Perfil. Tiago Brandão Rodrigues, o ministro da Educação que foi karateca e 'ursinho'

21-10-2019
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Gerardo Santos / Global Imagens

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Perfil. Tiago Brandão Rodrigues, o ministro da Educação que foi karateca e 'ursinho'

Miguel Santos Carrapatoso

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Marlene Carriço

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Os amigos elogiam-no. Alcunharam-no de ursinho. Os adversários acusam-no de "arrogância". Alto-minhoto, karateca, estudante coimbrão, investigador e ministro polémico. Quem é Tiago Brandão Rodrigues?

19 May 2016, 17:53

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Braga, Paredes de Coura, Caminha, Moledo, claro, novamente Braga, e depois Coimbra, Madrid, Dallas e Londres. E ainda há Campinas, Cuba e Macau. Em passos largos, este seria o mapa-mundi de Tiago Brandão Rodrigues, o investigador reputado que deixou Cambridge e regressou a Portugal para se tornar cabeça-de-lista do PS por Viana do Castelo e, mais tarde, ministro da Educação de António Costa.Esta quinta-feira, Tiago Brandão Rodrigues regressou ao Parlamento, para participar no plenário num debate agendado pelo CDS sobre “Políticas de Educação”. Na sua primeira incursão pela política, tem somado elogios à esquerda. Mas também criou adversários, alimentou polémicas e foi alvo de duras críticas. As mais recentes têm a ver com os contratos de associação. Às convulsões da política setorial do seu ministério, somam-se agora acusações e suspeitas de ter usado indevidamente bolsas de estudo há 14 anos. O ministro desmentiu prontamente o que foi publicado pela Sábado esta quinta-feira e a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a entidade que atribuiu a bolsa, garante “não haver qualquer indício de ilegalidade“. Afinal, quem é este desconhecido que aterrou no espaço público para liderar um dos maiores e mais complexos ministérios em todos os Governos?
A vida de Tiago Brandão Rodrigues mais parece um corolário de contradições, daquelas que fazem cair preconceitos. Estudante brilhante, abstémio, habituado a estar entre os melhores dos melhores, fez da bata uma segunda pele. E, ainda assim, desportista empenhado, ativista político bem à esquerda, estudante coimbrão, repúblico, boémio (sem beber), melómano, apaixonado por rádio, um frequentador assíduo do Festival Paredes de Coura. Rigoroso, exigente, convicto do que diz e do que pensa, focado. Alguém que respeita convictamente as hierarquias. E, mesmo assim, bom vivant, com um grande sentido de humor e genuinamente otimista. Assumidamente um “alto-minhoto de gema” e, no entanto, reconhecido pela sua “mundividência”.Os amigos não lhe poupam elogios — a lista é quase infinita. Os adversários, no entanto, criticam-lhe o ego gigantesco e a arrogância. Sustos dos grandes também não lhe faltaram. Nascido em Braga, a 3 de junho de 1977, estava em Dallas, durante o 11 de Setembro. Sobreviveu a um rapto, em Campinas. Vivia a 150 metros da estação de Atocha naquela manhã fatídica de 11 de Março de 2004 — sobre os atentados em Madrid chegou a admitir, em entrevista ao DN, que ficou “psicologicamente abalado” durante meses. E ainda enfrentou um furacão em Cuba e um tufão em Macau.Mas se há algo que o marcou para sempre foi a doença do pai. António Barbosa Rodrigues ficou afásico quando Tiago Brandão Rodrigues tinha apenas cinco anos o que o obrigou, ainda em criança, a reaprender a comunicar com o progenitor. E a crescer.

Miguel Alves, hoje presidente da Câmara de Caminha, e amigo de Tiago Brandão Rodrigues na altura em que a praia de Moledo era o centro do mundo para os dois, confirma esta tese. “Foi um período muito difícil para o Tiago. O pai dele era um homem muito respeitado. Mesmo depois de ter deixado de conseguir falar, nunca deixou de trabalhar nas Finanças”, recorda. “Ainda hoje, há quem ainda lhe fale do pai na rua. Ele fica muito, muito orgulhoso, e muitas vezes não evita uma lágrima.”A doença do pai, sequela de um acidente vascular cerebral (AVC), foi decisiva na vida de Tiago Brandão Rodrigues. “Depois da doença do pai, criou uma barreira em torno do pai e da família” que se tornou ainda mais forte depois da morte do progenitor. A mãe, Maria José Brandão Rodrigues, antiga professora, assumiu um papel central na vida do agora ministro e do irmão, João Brandão Rodrigues, médico veterinário e um dos maiores especialistas em tratar e salvar burros. “Se a mãe tivesse dito que não queria que ele se tornasse ministro, muito possivelmente a balança inclinaria para o lado negativo“.Talvez isso ajude a explicar a “grande relação de proximidade” que Tiago Brandão Rodrigues ainda mantém com Caminha e Paredes de Coura, supõe Miguel Alves. A natural ligação à terra onde cresceu alicerçada à memória que os outros ainda guardam do pai. “Aqui, ele sente-se sempre em casa. Cumprimenta toda a gente e conhece quase todos pelo nome. Aliás, quando ele vem cá, é impossível estar com o Tiago só para nós. Ele conhece toda a gente e toda a gente tem um carinho especial por ele.”
Os dois conheceram-se durante uma das muitas férias de verão que passaram na praia de Moledo. Desse tempo, Miguel Alves recorda-se das tardes sem fim a jogar voleibol e a ter as “conversas sobre os temas mais importantes do mundo com a sobranceria” de um puto e “as conversas mais parvas” com a paixão típica da idade. “Para o Tiago, o pôr-do-sol era o momento mais triste dessas tardes”, atira Miguel Alves.

"Se a mãe tivesse dito que não queria que ele se tornasse ministro, muito possivelmente a balança inclinaria para o lado negativo".

