Lendo e relendo: Exonerar ou não o Governador do Banco de Portugal

14-04-2019
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Quer o BE (Bloco de Esquerda) que o Governo exonere Carlos
Costa das funções de governador do BdP (Banco de
Portugal), depois de se saber do seu envolvimento em
empréstimos ruinosos da CGD (Caixa Geral de Depósitos) aos empresários Joe Berardo e Manuel Fino e ao projeto do Vale do Lobo.
Para tanto, apresentou, no dia 11, um projeto de resolução em que a Assembleia da
República recomende ao Executivo a exoneração de Carlos Costa do cargo de
governador do Banco de Portugal. Refere o projeto de resolução que seguiu para
o Parlamento:

“Depois
de tudo o que aconteceu ao sistema bancário nacional, o país não pode compreender ou tolerar que um ex-administrador da
CGD, com responsabilidades em processos de decisão de crédito aparentemente
ruinosos, utilize o seu lugar como responsável máximo do Banco de Portugal para
garantir que não é incluído em futuros processos de avaliação”.

E o
documento que foi apresentado por Mariana Mortágua acrescenta:

“O
Banco de Portugal não pode ser um refúgio de ex-banqueiros, sob pena de ver a
sua credibilidade ainda mais degradada aos olhos da opinião pública”.

Segundo
a dirigente bloquista em declarações na sede do BE, em Lisboa, está em causa saber
“se o Governador pode avaliar a idoneidade dos ex-gestores” e se Costa é idóneo
“para ser governador do Banco de Portugal”. E a deputada, questionando-se sobre
“quem neste país pode garantir que Carlos Costa tem idoneidade para
ser governador do Banco de Portugal”, adiantou que ninguém pode, nem o próprio BdP, que não o vai avaliar, pois,
“um governador que está sob suspeita de
idoneidade por princípio não reúne as condições para se manter no cargo”.

De
acordo com a lei orgânica do BdP, Costa só pode ser demitido através de resolução
do Conselho de Ministros, sob proposta do
Ministro das Finanças ou recomendação da Assembleia da República,
sendo que a exoneração do governador do banco central só ocorrerá se ele
“deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se
tiver cometido falta grave”. Mas, como o conceito de “falta grave” não aparece definido com
clareza nos estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais, há lugar a várias
interpretações.

Já, em
março de 2017, o Bloco de Esquerda tinha apresentado um projeto de resolução em
que admitia a exoneração de Carlos Costa por ter identificado “faltas graves”
do governador na atuação nos casos do BES e do Banif. Agora, Carlos Costa
volta a estar sob pressão política por causa das conclusões da auditoria da EY
à gestão do banco público.

Presentemente,
o supervisor encontra-se a avaliar 9 dos 44 gestores
que passaram pelo banco público entre 2000 e 2015 a fim de apurar responsabilidades contraordenacionais que
possam resultar da auditoria. Porém, Costa, que foi administrador da CGD entre
2004 e 2006 com o pelouro do marketing e internacionalização, escapará a essa avaliação,
de acordo com o Jornal Económico. Com efeito,
a Sábado revelou o teor das atas que mostram que
Carlos Costa participou nas decisões financiamentos do banco estatal aos
empresários Joe Berardo e Manuel Fino e ao projeto de Vale de Lobo. Estes empréstimos constam da lista dos grandes
créditos em situação de incumprimento e que geraram perdas de largos milhões
para a CGD.

De
resto, o governador do BdP
pediu, em novembro passado, escusa para não participar nas decisões do banco
central sobre a auditoria à CGD por ter sido seu administrador no período
analisado pela EY – pedido de escusa que, segundo Mariana Mortágua, prova que
há conflitos de interesse do governador neste processo.

***

Sobre o caso, o Governo
promete que “serão tiradas todas as consequências sem olhar a quem”.

Na verdade, Ricardo
Mourinho Félix, Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, não compromete o
Governo em exonerar o governador do
BdP, mas sustenta
que estão a ser apuradas responsabilidades “criminais”, “contraordenacionais” e
“civis”.

