levaria para casa?

Levava uma obra do Tillmans. Escolheria o “Mar do Porto”. Foi tirada na altura do Fórum do Futuro, quando ele veio cá dar uma conferência em Serralves convidado pelo Paulo Cunha e Silva. [pausa]... Diz-me muito.

Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 9 junho 2016

Ana Pinho de Macedo Silva, 48 anos, é desde janeiro a presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves. Na casa desde 2010, onde integrou a comissão executiva nos últimos três anos, a ex-CEO da UBS Portugal é uma mulher extremamente reservada. Filha de Armando Pinho, sobrinha de Ilídio Pinho e mulher de Nuno Macedo Silva, a gestora não gosta de se expor, prefere guardar segredo sobre as suas relações familiares e opta sempre pela terceira pessoa quando se refere ao cargo que ocupa. Nasceu em Vale de Cambra, onde fez o liceu, terminou a licenciatura em Economia na Universidade do Porto, viveu em Londres uma larga temporada para regressar ao país e se dedicar à banca. Fez questão de nos receber no gabinete do conselho de administração de Serralves, naquela que foi a sua primeira entrevista, sublinhando que a Fundação é mais importante do que as pessoas que por lá passam.

Serralves é uma casa à qual está ligada desde o início da sua criação, em 1989. O seu pai faz parte do primeiro núcleo de fundadores. O que é que isso significa no presente?

Sempre ouvi falar de Serralves de uma forma apaixonada, ligada a um sonho que se queria concretizar. O meu pai não esteve no conselho de administração, mas está ligado a uma empresa que é um grande mecenas, a Arsopi. Eu ouvia falar de como era preciso congregar o esforço de tanta gente. Hoje percebo que esse equilíbrio é uma herança que se ganha e se deve preservar.

Também a RAR, a empresa do seu marido, faz parte dos primeiros fundadores. Como é que estas circunstâncias a influenciaram?

O pai do meu marido pertenceu ao conselho de administração e foi das pessoas que deram mais do seu tempo para que tudo isto acontecesse, é verdade. Não sei como tudo isto me influenciou, simplesmente vim.

Quem é que a convidou?

O doutor António Gomes de Pinho, que na altura era o presidente da Fundação.

O que pesou na sua decisão?

Estava disponível. Não havia ainda comissão executiva, só foi criada no final de 2012. Reuníamo-nos uma vez por mês, não ocupava o tempo que depois veio a ocupar.

rui duarte silva

Trabalhava na banca. Ao contrário de todos os anteriores presidentes, não tinha ligação nem à política nem ao sector da economia cultural. Porque foi convidada?

Não sei.

Mas sabe porque aceitou o convite?

Lá está... Foi o facto de já considerar Serralves uma instituição pela qual vale a pena lutar e pela qual vale a pena darmos o nosso tempo. E também porque gosto de arte contemporânea e gosto muitíssimo deste sítio. É único.

Trabalha em regime pro bono. Sente o cargo que ocupa como uma missão?

Sinto. E é uma missão muito apaixonante.

O facto de ter capacidade financeira para poder trabalhar em Serralves pro bono facilitou a sua opção?

Claro, mas não posso fazer isto sempre. E aqui tenho de referir que o meu marido é determinante. Trabalho dias inteiros, noites e muitos fins de semana e ele tem uma grande paciência. Provavelmente porque gosta muito de Serralves, apoiou-me e formamos uma parceria nesta decisão de estar aqui os três anos que devo estar. O dinheiro permite esta liberdade, mas nem toda a gente estaria disposta a fazer este tipo de opção quando tem a possibilidade de continuar a ter uma atividade que lhe dê compensação financeira.

Que desígnio tem para a Fundação?

Acho que temos de diversificar e potenciar as nossas fontes de financiamento. Serralves é uma fundação de serviço público que de facto presta um enorme serviço ao país. Temos de corrigir a discrepância na cooperação do Estado. A parceria que nos une tem de ser equilibrada. A contribuição de 36%, que corresponde ao momento atual, é tudo menos isso. Estamos presentes em muitos mais sítios a nível nacional e não tão concentrados na cidade do Porto. Queremos alargar o nosso número de fundadores ao país inteiro.

Como é que se atraem fundadores num momento como este que atravessamos?