Miguel Alves, amigo de infância

O pavilhão do Clube de Andebol de Caminha era a extensão dessas férias de verão. Além das areias de Moledo, os dois partilhavam também a paixão pelo andebol. E aí é preciso passar a bola a Pedro Correia e a Carlos Tenodório, colega de equipa e treinador de Tiago Brandão Rodrigues, respetivamente. “Nunca foi um jogador de elite. Mas era um bom colega de equipa e uma pessoa com quem se podia sempre contar”, lembra Pedro Correia. O treinador ajuda a compor o perfil. “Era um jogador muito empenhado e fazia um grande esforço para estar sempre presente.”Então com pouco mais de 13/14 anos, a viver em Paredes de Coura, Tiago Brandão Rodrigues fazia quase 40 quilómetros para poder treinar e jogar em Caminha. “Às vezes, até pedia a uma tia que morava em Caminha para ficar em casa dela para poder jogar connosco”, recorda Pedro Correia.Tiago Brandão Rodrigues foi atleta do Clube Andebol de CaminhaChegou a conjugar o andebol com o karaté — o dom da ubiquidade que quase todos os que com ele conviveram de perto enaltecem já aí começava a manifestar-se. José Luís Silva, mestre de Tiago Brandão Rodrigues, recorda o “miudinho muito aplicado” que “sobressaía no meio dos outros todos” e que “foi obrigado a crescer um bocadinho mais rápido” depois do que aconteceu com o pai, confirma o mestre.José Luís Silva aproveita para recordar uma história que o marcou particularmente: “Quando era miúdo, o Tiago fez umas férias, acho que uma visita de estudo, a Barcelona. Mas teve a hombridade de me enviar um postal quando lá chegou. Lembrou-se de mim”. O Tiago acabou por chegar primeiro que o postal — “sabe como eram as comunicações na altura…” –, mas “ainda hoje guardo aquele postal”, garante o mestre.Nunca perderam o contacto. “Há uns tempos, fui a Lisboa e o Tiago fez questão de me receber. E disse-me: ‘Não te preocupes, serás sempre o meu sensei“. Isto, para lá do jantar de natal “lá na terra”, onde os discípulos de José Luís Silva se juntaram — Tiago Brandão Rodrigues, incluído.Depois de concluir o 9º ano em Paredes de Coura, Tiago acabaria por pedir aos pais para se mudar para se mudar para Braga, para prosseguir os estudos. Foi morar com estudantes universitários, num ambiente muito diferente do que estava habituado. Começava aí a notar-se uma vontade única de conhecer outras realidades.O karaté, assegura José Luís Silva, foi fundamental para a formação da personalidade do agora ministro. “Foco, concentração, respeito pelos outros. É isso que ensina o karaté. Além dos valores tradicionais: “Carácter, sinceridade, etiqueta, esforço e controlo. O Tiago sempre encarou o karaté como uma forma de estar na vida”.Tiago Brandão Rodrigues no “antes” e “depois” com o mestre e os colegas de karaté

"Há uns tempos, fui a Lisboa e o Tiago fez questão de me receber. E disse-me: 'Não te preocupes, serás sempre o meu sensei"

José Luís Silva, mestre de Tiago Brandão Rodrigues

Coimbra. A república, o associativismo e a rádio
Depois de concluir o liceu em Braga, o jovem Tiago chega a Coimbra para estudar Bioquímica na Faculdade de Ciências e Tecnologia. Apesar da exigência do curso, a vida na cidade dos estudantes era muito mais do que faculdade-casa-casa-faculdade. “O Tiago viveu Coimbra como poucos“, recorda Miguel Alves, o amigo de infância que o acompanhou na mudança para Coimbra, apesar de estarem em polos opostos de formação académica — Miguel Alves acabaria por seguir Direito; Tiago Brandão Rodrigues a Ciência.As largas horas que passava no laboratório da Faculdade não o impediram de aproveitar tudo o que a cidade de Coimbra tinha para oferecer: viveu na Real República Bota-Abaixo, integrou os movimentos associativos que agitavam a comunidade estudantil, herdou e deu corpo à luta contra as propinas impostas por Cavaco Silva, promoveu manifestações, ajudou a fechar faculdades a cadeado e a fazer cair o antigo reitor da Universidade de Coimbra Fernando Rebelo. Politicamente ativo, nunca politicamente-comprometido com nenhum partido. À esquerda, bem à esquerda, até libertário, mas sempre independente, vai insistindo quem com ele privou de perto.Numa cidade conhecida pelos longos convívios regados a vinho tinto carrascão, Tiago Brandão Rodrigues nunca bebeu. Não por credo ou por uma qualquer obsessão fanática. Apenas por “falta de afinidade com o álcool”, chegou a dizer em entrevista ao i, para logo depois acrescentar: “Alguns amigos em Coimbra brincavam e diziam que tinha sido uma espécie de Obélix, que tinha caído no alambique quando era pequeno, e a partir daí não precisava”.Rita Moreira, que o acompanhou nas aventuras da República Bota-Abaixo, recorda o “tipo excecional” com quem partilhou muitos “serões e tertúlias” na República. Alguém que “transmitia uma grande confiança, alguém com um enorme sentido de entreajuda e, sobretudo, um grande sentido de humor”. Os elogios sucedem-se de quem não esconde que “só tem boas coisas a dizer sobre” o colega. “Onde o Tiago está puxa-nos para cima”, atira a agora coordenadora editorial do canal 180 (sobre artes e criatividade). Um otimista.No meio deste caldeirão coimbrão, Brandão Rodrigues experimentou ainda os microfones da Rádio Universidade de Coimbra (RUC). Apaixonado pela rádio, ávido consumidor de música, ajudou a produzir o “Polissemias”, um programa onde eram discutidas “as grandes questões daquele tempo”, recorda Eduardo Brito, que partilhou os estúdios com o agora ministro.“O Tiago era (e é) um tipo extremamente inteligente, muito culto e de uma grande abertura e tolerância”, lembra Eduardo Brito. “Convicto”, “sempre com uma a palavra a dizer”, desmontava adversários com grandes recortes de humor e uma capacidade retórica acima da média.Muitos dos que conviveram com ele nos tempos de Coimbra recordam, ora em on, ora sob anonimato, os discursos “memoráveis” de Tiago Brandão Rodrigues nas Assembleias Magnas da Associação Académica de Coimbra, um reduto demasiado conservador para as ambições sociais do estudante de Bioquímica. “O Tiago, pela grande capacidade retórica de que dispunha, tinha uma grande capacidade de gerar largos consensos, de mobilizar, mesmo quando eram causas fraturantes“, recorda um dos amigos que assistiu de perto a algum desses momentos.Para lá da Faculdade, da República, do associativismo, da RUC, na longa correria de quem parece ter sempre o dom de transformar os “minutos em horas”, havia ainda o cinema e as longas sessões no velhinho shopping Avenida e no Teatro Académico Gil Vicente, como recorda Eduardo Brito, parceiro de tantas sessões. O gosto pelo cinema italiano, em particular, valeram-lhe uma espécie de alcunha: “Nanni Moretti“, em homenagem ao realizador e ator italiano. Não só pelas óbvias parecenças físicas, mas também, e mais uma vez, pelo sentido de humor “sui generis“.E havia a música, sempre a música, constante fundamental na lei de Tiago Brandão Rodrigues. Aos 10 ou 11 anos, recebeu dos pais de um amigo — que ajudava a fazer os trabalhos de casa — dois LP: o “Era Uma Vez Um Rapaz”, do Sérgio Godinho e o concerto de Zeca [Afonso] no Coliseu, ambos tratados quase como relíquias, como chegou a confessar na entrevista ao jornal i. A passagem por Coimbra e o experimentalismo da RUC cultivaram nele um gosto pelo indie, pelo jazz, pelo rock, mas também pela world music. Uma sede inesgotável de conhecer o mundo, como todos lhes reconhecem. Os próximos passos académicos confirmam essa vocação: primeiro Madrid, depois Dallas e, por fim, Cambridge.

