Lendo e relendo: A propósito da posse dos 5 novos juízes do Tribunal Constitucional (TC)

24-09-2019
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A 22 de julho pp., o Presidente da República conferiu
posse, na Sala dos Embaixadores, no Palácio de Belém, aos 5 novos juízes do TC,
eleitos na AR (Assembleia da República) no dia 20.
Embora por lei o Presidente disponha de 10 dias para conferir a posse, Marcelo
não perdeu tempo e agendou, com o consentimento dos interessados, o dia 22 para
a cerimónia.

Estiveram
presentes o Presidente da AR, a Ministra da Justiça e os presidentes do Supremo
Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo. Também marcaram
presença: a Procuradora-Geral da República, o Provedor de Justiça, o
vice-presidente da Assembleia da República Jorge Lacão e representantes das
bancadas PSD, do PS, do Bloco de Esquerda e do CDS-PP. Pelo PSD, estiveram
presentes o Presidente do partido, o secretário-geral e a vice-presidente
Teresa Leal Coelho; pelo PS, esteve o vice-presidente da bancada socialista
Pedro Delgado Alves; e pelo Bloco de Esquerda e pelo CDS-PP, os respetivos líderes
parlamentares.

Os novos juízes conselheiros são: Cláudio Monteiro (antigo
deputado independente socialista pela corrente humanista democrata-cristã), Joana Maria Rebelo Fernandes
Costa (juíza
e mestre em Ciências Jurídico-Criminais), a magistrada Maria Clara
Sottomayor (propostos pelo PS, após consulta ao Bloco de
Esquerda em relação à última);
e o professor universitário catedrático jubilado Manuel da Costa Andrade e o
professor Gonçalo Almeida Ribeiro (propostos pelo PSD). Estes juntam-se aos 8 juízes
que mantêm o mandato no TC, completando o elenco de 13 juízes: Catarina
Sarmento, Castro Ventura, Maria José Mesquita, José António Teles Pereira,
Fátima Mata Mouros e os 3 juízes cooptados Lino Ribeiro, Pedro Machete e João
Barrosa Caupers.

Os novos
juízes foram eleitos pela AR em lista única proposta pelo PSD e pelo PS, que
obteve os dois terços de votos necessários por parte dos 221 deputados
votantes. Os juízes do TC, cujo mandato não é renovável, são designados por 9
anos, contados a partir da posse.

***

Entretanto, no mesmo dia 22, o TC reuniu para eleger o
Presidente e o Vice-Presidente, dado que os respetivos titulares, até agora em
exercício, também saíram por término de mandato. De tal reunião resultou a
eleição de Costa
Andrade para Presidente do TC e de João Pedro
Caupers para vice-presidente – cargos a desempenhar por 4 anos e meio (metade do mandato). Na
verdade, um comunicado da instituição refere que,

“Reunido
a 22 de julho, o Plenário do Tribunal Constitucional elegeu como Presidente o
Juiz Conselheiro Manuel da Costa Andrade e como Vice-Presidente o Juiz
Conselheiro João Pedro Caupers”.

Costa Andrade, professor catedrático jubilado de direito (Jubilou-se com a última aula em
dezembro de 2015), na
Universidade de Coimbra e antigo deputado constituinte do PSD, considera este
mais um dos muitos desafios que enfrentou na vida e garante, com base no
dinamismo do Direito, que vai enfrentar “o que vier” e conseguir a decisão de
acordo com a Constituição (CRP). Com efeito,
ao ser questionado sobre o trabalho que vai desenvolver no futuro, referiu que
“a Constituição está estabilizada,
felizmente já há uma jurisprudência muito consolidada dos nossos antecessores
[que] foram seguindo critérios e apurando” regras. E, tendo em conta que “há um progresso permanente, as coisas vão
sempre desenvolvendo, nada é estático”, salientou:

“O Direito e a vida fazem
parte da história e esta é, por natureza, dinâmica. Com este espírito e com
esta postura, vamos enfrentar o que vier e decidir-se-á de acordo com a
Constituição”.

Antes da predita reunião e imediatamente após a tomada de
posse, Costa Andrade recusou assumir-se como favorito para assumir esse cargo,
declarando:

“São 13
juízes, partem em pé de igualdade. A vontade do órgão é soberana, e vamos ver
quem os meus colegas elegem”.

Referindo que é “o mais velho em idade”, mas “o mais novo em
funções” no TC, não tinha uma ideia. Seria o próprio tribunal a decidir.