De facto, o cerco aperta-se para Carlos Costa. Além do BE, que já veio exigir ao Governo
que demita o governador do BdP, tendo apresentado um projeto de resolução em que
propõe que a Assembleia da República recomende ao Executivo a exoneração,
também o CDS e o PCP não descartaram a hipótese de avançarem com pedidos
de exoneração do governador. E, Pelo
PS, o deputado João Paulo Correia afirma a existência de “suspeitas” quanto à
conduta de Carlos Costa quando foi administrador da CGD entre 2004 e 2006. No entanto,
sustenta que é “precipitado” pedir a sua exoneração de governador do Banco de
Portugal.

Assim, o deputado socialista e
vice-presidente da sua bancada parlamentar declarou à TSF:

“Temos obviamente suspeitas sobre a sua
conduta, mas temos de aguardar que os inquéritos sejam concluídos e que apontem
responsáveis e responsabilidades. […] Seria muito precipitado avançar
já com uma conclusão antes de iniciarmos o próprio
inquérito parlamentar. A proposta de exoneração surge aqui como uma
desvalorização.”.

Para
João Paulo Correia, a audição a Carlos Costa surge assim como “fundamental para dissipar dúvidas ou confirmar suspeitas que foram
expostas pela auditoria”. E o deputado adiantou que “só a partir daí é que estaremos em condições
de ir mais longe na nossa apreciação”.

***

Porém, a conflitualidade com o governador do BdP não se
circunscreve à CGD ou à resolução do BES e do Banif. Agora surge no ponto de divergência
entre o Banco Central e o poder político. Com efeito, a entidade liderada por Costa dispõe de um prazo de 100 dias para divulgar
os grandes devedores dos bancos que recorreram a ajuda estatal, prazo que a
instituição já disse não ser “exequível”. Efetivamente a lei que obriga à
divulgação dos grandes devedores dos bancos que beneficiem de apoio estatal foi
publicada em Diário da República hoje, dia 12 de fevereiro. A lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, amanhã,
dia 13, e estabelece que o BdP entregue até ao dia 23 de maio um relatório
sobre as ajudas públicas dadas aos bancos nos últimos 12 anos, prazo considerado inexequível pela instituição.

Na verdade,
o artigo 6.º da Lei n.º 15/2019, de 12 de fevereiro, sobre transparência da informação relativa à concessão de
créditos de valor elevado e reforço do controlo parlamentar no acesso a
informação bancária e de supervisão, estabelece:

“No prazo de 100 dias corridos
da publicação da presente a lei, o Banco de Portugal entrega à Assembleia da
República um relatório extraordinário com a informação
relevante relativa às instituições de crédito abrangidas em que, nos 12 anos
anteriores à publicação da presente lei, se tenha verificado qualquer das
situações de aplicação ou disponibilização de fundos públicos, previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º”.

A norma
para que remete este art.º 6.º define, para efeitos desta lei, como ‘instituição
de crédito abrangida’:

“Qualquer instituição de crédito, independentemente da natureza pública
ou privada dos titulares do seu capital, que tenha sido objeto ou resultado de
medida de resolução, de nacionalização, de liquidação, ou de operação de apoio
à sua capitalização, com recurso a fundos públicos disponibilizados pelo
Estado, ou pelo Fundo de Resolução com recurso a financiamento ou garantia
prestados pelo Estado, incluindo através da aquisição ou subscrição de capital
social, aquisição de ativos (operações de carve
out), subscrição de instrumentos de capital contingente ou capitalização de
instituições de transição”.

A obrigação
legal de que estamos a falar configura um relatório extraordinário do BdP em
que estão em causa a CGD (Caixa Geral de Depósitos), o BES/Novo Banco, o Banif, o BPN, mas também o BCP e o BPI,
que recorreram a instrumentos de capital do Estado para atingir rácios de
capital mínimos na altura da intervenção da troika, sendo que arranca também, com
a entrada em vigor desta lei, a contagem dos 100 dias, cujo termo ocorrera a 23 de maio (vd art.º 6.º). 

Para
além deste relatório extraordinário, ao abrigo da nova lei, o BdP é obrigado a
recolher e enviar para o Parlamento informação relevante sempre que um banco seja
ajudado com fundos públicos, informação que tem de ser enviada em 120 dias depois da decisão de ajuda ao banco e atualizada no prazo de um ano (cf art.º 5.º).

