Pensões vitalícias começaram por ser vetadas

21-09-2016
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Em 1985, Eanes teve dúvidas sobre a imagem que a lei podia passar dos políticos num país em crise. A maioria PS/PSD voltou a aprová-la, mas a polémica arrasta-se até hoje. Só agora foram conhecidos os valores das subvenções.

A subvenção vitalícia dos ex-detentores de cargos políticos, em vigor desde 1985, foi sempre um tema que originou polémica e debate político aceso dentro e fora do Parlamento. A lei, aprovada em janeiro daquele ano, mereceu um mês depois o veto político do então Presidente da República, Ramalho Eanes.

O Chefe do Estado manifestou então reservas quanto à consagração, «sem discriminação suficiente dos casos em que a particular dignidade da função o exige, de condições estatutárias especiais» que pudessem criar, num país em crise, «a convicção de que o exercício de funções políticas pode justificar a atribuição aos seus titulares de especiais benefícios, designadamente de natureza pecuniária».

Por isso, pediu ao Parlamento para voltar a reapreciar o diploma aprovado em votação final global com os votos a favor do PS, do PSD, da ASDI e do deputado Luís Beiroco, do CDS, e contra de PCP, CDS, UEDS e MDP/CDE.

Depois de reapreciada, em março, a lei recebeu o voto favorável de 153 deputados e contra de 58.

‘Repor justiça social’ Em declarações ao SOL, um dos beneficiários da subvenção, que pediu para não ser identificado, esclareceu que a lei visou, sobretudo, «dar segurança e repor justiça social a muitos cidadãos portugueses que durante a ditadura foram presos, perseguidos e obrigados a abandonar o país ou impedidos de exercer as respetivas profissões».

O Ministério da Segurança Social, através da Caixa Geral de Aposentações, divulgou há duas semanas a lista com os nomes (e respetivos valores) dos 332 políticos que têm direito a esta subvenção, criada em 1985, pelo então governo PS/PSD, presidido por Mário Soares.

«O debate à volta deste tema começou logo a seguir ao 25 de abril de 1974. Havia muita gente cujas carreiras, públicas e privadas, tinham sido interrompidas pelo anterior regime e que chegavam agora à política, mas sem qualquer proteção social. Pretendeu-se e conseguiu-se, como isso, e ao fim de muitos anos, assegurar que essas pessoas tivessem um apoio para viver com dignidade, caso saíssem da política», adiantou ao SOL a fonte acima referida. Na sua opiniãp, não houve «qualquer desvirtuamento da ideia inicial: a lei serviu para o que foi criada».

E deu mesmo um exemplo de dificuldades vividas por pessoas que «lutaram por uma causa nobre, a da liberdade», e acabaram «na miséria» por falta de algum apoio da parte do Estado.

«O Palma Inácio acabou na miséria. Se não fosse um grupo de amigos a suportar os encargos com um lar, não teria tido qualquer possibilidade de terminar a vida com dignidade. E foi um homem que deu tudo pela causa da liberdade», lembrou.

Considerou ainda que a subvenção, todavia, «não distinguia esquerda e direita entre os seus beneficiários: a medida aplicava-se a todos, desde que cumprissem os requisitos da lei».

A lei começou por exigir oito anos consecutivos de exercício de atividade política, «mas esse período foi rapidamente aumentado para 12 anos».

«Além disso é uma lei que está bem balizada. Desde 2005, com um governo do PS, liderado por José Sócrates, acabou-se com o direito à subvenção, exceto para quem já beneficiava dela. Ou seja, com a consolidação do democracia, em meados dos anos 80, institui-se o princípio. Volvido esse tempo, entendeu-se - e bem - que era chegado o tempo de acabar com ele. O regime estava estabilizado». Desde 2005, mais ninguém beneficiou da subvenção.

«O anterior governo, no tempo da troika, acabou pura e simplesmente com a subvenção, que era um direito adquirido. Ressalvo, todavia, que os beneficiários das subvenções cujos rendimentos fossem inferiores a dois mil euros beneficiavam de um complemento até esse limite. Ou seja, se alguém recebesse, por exemplo 1500 euros de uma pensão, acrescia um complemento de 500 euros», explicou ainda a mesma fonte ouvida pelo SOL.

Na sequência decisão do anterior governo em terminar com a subvenção, um grupo de beneficiários decidiu perguntar ao Tribunal Constitucional se era ou não legítimo acabar com um direito adquirido. Em janeiro de 2016, o tribunal divulgou um acórdão em que repõe os direitos adquiridos, considerando que neste caso os mesmos não podiam ser violados. «No fundo, é uma lei que abrange atualmente 332 pessoas e nem todos os abrangidos por ela recebem a subvenção, já que há regras muito rígidas nesta matéria. E é uma lei que no tempo acabará por se extinguir por falta de destinatários», recorda-se.

