Recibos verdes enfrentam pequena revolução na Segurança Social

02-02-2019
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Descritas durante anos a fio como complicadas, cheias de remendos e injustas, as regras de descontos dos recibos verdes para a Segurança Social estavam prometidas desde o início da legislatura e concretizam-se mesmo na sua reta final, mexendo com a vida de mais de 300 mil trabalhadores independentes (TI). Para uns significará menos encargos, calculados de forma mais simples e melhor ajustados à realidade remuneratória. Para outros — nomeadamente trabalhadores por conta de outrem e empresas — poderá significar um esforço contributivo maior. Tudo depende da situação concreta de cada um.

O princípio geral em torno do qual esta reforma gravita é que os descontos dos TI devem ser o mais próximos possíveis dos seus rendimentos. Levado à prática, isto significa que deixam de descontar sobre os rendimentos declarados há um ou dois anos e que se abandona o complexo sistema de escalões e rendimentos convencionados, com múltiplas exceções, substituindo-se por uma regra onde o que conta são os descontos registados nos três meses anteriores.

trabalhadores independentes

Como este ajustamento poderia levar a um aumento abrupto das contribuições (já que o rendimento declarado aumenta), baixa-se a taxa dos atuais 29,6% para os 21,4% (ou dos 34,75% para 25,17% no caso de empresários em nome individual). Por cima disto surge ainda um outro mecanismo que permite aos TI escolher descontar sobre mais ou menos 25% do seu rendimento relevante. Trata-se de uma exceção à simplicidade e ao princípio da contribuição de acordo com o rendimento real, feita para amortecer o impacto das novas regras nalguns grupos de contribuintes.

Em termos práticos, deste mês em diante os profissionais liberais e os empresários em nome individual sem contabilidade organizada passam então a descontar para a Segurança Social uma taxa de 21,4% (25,17% no caso de empresários em nome individual) sobre 70% da média das prestações de serviços registadas no trimestre imediatamente anterior (ou 20% no caso de vendas). Para que a Segurança Social saiba quanto ganharam, terão de entregar declaração a cada três meses com os recibos passados nos três meses imediatamente anteriores.

O primeiro preenchimento faz-se já em janeiro, até dia 31, tendo por base os rendimentos de outubro, novembro e dezembro (ver esquema). As contribuições incidem sobre a tal média do rendimento relevante, tendo por balizas um máximo de €5229 (12 vezes o IAS, indexante de apoios sociais) e um mínimo de €20. Mesmo não tendo rendimentos nos três meses anteriores, o TI tem sempre de pagar esta contribuição mínima nos três meses seguintes e de preencher a declaração, sob pena de enfrentar uma multa.

TER PATRÃO E PASSAR RECIBOS VERDES DEIXA DE GARANTIR ISENÇÃO

Uma segunda novidade nas regras negociadas entre o Governo e o Bloco de Esquerda está reservada para os trabalhadores por conta de outrem que também passam recibos verdes. Até aqui estas situações estavam sempre isentas de contribuições, porque se entendia que o trabalhador já fazia os descontos enquanto assalariado, mas doravante esta lógica muda e, sempre que os recibos verdes ultrapassem um determinado montante é preciso descontar também sobre eles para a Segurança Social.

O passo é cauteloso para os cenários que chegaram a ser admitidos durante a elaboração da lei, e só perde a isenção quem, no trimestre imediatamente anterior, tenha tido um rendimento médio relevante acima de €1743,03 (isto é, 70% dos €2490 de rendimento médio mensal trimestral para prestadores de serviços). Contudo, ao contrário do que acontece com a generalidade dos TI, neste caso a taxa de 21,4% só incide sobre o valor que exceder o rendimento relevante de €1743,03. Também ao contrário da regra geral, neste caso não há contribuições mínimas: só há lugar a declaração e pagamento se no trimestre anterior se ultrapassar este patamar.

O Governo garante não ter estimativas do universo de pessoas abrangidas, mas diz que esta regra surge porque se identificaram “situações de trabalhadores por conta de outrem com salários muito baixos, e com rendimentos do Trabalho independente muito altos”. Seja como for, estes descontos adicionais terão depois uma tradução futura no valor da pensão de reforma.

