“Voz única” de Eduardo Lourenço numa Feira do Livro para “pensar o nosso tempo”

30-08-2019
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Na Avenida das Tílias do Jardim do Palácio de Cristal, onde em breve se inscreverá o nome do filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço, o programador da edição deste ano da Feira do Livro do Porto evocou o título de um livro de Jorge Luís Borges como metáfora de uma ideia a assaltar-lhe o pensamento. O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, disse Nuno Artur Silva, podia bem ser prefácio de uma feira cuja programação procura “pensar o nosso tempo”. Vivemos anos em que, como na obra do argentino, nos vemos num labirinto infinito com múltiplas saídas. “O nosso tempo é escolher e para escolher é preciso pensar”, disse Nuno Artur Silva, argumentista e antigo administrador da RTP que esteve no Porto para apresentar o “plano de encontros” por si pensados para a feira, a decorrer entre 6 e 22 de Setembro.

Com Eduardo Lourenço como homenageado desta edição, o programador delineou um plano onde o trabalho de um dos grandes pensadores portugueses é transversal a quase todos os eventos. Debates, exposições, “spoken words” (declamações com música), lições, cinema, sessões especiais, programas para crianças, oficinas, música. E, claro, muitos livros: a Câmara do Porto recebeu, neste ano, 87 inscrições e terá 130 pavilhões, uma dimensão “a preservar”, adiantou Rui Moreira, “sob pena de estragar o espaço”. Com nove estreantes, haverá dez livrarias, 46 editoras, 21 alfarrabistas, cinco distribuidoras e outras instituições com projectos de edição. Tudo com um orçamento abaixo do de 2018: dos 200 mil euros, passou-se para 168 mil.

Foto Feira foi "internalizada" pela Câmara do Porto há seis anos Gonçalo Dias

O homenageado Eduardo Lourenço - a quem será dedicada uma tília no corredor verde “que vem aos poucos transformando-se numa alameda de escritores”, como sublinhou Rui Moreira – terá essas honras de abertura, um tributo com Lídia Jorge e Artur Santos Silva (dia 7, 18h) e fechará a feira com uma “dissecação” da sua incalculável importância, pelas palavras de Maria Filomena Molder (dia 22, 19h).

Um dos momentos altos da programação é o “encontro” com Arnaldo Antunes (dia 15, 19h). Músico dos Titãs e da banda Tribalistas, o brasileiro é compositor, poeta, voz interventiva. No Porto, vai ler alguns dos seus escritos e falar sobre o Brasil de hoje, país que, em Outubro passado, ainda antes de Bolsonaro subir ao poder, o fez escrever um manifesto baptizado Isto não é um Poema. Num vídeo de quase 12 minutos, em fundo negro e letras brancas, Arnaldo Antunes falava do clima de tensão e medo vivido no seu país. E ainda a história estava a começar.

Com o pano de fundo mudado para este lado do oceano, há todo um continente para pensar. O que é hoje a Europa e quais as suas “possibilidades de futuro” num ano de datas redondas - 30 da queda do Muro de Berlim, 20 do euro, dez da crise do euro – será tema transversal a vários debates. Abstencionismo, populismo e Brexit serão discutidos por Viriato Soromenho Marques, Miguel Poiares Maduro e Bernardo Pires de Lima (dia 21, 16h); as relações internacionais num período de globalização (ou “desglobalização”?) serão reflexão para Boaventura Sousa Santos (21, 19h); José Eduardo Agualusa, Rui Zink, Isabela Figueiredo e a venezuelana Karina Sainz Borgo discutirão qual o papel político do escritor no tempo corrente: correrão a arte e a vida social em pistas distintas? (dia 8, 16h); o italiano Roberto Francavilla, professor e tradutor de literatura portuguesa, levanta o véu sobre o que é olhar Portugal ao longe (dia 22, 12h); e Hugo van der Ding, “humorista emergente” na avaliação de Nuno Artur Silva, apresentará uma história narrada e desenhada da Europa, numa “versão mais iconoclasta” do continente (dia 21, 21h30).

Clima: “Não é mais um tema, mas o tema das nossas vidas”

Debate essencial, acrescentou o programador, será o da “biodiversidade e do futuro ambiental do planeta”. Com moderação de Arminda Deusdado, autora do único programa dedicado ao tema mantido pela RTP há mais de 30 anos, fala-se da esperança de habitar a Terra (dia 15, 16h), com as participações de Nuno Ferrand de Almeida, Luísa Schmidt e Henrique Miguel Pereira: “Não é mais um tema, mas o tema das nossas vidas: a questão ambiental.”