Carlos Brito, antigo dirigente do PCP e também ele beneficiário da subvenção, lembrou que esta questão «mereceu um debate sério e muito consciente da parte de todos os envolvidos, com argumentos válidos para os defensores e opositores».

Para o antigo dirigente comunista, a «subvenção foi muito importante para a independência dos deputados perante todas as situações de pressão do dia a dia»: «A experiência dizia e mostra que era bom que os deputados tivessem assegurado o seu futuro, para resistirem às investidas dos negócios em se imiscuírem na política».

«A construção e consolidação da democracia, ao contrário do que se possa pensar, não foi fácil», salienta Carlos Brito.

Um terço não recebe nada Do total de 332 beneficiários abrangidos atualmente pela subvenção vitalícia, 112 não a recebem, uma vez que exercem funções políticas ou públicas com remuneração. Há 18 beneficiários que só recebem a subvenção, mas com redução parcial. Este último caso aplica-se a quem exerça atividade privada.

Ou seja, nestes casos, o exercício dessa atividade privada, incluindo de natureza liberal, se for remunerada com valor médio mensal igual ou superior a três vezes o Indexante de Apoios Sociais (1.257,66 euros) determina-se a redução do valor da subvenção na parte excedente àquele montante.

Dos 332 beneficiários só um - Marques Mendes, antigo líder do PSD - pediu a suspensão da subvenção. O antigo governador de Macau Vasco Rocha Vieira é o que tem a subvenção de valor mais elevado: 13.607,21 euros, com redução parcial por imposição legal.

Os ex-Chefes do Estado auferem igualmente uma subvenção vitalícia, mas esses valores são pagos pelo orçamento da Presidência e obedecem a uma lei autónoma.

António Guterres, Santana Lopes, José Sócrates, Manuela Ferreira Leite, Leonor Beleza, António Vitorino, Duarte Lima, Carlos Carvalhas, Ferro Rodrigues, João Cravinho, António Capucho, Barbosa de Melo, Bagão Félix, Adriano Moreira, António Arnaut, Freitas do Amaral, Ângelo Correia, Miguel Relvas, Rui Rio, Fernando Nogueira e Jerónimo de Sousa são alguns dos políticos que integram a lista das subvenções vitalícias. Há quem receba tudo, quem nada receba e quem receba um valor parcial.

Em 1985, Eanes teve dúvidas sobre a imagem que a lei podia passar dos políticos num país em crise. A maioria PS/PSD voltou a aprová-la, mas a polémica arrasta-se até hoje. Só agora foram conhecidos os valores das subvenções.

A subvenção vitalícia dos ex-detentores de cargos políticos, em vigor desde 1985, foi sempre um tema que originou polémica e debate político aceso dentro e fora do Parlamento. A lei, aprovada em janeiro daquele ano, mereceu um mês depois o veto político do então Presidente da República, Ramalho Eanes.

O Chefe do Estado manifestou então reservas quanto à consagração, «sem discriminação suficiente dos casos em que a particular dignidade da função o exige, de condições estatutárias especiais» que pudessem criar, num país em crise, «a convicção de que o exercício de funções políticas pode justificar a atribuição aos seus titulares de especiais benefícios, designadamente de natureza pecuniária».

Por isso, pediu ao Parlamento para voltar a reapreciar o diploma aprovado em votação final global com os votos a favor do PS, do PSD, da ASDI e do deputado Luís Beiroco, do CDS, e contra de PCP, CDS, UEDS e MDP/CDE.

Depois de reapreciada, em março, a lei recebeu o voto favorável de 153 deputados e contra de 58.

‘Repor justiça social’ Em declarações ao SOL, um dos beneficiários da subvenção, que pediu para não ser identificado, esclareceu que a lei visou, sobretudo, «dar segurança e repor justiça social a muitos cidadãos portugueses que durante a ditadura foram presos, perseguidos e obrigados a abandonar o país ou impedidos de exercer as respetivas profissões».

O Ministério da Segurança Social, através da Caixa Geral de Aposentações, divulgou há duas semanas a lista com os nomes (e respetivos valores) dos 332 políticos que têm direito a esta subvenção, criada em 1985, pelo então governo PS/PSD, presidido por Mário Soares.

«O debate à volta deste tema começou logo a seguir ao 25 de abril de 1974. Havia muita gente cujas carreiras, públicas e privadas, tinham sido interrompidas pelo anterior regime e que chegavam agora à política, mas sem qualquer proteção social. Pretendeu-se e conseguiu-se, como isso, e ao fim de muitos anos, assegurar que essas pessoas tivessem um apoio para viver com dignidade, caso saíssem da política», adiantou ao SOL a fonte acima referida. Na sua opiniãp, não houve «qualquer desvirtuamento da ideia inicial: a lei serviu para o que foi criada».