De 71 anos (faz 72 em outubro),
casado e residente em Coimbra, Costa Andrade participou na elaboração da
CRP e nas suas revisões, foi deputado do PSD. Licenciado em Direito pela
Universidade de Coimbra foi também naquele estabelecimento de ensino superior
que fez o seu doutoramento e foi professor dando aulas de direito penal e
processual.

Além da CRP, o ora juiz conselheiro foi também um dos autores
materiais do Código Penal e do Código de Processo Penal. Durante o seu percurso
profissional, realizou vários trabalhos de investigação sobre direito penal,
processo penal, criminologia, política criminal e direito constitucional. E, entre
1975 e 1995 foi deputado do PSD, tendo integrado a comissão de assuntos
constitucionais, direitos, liberdades e garantias e a comissão de defesa
nacional.

Foi condecorado, em 2009, pelo Presidente da República com a
Comenda da Ordem do Infante D. Henrique. E é ainda membro do Instituto de
Direito Penal Económico e Europeu, do Instituto Jurídico da Comunicação e do
Instituto de Direito Bancário, da Bolsa e dos Seguros.

***

A posse dos novos juízes determinou o término do
mandato de José Sousa Ribeiro (juiz indicado pelo PS) como presidente do TC, mandato que o tornou figura central nos anos da
troika, já que o TC chumbou vários diplomas do Governo de Passos e foi alvo de
críticas duras. Em entrevista ao Expresso,
do dia 23, a única do seu mandato (2012-2016), recorda as vicissitudes do seu exercício. Segue-se
um conjunto de ideias fundamentais vertidas na entrevista.

- Tendo presidido ao TC em
época difícil, em que o Tribunal assumiu protagonismo pouco habitual, assegura que
esse, contra o que alguns pensam, foi um tempo vivido com alguma tranquilidade,
dada a “natureza institucional muito
forte” do TC e a grande coesão do coletivo “quanto às suas funções”. A grande
dificuldade advinha das questões submetidas à apreciação do TC, em que
sobressai a “situação de emergência
financeira grave, que o Tribunal teve de ter em conta no quadro de valoração
contextualizada que sempre fez”. Porque “houve medidas de caráter inédito e o
TC teve de se confrontar com questões novas e problemáticas”, é que “ficou sob
o foco da opinião pública”, pois, “do ponto de vista funcional, não teve
dificuldades”.

- Sobre o alegado maior papel político do TC, disse que o objeto das suas
decisões “tem sempre natureza política, mais ou menos conflitual”, até porque a
CRP se pode definir “como uma racionalização jurídica dos conflitos políticos”.
Ora, o Tribunal afirma a sua função jurisdicional “no método de resolução das
questões, que é jurídico”. Porém, não se pronunciou nem censurou “os objetivos
em si” – questões políticas e económicas que são objeto de decisão política –
mas sobre os meios de atingir tais objetivos, analisando “medida a medida, à
luz de valores e critérios jurídico-constitucionais” e sem ignorar a
dificuldade dos decisores políticos. Por isso, as acusações de agenda política
não foram, na ótica do entrevistado, “observações justas nem adequadas”. Realça,
a propósito, “inúmeras decisões em que é expressamente referido o carácter
excecional e transitório da medida como fator justificativo da sua não
inconstitucionalidade”.

- Quanto ao facto de a CRP não estar em
linha com alguns critérios europeus, chamou a atenção para a existência de
“dois planos de análise”: o da política, em que divergem a perspetiva de quem
tem de decidir e a dos interessados num sentido de decisão; e o da
fundamentação jurídica. Em relação à primeira, dada a repercussão política das
decisões do TC, compreendem-se algumas das críticas feitas. Porém, face ao teor
de algumas das que vieram de atores políticos e até de outros órgãos de
soberania, “teria sido melhor se tivessem presente o sentido da
dignidade do Estado”. A elegância da expressão “caldo
entornado” de Durão Barroso é mesmo inesquecível. Houve tentativas de descredibilização
do TC e dos seus membros, a ponto de se repensar o
modelo de nomeação de juízes. Relativamente ao plano da fundamentação
jurídica, estribado na Constituição, nas leis e na apreciação da realidade, pode
fazer-se outro debate, sem que se logre a uniformidade de opiniões.

