O princípio do fim da greve? Como o Governo e a ANTRAM isolaram o sindicato de Pardal Henriques

19-09-2019
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Sindicato Independente roeu a corda e abandonou a greve. Sobra o sindicato de Pardal Henriques, cada vez mais isolado. ANTRAM e Governo pressionam os motoristas a desistir.

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Sobra um grupo de irredutíveis grevistas em Aveiras: ao fim do quarto dia de protesto, o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMP) é o único que continua em greve. O Governo e a ANTRAM foram isolando o sindicato que tinha como principal rosto Pedro Pardal Henriques: primeiro com serviços mínimos alargados, depois com a requisição civil e, por fim, a convencerem o outro sindicato em greve (o SIMM) a desconvocar o protesto. Os sindicalistas da SNMMP chegaram esta tarde ao ministério para abrir um processo de mediação e ganhar tempo, mas com isso perderam o pulso à greve.

Numa tentativa de pressionar a ANTRAM, Pardal Henriques e Francisco São Bento foram até à Praça de Londres esperar os patrões (que sabiam que não iam aparecer) e pressionar o governo (que sabiam que queria o fim da greve). Mas esqueceram-se dos companheiros de luta (o SIMM, Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias) que ficou com margem para seguir o seu caminho.

Perto das onze da noite Pedro Pardal Henriques, agastado, entre viadutos e os poucos motoristas que sobravam no piquete de greve, parecia adivinhar (talvez já soubesse) que o pior estava para vir. Quando confrontado com a reunião que ocorria à mesma hora no ministério entre o parceiro de greve SIMM, a ANTRAM e o Governo, reagiu: “Não sei se o que estão a querer é dividir para reinar”. A divisão seria confirmada minutos depois: o princípio do fim da greve. É certo que Pardal Henriques prometeu manter a greve, mas o sindicato — que até aqui reagia minutos depois de qualquer ação dos patrões ou do Governo — guardou a reação para esta sexta-feira às nove da manhã.

O “cerco” ao sindicato (onde até Costa entrou)

O fim da reunião no Ministério das Infraestruturas trouxe o desfecho mais favorável para a ANTRAM e o Governo. Para o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, a pressão chegou de todos os lados. Os apelos vieram uns atrás dos outros. Por vezes quase em simultâneo, com António Costa a reagir no Twitter mal André Matias de Almeida acabava de prestar declarações e o ministro de Infraestruturas se posicionava em frente às câmaras para responder aos jornalistas. Falados ou escritos, uns mais longos do que outros, havia três pontos que eram transversais aos três discursos: saudar o SIMM e a ANTRAM; apelar ao diálogo como única via negocial; e pedir ao sindicato de Pedro Pardal Henriques que desconvocasse a greve.

Por vezes quase em simultâneo, com António Costa a reagir no Twitter mal André Matias de Almeida acabava de prestar declarações e o ministro de Infraestruturas se posicionava em frente às câmaras para responder aos jornalistas.

“Nós fazemos o apelo ao Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas para que desconvoque a greve e se junte a este processo negocial”, pediu Pedro Nuno Santos, o último a falar e a fechar o rol de discursos e decisões que marcou este feriado. O ministro das Infraestruturas não poupou elogios: “O SIMM está de parabéns por ter dado este passo e ter-se juntado ao processo negocial com vista a melhorar e a dignificar a profissão de motorista”. Mas apontou: “Falta o SNMMP”. E para aumentar o peso nos ombros de Pedro Pardal Henriques, Pedro Nuno Santos ainda juntou os portugueses à equação: “É o que todos esperamos, é o que todos os portugueses esperam“.

Antes de Pedro Nuno Santos começar a falar, o primeiro-ministro usava as redes sociais para dizer em dois tweets mais ou menos o mesmo. “Saúdo o SIMM e a ANTRAM que conseguiram alcançar o que todos ambicionamos: o fim da greve e o início das negociações entre as partes. O diálogo faz o seu caminho, devolvendo tranquilidade aos portugueses”, escreveu no primeiro tweet. No segundo: “Repito o que disse ontem: que mais este exemplo inspire todos. Que ninguém fique isolado numa greve estéril que compromete o diálogo”.

Repito o que disse ontem: que mais este exemplo inspire todos. Que ninguém fique isolado numa greve estéril que compromete o diálogo. — António Costa (@antoniocostapm) August 15, 2019

Os tweets caíram logo após o porta-voz da ANTRAM, André Matias de Almeida, ter prestado declarações sobre um “passo” que considerou “histórico”. “Não há vencidos, há um vencedor que é o diálogo”, apontou, acrescentando: “Ficou hoje provado e ontem [quarta-feira] comprovado que o diálogo resolve as negociações, que a espada não as resolve”.