A informação relevante, prevista na alínea c) do art.º 3.º e que o BdP
tem de revelar aos deputados sobre os devedores, abrange: o valor do crédito,
financiamento ou garantia concedido originariamente ou da participação
societária adquirida; a data da concessão e de eventuais reestruturações do
crédito, financiamento ou garantia, ou da aquisição da participação societária;
o valor do capital que foi reembolsado à instituição de crédito abrangida; o valor
das perdas de capital e juros verificadas após eventual execução ou
reestruturação; o valor das perdas de capital e juros estimadas; a existência e
tipo de garantia ou qualquer forma de colateral; a identificação do devedor da
grande posição financeira, assim como, no caso de pessoas coletivas, dos
respetivos sócios (que se carateriza por ter montante superior a 5
milhões de euros, que se encontre registo no balanço do banco ou que tenha sido
eliminado do balanço nos últimos 5 anos por perdão e quando haja um
incumprimento de mais de três prestações); a identificação
dos membros da administração e dirigentes da instituição de crédito abrangida
que participaram na decisão de concessão da grande posição financeira ou na
decisão da sua eventual renovação ou reestruturação, bem como na avaliação das
garantias prestadas; e a identificação das ações e medidas para recuperação da
grande posição financeira realizadas ou em curso, pela instituição de crédito
abrangida.

Também
quanto a este reporte de informação, o BdP também apresentou reservas, aduzindo que “atualmente
as instituições não reportam ao Banco de Portugal a totalidade da informação
relevante prevista no projeto”, pelo que para cumprir essa obrigação com os
detalhes pedidos teria de ser criado “um novo reporte para as instituições”, sendo
que o normativo ora publicado não confere ao regulador habilitação regulamentar
para tal.

E a
entidade liderada por Costa alertou a para outro problema, o de não ter competências para pedir esse reporte de
informação aos maiores bancos que operam em Portugal, pois a
sua supervisão é feita pelo BCE (Banco Central Europeu), sendo é essa a entidade que pode criar novos reportes para
instituições significativas. Na verdade, os bancos designados como instituições significativas são aqueles
que, por serem de grande dimensão, são supervisionados diretamente pelo BCE e
não pelos bancos centrais nacionais. Em Portugal, CGD, BCP
e Novo Banco estão sob supervisão direta de Frankfurt.

***

Não é, pois sem razão que o colunista do ECO,
António Costa, dá o título “Um governador que deixou de o ser”
a seu artigo de opinião
e sustenta estar Carlos Costa
no limite do insustentável, pois “já deixou de ser governador e passou a estar
governador”.

Referindo que ironicamente Costa se mantém no cargo de governador do BdP “depois
de tudo o que não fez no BES”, estando agora em risco o seu lugar “pelo que fez
como administrador da CGD (Caixa Geral
de Depósitos) entre 2004
e 2006”. E, segundo o colunista, neste caso, “o maior problema não é jurídico e
formal, é mesmo político e até pessoal”, britando-lhe “a legitimidade” de
supervisor “perante os supervisionados”, visto que “ele próprio, como gestor
bancário, participou direta ou indiretamente na concessão de créditos ruinosos”.

Assim, ainda segundo o colunista, Costa, “neste momento um alvo fácil”,
está completamente nas mãos do Ministro das Finanças e do Primeiro-Ministro. Até
é provável que se mantenha como como governador até ao final do mandato, “mas
estará governador, não será governador” e ficará “sem autoridade, sem
consistência, como se vê na forma esdrúxula como foi ‘resolvida’ a gestão do
Banco Montepio”.

Para António Costa, o problema não será propriamente ter cometido uma
“falha grave”, que possa levar à exoneração, como previsto na Lei Orgânica do Banco
de Portugal, “que remete para a própria lei europeia do sistema de bancos
centrais”. A alegação de “falha grave” levaria a “uma discussão jurídica que
não terminaria antes de maio do próximo ano, termo do atual mandato. E, como “o
processo é político, e até pessoal”, será “nesse domínio, que tudo se vai
resolver, no âmbito da nova CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) à gestão da CGD de 2000 a 2015 e que vai
transformar-se também numa avaliação do governador”.

Por outro lado, como “os membros do Conselho de Administração [do Banco de
Portugal] são inamovíveis”, só podendo “ser
exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias
previstas no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE [Sistema Europeu de
Bancos Centrais/Banco Central Europeu]”, o governador “só pode ser demitido das
suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das
mesmas ou se tiver cometido falta grave”. E, como a exoneração só se tornaria
efetiva após a resposta a eventuais recursos quer do BdP quer do BCE, dificilmente
a medida de exoneração resultaria eficaz.  