Em Coimbra, recebeu a alcunha de "Nanni Moretti", em homenagem ao realizador e ator italiano. Não só pelas óbvias parecenças físicas, mas também, e mais uma vez, pelo sentido de humor "sui generis"

Londres. Entre a investigação e os Jogos Olímpicos
Em Cambridge, depois de passagens por Madrid e Dallas, Tiago Brandão Rodrigues tornar-se-ia um dos mais reputados investigadores na área oncológica. No final de 2012, era o destaque da revista Visão, num artigo com um título expressivo: “O português que pode revolucionar o diagnóstico do cancro“.O trabalho da equipa liderada por Tiago Brandão Rodrigues, na UK Cancer Research, permitiu desenvolver uma técnica de ressonância magnética que permitiu aumentar a sensibilidade do equipamento tradicional mais de dez mil vezes. A precisão desta técnica permitirá, no futuro, monitorizar de perto a eficácia dos tratamentos de cancro e, no limite, detetar novos cancros.O destaque e o reconhecimento nacional e internacional que recebeu nesse período tiveram ecos também em Paredes de Coura. O filho da terra tinha singrado. Gracinda Sousa Viana, a professora que acompanhou Tiago Brandão Rodrigues ainda na primária, ajuda não esconde o “orgulho”. “[O Tiago] era um aluno brilhante quer pela sua inteligência, quer pela grande capacidade de trabalho. [É] um orgulho para todos os que contribuíram para a sua formação“, diz ao Observador.Eva Serrão, que fez parte da equipa liderada por Tiago Brandão Rodrigues em Cambridge, não esquece esse período. “O Tiago é uma pessoa muito positiva, promoveu sempre uma cultura de celebração nos sucessos e uma perspetiva de aprendizagem nos ‘menos sucessos’. É uma pessoa muito expansiva e social. Apaixonado pela vida, pelo mundo e pelo desconhecido, mostra sempre uma intensa sede pelo conhecimento“, diz ao Observador.E a rádio, mais uma vez, a companhia de sempre. “A música, especialmente rádio, é a grande paixão e companhia do Tiago… Não importava que horas fossem ou o que estivesse a fazer que a rádio estava sempre a tocar”, garante Eva Serrão.Quando decidiu voltar a Portugal depois de 16 anos em Cambridge, Tiago Brandão Rodrigues hesitou. “Tinha um contrato sem termo que duraria, se as coisas corressem bem, até ao resto da minha vida. Senti a determinado momento que tinha todos os graus de liberdade para potencialmente não aceitar este desafio. Mas a partir de determinado momento senti a inquietação e o compromisso, que era inequívoco, que tinha de dizer que sim. Eu próprio tinha de me convencer disso. E tive a felicidade de os que estão mais próximos me terem encorajado, e não terem ficado surpreendidos com esse desafio”, revelou em entrevista ao jornal i.O regresso a Portugal só aconteceu no final de 2015. Três anos antes, longe de imaginar que seria o próximo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues foi adido da comitiva portuguesa aos Jogos Olímpicos de 2012, precisamente em Londres. Inscreveu-se na embaixada de Londres, defendeu a candidatura por escrito e, numa última fase, foi um dos três selecionados para uma entrevista com os chefes de missão – Mário Santos (dirigente federativo da canoagem) e Nuno Delgado (judoca português). A preparação de Tiago Brandão Rodrigues foi decisiva para a escolha, conta Mário Santos ao Observador.“O Tiago impressionou-nos logo pela sua capacidade intelectual fora do comum. Ele preparou-se muito para a entrevista e tinha estudado tudo sobre a delegação portuguesa para poder debater connosco”, recorda ao Observador.A capacidade de trabalho acima da média cola-se novamente como segunda pele. “O Tiago tem uma capacidade de trabalho fora de série. Passava noites a estudar biografias dos atletas e regulamentos para estar preparado para a competição“, revela.Em novembro de 2015, a Visão dedicou-lhe um artigo onde contava os bastidores dos “dias olímpicos do ministro da Educação”. Aí se conta que foi sua a ideia de decorar as paredes dos quartos e salas comuns da missão portuguesa com fotos dos atletas, para que todos se pudessem sentir em casa.Somou amigos. Rosa Mota, Nuno Delgado, Emanuel Silva e Fernando Pimenta, Telma Monteiro, entre outros. A paixão, afabilidade e empenho com que viveu esses dias valeram-lhe uma alcunha carinhosa, confirma Mário Santos. “Mal tínhamos tempo para comer e para fazer a barba. O Tiago acabou por engordar naquele mês e deixou crescer a barba“. Daí a alcunha de “ursinho“.