Porém, “o plano da reação por interesse político é o cálculo estratégico ou
tático”. E Sousa Ribeiro recorda ter dito que “os juízes do TC não são
pressionáveis” e verifica que assim é. Recusa
ter sofrido pressões políticas, sendo que a única tentativa
proveio de um embaixador, que pretendia obter do Presidente informações. E
choca-o lembrar-se de terem dito que os juízes tomaram posição por interesse
próprio, nomeadamente quanto à suspensão do 13.º e 14.º mês, pois “a paixão
política não justifica tudo”.

- Sobre a crítica à postura do TC face à CRP, fala de apreciações
subjetivas: fixismo versus visão
atualista, imobilismo versus visão
dinâmica. Neste contexto dialético, assegura que o TC teve sempre em conta a
situação e reconhece que o legislador teve a tarefa difícil de conjugar os
objetivos políticos com o respeito pela CRP. Todavia, não se pode pôr de lado a
CRP. É certo que alguns pretendiam “que se tivesse tomado uma posição mais
reverente face ao peso constrangedor das circunstâncias que se viviam”. Porém, “não
se pode fazer uma verdadeira mutação constitucional sob a capa de interpretação
atualista”. O juiz constitucional, porque “vinculado à Constituição”, “é um
contralegislador na medida em que o legislador a viole”. Havendo “um limite
para a interpretação”, pergunta-se onde está a fronteira. E é aqui que as
divergências afloram. E “a lei da Constituição não é a lei do mercado”, embora “proteja
a regulação do mercado”. Ora, “quem decide politicamente tem de ter em linha de
conta os limites e os imperativos que resultam da Constituição”.

- Não nega que tenha havido
judicialização da política, sustentando que “é uma tentação e um perigo”. E ela acontece “a partir do momento em que se
estabelece como elemento central do Estado democrático o controlo da constitucionalidade
das normas”. E “há fatores conjunturais do clima político que podem
impulsioná-la, de facto”. Mas, quando se fala dela é sobretudo em relação aos
abusos da parte dos atores políticos legitimados, que requerem esse exercício.

- Quanto ao sentido
apartidário das decisões, esclarece que “nenhum
decisor político se liberta das suas pré-compreensões”, o que “tem a ver com a
mundividência de cada um”, devendo o juiz fazer um esforço para as controlar.
Contudo, associá-las ao fator partidário é incorrer no falseamento da questão,
pelo que rejeita com os factos tal associação.

- Ao facto de a vice-presidente
Lúcia Amaral ter feito uma declaração de voto com base na falta de “uma bússola
orientadora na jurisprudência deste tribunal”, responde:

“Bússola orientadora no sentido de cânone único
seguido uniformemente por todos, evidentemente que não há. Mesmo nas decisões
que mereceram votos dissidentes com argumentação forte e convicta, todos usaram
um determinado critério de valoração. Se está a pensar numa bússola orientadora
única, não sei o que quis dizer.”.

- Relativamente ao facto de a nova
composição pôr em estreia um juiz cuja designação foi concertada com um partido
que até agora não participou neste sistema (o Bloco de Esquerda), duvida de que tenha mesmo
assim e reafirma a sua posição de
princípio de “sempre favorável a que a composição duma lista deste género
reflita o mais e melhor possível a pluralidade de correntes de opinião
existente na AR”.

- Sobre a alegada mudança
geracional advinda da nova composição do TC, preferiu “olhar para o outro lado da escala, o juiz Costa
Andrade, que tem 72 anos”. E, questionado se este viria a ser o Presidente,
assegurou que a decisão cabe aos juízes “por eleição e voto secreto”. Chama a
este “um dos equilíbrios que se
estabelece”, sendo que “o vice-presidente não deverá ser presuntivamente da
mesma linha de pensamento” que o presidente. Outro é o equilíbrio, “muito
frutífero, entre magistrados de carreira e juristas de outra proveniência.

- Mais disse que, em relação
aos aumentos salariais dos assessores, não aplicou a decisão de igualdade
restabelecida pelo anterior Governo porque o processo
se atrasou e Sousa Ribeiro, verificando que estava iminente a sua saída,
entendeu deixar para o sucessor. Porém, fizera
“uma alteração orgânica do tribunal” e criara “um gabinete de Relações Externas”,
que verificou a divergência de tratamento em relação aos gabinetes dos
ministros e ao Supremo Tribunal de Justiça, o que levou ao estabelecimento da
referida igualdade pelo Governo.