Neste aspeto, o BCE, que não quer abrir precedentes noutros países, dificilmente
dará guarida a qualquer pressão política, o que não melhora a posição e
autoridade de Carlos Costa, que está no limite do insustentável. Com efeito,
como é que pode avaliar colegas seus na CGD se não assume também as
consequências para si mesmo? – pergunta António Costa.

Portanto, o problema será encarado pelo lado mais grave, o problema da
falta de autoridade e de legitimidade, que o próprio governador já topou e que
o levou ao pedido de escusa de participar em decisões do BdP sobre a CGD
relacionadas com a auditoria e respetivas consequências.

E Carlos Costa poderia muito bem ajudar no desenlace, já que é de todo questionável
como é que o governador pode manter-se em funções se não passaria nos critérios
de idoneidade usados para vetar candidatos à administração de bancos
comerciais, sendo os mesmos ou ainda mais exigentes os que presidem à nomeação do
líder da instituição reguladora e supervisora. Apresentaria ele próprio o
pedido de demissão para facilitar a imparcialidade e a eficácia no apuramento
de responsabilidades. Que diabo! Quem não deve não teme…  

Não vá acontecer que outros como Ricardo Salgado e Morais Pires, porque
este caso da CGD dá azo a “cavalgarem a tese de que tudo o que se passou no
grupo BES/GES se deveu a Carlos Costa”. Obviamente que “não foi”, mas “convém
separar as águas”.

E, não é
mudando o regime de nomeação do Governador que as coisas ficarão melhor, como
quer o CDS (promete apresentar em breve um projeto de lei) e como chegou a quer o PS (apresentou
um projeto de lei para alterar o regime de nomeação, que deixou cair). Concordo que o Governador seja
nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo e após audição no Parlamento,
como quer o CDS. Mas é apenas uma questão de transparência, que, por si, não
elimina falhas idoneidade. Mas o PS e o Governo, que apenas conseguiram ganhar
a audição parlamentar, não falam alto ao BCE e à Comissão Europeia. Isso de falar
alto fica para professores e enfermeiros!

Para já
Carlos Costa mantém-se de pedra e cal, a menos que entenda dever sair pelo seu
pé…

2019.02.12 –
Louro de Carvalho       

Quer o BE (Bloco de Esquerda) que o Governo exonere Carlos
Costa das funções de governador do BdP (Banco de
Portugal), depois de se saber do seu envolvimento em
empréstimos ruinosos da CGD (Caixa Geral de Depósitos) aos empresários Joe Berardo e Manuel Fino e ao projeto do Vale do Lobo.
Para tanto, apresentou, no dia 11, um projeto de resolução em que a Assembleia da
República recomende ao Executivo a exoneração de Carlos Costa do cargo de
governador do Banco de Portugal. Refere o projeto de resolução que seguiu para
o Parlamento:

“Depois
de tudo o que aconteceu ao sistema bancário nacional, o país não pode compreender ou tolerar que um ex-administrador da
CGD, com responsabilidades em processos de decisão de crédito aparentemente
ruinosos, utilize o seu lugar como responsável máximo do Banco de Portugal para
garantir que não é incluído em futuros processos de avaliação”.

E o
documento que foi apresentado por Mariana Mortágua acrescenta:

“O
Banco de Portugal não pode ser um refúgio de ex-banqueiros, sob pena de ver a
sua credibilidade ainda mais degradada aos olhos da opinião pública”.

Segundo
a dirigente bloquista em declarações na sede do BE, em Lisboa, está em causa saber
“se o Governador pode avaliar a idoneidade dos ex-gestores” e se Costa é idóneo
“para ser governador do Banco de Portugal”. E a deputada, questionando-se sobre
“quem neste país pode garantir que Carlos Costa tem idoneidade para
ser governador do Banco de Portugal”, adiantou que ninguém pode, nem o próprio BdP, que não o vai avaliar, pois,
“um governador que está sob suspeita de
idoneidade por princípio não reúne as condições para se manter no cargo”.