É muito difícil. As câmaras municipais têm connosco uma relação de parceria que é diferente da relação dos outros fundadores. A contribuição é a mesma [100 mil euros], mas é repartida em quatro anos e tem contrapartidas associadas. Organizamos exposições nas autarquias com uma grande componente de serviço educativo e a publicação de edições relativas a essas mostras. Este ano já fizemos quatro e vamos fazer muito mais até ao final do ano.

Diz quem a conhece que a sua agenda de contactos é enorme. Tem funcionado na angariação de novos fundadores e mecenas?

Utilizamos as pessoas que conhecemos para levar para a frente aquilo em que acreditamos. De resto, o conselho de administração tem nove membros e todos eles fazem o mesmo.

Em que pontos é que a economia e a cultura se tocam?

Desde logo no contributo para o desenvolvimento de um país. No entanto, muitas vezes há a tentação de, quando falta dinheiro, cortar-se naquilo que se julga que é menos essencial. Compreendo e sei que há produtos e serviços básicos que se têm de manter. Mas não creio que se possa cortar numa área que contribui de forma tão vital e ativa para a formação das pessoas. São elas que no futuro poderão contribuir para o tal desenvolvimento do país, um país que se quer pensado, refletido. Por outro lado, cultura e economia estão unidas no sector do turismo. Se olharmos hoje para Portugal, constatamos que o turismo é uma área em franco desenvolvimento e onde podemos ter algumas vantagens económicas.

Fala de um país que neste momento corta em força no orçamento que atribui à cultura. As fundações como Serralves não recebem a comparticipação do Estado desde janeiro. Do ponto de vista estratégico como é que encara este período?

Como dizem, este ano ainda não recebemos nem um euro da contribuição do Estado. Acreditamos que isso venha a acontecer em breve, pelo menos no que respeita a uma parte dessa comparticipação. No entanto, consideramos que Serralves está numa situação particularmente injusta e gostava de usar mesmo esta palavra porque corresponde exatamente ao meu sentimento. Entre todas as instituições similares, Serralves é aquela que tem o apoio mais reduzido do Estado. Recebemos 2,78 milhões de euros nos últimos três anos e temos um orçamento de oito milhões. Trata-se de uma magnitude completamente diferente daquela que é a comparticipação do Estado noutras entidades, quer em termos absolutos quer em termos relativos.

Quando é que essa contribuição começou a diminuir?

A partir de 2011, quando foram introduzidos cortes orçamentais nas fundações, foi criada uma exceção que isentava as instituições que recebiam menos de 50% do Estado [Serralves dependia em 45% do OE] — algo virtuoso que faz com que as instituições sejam incentivadas a trabalhar e a arranjar fontes de financiamento alternativas, seja através do mecenato seja através de receitas próprias. Penso que é uma medida boa para todos, para o país e para o Estado, que as instituições por ele apoiadas tentem também conseguir fontes de financiamento alternativas. Mas essa exceção acabou em 2013, quando sofremos um corte de 30%. Resta referir que esse corte não foi igual para todos. O CCB não teve um corte no mesmo valor.

É uma luta sua conseguir inverter essa situação?

É uma luta de Serralves, sim. Mas é preciso que haja vontade política para que chegue a bom porto.

Qual tem sido a sua engenharia financeira para contornar estes cortes? Na última entrevista dada pelo seu antecessor, Luís Braga da Cruz, em dezembro passado, ele afirmava que Serralves estava “nos limites”.

E está mesmo nos limites. No entanto, e isto é o mais importante, estamos com vontade de fazer muitas coisas e não queremos que nos cortem essa ambição. Trabalhar é o grande objetivo. É uma pena que uma instituição, que é o museu pago mais visitado do país, que no ano passado recebeu 525 mil pessoas, seja tratada de uma forma que não consideramos justa, volto a sublinhar. Serralves sempre teve uma gestão cautelosa e temos vindo a cortar em coisas que não se veem, desde desligar o ar condicionado mais cedo a renegociar contratos com os fornecedores, à não abertura de contratos para mais recursos humanos...

Significa que não têm cortado no investimento mas apenas no funcionamento?