- E concluiu no
sentido de que o TC “tem um
leque de competências vasto e heterogéneo, incluindo algumas que não era
forçoso que estivessem aqui, nomeadamente, em matéria eleitoral”. Houve
eleições autárquicas em que durante 15 dias, foram julgados 180 recursos. “O
tribunal trabalhava desde manhã até de madrugada, ouvindo alguns projetos de
teor repetitivo.

***

Com todo o respeito pela provecta idade do novel Presidente do TC,
pergunto-me porque se entrega a participação e sobretudo a presidência de um relevante
e polémico órgão de soberania a alguém cujo limite de idade para servir na administração
pública foi ultrapassado.

Não duvido das limitações e da imparcialidade apontadas por Sousa Ribeiro,
até porque situou bem a relação do TC com os demais órgãos de soberania e a
postura face à CRP e à realidade e, sobretudo, porque  assumiu a índole política (no
verdadeiro sentido) das
decisões do TC. Permito-me, no entanto, discordar da posição do juiz constitucional de contralegislador. O órgão de controlo
não é um contrapoder, mas um contrapeso a um outro órgão de poder e ao TC não
cabe legislar nem indicar como se legisla (e neste detalhe é que o TC poderia ter
merecido alguma crítica, porque chegou a insinuar formas de legislar). Também não se pode acusar o Presidente da República
de contralegislador quando veta um diploma nos termos do art.º 136.º da CRP!

Também, embora concorde com que a lista dos juízes eleitos pela AR deva refletir
o melhor possível a composição parlamentar, entendo que alguns juízes deveriam
ser de escolha presidencial, embora em número menor. Isto, porque, por um lado,
o Presidente da República goza de legitimidade política e popular semelhante à
da AR e, por outro, é um órgão unipessoal. Ademais, parece que os membros do TC,
embora eleitos pela AR e designados pelo PR, deveriam ser exclusivamente
magistrados de carreira ou professores catedráticos de Direito. Aqui precisamos
de competência política, científica e técnica!

Finalmente, pergunto-me por que motivo, o PR, que fala tanto sobre todos e
tudo, não proferiu alocução na cerimónia de posse de uma porção considerável
deste importante órgão do poder político e antes de uma reunião onde iriam ser
eleitos os gestores de topo do Tribunal.    

2016.07.25 – Louro de Carvalho

A 22 de julho pp., o Presidente da República conferiu
posse, na Sala dos Embaixadores, no Palácio de Belém, aos 5 novos juízes do TC,
eleitos na AR (Assembleia da República) no dia 20.
Embora por lei o Presidente disponha de 10 dias para conferir a posse, Marcelo
não perdeu tempo e agendou, com o consentimento dos interessados, o dia 22 para
a cerimónia.

Estiveram
presentes o Presidente da AR, a Ministra da Justiça e os presidentes do Supremo
Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo. Também marcaram
presença: a Procuradora-Geral da República, o Provedor de Justiça, o
vice-presidente da Assembleia da República Jorge Lacão e representantes das
bancadas PSD, do PS, do Bloco de Esquerda e do CDS-PP. Pelo PSD, estiveram
presentes o Presidente do partido, o secretário-geral e a vice-presidente
Teresa Leal Coelho; pelo PS, esteve o vice-presidente da bancada socialista
Pedro Delgado Alves; e pelo Bloco de Esquerda e pelo CDS-PP, os respetivos líderes
parlamentares.

Os novos juízes conselheiros são: Cláudio Monteiro (antigo
deputado independente socialista pela corrente humanista democrata-cristã), Joana Maria Rebelo Fernandes
Costa (juíza
e mestre em Ciências Jurídico-Criminais), a magistrada Maria Clara
Sottomayor (propostos pelo PS, após consulta ao Bloco de
Esquerda em relação à última);
e o professor universitário catedrático jubilado Manuel da Costa Andrade e o
professor Gonçalo Almeida Ribeiro (propostos pelo PSD). Estes juntam-se aos 8 juízes
que mantêm o mandato no TC, completando o elenco de 13 juízes: Catarina
Sarmento, Castro Ventura, Maria José Mesquita, José António Teles Pereira,
Fátima Mata Mouros e os 3 juízes cooptados Lino Ribeiro, Pedro Machete e João
Barrosa Caupers.

Os novos
juízes foram eleitos pela AR em lista única proposta pelo PSD e pelo PS, que
obteve os dois terços de votos necessários por parte dos 221 deputados
votantes. Os juízes do TC, cujo mandato não é renovável, são designados por 9
anos, contados a partir da posse.