Tiago Brandão Rodrigues com vários atletas portugueses

3 fotos

O momento mais marcante, esse, foi aquela prova de K2 de boa memória para os portugueses. A dupla Fernando Pimenta e Emanuel Silva conquistou a medalha de prata — a primeira para Portugal nesses Jogos –, tendo ficado apenas a 53 milésimos do ouro. À Visão, Tiago Brandão Rodrigues chegou mesmo a confessar que não conseguira evitar as lágrimas. “Chorei desde os 200 metros até ao final da prova. Não tenho vergonha de o dizer.”Os tempos agora são outros. Tiago Brandão Rodrigues deixou Londres para assumir o papel de cabeça de lista do PS por Viana do Castelo. Crítico assumido do anterior Governo, herdeiro do trabalho desenvolvido por Mariano Gago, foi uma escolha pessoal de António Costa. Estreou-se como deputado e mudou-se para o Governo assim que o Executivo socialista conseguiu a maioria no Parlamento. Começaram aí os grandes desafios, desta vez, numa área em que Tiago Brandão Rodrigues não se sentia confortável — o tabuleiro político.

"Mal tínhamos tempo para comer e para fazer a barba. O Tiago acabou por engordar naquele mês e deixou crescer a barba". E, assim, surgiu a alcunha de "ursinho"

As polémicas — A demissão do secretário de Estado, os contratos de associação e a bolsa
A escolha de Tiago Brandão Rodrigues para ministro da Educação causou desde logo alguma estranheza, inclusive no meio socialista. Apontavam-lhe a inexperiência política, o pouco conhecimento do país real e a falta de domínio técnico da área que se preparava para tutelar. Mas a primeira polémica acabaria por chegar com a demissão de João Wengorovius Meneses. O então secretário de Estado do Desporto bateu com a porta em “profundo de desacordo com o ministro da Educação no que diz respeito à política para a juventude e o desporto, e ao modo de estar no exercício de cargos públicos”.Esta foi a justificação oficial de Wengorovius Meneses, ainda que depois tenham circulado informações sobre as alegadas interferências de Brandão Rodrigues no seu gabinete. PSD e CDS bateram-se por chamar o ministro da Educação ao Parlamento para esclarecer os contornos desta demissão, mas a aliança de esquerda não permitiu a audição. Esta era a primeira pedrada no charco da Educação.A última veio de onde menos se esperava e envolve o percurso académico de Brandão Rodrigues, até aqui inatacável. Numa entrevista à Sábado, Rui Carvalho, supostamente o ex-orientador do doutoramento do ministro da Educação, em Coimbra, acusou o investigador de se ter apropriado ilegalmente de quase 18 mil euros que lhe foram atribuídos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).O caso é intricado e envolve versões contraditórias dos factos. O professor garante que sim, que Tiago Brandão Rodrigues “cometeu um crime” depois de se ter apropriado indevidamente de uma bolsa de investigação quando decidiu continuar os estudos de doutoramento em Dallas. A própria FCT, no entanto, diz não descortinar qualquer “indício de ilegalidade” e garante que todo o processo foi esclarecido. O ministro da Educação apressou-se a rebater todas as acusações: fala em “mentira” e nega que Rui Carvalho tenha sido seu orientador, embora haja documentos em que o académico aparece nesse papel. O caso surge num período em que o fim dos contratos de associação entre colégios privados e o Estado tem gerado uma enorme polémica.Esse tem sido precisamente o maior braço de ferro entre Brandão Rodrigues e a oposição, ou com algumas associações de pais e colégios privados com contratos de associação. Nilza de Sena, deputada do PSD, não poupa críticas ao ministro: “A perceção que eu tenho é que o ministro está francamente impreparado para o lugar e é muito pouco humilde e prepotente“, diz a social-democrata,“[Tiago Brandão Rodrigues] faz intervenção política e desenha políticas à mata-cavalos, à bruta. Impõe-se de uma forma agressiva. É um ministro cego que não tem capacidade, nem sensibilidade para o lugar que ocupa. É muito pouco cordial na forma como interage com os deputados. Mostra simpatia com aqueles que estão de acordo com ele, mas assume uma posição extremada quando não concordam com ele”, acusa Nilza de Sena, em declarações ao Observador.A deputada do PSD confessa-se ainda “surpreendida” pela mudança de chip do agora ministro. “Nas três semanas em que o conheci enquanto deputado pareceu-me um homem simpático, de sorriso fácil, que não me faria adivinhar o tom mais prepotente que veio a manifestar. Surpreendeu-me pela negativa”, diz.

"A perceção que eu tenho é que o ministro está francamente impreparado para o lugar e é muito pouco humilde e prepotente"

Nilza de Sena, deputada do PSD

Ao Observador, alguns professores e diretores de escola que negociaram de perto com Tiago Brandão Rodrigues parecem traçar um perfil diferente. Falam numa “grande evolução” de alguém que, pelo menos num momento inicial, não dominava em pleno os dossiers. “Vê-se que não gosta de deixar ninguém sem resposta, nem fica sem dar a sua opinião. Faz isso sem ser malcriado. No início até parecia intransigente, mas essa imagem dissipou-se”, garante, sob anonimato, um dos diretores de escola que trabalhou de perto com o ministro.Há, ainda assim, quem lhe aponte a “falta de força política para implementar medidas”. “Devia ser mais político”, avalia uma fonte do setor da Educação. “É agradável, afável, com um discurso fácil e convicto em relação às linhas mestras do programa de Governo. Tem sempre resposta pronta, sempre na linha do Programa de Governo”, diz outra fonte.Esta quinta-feira, Tiago Brandão Rodrigues estará sob fogo intenso da oposição. Conseguirá desmontá-la com a mesma argúcia que lhe era reconhecida dos tempos da Assembleia Magna de Coimbra?