Exato. Mas não temos investido quase nada porque não temos dinheiro. Fizemos obras de conservação e de reabilitação nas quais o Estado não tem entrado com qualquer verba. E fazemos investimento em obras de arte através do fundo de aquisições anual.

Há contributos dos fundadores e de mecenas?

Temos feito uma maior aproximação aos fundadores, mecenas e patronos para tentar que não abandonem o barco. Queremos que as pessoas estejam mais presentes, que nos frequentem, que venham cá, que falem com os artistas, que visitem as exposições quando elas estão em montagem... Se fizerem o mesmo que o Estado, então aí é impossível sobrevivermos.

rui duarte silva

O recurso a coproduções e a produções estrangeiras também é uma forma de eliminar custos?

Sim, mas não só. Serralves sempre teve essa lógica de atuação desde o início. Ao recorrermos a coproduções internacionais também estamos a entrar no circuito internacional, um processo fundamental para um posicionamento firme. O primeiro diretor do Museu, Vicente Todoli, fê-lo de uma forma brilhante, João Fernandes também o fez e Suzanne Cotter está a fazê-lo.

Não terá havido uma perda de visibilidade de Serralves em termos internacionais, e até nacionais, nos últimos anos?

Pelo contrário. É verdade que no período de Vicente Todoli se fizeram aqui grandes exposições históricas, Bacon, Warhol, Paula Rego... Mas também continuamos a fazê-las, tudo tem de evoluir. O que fazemos hoje e que não fazíamos até há poucos anos é, não só continuar a participar em coproduções internacionais relevantes, mas também exportar exposições produzidas aqui. Fizemos uma exposição no Guggenheim de Nova Iorque de uma artista iraniana, a Farmafarmaian, fizemos a exposição de arquitetura, o “Processo SAAL”, que esteve no maior centro de exposição e arquivos de arquitetura do mundo, em Montreal. Este ano tivemos uma grande exposição de Helena Almeida no Jeu de Paume, em Paris, e no ano passado recebemos a primeira exposição da Bienal de São Paulo realizada fora do Brasil. Portanto, do meu ponto de vista, Serralves está no caminho inverso da perda.

Um dos próximos acontecimentos que vão marcar a Fundação será a construção da Casa Manoel de Oliveira, projetada por Siza Vieira. Quanto vai custar?

Pedimos uma verba superior ao limite da candidatura, que é de 2,1 milhões de euros, portanto teremos de acrescentar nós o valor necessário à criação da Casa Manoel de Oliveira.

Por quem será dirigida?

Há uma pessoa que foi sugerida pelo cineasta, António Preto, que tem estado a trabalhar connosco nessa área e na conceção de uma programação adequada.

Esperam um reforço da comparticipação estatal para a gestão dessa casa?

Sim. É uma área nova, isso deve justificá-lo por si só.

É tida como uma administradora de continuidade. É assim que se vê ou, pelo contrário, é no papel da inovação que se situa?

Serralves é maior do que as pessoas que cá estão e que temporariamente têm de zelar pelos interesses da Fundação. Obviamente, gostaria que continuasse o caminho de sucesso que teve até aqui. Não podemos é ter a capacidade de fazer tanta coisa, que é tão importante para a região e para o país, e não poder exercê-la porque há muitas dificuldades económicas. Esta situação tem de ser corrigida. Estou cá há seis anos e meio e participei nas decisões porque estive nos últimos três anos na comissão executiva. Mas, claro, as pessoas têm formas diferentes de ser e de agir. Talvez se possa dizer que eu sou mais interventiva na gestão do dia a dia. Tento ajudar e estar envolvida, até porque há falta de pessoal.

Quer dizer que o conselho de administração é agora mais interventivo?

Não no que respeita às decisões, mas sim no que se refere à presença constante nesta casa, na procura de mecenato, de novos fundadores e no contacto com o Estado para resolver questões do dia a dia e em prol das ideias.

É aí que a sua administração também é mais inovadora?

É uma administração que quer abrir mais a Fundação. Esse é um desejo. Temos de ser uma instituição inovadora, mas inovadora no que mostra. Além da expansão nacional e internacional, gostava muito que se desenvolvesse a área da arquitetura, um novo campo de atuação desde logo por termos recebido o arquivo do arquiteto Siza Vieira, tal como a área do cinema através da Casa Manoel de Oliveira. Dois focos de interesse que se coadunam com o que cada vez mais se faz nos museus de arte contemporânea de todo o mundo. E gostava ainda de potenciar muito mais a relação entre o museu e o parque. Vou algumas vezes com a diretora artística, Suzanne Cotter, a feiras e museus, e trago sempre essa ideia: dar um salto na programação que se estende ao parque.