***

Entretanto, no mesmo dia 22, o TC reuniu para eleger o
Presidente e o Vice-Presidente, dado que os respetivos titulares, até agora em
exercício, também saíram por término de mandato. De tal reunião resultou a
eleição de Costa
Andrade para Presidente do TC e de João Pedro
Caupers para vice-presidente – cargos a desempenhar por 4 anos e meio (metade do mandato). Na
verdade, um comunicado da instituição refere que,

“Reunido
a 22 de julho, o Plenário do Tribunal Constitucional elegeu como Presidente o
Juiz Conselheiro Manuel da Costa Andrade e como Vice-Presidente o Juiz
Conselheiro João Pedro Caupers”.

Costa Andrade, professor catedrático jubilado de direito (Jubilou-se com a última aula em
dezembro de 2015), na
Universidade de Coimbra e antigo deputado constituinte do PSD, considera este
mais um dos muitos desafios que enfrentou na vida e garante, com base no
dinamismo do Direito, que vai enfrentar “o que vier” e conseguir a decisão de
acordo com a Constituição (CRP). Com efeito,
ao ser questionado sobre o trabalho que vai desenvolver no futuro, referiu que
“a Constituição está estabilizada,
felizmente já há uma jurisprudência muito consolidada dos nossos antecessores
[que] foram seguindo critérios e apurando” regras. E, tendo em conta que “há um progresso permanente, as coisas vão
sempre desenvolvendo, nada é estático”, salientou:

“O Direito e a vida fazem
parte da história e esta é, por natureza, dinâmica. Com este espírito e com
esta postura, vamos enfrentar o que vier e decidir-se-á de acordo com a
Constituição”.

Antes da predita reunião e imediatamente após a tomada de
posse, Costa Andrade recusou assumir-se como favorito para assumir esse cargo,
declarando:

“São 13
juízes, partem em pé de igualdade. A vontade do órgão é soberana, e vamos ver
quem os meus colegas elegem”.

Referindo que é “o mais velho em idade”, mas “o mais novo em
funções” no TC, não tinha uma ideia. Seria o próprio tribunal a decidir.

De 71 anos (faz 72 em outubro),
casado e residente em Coimbra, Costa Andrade participou na elaboração da
CRP e nas suas revisões, foi deputado do PSD. Licenciado em Direito pela
Universidade de Coimbra foi também naquele estabelecimento de ensino superior
que fez o seu doutoramento e foi professor dando aulas de direito penal e
processual.

Além da CRP, o ora juiz conselheiro foi também um dos autores
materiais do Código Penal e do Código de Processo Penal. Durante o seu percurso
profissional, realizou vários trabalhos de investigação sobre direito penal,
processo penal, criminologia, política criminal e direito constitucional. E, entre
1975 e 1995 foi deputado do PSD, tendo integrado a comissão de assuntos
constitucionais, direitos, liberdades e garantias e a comissão de defesa
nacional.

Foi condecorado, em 2009, pelo Presidente da República com a
Comenda da Ordem do Infante D. Henrique. E é ainda membro do Instituto de
Direito Penal Económico e Europeu, do Instituto Jurídico da Comunicação e do
Instituto de Direito Bancário, da Bolsa e dos Seguros.

***

A posse dos novos juízes determinou o término do
mandato de José Sousa Ribeiro (juiz indicado pelo PS) como presidente do TC, mandato que o tornou figura central nos anos da
troika, já que o TC chumbou vários diplomas do Governo de Passos e foi alvo de
críticas duras. Em entrevista ao Expresso,
do dia 23, a única do seu mandato (2012-2016), recorda as vicissitudes do seu exercício. Segue-se
um conjunto de ideias fundamentais vertidas na entrevista.

- Tendo presidido ao TC em
época difícil, em que o Tribunal assumiu protagonismo pouco habitual, assegura que
esse, contra o que alguns pensam, foi um tempo vivido com alguma tranquilidade,
dada a “natureza institucional muito
forte” do TC e a grande coesão do coletivo “quanto às suas funções”. A grande
dificuldade advinha das questões submetidas à apreciação do TC, em que
sobressai a “situação de emergência
financeira grave, que o Tribunal teve de ter em conta no quadro de valoração
contextualizada que sempre fez”. Porque “houve medidas de caráter inédito e o
TC teve de se confrontar com questões novas e problemáticas”, é que “ficou sob
o foco da opinião pública”, pois, “do ponto de vista funcional, não teve
dificuldades”.