De
acordo com a lei orgânica do BdP, Costa só pode ser demitido através de resolução
do Conselho de Ministros, sob proposta do
Ministro das Finanças ou recomendação da Assembleia da República,
sendo que a exoneração do governador do banco central só ocorrerá se ele
“deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se
tiver cometido falta grave”. Mas, como o conceito de “falta grave” não aparece definido com
clareza nos estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais, há lugar a várias
interpretações.

Já, em
março de 2017, o Bloco de Esquerda tinha apresentado um projeto de resolução em
que admitia a exoneração de Carlos Costa por ter identificado “faltas graves”
do governador na atuação nos casos do BES e do Banif. Agora, Carlos Costa
volta a estar sob pressão política por causa das conclusões da auditoria da EY
à gestão do banco público.

Presentemente,
o supervisor encontra-se a avaliar 9 dos 44 gestores
que passaram pelo banco público entre 2000 e 2015 a fim de apurar responsabilidades contraordenacionais que
possam resultar da auditoria. Porém, Costa, que foi administrador da CGD entre
2004 e 2006 com o pelouro do marketing e internacionalização, escapará a essa avaliação,
de acordo com o Jornal Económico. Com efeito,
a Sábado revelou o teor das atas que mostram que
Carlos Costa participou nas decisões financiamentos do banco estatal aos
empresários Joe Berardo e Manuel Fino e ao projeto de Vale de Lobo. Estes empréstimos constam da lista dos grandes
créditos em situação de incumprimento e que geraram perdas de largos milhões
para a CGD.

De
resto, o governador do BdP
pediu, em novembro passado, escusa para não participar nas decisões do banco
central sobre a auditoria à CGD por ter sido seu administrador no período
analisado pela EY – pedido de escusa que, segundo Mariana Mortágua, prova que
há conflitos de interesse do governador neste processo.

***

Sobre o caso, o Governo
promete que “serão tiradas todas as consequências sem olhar a quem”.

Na verdade, Ricardo
Mourinho Félix, Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, não compromete o
Governo em exonerar o governador do
BdP, mas sustenta
que estão a ser apuradas responsabilidades “criminais”, “contraordenacionais” e
“civis”.

De facto, o cerco aperta-se para Carlos Costa. Além do BE, que já veio exigir ao Governo
que demita o governador do BdP, tendo apresentado um projeto de resolução em que
propõe que a Assembleia da República recomende ao Executivo a exoneração,
também o CDS e o PCP não descartaram a hipótese de avançarem com pedidos
de exoneração do governador. E, Pelo
PS, o deputado João Paulo Correia afirma a existência de “suspeitas” quanto à
conduta de Carlos Costa quando foi administrador da CGD entre 2004 e 2006. No entanto,
sustenta que é “precipitado” pedir a sua exoneração de governador do Banco de
Portugal.

Assim, o deputado socialista e
vice-presidente da sua bancada parlamentar declarou à TSF:

“Temos obviamente suspeitas sobre a sua
conduta, mas temos de aguardar que os inquéritos sejam concluídos e que apontem
responsáveis e responsabilidades. […] Seria muito precipitado avançar
já com uma conclusão antes de iniciarmos o próprio
inquérito parlamentar. A proposta de exoneração surge aqui como uma
desvalorização.”.

Para
João Paulo Correia, a audição a Carlos Costa surge assim como “fundamental para dissipar dúvidas ou confirmar suspeitas que foram
expostas pela auditoria”. E o deputado adiantou que “só a partir daí é que estaremos em condições
de ir mais longe na nossa apreciação”.

***

Porém, a conflitualidade com o governador do BdP não se
circunscreve à CGD ou à resolução do BES e do Banif. Agora surge no ponto de divergência
entre o Banco Central e o poder político. Com efeito, a entidade liderada por Costa dispõe de um prazo de 100 dias para divulgar
os grandes devedores dos bancos que recorreram a ajuda estatal, prazo que a
instituição já disse não ser “exequível”. Efetivamente a lei que obriga à
divulgação dos grandes devedores dos bancos que beneficiem de apoio estatal foi
publicada em Diário da República hoje, dia 12 de fevereiro. A lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, amanhã,
dia 13, e estabelece que o BdP entregue até ao dia 23 de maio um relatório
sobre as ajudas públicas dadas aos bancos nos últimos 12 anos, prazo considerado inexequível pela instituição.