Como foi acordada com o Governo a mostra dos Mirós em Serralves?

O então ministro da Cultura, João Soares, veio cá no final de dezembro e propôs à administração a realização da mostra. De seguida falámos com a diretora do museu e ela achou bem. Aliás, desde o início considerou que a mostra deveria ser feita na Casa de Serralves.

A exposição é uma aposta no aumento de público?

É um marco, não penso que seja uma aposta. Já no início do ano tivemos duas exposições com imenso público, a de Wolfgang Tillmans e a da Coleção Sonnabend. Nós temos exposições populares.

Será essa a missão da Fundação, ou será dar ao público aquilo que outras instituições, por motivos comerciais, não podem dar?

Estou convicta de que temos uma programação profundamente equilibrada. Neste momento temos a exposição de Silvestre Pestana, um artista que trabalha desde os anos 60 e foi pioneiro no vídeo e na performance. Embora seja conhecido entre os seus pares e tenha inspirado uma nova geração de artistas, não é propriamente um nome muito conhecido do grande público. É um trabalho que eu, pessoalmente, adoro. Continuamos a mostrar artistas e obras que os outros museus não mostram. Esta linha não se esgota.

E havia algum buraco na programação para que a exposição dos Mirós se pudesse encaixar?

Por acaso estava programada uma exposição da coleção que não será feita. Mas não veio roubar espaço a nenhuma outra que não se pudesse fazer mais à frente. Estamos muito entusiasmados com a exposição e vamos fazê-la de uma forma que penso que será muito bem recebida. O design, por exemplo, vai ser do arquiteto Siza Vieira, para tentar dar um ar contemporâneo à exposição. Estamos em contacto com um administrador da Fundação Miró, que é um grande especialista da obra do pintor catalão, para que seja o curador em parceria com a nossa equipa.

O aumento do número de visitantes tem ocorrido em muitas instituições nacionais e internacionais à custa de uma programação mais populista. É isso que quer que aconteça em Serralves?

É delicado. O sucesso só se alcança quando há equilíbrio. Mas é muito importante que Serralves continue a fazer exposições que chamam a atenção a nível internacional e que sempre foram a marca da casa. Ao mesmo tempo, é preciso que também haja pelo menos uma vez por ano uma mostra que atraia novos públicos, que normalmente não vêm e que passam a vir. É o que acontece com o Serralves em Festa. Por isso tentamos que a direção do museu seja sensível ao facto de que também é preciso mostrar exposições fáceis, digamos assim.

O mandato de um diretor em Serralves é de cinco anos. Pensa reconduzir Suzanne Cotter?

Penso que até ao final do ano haverá uma conversa com ela nesse sentido. Considero a Suzanne Cotter uma pessoa com quem é muito fácil trabalhar. É muito organizada, cumpre o que diz que faz, o que é uma coisa que valorizo muito nas pessoas com quem trabalho, tem uma carteira de contactos internacionais muitíssimo relevante e é alguém que se entregou completamente a Serralves. Estou bastante contente com ela.

Serralves ocupou o lugar de catalisador na cultura contemporânea e teve um papel muito importante no diálogo entre esta cidade e a comunidade artística nacional. Marcava a agenda. Esta Câmara reposicionou o Porto como centro e laboratório de cultura. Como é que tudo isto alterou a forma como a instituição olha para o papel que pode desempenhar?

Estamos onde devemos estar. Serralves foi o primeiro museu de arte contemporânea do país. A nossa preocupação atualmente é, precisamente, fazer uma programação onde as artes performativas estejam em diálogo com as artes visuais. Evidentemente que nunca poderemos, nem temos essa competência, fazer o que o Rivoli faz. Mas esse é também um caminho dos museus de arte contemporânea. Sempre houve uma preocupação que os artistas estivessem ligados a nós e não vejo que isso não esteja acontecer.