- Sobre o alegado maior papel político do TC, disse que o objeto das suas
decisões “tem sempre natureza política, mais ou menos conflitual”, até porque a
CRP se pode definir “como uma racionalização jurídica dos conflitos políticos”.
Ora, o Tribunal afirma a sua função jurisdicional “no método de resolução das
questões, que é jurídico”. Porém, não se pronunciou nem censurou “os objetivos
em si” – questões políticas e económicas que são objeto de decisão política –
mas sobre os meios de atingir tais objetivos, analisando “medida a medida, à
luz de valores e critérios jurídico-constitucionais” e sem ignorar a
dificuldade dos decisores políticos. Por isso, as acusações de agenda política
não foram, na ótica do entrevistado, “observações justas nem adequadas”. Realça,
a propósito, “inúmeras decisões em que é expressamente referido o carácter
excecional e transitório da medida como fator justificativo da sua não
inconstitucionalidade”.

- Quanto ao facto de a CRP não estar em
linha com alguns critérios europeus, chamou a atenção para a existência de
“dois planos de análise”: o da política, em que divergem a perspetiva de quem
tem de decidir e a dos interessados num sentido de decisão; e o da
fundamentação jurídica. Em relação à primeira, dada a repercussão política das
decisões do TC, compreendem-se algumas das críticas feitas. Porém, face ao teor
de algumas das que vieram de atores políticos e até de outros órgãos de
soberania, “teria sido melhor se tivessem presente o sentido da
dignidade do Estado”. A elegância da expressão “caldo
entornado” de Durão Barroso é mesmo inesquecível. Houve tentativas de descredibilização
do TC e dos seus membros, a ponto de se repensar o
modelo de nomeação de juízes. Relativamente ao plano da fundamentação
jurídica, estribado na Constituição, nas leis e na apreciação da realidade, pode
fazer-se outro debate, sem que se logre a uniformidade de opiniões.

Porém, “o plano da reação por interesse político é o cálculo estratégico ou
tático”. E Sousa Ribeiro recorda ter dito que “os juízes do TC não são
pressionáveis” e verifica que assim é. Recusa
ter sofrido pressões políticas, sendo que a única tentativa
proveio de um embaixador, que pretendia obter do Presidente informações. E
choca-o lembrar-se de terem dito que os juízes tomaram posição por interesse
próprio, nomeadamente quanto à suspensão do 13.º e 14.º mês, pois “a paixão
política não justifica tudo”.

- Sobre a crítica à postura do TC face à CRP, fala de apreciações
subjetivas: fixismo versus visão
atualista, imobilismo versus visão
dinâmica. Neste contexto dialético, assegura que o TC teve sempre em conta a
situação e reconhece que o legislador teve a tarefa difícil de conjugar os
objetivos políticos com o respeito pela CRP. Todavia, não se pode pôr de lado a
CRP. É certo que alguns pretendiam “que se tivesse tomado uma posição mais
reverente face ao peso constrangedor das circunstâncias que se viviam”. Porém, “não
se pode fazer uma verdadeira mutação constitucional sob a capa de interpretação
atualista”. O juiz constitucional, porque “vinculado à Constituição”, “é um
contralegislador na medida em que o legislador a viole”. Havendo “um limite
para a interpretação”, pergunta-se onde está a fronteira. E é aqui que as
divergências afloram. E “a lei da Constituição não é a lei do mercado”, embora “proteja
a regulação do mercado”. Ora, “quem decide politicamente tem de ter em linha de
conta os limites e os imperativos que resultam da Constituição”.

- Não nega que tenha havido
judicialização da política, sustentando que “é uma tentação e um perigo”. E ela acontece “a partir do momento em que se
estabelece como elemento central do Estado democrático o controlo da constitucionalidade
das normas”. E “há fatores conjunturais do clima político que podem
impulsioná-la, de facto”. Mas, quando se fala dela é sobretudo em relação aos
abusos da parte dos atores políticos legitimados, que requerem esse exercício.

- Quanto ao sentido
apartidário das decisões, esclarece que “nenhum
decisor político se liberta das suas pré-compreensões”, o que “tem a ver com a
mundividência de cada um”, devendo o juiz fazer um esforço para as controlar.
Contudo, associá-las ao fator partidário é incorrer no falseamento da questão,
pelo que rejeita com os factos tal associação.