MAIS EMPRESAS A PAGAR MAIS POR RECIBOS VERDES

Menos favoráveis são as notícias para quem recorre de forma intensiva à prestação de serviços.

Hoje, as empresas que, num ano, sejam responsáveis por mais de 80% do rendimento de um recibo verde já estão obrigadas a pagar uma taxa especial, em jeito de penalização, por considerar-se que há indícios de estarem a recorrer a um falso recibo verde. Estas empresas são tecnicamente designadas de “entidades contratantes” e, deste ano em diante, vão ver as suas condições agravadas, por duas vias.

Uma delas passa logo por exigir esta taxa especial a todas as “entidades contratantes”, que sejam responsáveis por mais de 50% dos rendimentos de um recibo verde (em vez dos 80%), um alargamento que poderá duplicar o número de empresas abrangidas. A segunda alteração relevante opera-se no valor das taxas propriamente dito. Enquanto até 2018 as empresas pagavam uma taxa de 5% sobre a remuneração do trabalhador independente, deste ano em diante aplicam-se dois escalões: a taxa será de 7% para quem concentre entre 50% e 80% dos honorários anuais de um trabalhador independente, e de 10% para quem seja responsável por mais de 80% desses rendimentos.

Da conjugação destas regras, estima-se que a receita arrecadada anualmente passe dos €23 milhões atuais para qualquer coisa em torno dos €93 milhões. Estas taxas serão cobradas na segunda metade do ano, depois da entrega do Anexo SS no IRS (é aí que o Fisco e a Segurança Social ficam a saber para quem é que cada recibo verde trabalhou), servindo a diferença em termos de receita para compensar parcialmente as novas regras e também a proteção social que, desde julho do ano passado tem vindo a ser reforçada ao nível do subsídio de doença, de desemprego e da assistência a filhos e a netos.

As transformações são grandes, sobretudo quando se considera que a máquina da Segurança Social funciona de forma ainda deficiente, mas, num encontro recentemente realizado com jornalistas, Cláudia Joaquim, secretária de Estado da Segurança Social, garantiu que a implementação da reforma será acompanhada a par e passo. “Estamos a falar de um regime cuja mudança é estrutural. Nos próximos meses vamos analisá-lo, corrigindo o que for necessário.”

Descritas durante anos a fio como complicadas, cheias de remendos e injustas, as regras de descontos dos recibos verdes para a Segurança Social estavam prometidas desde o início da legislatura e concretizam-se mesmo na sua reta final, mexendo com a vida de mais de 300 mil trabalhadores independentes (TI). Para uns significará menos encargos, calculados de forma mais simples e melhor ajustados à realidade remuneratória. Para outros — nomeadamente trabalhadores por conta de outrem e empresas — poderá significar um esforço contributivo maior. Tudo depende da situação concreta de cada um.

O princípio geral em torno do qual esta reforma gravita é que os descontos dos TI devem ser o mais próximos possíveis dos seus rendimentos. Levado à prática, isto significa que deixam de descontar sobre os rendimentos declarados há um ou dois anos e que se abandona o complexo sistema de escalões e rendimentos convencionados, com múltiplas exceções, substituindo-se por uma regra onde o que conta são os descontos registados nos três meses anteriores.

trabalhadores independentes

Como este ajustamento poderia levar a um aumento abrupto das contribuições (já que o rendimento declarado aumenta), baixa-se a taxa dos atuais 29,6% para os 21,4% (ou dos 34,75% para 25,17% no caso de empresários em nome individual). Por cima disto surge ainda um outro mecanismo que permite aos TI escolher descontar sobre mais ou menos 25% do seu rendimento relevante. Trata-se de uma exceção à simplicidade e ao princípio da contribuição de acordo com o rendimento real, feita para amortecer o impacto das novas regras nalguns grupos de contribuintes.

Em termos práticos, deste mês em diante os profissionais liberais e os empresários em nome individual sem contabilidade organizada passam então a descontar para a Segurança Social uma taxa de 21,4% (25,17% no caso de empresários em nome individual) sobre 70% da média das prestações de serviços registadas no trimestre imediatamente anterior (ou 20% no caso de vendas). Para que a Segurança Social saiba quanto ganharam, terão de entregar declaração a cada três meses com os recibos passados nos três meses imediatamente anteriores.