Há vários modelos de pensar a política cultural. O que melhoraria na política cultural deste país?

Sem dúvida incentivaria as instituições que fazem bem, em vez de as penalizar que é o que acontece hoje em dia. Isto é recorrente. Mudam-se as vontades e continua a mesma coisa. Acho inaceitável. Esta maneira de funcionar mudaria, sem dúvida.

É fundadora?

Não.

E colecionadora?

Também não. Gosto muito de obras de arte, mas não compro.

Quando chegou teve a preocupação de conhecer bem a coleção?

Tive e ainda tenho. Tenho a preocupação de conhecer tudo o que se faz em Serralves, e desde o princípio do ano, quando assumi as funções de presidente, tento estar sempre presente e não é só do museu que estamos a falar, mas de todas as iniciativas. Esta é a minha forma de estar.

Sempre foi frequentadora desta casa. Como é que marcou a sua formação cultural?

Embora nessa altura já fosse adulta, gostei muito da exposição de Francis Bacon, não porque goste especialmente do Bacon, mas porque apreciei muitíssimo a forma como foi concebida. Também em 2000 fiz cá um curso de arte moderna e contemporânea, dado pelo Fernando Pernes, e estou a referir-me a este facto como um dos exemplos de várias coisas que me aproximaram a Serralves.

Foi nessa sequência que frequentou cursos na Christie’s e na Sotheby’s em Londres?

Não sei se as coisas estão relacionadas. Sempre gostei de ver coisas novas. No primeiro curso que fiz na Christie’s, o tema nem me interessava particularmente, foi sobretudo uma oportunidade porque era pós-laboral. Na altura, em 1996, estava na Business School e vivia perto da Christie’s de South Kensington, numa casa que partilhava com amigas.

Qual era a sua Londres?

É a minha segunda cidade. Apesar de ser enorme, não se sente essa dimensão. Há aqueles restaurantes muito simples onde se vai, há uma convivência muito fácil com gente de todo o lado, é muito cosmopolita e eu sentia-me muito confortável. Embora trabalhasse imenso e não tivesse muito tempo para fazer muita coisa, conseguia ir ao Soho e à ópera.

Mas foi no Porto que fez o curso de Economia.

Nem se colocou a hipótese de estudar fora.

E o seu Porto como era?

Não sou natural do Porto. Nasci em Vale de Cambra.

Onde está sediada a empresa do seu pai.

Sim. E fiz todo o liceu em Vale de Cambra. Só vim para o Porto no 12º ano, para o Liceu D. Manuel. Sempre estudei em escolas públicas. Fiz o curso na Universidade de Economia do Porto.

Hesitou na escolha do curso?

Muito. Estive hesitante entre arquitetura e economia. Em miúda desenhava plantas e o interior das salas, tenho vários desenhos desses.

Porque optou por economia e não por arquitetura?

Não sei. Nunca me tentaram influenciar. Estava na dúvida e, se calhar, fui pelo caminho mais fácil.

Ficou-lhe a nostalgia da arquitetura?

Nunca pensei nisso até aqui estar. Embora não o sabendo, pode também ser por isso que aceitei logo vir.

Cresceu em Vale de Cambra. Como era o ambiente?

O ambiente? As pessoas são mais próximas e talvez mais verdadeiras e solidárias. Nunca senti fronteiras sociais, só muito mais tarde me dei conta. Fez parte da educação que os meus pais me deram.

A empresa do seu pai era a maior empregadora? Havia uma relação com a comunidade?

Não havia. Talvez o que me tenha influenciado mais na relação com um lugar pequeno tenha sido a liberdade que isso me dava. Esse é um dos aspetos que tento privilegiar na educação do meu filho. Tínhamos tempo para brincar, hoje eles têm imensa atividades, o que me faz muita impressão. Lembro-me bem de como era o tempo. Tempo para brincar, para estudar, tempo para desenvolver a criatividade. Tenho dúvidas desta vida que levam os nossos filhos.

De que forma é que uma infância, sobretudo uma adolescência, passada numa pequena vila, a influenciou a perceber que nem todos têm as mesmas oportunidades de acesso à cultura?

Tenho bastante consciência disso e de que políticas devem ter em consideração essa desigualdade entre as populações e tentar que haja uma maior convergência. É natural que se os primeiros anos da minha vida foram vividos num sítio que na altura nem cidade era me tenha influenciado.