Aproveitando outros números redondos – os 50 anos do primeiro homem na Lua e os 500 do início da circum-navegação de Fernão de Magalhães –, Onésimo Teotónio de Almeida (dia 21, 12h) falará da ciência no Portugal da Expansão e Júlio Isidro recordará como foi relatar pela rádio os primeiros passos no nosso satélite natural (dia 10, 19h).

Gonçalo Dias Gonçalo Dias Fotogaleria Gonçalo Dias

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Incontornável é também a celebração dos 100 anos de Sophia de Mello Breyner e de Jorge de Sena, algo que se fará com uma leitura da correspondência trocada entre os dois, numa sessão acompanhada ao piano por Jan Wierzba (dia 15, 12h). Falando deste género literário, far-se-á um “balanço precipitado” da poesia portuguesa no século XXI (dia 14, 16h). Haverá uma “provocação amantíssima” de Hélia Correia – as palavras são dela – a Agustina Bessa-Luís, o nosso “grande mistério literário”, falecido em Junho (dia 12, 19h). E ainda a presença do elogiado escritor espanhol Manuel Vilas, autor de Em Tudo Havia Beleza, que terá tempo de conversa com Nuno Costa Santos, escritor e argumentista açoriano, o escritor residente desta edição (dia 11, 19h).

Para além de várias actividades para os mais novos – com oficinas de leitura e ilustração, música e teatro –, está programada uma exposição com as ilustrações de António Jorge Gonçalves e um ciclo de cinema europeu, sempre às 21h30, com The Devils (dia 8), Sobre a Violência (dia 10), Nada a Esconder (dia 15), Anos de Chumbo (dia 17) e A Eternidade e Um Dia (dia 22). Pelos jardins do Palácio, as Quintas de Leitura de João Gesta terão uma sessão especial intitulada Delírio Manso (dia 19, 22h), O Labirinto de Saudade, filme sobre a vida e obra de Eduardo Lourenço, terá uma conversa-espectáculo com as presenças do realizador Miguel Gonçalves Mendes, Pilar del Rio, Siza Vieira e o projecto musical Noiserv.

“Pretendemos fazer aqui um festival literário, mas muito mais do que isso”, disse Rui Moreira em jeito de balanço do sexto ano em que a feira passou a ser gerida pela câmara. “Enquanto cá estiver, faremos isto. Quando vier alguém a seguir a mim pode querer fazer com a APEL [Associação Portuguesa de Editores e Livreiros] na Rotunda da Boavista. Eu não quero.”

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Na Avenida das Tílias do Jardim do Palácio de Cristal, onde em breve se inscreverá o nome do filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço, o programador da edição deste ano da Feira do Livro do Porto evocou o título de um livro de Jorge Luís Borges como metáfora de uma ideia a assaltar-lhe o pensamento. O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, disse Nuno Artur Silva, podia bem ser prefácio de uma feira cuja programação procura “pensar o nosso tempo”. Vivemos anos em que, como na obra do argentino, nos vemos num labirinto infinito com múltiplas saídas. “O nosso tempo é escolher e para escolher é preciso pensar”, disse Nuno Artur Silva, argumentista e antigo administrador da RTP que esteve no Porto para apresentar o “plano de encontros” por si pensados para a feira, a decorrer entre 6 e 22 de Setembro.

Com Eduardo Lourenço como homenageado desta edição, o programador delineou um plano onde o trabalho de um dos grandes pensadores portugueses é transversal a quase todos os eventos. Debates, exposições, “spoken words” (declamações com música), lições, cinema, sessões especiais, programas para crianças, oficinas, música. E, claro, muitos livros: a Câmara do Porto recebeu, neste ano, 87 inscrições e terá 130 pavilhões, uma dimensão “a preservar”, adiantou Rui Moreira, “sob pena de estragar o espaço”. Com nove estreantes, haverá dez livrarias, 46 editoras, 21 alfarrabistas, cinco distribuidoras e outras instituições com projectos de edição. Tudo com um orçamento abaixo do de 2018: dos 200 mil euros, passou-se para 168 mil.

Foto Feira foi "internalizada" pela Câmara do Porto há seis anos Gonçalo Dias

O homenageado Eduardo Lourenço - a quem será dedicada uma tília no corredor verde “que vem aos poucos transformando-se numa alameda de escritores”, como sublinhou Rui Moreira – terá essas honras de abertura, um tributo com Lídia Jorge e Artur Santos Silva (dia 7, 18h) e fechará a feira com uma “dissecação” da sua incalculável importância, pelas palavras de Maria Filomena Molder (dia 22, 19h).