Mas foi Anacleto Rodrigues, porta-voz do SIMM, o primeiro a revelar aquilo que se tinha acabado de decidir numa reunião de apenas uma hora com a ANTRAM e o Governo: “A greve vai ser desconvocada da parte do SIMM”. A suspeita de Pardal Henriques confirmava-se pelo seu companheiro de greve. E Anacleto Rodrigues levantou a ponta do que poderá ser a razão deste recuo: “Nós entrámos na greve em conjunto, seria de esperar que para sair desta greve, as ações fossem conjuntas. Já hoje o nosso parceiro tomou uma ação que partiu para um pedido de mediação sem o nosso conhecimento. Sabíamos do pedido de reunião. Mas penso que esse tipo de declarações deveriam ser feitas pelas duas direções”. Questionado sobre se houve uma quebra de confiança, o porta-voz do SIMM disse apenas: “Poderão entender como quiserem.”

Uma mediação que antes de o ser já não o era

O SNMMP também teria o seu momento (falhado) do dia. Pedro Pardal Henriques e Francisco São Bento não chegaram ao edifício da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) sozinhos. A chegada, por volta das 15h30, denunciava à partida que o sindicato não estava ali apenas na esperança que a ANTRAM pudesse aparecer. Atrás deles, vinha um terceiro elemento: fato, gravata e mochila às costas. Era Bruno Fialho, dirigente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil e escolhido pelos motoristas para mediar o processo — ou “um amigo”, como preferiu chamar-lhe Francisco São Bento.

É que, sem sinais da ANTRAM para que o pudessem fazer em conjunto, o sindicato acabaria por requerer ao Governo o processo de mediação. Que é como quem diz, pedir-lhe que tentasse ele resolver este conflito. “Cabe agora ao Governo tentar colocar-se à mesa com a ANTRAM”, disse o presidente do sindicato à saída da reunião — eram 16h40. Bruno Fialho estava, no entanto, descartado. Uma vez acionado o mecanismo de mediação, o mediador teria de ser nomeado pela DGERT, tal como prevê o artigo 527.º do Código do Trabalho e como veio a confirmar Miguel Cabrita, secretário de estado do Emprego.

Miguel Cabrita desceu poucos minutos depois. Às 17h09 — uma hora e 39 minutos tinham passado —, à porta do edifício da DGERT confirmava: “Não houve reunião, houve uma receção de um documento”, disse Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego, acrescentando que esse documento dizia respeito a um pedido de mediação do Governo, pelo Sindicato. “O Governo não deixará de acionar estes mecanismos nos termos legais, e, portanto, nomear um mediador que contactará a ANTRAM para avaliar de alguma forma a disponibilidade da ANTRAM para tirar partido deste processo de mediação”, disse ainda. O processo de mediação arrancava. A greve mantinha-se “nos mesmos pressupostos, nos mesmos moldes”.

"O Governo não deixará de acionar estes mecanismos nos termos legais, e, portanto, nomear um mediador que contactará a ANTRAM para avaliar de alguma forma a disponibilidade da ANTRAM tirar partido deste processo de mediação Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego

O governo assumiu este ato como cumprimento de uma mera formalidade. Não era pela via do Ministério do Trabalho — como se viu horas mais tarde — que pretendia desferir um duro golpe na greve, mas através de Pedro Nuno Santos. Duas horas depois o Ministério do Trabalho começou a anunciar nova conferência de imprensa para as 20h15/20h30. Era Miguel Cabrita para anunciar que estava morto o processo que ainda não tinha começado. “O processo de mediação só avança quando tem viabilidade“, avisa o governante, que acrescentava que o mediador nomeado pelo governo levou uma nega da ANTRAM.

A ANTRAM, avisava o governante, só estava disposta a negociar com o fim da greve. “Para que qualquer pedido de mediação não seja um expediente dilatório, não seja uma mera formalidade, mas pelo contrário, possa ter condições de êxito, aquilo que é essencial é que a greve termine”, disse Miguel Cabrita. O secretário de Estado do Emprego dizia ainda que esta não era “nenhuma estratégia do Governo para isolar qualquer sindicato.” Mas foi isso que acabou por acontecer. O SNMMP de Pardal Henriques começou o dia com um requerimento entregue ao governo e um parceiro de greve. Acabou o dia sem qualquer negociação em curso e entra no quinto dia de greve isolado.