Quando chegou ao Porto o que a surpreendeu mais?

Não posso dizer “quando cheguei ao Porto”. Vínhamos regularmente aqui. Também é preciso dizer que estive em muitos outros sítios. Vivi em Lisboa, depois em Londres, trabalhei em Madrid... Nunca olho para as pessoas a pensar de onde vêm. A Suzanne [Cotter], por exemplo, não sei se é da Austrália, se é de Londres, do Porto... Digo isto assim e até pode parecer estranho, mas não me revejo nada nesse conceito da naturalidade. Gosto muito das pessoas e privilegio sempre esse contacto.

Referiu há pouco que acompanha muito a Suzanne Cotter a feiras de arte e exposições internacionais. É uma tentativa de se enriquecer pessoalmente ou de poder ter a decisão mais acertada na casa que está a gerir?

Sem dúvida que o motivo principal que me faz acompanhá-la é o da aprendizagem. Depois é também uma altura em que se encontram muitas pessoas que são relevantes e é importante estar presente. Às vezes não consigo.

Para um economista, a gestão de uma instituição cultural significa um corte na progressão da carreira?

Posso dizer que sim.

Portanto, há um espírito de missão acrescido?

Não vejo isso dessa forma, estou muito entusiasmada por estar aqui. Claro que aceitar a presidência neste contexto só faz sentido, para mim, se fizer o melhor que sei e posso, e se der todo o meu tempo. Na vida não se consegue nada sem muito trabalho. Sempre achei isso, fui educada assim, e é das coisas que mais valorizo na forma como fui educada.

rui duarte silva

É o que mais valoriza na sua herança?

Isso e os valores.

Que valores?

Dou muita importância à honestidade e à lealdade. E ao esforço. Há pessoas que se esforçam muito e não conseguem tudo o que deveriam e eu tenho mais simpatia por estas pessoas. Quando falo em esforço, estou a referir-me à dedicação. Estas são as verdadeiras heranças que se podem receber. Tudo o resto é efémero. Passa.

Foi um alívio sair da banca?

Foi. Quando acabei o curso, em 1990, toda a gente queria ir para a banca e hoje em dia vejo o contrário. Gosto muito da economia real, toda a vida trabalhei na área de investimento. Estive 12 anos na UBS e nos últimos anos estava à frente de um projeto e a montá-lo de raiz. Foi em 2009, no início da crise, e o UBS foi dos primeiros bancos a ser atingidos. Não havia dinheiro para contratar ninguém. Começou a tornar-se insuportável. Só não saí antes porque tinha ido buscar pessoas que estavam a trabalhar há vinte e tal anos num sítio e tinha-as convencido a integrar o projeto. Não podia deixá-las. É o tipo de coisa que nunca fiz nem nunca farei. Portanto, fui aguentando até ter sido tomada a decisão de se acabar com o projeto. A seguir aproveitei para tirar um ano sabático. O meu filho, que agora vai fazer 14 anos, tinha sete anos. Nunca estava com ele. Segundas e quartas estava em Lisboa, terças em Zurique, quintas em Madrid. Só vinha à sexta, quando vinha. Há coisas que são irrecuperáveis.

O que lhe trouxe este lugar de inesperado?

Gosto muito de ver as exposições começarem a ser pensadas e depois vê-las acontecer. Sentir que também faço parte. Uma das coisas de que mais gostei quando cheguei foi do serviço educativo. O facto de todos os dias termos imensas crianças e jovens que passam por aqui é das coisas que mais satisfação me dão.

Como é que passou a olhar para a arte contemporânea?

Sempre gostei. Mas quanto maior é esse contacto mais aprendemos. Hoje olho para a exposição do Silvestre Pestana e gosto. Não sei se percebo melhor. Sei que gosto.

Qual é a peça da coleção que prefere?

Não consigo dizer.

E a que levaria para casa?

Levava uma obra do Tillmans. Escolheria o “Mar do Porto”. Foi tirada na altura do Fórum do Futuro, quando ele veio cá dar uma conferência em Serralves convidado pelo Paulo Cunha e Silva. [pausa]... Diz-me muito.

Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 9 junho 2016

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