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Perfil. Tiago Brandão Rodrigues, o ministro da Educação que foi karateca e 'ursinho'

Miguel Santos Carrapatoso

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Os amigos elogiam-no. Alcunharam-no de ursinho. Os adversários acusam-no de "arrogância". Alto-minhoto, karateca, estudante coimbrão, investigador e ministro polémico. Quem é Tiago Brandão Rodrigues?

19 May 2016, 17:53

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Braga, Paredes de Coura, Caminha, Moledo, claro, novamente Braga, e depois Coimbra, Madrid, Dallas e Londres. E ainda há Campinas, Cuba e Macau. Em passos largos, este seria o mapa-mundi de Tiago Brandão Rodrigues, o investigador reputado que deixou Cambridge e regressou a Portugal para se tornar cabeça-de-lista do PS por Viana do Castelo e, mais tarde, ministro da Educação de António Costa.Esta quinta-feira, Tiago Brandão Rodrigues regressou ao Parlamento, para participar no plenário num debate agendado pelo CDS sobre “Políticas de Educação”. Na sua primeira incursão pela política, tem somado elogios à esquerda. Mas também criou adversários, alimentou polémicas e foi alvo de duras críticas. As mais recentes têm a ver com os contratos de associação. Às convulsões da política setorial do seu ministério, somam-se agora acusações e suspeitas de ter usado indevidamente bolsas de estudo há 14 anos. O ministro desmentiu prontamente o que foi publicado pela Sábado esta quinta-feira e a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a entidade que atribuiu a bolsa, garante “não haver qualquer indício de ilegalidade“. Afinal, quem é este desconhecido que aterrou no espaço público para liderar um dos maiores e mais complexos ministérios em todos os Governos?
A vida de Tiago Brandão Rodrigues mais parece um corolário de contradições, daquelas que fazem cair preconceitos. Estudante brilhante, abstémio, habituado a estar entre os melhores dos melhores, fez da bata uma segunda pele. E, ainda assim, desportista empenhado, ativista político bem à esquerda, estudante coimbrão, repúblico, boémio (sem beber), melómano, apaixonado por rádio, um frequentador assíduo do Festival Paredes de Coura. Rigoroso, exigente, convicto do que diz e do que pensa, focado. Alguém que respeita convictamente as hierarquias. E, mesmo assim, bom vivant, com um grande sentido de humor e genuinamente otimista. Assumidamente um “alto-minhoto de gema” e, no entanto, reconhecido pela sua “mundividência”.Os amigos não lhe poupam elogios — a lista é quase infinita. Os adversários, no entanto, criticam-lhe o ego gigantesco e a arrogância. Sustos dos grandes também não lhe faltaram. Nascido em Braga, a 3 de junho de 1977, estava em Dallas, durante o 11 de Setembro. Sobreviveu a um rapto, em Campinas. Vivia a 150 metros da estação de Atocha naquela manhã fatídica de 11 de Março de 2004 — sobre os atentados em Madrid chegou a admitir, em entrevista ao DN, que ficou “psicologicamente abalado” durante meses. E ainda enfrentou um furacão em Cuba e um tufão em Macau.Mas se há algo que o marcou para sempre foi a doença do pai. António Barbosa Rodrigues ficou afásico quando Tiago Brandão Rodrigues tinha apenas cinco anos o que o obrigou, ainda em criança, a reaprender a comunicar com o progenitor. E a crescer.

Miguel Alves, hoje presidente da Câmara de Caminha, e amigo de Tiago Brandão Rodrigues na altura em que a praia de Moledo era o centro do mundo para os dois, confirma esta tese. “Foi um período muito difícil para o Tiago. O pai dele era um homem muito respeitado. Mesmo depois de ter deixado de conseguir falar, nunca deixou de trabalhar nas Finanças”, recorda. “Ainda hoje, há quem ainda lhe fale do pai na rua. Ele fica muito, muito orgulhoso, e muitas vezes não evita uma lágrima.”A doença do pai, sequela de um acidente vascular cerebral (AVC), foi decisiva na vida de Tiago Brandão Rodrigues. “Depois da doença do pai, criou uma barreira em torno do pai e da família” que se tornou ainda mais forte depois da morte do progenitor. A mãe, Maria José Brandão Rodrigues, antiga professora, assumiu um papel central na vida do agora ministro e do irmão, João Brandão Rodrigues, médico veterinário e um dos maiores especialistas em tratar e salvar burros. “Se a mãe tivesse dito que não queria que ele se tornasse ministro, muito possivelmente a balança inclinaria para o lado negativo“.Talvez isso ajude a explicar a “grande relação de proximidade” que Tiago Brandão Rodrigues ainda mantém com Caminha e Paredes de Coura, supõe Miguel Alves. A natural ligação à terra onde cresceu alicerçada à memória que os outros ainda guardam do pai. “Aqui, ele sente-se sempre em casa. Cumprimenta toda a gente e conhece quase todos pelo nome. Aliás, quando ele vem cá, é impossível estar com o Tiago só para nós. Ele conhece toda a gente e toda a gente tem um carinho especial por ele.”
Os dois conheceram-se durante uma das muitas férias de verão que passaram na praia de Moledo. Desse tempo, Miguel Alves recorda-se das tardes sem fim a jogar voleibol e a ter as “conversas sobre os temas mais importantes do mundo com a sobranceria” de um puto e “as conversas mais parvas” com a paixão típica da idade. “Para o Tiago, o pôr-do-sol era o momento mais triste dessas tardes”, atira Miguel Alves.

"Se a mãe tivesse dito que não queria que ele se tornasse ministro, muito possivelmente a balança inclinaria para o lado negativo".

