Assalto. Ministério Público sem acesso a dados de telemóveis por causa de Marcelo

01-07-2016
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O Tribunal da Relação de Lisboa impediu o Ministério Público (MP) de pedir às operadoras móveis informações para desvendar um assalto à mão armada numa casa em Cascais. Um dos argumentos: a escassos metros da residência assaltada vive o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “que veria com grande e séria probabilidade o seu tráfego de dados do telemóvel figurar na listagem pedida pelo Ministério Público”, lê-se no acórdão.

O assalto remonta a 9 de janeiro, pelas 2h30 — na noite em que Marcelo se preparava para o arranque da sua campanha eleitoral. Eram quatro os homens que entraram na casa. Usaram uma chave que o dono tinha perdido e subiram ao primeiro andar. Levavam armas de fogo e acabaram por esfaquear um dos ocupantes. As vítimas conseguem apenas descrever o sotaque dos suspeitos, a altura e pouco mais. Estavam disfarçados, tinham capuzes e usavam luvas.

Sem conseguir chegar à identidade das vítimas, o MP — que coordena a investigação — acabou por solicitar ao Tribunal de Instrução Criminal que o autorizasse a pedir às operadoras de telemóveis Meo, Vodafone e NOS para fornecerem os registos completos das comunicações recebidas nas antenas mais próximas do local do crime. Queriam todas as chamadas e mensagens registadas naquela zona entre a 1h45 e as 2h30.

A 18 de abril, chegou a resposta: não. É que, para se ser suspeito “é necessário que se trate de pessoa concreta, determinável, passível de individualização”. O que significa que o pedido do MP “iria trazer aos autos os dados de tráfego e de localização celular de um número indeterminado de cidadãos, tornando-os alvo de uma investigação na qual não têm a qualidade de suspeitos”. Violando, assim, os seus direitos constitucionais.

O MP não desistiu e recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. Aí, os juízes foram ainda mais longe na argumentação. No acórdão assinado por Calheiros da Gama e Antero Luís a 22 de junho, os magistrados até colocam a hipótese de conceder tal pedido, “desconhecendo-se quem eram os suspeitos”, se esta fosse feita num local com poucas pessoas. E dão como exemplo um “‘monte alentejano’, pequeno e isolado por sua natureza, ou numa casa das muitas aldeias serranas ditas do ‘xisto'”. O que não é o caso, prosseguem.

Recorrendo às estatísticas, os juízes revelam que vivem 2200 habitantes por quilómetro quadrado no concelho de Cascais. Fora os “turistas nacionais e estrangeiros”. E o pedido do MP seria um verdadeiro “arrastão”.

É que, tal como nesta forma de captura de espécies marinhas, acabam por vir na rede não só peixes, moluscos, crustáceos, etc., de fauna marítima autorizada, mas também lixo (literalmente) e sobretudo e infelizmente, de forma acidental, espécies protegidas e/ou ameaçadas de extinção, desde cetáceos a tartarugas marinhas…”, lê-se.

Entre as espécies apreendidas estaria um cidadão especial, que os magistrados não se inibem de referir. “No caso concreto ainda nos apercebemos da existência de um honorável cidadão – que presentemente até goza de foro e prerrogativas especiais nesta matéria (…). Trata-se de Sua Excelência o Senhor Presidente da República.”.

Aliás, nas imagens aéreas feitas à casa assaltada, e que constam no processo, vê-se a casa do Presidente e as antenas das quais o MP pretendia o tráfego de dados. Os juízes fazem, porém, a ressalva de que Marcelo só foi eleito a 24 de janeiro, dias depois do crime, e só tomaria posse a 9 de março. Mas, sendo ele “uma pessoa que dorme pouco”, o mais provável seria que o seu telemóvel fosse incluído na listagem.

Todavia, a 9 de Janeiro de 2016, data dos factos sob investigação, ou seja, 15 dias antes da referida eleição, estava-se em plena recta final da campanha eleitoral para as presidenciais, bem se sabendo que o então candidato Marcelo Rebelo de Sousa é pessoa que dorme pouco”, lê-se.

Contrapondo o argumento do MP de que “o crime de roubo em investigação nos autos gera na sociedade a maior intranquilidade”, os juízes da Relação consideram que “a devassa da vida íntima e/ou privada dos cidadãos perante as novas tecnologias da comunicação também gera na sociedade atual uma grande intranquilidade”.

Uma realidade diferente quando os “avanços tecnológicos” permitirem “circunscrever à localização de um único prédio ou a um raio de muito curta distância em volta deste a informação sobre o tráfego de dados de telemóveis”. Até lá, nada a fazer. E recusam o pedido do Ministério Público.