Um dos momentos altos da programação é o “encontro” com Arnaldo Antunes (dia 15, 19h). Músico dos Titãs e da banda Tribalistas, o brasileiro é compositor, poeta, voz interventiva. No Porto, vai ler alguns dos seus escritos e falar sobre o Brasil de hoje, país que, em Outubro passado, ainda antes de Bolsonaro subir ao poder, o fez escrever um manifesto baptizado Isto não é um Poema. Num vídeo de quase 12 minutos, em fundo negro e letras brancas, Arnaldo Antunes falava do clima de tensão e medo vivido no seu país. E ainda a história estava a começar.

Com o pano de fundo mudado para este lado do oceano, há todo um continente para pensar. O que é hoje a Europa e quais as suas “possibilidades de futuro” num ano de datas redondas - 30 da queda do Muro de Berlim, 20 do euro, dez da crise do euro – será tema transversal a vários debates. Abstencionismo, populismo e Brexit serão discutidos por Viriato Soromenho Marques, Miguel Poiares Maduro e Bernardo Pires de Lima (dia 21, 16h); as relações internacionais num período de globalização (ou “desglobalização”?) serão reflexão para Boaventura Sousa Santos (21, 19h); José Eduardo Agualusa, Rui Zink, Isabela Figueiredo e a venezuelana Karina Sainz Borgo discutirão qual o papel político do escritor no tempo corrente: correrão a arte e a vida social em pistas distintas? (dia 8, 16h); o italiano Roberto Francavilla, professor e tradutor de literatura portuguesa, levanta o véu sobre o que é olhar Portugal ao longe (dia 22, 12h); e Hugo van der Ding, “humorista emergente” na avaliação de Nuno Artur Silva, apresentará uma história narrada e desenhada da Europa, numa “versão mais iconoclasta” do continente (dia 21, 21h30).

Clima: “Não é mais um tema, mas o tema das nossas vidas”

Debate essencial, acrescentou o programador, será o da “biodiversidade e do futuro ambiental do planeta”. Com moderação de Arminda Deusdado, autora do único programa dedicado ao tema mantido pela RTP há mais de 30 anos, fala-se da esperança de habitar a Terra (dia 15, 16h), com as participações de Nuno Ferrand de Almeida, Luísa Schmidt e Henrique Miguel Pereira: “Não é mais um tema, mas o tema das nossas vidas: a questão ambiental.”

Aproveitando outros números redondos – os 50 anos do primeiro homem na Lua e os 500 do início da circum-navegação de Fernão de Magalhães –, Onésimo Teotónio de Almeida (dia 21, 12h) falará da ciência no Portugal da Expansão e Júlio Isidro recordará como foi relatar pela rádio os primeiros passos no nosso satélite natural (dia 10, 19h).

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Incontornável é também a celebração dos 100 anos de Sophia de Mello Breyner e de Jorge de Sena, algo que se fará com uma leitura da correspondência trocada entre os dois, numa sessão acompanhada ao piano por Jan Wierzba (dia 15, 12h). Falando deste género literário, far-se-á um “balanço precipitado” da poesia portuguesa no século XXI (dia 14, 16h). Haverá uma “provocação amantíssima” de Hélia Correia – as palavras são dela – a Agustina Bessa-Luís, o nosso “grande mistério literário”, falecido em Junho (dia 12, 19h). E ainda a presença do elogiado escritor espanhol Manuel Vilas, autor de Em Tudo Havia Beleza, que terá tempo de conversa com Nuno Costa Santos, escritor e argumentista açoriano, o escritor residente desta edição (dia 11, 19h).

Para além de várias actividades para os mais novos – com oficinas de leitura e ilustração, música e teatro –, está programada uma exposição com as ilustrações de António Jorge Gonçalves e um ciclo de cinema europeu, sempre às 21h30, com The Devils (dia 8), Sobre a Violência (dia 10), Nada a Esconder (dia 15), Anos de Chumbo (dia 17) e A Eternidade e Um Dia (dia 22). Pelos jardins do Palácio, as Quintas de Leitura de João Gesta terão uma sessão especial intitulada Delírio Manso (dia 19, 22h), O Labirinto de Saudade, filme sobre a vida e obra de Eduardo Lourenço, terá uma conversa-espectáculo com as presenças do realizador Miguel Gonçalves Mendes, Pilar del Rio, Siza Vieira e o projecto musical Noiserv.

“Pretendemos fazer aqui um festival literário, mas muito mais do que isso”, disse Rui Moreira em jeito de balanço do sexto ano em que a feira passou a ser gerida pela câmara. “Enquanto cá estiver, faremos isto. Quando vier alguém a seguir a mim pode querer fazer com a APEL [Associação Portuguesa de Editores e Livreiros] na Rotunda da Boavista. Eu não quero.”

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