O primeiro preenchimento faz-se já em janeiro, até dia 31, tendo por base os rendimentos de outubro, novembro e dezembro (ver esquema). As contribuições incidem sobre a tal média do rendimento relevante, tendo por balizas um máximo de €5229 (12 vezes o IAS, indexante de apoios sociais) e um mínimo de €20. Mesmo não tendo rendimentos nos três meses anteriores, o TI tem sempre de pagar esta contribuição mínima nos três meses seguintes e de preencher a declaração, sob pena de enfrentar uma multa.

TER PATRÃO E PASSAR RECIBOS VERDES DEIXA DE GARANTIR ISENÇÃO

Uma segunda novidade nas regras negociadas entre o Governo e o Bloco de Esquerda está reservada para os trabalhadores por conta de outrem que também passam recibos verdes. Até aqui estas situações estavam sempre isentas de contribuições, porque se entendia que o trabalhador já fazia os descontos enquanto assalariado, mas doravante esta lógica muda e, sempre que os recibos verdes ultrapassem um determinado montante é preciso descontar também sobre eles para a Segurança Social.

O passo é cauteloso para os cenários que chegaram a ser admitidos durante a elaboração da lei, e só perde a isenção quem, no trimestre imediatamente anterior, tenha tido um rendimento médio relevante acima de €1743,03 (isto é, 70% dos €2490 de rendimento médio mensal trimestral para prestadores de serviços). Contudo, ao contrário do que acontece com a generalidade dos TI, neste caso a taxa de 21,4% só incide sobre o valor que exceder o rendimento relevante de €1743,03. Também ao contrário da regra geral, neste caso não há contribuições mínimas: só há lugar a declaração e pagamento se no trimestre anterior se ultrapassar este patamar.

O Governo garante não ter estimativas do universo de pessoas abrangidas, mas diz que esta regra surge porque se identificaram “situações de trabalhadores por conta de outrem com salários muito baixos, e com rendimentos do Trabalho independente muito altos”. Seja como for, estes descontos adicionais terão depois uma tradução futura no valor da pensão de reforma.

MAIS EMPRESAS A PAGAR MAIS POR RECIBOS VERDES

Menos favoráveis são as notícias para quem recorre de forma intensiva à prestação de serviços.

Hoje, as empresas que, num ano, sejam responsáveis por mais de 80% do rendimento de um recibo verde já estão obrigadas a pagar uma taxa especial, em jeito de penalização, por considerar-se que há indícios de estarem a recorrer a um falso recibo verde. Estas empresas são tecnicamente designadas de “entidades contratantes” e, deste ano em diante, vão ver as suas condições agravadas, por duas vias.

Uma delas passa logo por exigir esta taxa especial a todas as “entidades contratantes”, que sejam responsáveis por mais de 50% dos rendimentos de um recibo verde (em vez dos 80%), um alargamento que poderá duplicar o número de empresas abrangidas. A segunda alteração relevante opera-se no valor das taxas propriamente dito. Enquanto até 2018 as empresas pagavam uma taxa de 5% sobre a remuneração do trabalhador independente, deste ano em diante aplicam-se dois escalões: a taxa será de 7% para quem concentre entre 50% e 80% dos honorários anuais de um trabalhador independente, e de 10% para quem seja responsável por mais de 80% desses rendimentos.

Da conjugação destas regras, estima-se que a receita arrecadada anualmente passe dos €23 milhões atuais para qualquer coisa em torno dos €93 milhões. Estas taxas serão cobradas na segunda metade do ano, depois da entrega do Anexo SS no IRS (é aí que o Fisco e a Segurança Social ficam a saber para quem é que cada recibo verde trabalhou), servindo a diferença em termos de receita para compensar parcialmente as novas regras e também a proteção social que, desde julho do ano passado tem vindo a ser reforçada ao nível do subsídio de doença, de desemprego e da assistência a filhos e a netos.

As transformações são grandes, sobretudo quando se considera que a máquina da Segurança Social funciona de forma ainda deficiente, mas, num encontro recentemente realizado com jornalistas, Cláudia Joaquim, secretária de Estado da Segurança Social, garantiu que a implementação da reforma será acompanhada a par e passo. “Estamos a falar de um regime cuja mudança é estrutural. Nos próximos meses vamos analisá-lo, corrigindo o que for necessário.”

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