- Ao facto de a vice-presidente
Lúcia Amaral ter feito uma declaração de voto com base na falta de “uma bússola
orientadora na jurisprudência deste tribunal”, responde:

“Bússola orientadora no sentido de cânone único
seguido uniformemente por todos, evidentemente que não há. Mesmo nas decisões
que mereceram votos dissidentes com argumentação forte e convicta, todos usaram
um determinado critério de valoração. Se está a pensar numa bússola orientadora
única, não sei o que quis dizer.”.

- Relativamente ao facto de a nova
composição pôr em estreia um juiz cuja designação foi concertada com um partido
que até agora não participou neste sistema (o Bloco de Esquerda), duvida de que tenha mesmo
assim e reafirma a sua posição de
princípio de “sempre favorável a que a composição duma lista deste género
reflita o mais e melhor possível a pluralidade de correntes de opinião
existente na AR”.

- Sobre a alegada mudança
geracional advinda da nova composição do TC, preferiu “olhar para o outro lado da escala, o juiz Costa
Andrade, que tem 72 anos”. E, questionado se este viria a ser o Presidente,
assegurou que a decisão cabe aos juízes “por eleição e voto secreto”. Chama a
este “um dos equilíbrios que se
estabelece”, sendo que “o vice-presidente não deverá ser presuntivamente da
mesma linha de pensamento” que o presidente. Outro é o equilíbrio, “muito
frutífero, entre magistrados de carreira e juristas de outra proveniência.

- Mais disse que, em relação
aos aumentos salariais dos assessores, não aplicou a decisão de igualdade
restabelecida pelo anterior Governo porque o processo
se atrasou e Sousa Ribeiro, verificando que estava iminente a sua saída,
entendeu deixar para o sucessor. Porém, fizera
“uma alteração orgânica do tribunal” e criara “um gabinete de Relações Externas”,
que verificou a divergência de tratamento em relação aos gabinetes dos
ministros e ao Supremo Tribunal de Justiça, o que levou ao estabelecimento da
referida igualdade pelo Governo.

- E concluiu no
sentido de que o TC “tem um
leque de competências vasto e heterogéneo, incluindo algumas que não era
forçoso que estivessem aqui, nomeadamente, em matéria eleitoral”. Houve
eleições autárquicas em que durante 15 dias, foram julgados 180 recursos. “O
tribunal trabalhava desde manhã até de madrugada, ouvindo alguns projetos de
teor repetitivo.

***

Com todo o respeito pela provecta idade do novel Presidente do TC,
pergunto-me porque se entrega a participação e sobretudo a presidência de um relevante
e polémico órgão de soberania a alguém cujo limite de idade para servir na administração
pública foi ultrapassado.

Não duvido das limitações e da imparcialidade apontadas por Sousa Ribeiro,
até porque situou bem a relação do TC com os demais órgãos de soberania e a
postura face à CRP e à realidade e, sobretudo, porque  assumiu a índole política (no
verdadeiro sentido) das
decisões do TC. Permito-me, no entanto, discordar da posição do juiz constitucional de contralegislador. O órgão de controlo
não é um contrapoder, mas um contrapeso a um outro órgão de poder e ao TC não
cabe legislar nem indicar como se legisla (e neste detalhe é que o TC poderia ter
merecido alguma crítica, porque chegou a insinuar formas de legislar). Também não se pode acusar o Presidente da República
de contralegislador quando veta um diploma nos termos do art.º 136.º da CRP!

Também, embora concorde com que a lista dos juízes eleitos pela AR deva refletir
o melhor possível a composição parlamentar, entendo que alguns juízes deveriam
ser de escolha presidencial, embora em número menor. Isto, porque, por um lado,
o Presidente da República goza de legitimidade política e popular semelhante à
da AR e, por outro, é um órgão unipessoal. Ademais, parece que os membros do TC,
embora eleitos pela AR e designados pelo PR, deveriam ser exclusivamente
magistrados de carreira ou professores catedráticos de Direito. Aqui precisamos
de competência política, científica e técnica!

Finalmente, pergunto-me por que motivo, o PR, que fala tanto sobre todos e
tudo, não proferiu alocução na cerimónia de posse de uma porção considerável
deste importante órgão do poder político e antes de uma reunião onde iriam ser
eleitos os gestores de topo do Tribunal.    

2016.07.25 – Louro de Carvalho

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