E deu mesmo um exemplo de dificuldades vividas por pessoas que «lutaram por uma causa nobre, a da liberdade», e acabaram «na miséria» por falta de algum apoio da parte do Estado.

«O Palma Inácio acabou na miséria. Se não fosse um grupo de amigos a suportar os encargos com um lar, não teria tido qualquer possibilidade de terminar a vida com dignidade. E foi um homem que deu tudo pela causa da liberdade», lembrou.

Considerou ainda que a subvenção, todavia, «não distinguia esquerda e direita entre os seus beneficiários: a medida aplicava-se a todos, desde que cumprissem os requisitos da lei».

A lei começou por exigir oito anos consecutivos de exercício de atividade política, «mas esse período foi rapidamente aumentado para 12 anos».

«Além disso é uma lei que está bem balizada. Desde 2005, com um governo do PS, liderado por José Sócrates, acabou-se com o direito à subvenção, exceto para quem já beneficiava dela. Ou seja, com a consolidação do democracia, em meados dos anos 80, institui-se o princípio. Volvido esse tempo, entendeu-se - e bem - que era chegado o tempo de acabar com ele. O regime estava estabilizado». Desde 2005, mais ninguém beneficiou da subvenção.

«O anterior governo, no tempo da troika, acabou pura e simplesmente com a subvenção, que era um direito adquirido. Ressalvo, todavia, que os beneficiários das subvenções cujos rendimentos fossem inferiores a dois mil euros beneficiavam de um complemento até esse limite. Ou seja, se alguém recebesse, por exemplo 1500 euros de uma pensão, acrescia um complemento de 500 euros», explicou ainda a mesma fonte ouvida pelo SOL.

Na sequência decisão do anterior governo em terminar com a subvenção, um grupo de beneficiários decidiu perguntar ao Tribunal Constitucional se era ou não legítimo acabar com um direito adquirido. Em janeiro de 2016, o tribunal divulgou um acórdão em que repõe os direitos adquiridos, considerando que neste caso os mesmos não podiam ser violados. «No fundo, é uma lei que abrange atualmente 332 pessoas e nem todos os abrangidos por ela recebem a subvenção, já que há regras muito rígidas nesta matéria. E é uma lei que no tempo acabará por se extinguir por falta de destinatários», recorda-se.

Carlos Brito, antigo dirigente do PCP e também ele beneficiário da subvenção, lembrou que esta questão «mereceu um debate sério e muito consciente da parte de todos os envolvidos, com argumentos válidos para os defensores e opositores».

Para o antigo dirigente comunista, a «subvenção foi muito importante para a independência dos deputados perante todas as situações de pressão do dia a dia»: «A experiência dizia e mostra que era bom que os deputados tivessem assegurado o seu futuro, para resistirem às investidas dos negócios em se imiscuírem na política».

«A construção e consolidação da democracia, ao contrário do que se possa pensar, não foi fácil», salienta Carlos Brito.

Um terço não recebe nada Do total de 332 beneficiários abrangidos atualmente pela subvenção vitalícia, 112 não a recebem, uma vez que exercem funções políticas ou públicas com remuneração. Há 18 beneficiários que só recebem a subvenção, mas com redução parcial. Este último caso aplica-se a quem exerça atividade privada.

Ou seja, nestes casos, o exercício dessa atividade privada, incluindo de natureza liberal, se for remunerada com valor médio mensal igual ou superior a três vezes o Indexante de Apoios Sociais (1.257,66 euros) determina-se a redução do valor da subvenção na parte excedente àquele montante.

Dos 332 beneficiários só um - Marques Mendes, antigo líder do PSD - pediu a suspensão da subvenção. O antigo governador de Macau Vasco Rocha Vieira é o que tem a subvenção de valor mais elevado: 13.607,21 euros, com redução parcial por imposição legal.

Os ex-Chefes do Estado auferem igualmente uma subvenção vitalícia, mas esses valores são pagos pelo orçamento da Presidência e obedecem a uma lei autónoma.

António Guterres, Santana Lopes, José Sócrates, Manuela Ferreira Leite, Leonor Beleza, António Vitorino, Duarte Lima, Carlos Carvalhas, Ferro Rodrigues, João Cravinho, António Capucho, Barbosa de Melo, Bagão Félix, Adriano Moreira, António Arnaut, Freitas do Amaral, Ângelo Correia, Miguel Relvas, Rui Rio, Fernando Nogueira e Jerónimo de Sousa são alguns dos políticos que integram a lista das subvenções vitalícias. Há quem receba tudo, quem nada receba e quem receba um valor parcial.

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