Miguel Alves, amigo de infância

O pavilhão do Clube de Andebol de Caminha era a extensão dessas férias de verão. Além das areias de Moledo, os dois partilhavam também a paixão pelo andebol. E aí é preciso passar a bola a Pedro Correia e a Carlos Tenodório, colega de equipa e treinador de Tiago Brandão Rodrigues, respetivamente. “Nunca foi um jogador de elite. Mas era um bom colega de equipa e uma pessoa com quem se podia sempre contar”, lembra Pedro Correia. O treinador ajuda a compor o perfil. “Era um jogador muito empenhado e fazia um grande esforço para estar sempre presente.”Então com pouco mais de 13/14 anos, a viver em Paredes de Coura, Tiago Brandão Rodrigues fazia quase 40 quilómetros para poder treinar e jogar em Caminha. “Às vezes, até pedia a uma tia que morava em Caminha para ficar em casa dela para poder jogar connosco”, recorda Pedro Correia.Tiago Brandão Rodrigues foi atleta do Clube Andebol de CaminhaChegou a conjugar o andebol com o karaté — o dom da ubiquidade que quase todos os que com ele conviveram de perto enaltecem já aí começava a manifestar-se. José Luís Silva, mestre de Tiago Brandão Rodrigues, recorda o “miudinho muito aplicado” que “sobressaía no meio dos outros todos” e que “foi obrigado a crescer um bocadinho mais rápido” depois do que aconteceu com o pai, confirma o mestre.José Luís Silva aproveita para recordar uma história que o marcou particularmente: “Quando era miúdo, o Tiago fez umas férias, acho que uma visita de estudo, a Barcelona. Mas teve a hombridade de me enviar um postal quando lá chegou. Lembrou-se de mim”. O Tiago acabou por chegar primeiro que o postal — “sabe como eram as comunicações na altura…” –, mas “ainda hoje guardo aquele postal”, garante o mestre.Nunca perderam o contacto. “Há uns tempos, fui a Lisboa e o Tiago fez questão de me receber. E disse-me: ‘Não te preocupes, serás sempre o meu sensei“. Isto, para lá do jantar de natal “lá na terra”, onde os discípulos de José Luís Silva se juntaram — Tiago Brandão Rodrigues, incluído.Depois de concluir o 9º ano em Paredes de Coura, Tiago acabaria por pedir aos pais para se mudar para se mudar para Braga, para prosseguir os estudos. Foi morar com estudantes universitários, num ambiente muito diferente do que estava habituado. Começava aí a notar-se uma vontade única de conhecer outras realidades.O karaté, assegura José Luís Silva, foi fundamental para a formação da personalidade do agora ministro. “Foco, concentração, respeito pelos outros. É isso que ensina o karaté. Além dos valores tradicionais: “Carácter, sinceridade, etiqueta, esforço e controlo. O Tiago sempre encarou o karaté como uma forma de estar na vida”.Tiago Brandão Rodrigues no “antes” e “depois” com o mestre e os colegas de karaté

"Há uns tempos, fui a Lisboa e o Tiago fez questão de me receber. E disse-me: 'Não te preocupes, serás sempre o meu sensei"

José Luís Silva, mestre de Tiago Brandão Rodrigues

Coimbra. A república, o associativismo e a rádio
Depois de concluir o liceu em Braga, o jovem Tiago chega a Coimbra para estudar Bioquímica na Faculdade de Ciências e Tecnologia. Apesar da exigência do curso, a vida na cidade dos estudantes era muito mais do que faculdade-casa-casa-faculdade. “O Tiago viveu Coimbra como poucos“, recorda Miguel Alves, o amigo de infância que o acompanhou na mudança para Coimbra, apesar de estarem em polos opostos de formação académica — Miguel Alves acabaria por seguir Direito; Tiago Brandão Rodrigues a Ciência.As largas horas que passava no laboratório da Faculdade não o impediram de aproveitar tudo o que a cidade de Coimbra tinha para oferecer: viveu na Real República Bota-Abaixo, integrou os movimentos associativos que agitavam a comunidade estudantil, herdou e deu corpo à luta contra as propinas impostas por Cavaco Silva, promoveu manifestações, ajudou a fechar faculdades a cadeado e a fazer cair o antigo reitor da Universidade de Coimbra Fernando Rebelo. Politicamente ativo, nunca politicamente-comprometido com nenhum partido. À esquerda, bem à esquerda, até libertário, mas sempre independente, vai insistindo quem com ele privou de perto.Numa cidade conhecida pelos longos convívios regados a vinho tinto carrascão, Tiago Brandão Rodrigues nunca bebeu. Não por credo ou por uma qualquer obsessão fanática. Apenas por “falta de afinidade com o álcool”, chegou a dizer em entrevista ao i, para logo depois acrescentar: “Alguns amigos em Coimbra brincavam e diziam que tinha sido uma espécie de Obélix, que tinha caído no alambique quando era pequeno, e a partir daí não precisava”.Rita Moreira, que o acompanhou nas aventuras da República Bota-Abaixo, recorda o “tipo excecional” com quem partilhou muitos “serões e tertúlias” na República. Alguém que “transmitia uma grande confiança, alguém com um enorme sentido de entreajuda e, sobretudo, um grande sentido de humor”. Os elogios sucedem-se de quem não esconde que “só tem boas coisas a dizer sobre” o colega. “Onde o Tiago está puxa-nos para cima”, atira a agora coordenadora editorial do canal 180 (sobre artes e criatividade). Um otimista.No meio deste caldeirão coimbrão, Brandão Rodrigues experimentou ainda os microfones da Rádio Universidade de Coimbra (RUC). Apaixonado pela rádio, ávido consumidor de música, ajudou a produzir o “Polissemias”, um programa onde eram discutidas “as grandes questões daquele tempo”, recorda Eduardo Brito, que partilhou os estúdios com o agora ministro.“O Tiago era (e é) um tipo extremamente inteligente, muito culto e de uma grande abertura e tolerância”, lembra Eduardo Brito. “Convicto”, “sempre com uma a palavra a dizer”, desmontava adversários com grandes recortes de humor e uma capacidade retórica acima da média.Muitos dos que conviveram com ele nos tempos de Coimbra recordam, ora em on, ora sob anonimato, os discursos “memoráveis” de Tiago Brandão Rodrigues nas Assembleias Magnas da Associação Académica de Coimbra, um reduto demasiado conservador para as ambições sociais do estudante de Bioquímica. “O Tiago, pela grande capacidade retórica de que dispunha, tinha uma grande capacidade de gerar largos consensos, de mobilizar, mesmo quando eram causas fraturantes“, recorda um dos amigos que assistiu de perto a algum desses momentos.Para lá da Faculdade, da República, do associativismo, da RUC, na longa correria de quem parece ter sempre o dom de transformar os “minutos em horas”, havia ainda o cinema e as longas sessões no velhinho shopping Avenida e no Teatro Académico Gil Vicente, como recorda Eduardo Brito, parceiro de tantas sessões. O gosto pelo cinema italiano, em particular, valeram-lhe uma espécie de alcunha: “Nanni Moretti“, em homenagem ao realizador e ator italiano. Não só pelas óbvias parecenças físicas, mas também, e mais uma vez, pelo sentido de humor “sui generis“.E havia a música, sempre a música, constante fundamental na lei de Tiago Brandão Rodrigues. Aos 10 ou 11 anos, recebeu dos pais de um amigo — que ajudava a fazer os trabalhos de casa — dois LP: o “Era Uma Vez Um Rapaz”, do Sérgio Godinho e o concerto de Zeca [Afonso] no Coliseu, ambos tratados quase como relíquias, como chegou a confessar na entrevista ao jornal i. A passagem por Coimbra e o experimentalismo da RUC cultivaram nele um gosto pelo indie, pelo jazz, pelo rock, mas também pela world music. Uma sede inesgotável de conhecer o mundo, como todos lhes reconhecem. Os próximos passos académicos confirmam essa vocação: primeiro Madrid, depois Dallas e, por fim, Cambridge.