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Sindicato Independente roeu a corda e abandonou a greve. Sobra o sindicato de Pardal Henriques, cada vez mais isolado. ANTRAM e Governo pressionam os motoristas a desistir.

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Sobra um grupo de irredutíveis grevistas em Aveiras: ao fim do quarto dia de protesto, o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMP) é o único que continua em greve. O Governo e a ANTRAM foram isolando o sindicato que tinha como principal rosto Pedro Pardal Henriques: primeiro com serviços mínimos alargados, depois com a requisição civil e, por fim, a convencerem o outro sindicato em greve (o SIMM) a desconvocar o protesto. Os sindicalistas da SNMMP chegaram esta tarde ao ministério para abrir um processo de mediação e ganhar tempo, mas com isso perderam o pulso à greve.

Numa tentativa de pressionar a ANTRAM, Pardal Henriques e Francisco São Bento foram até à Praça de Londres esperar os patrões (que sabiam que não iam aparecer) e pressionar o governo (que sabiam que queria o fim da greve). Mas esqueceram-se dos companheiros de luta (o SIMM, Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias) que ficou com margem para seguir o seu caminho.

Perto das onze da noite Pedro Pardal Henriques, agastado, entre viadutos e os poucos motoristas que sobravam no piquete de greve, parecia adivinhar (talvez já soubesse) que o pior estava para vir. Quando confrontado com a reunião que ocorria à mesma hora no ministério entre o parceiro de greve SIMM, a ANTRAM e o Governo, reagiu: “Não sei se o que estão a querer é dividir para reinar”. A divisão seria confirmada minutos depois: o princípio do fim da greve. É certo que Pardal Henriques prometeu manter a greve, mas o sindicato — que até aqui reagia minutos depois de qualquer ação dos patrões ou do Governo — guardou a reação para esta sexta-feira às nove da manhã.

O “cerco” ao sindicato (onde até Costa entrou)

O fim da reunião no Ministério das Infraestruturas trouxe o desfecho mais favorável para a ANTRAM e o Governo. Para o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, a pressão chegou de todos os lados. Os apelos vieram uns atrás dos outros. Por vezes quase em simultâneo, com António Costa a reagir no Twitter mal André Matias de Almeida acabava de prestar declarações e o ministro de Infraestruturas se posicionava em frente às câmaras para responder aos jornalistas. Falados ou escritos, uns mais longos do que outros, havia três pontos que eram transversais aos três discursos: saudar o SIMM e a ANTRAM; apelar ao diálogo como única via negocial; e pedir ao sindicato de Pedro Pardal Henriques que desconvocasse a greve.

Por vezes quase em simultâneo, com António Costa a reagir no Twitter mal André Matias de Almeida acabava de prestar declarações e o ministro de Infraestruturas se posicionava em frente às câmaras para responder aos jornalistas.

“Nós fazemos o apelo ao Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas para que desconvoque a greve e se junte a este processo negocial”, pediu Pedro Nuno Santos, o último a falar e a fechar o rol de discursos e decisões que marcou este feriado. O ministro das Infraestruturas não poupou elogios: “O SIMM está de parabéns por ter dado este passo e ter-se juntado ao processo negocial com vista a melhorar e a dignificar a profissão de motorista”. Mas apontou: “Falta o SNMMP”. E para aumentar o peso nos ombros de Pedro Pardal Henriques, Pedro Nuno Santos ainda juntou os portugueses à equação: “É o que todos esperamos, é o que todos os portugueses esperam“.

Antes de Pedro Nuno Santos começar a falar, o primeiro-ministro usava as redes sociais para dizer em dois tweets mais ou menos o mesmo. “Saúdo o SIMM e a ANTRAM que conseguiram alcançar o que todos ambicionamos: o fim da greve e o início das negociações entre as partes. O diálogo faz o seu caminho, devolvendo tranquilidade aos portugueses”, escreveu no primeiro tweet. No segundo: “Repito o que disse ontem: que mais este exemplo inspire todos. Que ninguém fique isolado numa greve estéril que compromete o diálogo”.

Repito o que disse ontem: que mais este exemplo inspire todos. Que ninguém fique isolado numa greve estéril que compromete o diálogo. — António Costa (@antoniocostapm) August 15, 2019

Os tweets caíram logo após o porta-voz da ANTRAM, André Matias de Almeida, ter prestado declarações sobre um “passo” que considerou “histórico”. “Não há vencidos, há um vencedor que é o diálogo”, apontou, acrescentando: “Ficou hoje provado e ontem [quarta-feira] comprovado que o diálogo resolve as negociações, que a espada não as resolve”.