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O Tribunal da Relação de Lisboa impediu o Ministério Público (MP) de pedir às operadoras móveis informações para desvendar um assalto à mão armada numa casa em Cascais. Um dos argumentos: a escassos metros da residência assaltada vive o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “que veria com grande e séria probabilidade o seu tráfego de dados do telemóvel figurar na listagem pedida pelo Ministério Público”, lê-se no acórdão.

O assalto remonta a 9 de janeiro, pelas 2h30 — na noite em que Marcelo se preparava para o arranque da sua campanha eleitoral. Eram quatro os homens que entraram na casa. Usaram uma chave que o dono tinha perdido e subiram ao primeiro andar. Levavam armas de fogo e acabaram por esfaquear um dos ocupantes. As vítimas conseguem apenas descrever o sotaque dos suspeitos, a altura e pouco mais. Estavam disfarçados, tinham capuzes e usavam luvas.

Sem conseguir chegar à identidade das vítimas, o MP — que coordena a investigação — acabou por solicitar ao Tribunal de Instrução Criminal que o autorizasse a pedir às operadoras de telemóveis Meo, Vodafone e NOS para fornecerem os registos completos das comunicações recebidas nas antenas mais próximas do local do crime. Queriam todas as chamadas e mensagens registadas naquela zona entre a 1h45 e as 2h30.

A 18 de abril, chegou a resposta: não. É que, para se ser suspeito “é necessário que se trate de pessoa concreta, determinável, passível de individualização”. O que significa que o pedido do MP “iria trazer aos autos os dados de tráfego e de localização celular de um número indeterminado de cidadãos, tornando-os alvo de uma investigação na qual não têm a qualidade de suspeitos”. Violando, assim, os seus direitos constitucionais.

O MP não desistiu e recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. Aí, os juízes foram ainda mais longe na argumentação. No acórdão assinado por Calheiros da Gama e Antero Luís a 22 de junho, os magistrados até colocam a hipótese de conceder tal pedido, “desconhecendo-se quem eram os suspeitos”, se esta fosse feita num local com poucas pessoas. E dão como exemplo um “‘monte alentejano’, pequeno e isolado por sua natureza, ou numa casa das muitas aldeias serranas ditas do ‘xisto'”. O que não é o caso, prosseguem.

Recorrendo às estatísticas, os juízes revelam que vivem 2200 habitantes por quilómetro quadrado no concelho de Cascais. Fora os “turistas nacionais e estrangeiros”. E o pedido do MP seria um verdadeiro “arrastão”.

É que, tal como nesta forma de captura de espécies marinhas, acabam por vir na rede não só peixes, moluscos, crustáceos, etc., de fauna marítima autorizada, mas também lixo (literalmente) e sobretudo e infelizmente, de forma acidental, espécies protegidas e/ou ameaçadas de extinção, desde cetáceos a tartarugas marinhas…”, lê-se.

Entre as espécies apreendidas estaria um cidadão especial, que os magistrados não se inibem de referir. “No caso concreto ainda nos apercebemos da existência de um honorável cidadão – que presentemente até goza de foro e prerrogativas especiais nesta matéria (…). Trata-se de Sua Excelência o Senhor Presidente da República.”.

Aliás, nas imagens aéreas feitas à casa assaltada, e que constam no processo, vê-se a casa do Presidente e as antenas das quais o MP pretendia o tráfego de dados. Os juízes fazem, porém, a ressalva de que Marcelo só foi eleito a 24 de janeiro, dias depois do crime, e só tomaria posse a 9 de março. Mas, sendo ele “uma pessoa que dorme pouco”, o mais provável seria que o seu telemóvel fosse incluído na listagem.

Todavia, a 9 de Janeiro de 2016, data dos factos sob investigação, ou seja, 15 dias antes da referida eleição, estava-se em plena recta final da campanha eleitoral para as presidenciais, bem se sabendo que o então candidato Marcelo Rebelo de Sousa é pessoa que dorme pouco”, lê-se.

Contrapondo o argumento do MP de que “o crime de roubo em investigação nos autos gera na sociedade a maior intranquilidade”, os juízes da Relação consideram que “a devassa da vida íntima e/ou privada dos cidadãos perante as novas tecnologias da comunicação também gera na sociedade atual uma grande intranquilidade”.

Uma realidade diferente quando os “avanços tecnológicos” permitirem “circunscrever à localização de um único prédio ou a um raio de muito curta distância em volta deste a informação sobre o tráfego de dados de telemóveis”. Até lá, nada a fazer. E recusam o pedido do Ministério Público.

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