Em Coimbra, recebeu a alcunha de "Nanni Moretti", em homenagem ao realizador e ator italiano. Não só pelas óbvias parecenças físicas, mas também, e mais uma vez, pelo sentido de humor "sui generis"

Londres. Entre a investigação e os Jogos Olímpicos
Em Cambridge, depois de passagens por Madrid e Dallas, Tiago Brandão Rodrigues tornar-se-ia um dos mais reputados investigadores na área oncológica. No final de 2012, era o destaque da revista Visão, num artigo com um título expressivo: “O português que pode revolucionar o diagnóstico do cancro“.O trabalho da equipa liderada por Tiago Brandão Rodrigues, na UK Cancer Research, permitiu desenvolver uma técnica de ressonância magnética que permitiu aumentar a sensibilidade do equipamento tradicional mais de dez mil vezes. A precisão desta técnica permitirá, no futuro, monitorizar de perto a eficácia dos tratamentos de cancro e, no limite, detetar novos cancros.O destaque e o reconhecimento nacional e internacional que recebeu nesse período tiveram ecos também em Paredes de Coura. O filho da terra tinha singrado. Gracinda Sousa Viana, a professora que acompanhou Tiago Brandão Rodrigues ainda na primária, ajuda não esconde o “orgulho”. “[O Tiago] era um aluno brilhante quer pela sua inteligência, quer pela grande capacidade de trabalho. [É] um orgulho para todos os que contribuíram para a sua formação“, diz ao Observador.Eva Serrão, que fez parte da equipa liderada por Tiago Brandão Rodrigues em Cambridge, não esquece esse período. “O Tiago é uma pessoa muito positiva, promoveu sempre uma cultura de celebração nos sucessos e uma perspetiva de aprendizagem nos ‘menos sucessos’. É uma pessoa muito expansiva e social. Apaixonado pela vida, pelo mundo e pelo desconhecido, mostra sempre uma intensa sede pelo conhecimento“, diz ao Observador.E a rádio, mais uma vez, a companhia de sempre. “A música, especialmente rádio, é a grande paixão e companhia do Tiago… Não importava que horas fossem ou o que estivesse a fazer que a rádio estava sempre a tocar”, garante Eva Serrão.Quando decidiu voltar a Portugal depois de 16 anos em Cambridge, Tiago Brandão Rodrigues hesitou. “Tinha um contrato sem termo que duraria, se as coisas corressem bem, até ao resto da minha vida. Senti a determinado momento que tinha todos os graus de liberdade para potencialmente não aceitar este desafio. Mas a partir de determinado momento senti a inquietação e o compromisso, que era inequívoco, que tinha de dizer que sim. Eu próprio tinha de me convencer disso. E tive a felicidade de os que estão mais próximos me terem encorajado, e não terem ficado surpreendidos com esse desafio”, revelou em entrevista ao jornal i.O regresso a Portugal só aconteceu no final de 2015. Três anos antes, longe de imaginar que seria o próximo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues foi adido da comitiva portuguesa aos Jogos Olímpicos de 2012, precisamente em Londres. Inscreveu-se na embaixada de Londres, defendeu a candidatura por escrito e, numa última fase, foi um dos três selecionados para uma entrevista com os chefes de missão – Mário Santos (dirigente federativo da canoagem) e Nuno Delgado (judoca português). A preparação de Tiago Brandão Rodrigues foi decisiva para a escolha, conta Mário Santos ao Observador.“O Tiago impressionou-nos logo pela sua capacidade intelectual fora do comum. Ele preparou-se muito para a entrevista e tinha estudado tudo sobre a delegação portuguesa para poder debater connosco”, recorda ao Observador.A capacidade de trabalho acima da média cola-se novamente como segunda pele. “O Tiago tem uma capacidade de trabalho fora de série. Passava noites a estudar biografias dos atletas e regulamentos para estar preparado para a competição“, revela.Em novembro de 2015, a Visão dedicou-lhe um artigo onde contava os bastidores dos “dias olímpicos do ministro da Educação”. Aí se conta que foi sua a ideia de decorar as paredes dos quartos e salas comuns da missão portuguesa com fotos dos atletas, para que todos se pudessem sentir em casa.Somou amigos. Rosa Mota, Nuno Delgado, Emanuel Silva e Fernando Pimenta, Telma Monteiro, entre outros. A paixão, afabilidade e empenho com que viveu esses dias valeram-lhe uma alcunha carinhosa, confirma Mário Santos. “Mal tínhamos tempo para comer e para fazer a barba. O Tiago acabou por engordar naquele mês e deixou crescer a barba“. Daí a alcunha de “ursinho“.