Mas foi Anacleto Rodrigues, porta-voz do SIMM, o primeiro a revelar aquilo que se tinha acabado de decidir numa reunião de apenas uma hora com a ANTRAM e o Governo: “A greve vai ser desconvocada da parte do SIMM”. A suspeita de Pardal Henriques confirmava-se pelo seu companheiro de greve. E Anacleto Rodrigues levantou a ponta do que poderá ser a razão deste recuo: “Nós entrámos na greve em conjunto, seria de esperar que para sair desta greve, as ações fossem conjuntas. Já hoje o nosso parceiro tomou uma ação que partiu para um pedido de mediação sem o nosso conhecimento. Sabíamos do pedido de reunião. Mas penso que esse tipo de declarações deveriam ser feitas pelas duas direções”. Questionado sobre se houve uma quebra de confiança, o porta-voz do SIMM disse apenas: “Poderão entender como quiserem.”

Uma mediação que antes de o ser já não o era

O SNMMP também teria o seu momento (falhado) do dia. Pedro Pardal Henriques e Francisco São Bento não chegaram ao edifício da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) sozinhos. A chegada, por volta das 15h30, denunciava à partida que o sindicato não estava ali apenas na esperança que a ANTRAM pudesse aparecer. Atrás deles, vinha um terceiro elemento: fato, gravata e mochila às costas. Era Bruno Fialho, dirigente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil e escolhido pelos motoristas para mediar o processo — ou “um amigo”, como preferiu chamar-lhe Francisco São Bento.

É que, sem sinais da ANTRAM para que o pudessem fazer em conjunto, o sindicato acabaria por requerer ao Governo o processo de mediação. Que é como quem diz, pedir-lhe que tentasse ele resolver este conflito. “Cabe agora ao Governo tentar colocar-se à mesa com a ANTRAM”, disse o presidente do sindicato à saída da reunião — eram 16h40. Bruno Fialho estava, no entanto, descartado. Uma vez acionado o mecanismo de mediação, o mediador teria de ser nomeado pela DGERT, tal como prevê o artigo 527.º do Código do Trabalho e como veio a confirmar Miguel Cabrita, secretário de estado do Emprego.

Miguel Cabrita desceu poucos minutos depois. Às 17h09 — uma hora e 39 minutos tinham passado —, à porta do edifício da DGERT confirmava: “Não houve reunião, houve uma receção de um documento”, disse Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego, acrescentando que esse documento dizia respeito a um pedido de mediação do Governo, pelo Sindicato. “O Governo não deixará de acionar estes mecanismos nos termos legais, e, portanto, nomear um mediador que contactará a ANTRAM para avaliar de alguma forma a disponibilidade da ANTRAM para tirar partido deste processo de mediação”, disse ainda. O processo de mediação arrancava. A greve mantinha-se “nos mesmos pressupostos, nos mesmos moldes”.

"O Governo não deixará de acionar estes mecanismos nos termos legais, e, portanto, nomear um mediador que contactará a ANTRAM para avaliar de alguma forma a disponibilidade da ANTRAM tirar partido deste processo de mediação Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego

O governo assumiu este ato como cumprimento de uma mera formalidade. Não era pela via do Ministério do Trabalho — como se viu horas mais tarde — que pretendia desferir um duro golpe na greve, mas através de Pedro Nuno Santos. Duas horas depois o Ministério do Trabalho começou a anunciar nova conferência de imprensa para as 20h15/20h30. Era Miguel Cabrita para anunciar que estava morto o processo que ainda não tinha começado. “O processo de mediação só avança quando tem viabilidade“, avisa o governante, que acrescentava que o mediador nomeado pelo governo levou uma nega da ANTRAM.

A ANTRAM, avisava o governante, só estava disposta a negociar com o fim da greve. “Para que qualquer pedido de mediação não seja um expediente dilatório, não seja uma mera formalidade, mas pelo contrário, possa ter condições de êxito, aquilo que é essencial é que a greve termine”, disse Miguel Cabrita. O secretário de Estado do Emprego dizia ainda que esta não era “nenhuma estratégia do Governo para isolar qualquer sindicato.” Mas foi isso que acabou por acontecer. O SNMMP de Pardal Henriques começou o dia com um requerimento entregue ao governo e um parceiro de greve. Acabou o dia sem qualquer negociação em curso e entra no quinto dia de greve isolado.

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