Tiago Brandão Rodrigues com vários atletas portugueses

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O momento mais marcante, esse, foi aquela prova de K2 de boa memória para os portugueses. A dupla Fernando Pimenta e Emanuel Silva conquistou a medalha de prata — a primeira para Portugal nesses Jogos –, tendo ficado apenas a 53 milésimos do ouro. À Visão, Tiago Brandão Rodrigues chegou mesmo a confessar que não conseguira evitar as lágrimas. “Chorei desde os 200 metros até ao final da prova. Não tenho vergonha de o dizer.”Os tempos agora são outros. Tiago Brandão Rodrigues deixou Londres para assumir o papel de cabeça de lista do PS por Viana do Castelo. Crítico assumido do anterior Governo, herdeiro do trabalho desenvolvido por Mariano Gago, foi uma escolha pessoal de António Costa. Estreou-se como deputado e mudou-se para o Governo assim que o Executivo socialista conseguiu a maioria no Parlamento. Começaram aí os grandes desafios, desta vez, numa área em que Tiago Brandão Rodrigues não se sentia confortável — o tabuleiro político.

"Mal tínhamos tempo para comer e para fazer a barba. O Tiago acabou por engordar naquele mês e deixou crescer a barba". E, assim, surgiu a alcunha de "ursinho"

As polémicas — A demissão do secretário de Estado, os contratos de associação e a bolsa
A escolha de Tiago Brandão Rodrigues para ministro da Educação causou desde logo alguma estranheza, inclusive no meio socialista. Apontavam-lhe a inexperiência política, o pouco conhecimento do país real e a falta de domínio técnico da área que se preparava para tutelar. Mas a primeira polémica acabaria por chegar com a demissão de João Wengorovius Meneses. O então secretário de Estado do Desporto bateu com a porta em “profundo de desacordo com o ministro da Educação no que diz respeito à política para a juventude e o desporto, e ao modo de estar no exercício de cargos públicos”.Esta foi a justificação oficial de Wengorovius Meneses, ainda que depois tenham circulado informações sobre as alegadas interferências de Brandão Rodrigues no seu gabinete. PSD e CDS bateram-se por chamar o ministro da Educação ao Parlamento para esclarecer os contornos desta demissão, mas a aliança de esquerda não permitiu a audição. Esta era a primeira pedrada no charco da Educação.A última veio de onde menos se esperava e envolve o percurso académico de Brandão Rodrigues, até aqui inatacável. Numa entrevista à Sábado, Rui Carvalho, supostamente o ex-orientador do doutoramento do ministro da Educação, em Coimbra, acusou o investigador de se ter apropriado ilegalmente de quase 18 mil euros que lhe foram atribuídos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).O caso é intricado e envolve versões contraditórias dos factos. O professor garante que sim, que Tiago Brandão Rodrigues “cometeu um crime” depois de se ter apropriado indevidamente de uma bolsa de investigação quando decidiu continuar os estudos de doutoramento em Dallas. A própria FCT, no entanto, diz não descortinar qualquer “indício de ilegalidade” e garante que todo o processo foi esclarecido. O ministro da Educação apressou-se a rebater todas as acusações: fala em “mentira” e nega que Rui Carvalho tenha sido seu orientador, embora haja documentos em que o académico aparece nesse papel. O caso surge num período em que o fim dos contratos de associação entre colégios privados e o Estado tem gerado uma enorme polémica.Esse tem sido precisamente o maior braço de ferro entre Brandão Rodrigues e a oposição, ou com algumas associações de pais e colégios privados com contratos de associação. Nilza de Sena, deputada do PSD, não poupa críticas ao ministro: “A perceção que eu tenho é que o ministro está francamente impreparado para o lugar e é muito pouco humilde e prepotente“, diz a social-democrata,“[Tiago Brandão Rodrigues] faz intervenção política e desenha políticas à mata-cavalos, à bruta. Impõe-se de uma forma agressiva. É um ministro cego que não tem capacidade, nem sensibilidade para o lugar que ocupa. É muito pouco cordial na forma como interage com os deputados. Mostra simpatia com aqueles que estão de acordo com ele, mas assume uma posição extremada quando não concordam com ele”, acusa Nilza de Sena, em declarações ao Observador.A deputada do PSD confessa-se ainda “surpreendida” pela mudança de chip do agora ministro. “Nas três semanas em que o conheci enquanto deputado pareceu-me um homem simpático, de sorriso fácil, que não me faria adivinhar o tom mais prepotente que veio a manifestar. Surpreendeu-me pela negativa”, diz.

"A perceção que eu tenho é que o ministro está francamente impreparado para o lugar e é muito pouco humilde e prepotente"

Nilza de Sena, deputada do PSD

Ao Observador, alguns professores e diretores de escola que negociaram de perto com Tiago Brandão Rodrigues parecem traçar um perfil diferente. Falam numa “grande evolução” de alguém que, pelo menos num momento inicial, não dominava em pleno os dossiers. “Vê-se que não gosta de deixar ninguém sem resposta, nem fica sem dar a sua opinião. Faz isso sem ser malcriado. No início até parecia intransigente, mas essa imagem dissipou-se”, garante, sob anonimato, um dos diretores de escola que trabalhou de perto com o ministro.Há, ainda assim, quem lhe aponte a “falta de força política para implementar medidas”. “Devia ser mais político”, avalia uma fonte do setor da Educação. “É agradável, afável, com um discurso fácil e convicto em relação às linhas mestras do programa de Governo. Tem sempre resposta pronta, sempre na linha do Programa de Governo”, diz outra fonte.Esta quinta-feira, Tiago Brandão Rodrigues estará sob fogo intenso da oposição. Conseguirá desmontá-la com a mesma argúcia que lhe era reconhecida dos tempos da Assembleia Magna de Coimbra?

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