Na verdade,
o artigo 6.º da Lei n.º 15/2019, de 12 de fevereiro, sobre transparência da informação relativa à concessão de
créditos de valor elevado e reforço do controlo parlamentar no acesso a
informação bancária e de supervisão, estabelece:

“No prazo de 100 dias corridos
da publicação da presente a lei, o Banco de Portugal entrega à Assembleia da
República um relatório extraordinário com a informação
relevante relativa às instituições de crédito abrangidas em que, nos 12 anos
anteriores à publicação da presente lei, se tenha verificado qualquer das
situações de aplicação ou disponibilização de fundos públicos, previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º”.

A norma
para que remete este art.º 6.º define, para efeitos desta lei, como ‘instituição
de crédito abrangida’:

“Qualquer instituição de crédito, independentemente da natureza pública
ou privada dos titulares do seu capital, que tenha sido objeto ou resultado de
medida de resolução, de nacionalização, de liquidação, ou de operação de apoio
à sua capitalização, com recurso a fundos públicos disponibilizados pelo
Estado, ou pelo Fundo de Resolução com recurso a financiamento ou garantia
prestados pelo Estado, incluindo através da aquisição ou subscrição de capital
social, aquisição de ativos (operações de carve
out), subscrição de instrumentos de capital contingente ou capitalização de
instituições de transição”.

A obrigação
legal de que estamos a falar configura um relatório extraordinário do BdP em
que estão em causa a CGD (Caixa Geral de Depósitos), o BES/Novo Banco, o Banif, o BPN, mas também o BCP e o BPI,
que recorreram a instrumentos de capital do Estado para atingir rácios de
capital mínimos na altura da intervenção da troika, sendo que arranca também, com
a entrada em vigor desta lei, a contagem dos 100 dias, cujo termo ocorrera a 23 de maio (vd art.º 6.º). 

Para
além deste relatório extraordinário, ao abrigo da nova lei, o BdP é obrigado a
recolher e enviar para o Parlamento informação relevante sempre que um banco seja
ajudado com fundos públicos, informação que tem de ser enviada em 120 dias depois da decisão de ajuda ao banco e atualizada no prazo de um ano (cf art.º 5.º).

A informação relevante, prevista na alínea c) do art.º 3.º e que o BdP
tem de revelar aos deputados sobre os devedores, abrange: o valor do crédito,
financiamento ou garantia concedido originariamente ou da participação
societária adquirida; a data da concessão e de eventuais reestruturações do
crédito, financiamento ou garantia, ou da aquisição da participação societária;
o valor do capital que foi reembolsado à instituição de crédito abrangida; o valor
das perdas de capital e juros verificadas após eventual execução ou
reestruturação; o valor das perdas de capital e juros estimadas; a existência e
tipo de garantia ou qualquer forma de colateral; a identificação do devedor da
grande posição financeira, assim como, no caso de pessoas coletivas, dos
respetivos sócios (que se carateriza por ter montante superior a 5
milhões de euros, que se encontre registo no balanço do banco ou que tenha sido
eliminado do balanço nos últimos 5 anos por perdão e quando haja um
incumprimento de mais de três prestações); a identificação
dos membros da administração e dirigentes da instituição de crédito abrangida
que participaram na decisão de concessão da grande posição financeira ou na
decisão da sua eventual renovação ou reestruturação, bem como na avaliação das
garantias prestadas; e a identificação das ações e medidas para recuperação da
grande posição financeira realizadas ou em curso, pela instituição de crédito
abrangida.

Também
quanto a este reporte de informação, o BdP também apresentou reservas, aduzindo que “atualmente
as instituições não reportam ao Banco de Portugal a totalidade da informação
relevante prevista no projeto”, pelo que para cumprir essa obrigação com os
detalhes pedidos teria de ser criado “um novo reporte para as instituições”, sendo
que o normativo ora publicado não confere ao regulador habilitação regulamentar
para tal.

E a
entidade liderada por Costa alertou a para outro problema, o de não ter competências para pedir esse reporte de
informação aos maiores bancos que operam em Portugal, pois a
sua supervisão é feita pelo BCE (Banco Central Europeu), sendo é essa a entidade que pode criar novos reportes para
instituições significativas. Na verdade, os bancos designados como instituições significativas são aqueles
que, por serem de grande dimensão, são supervisionados diretamente pelo BCE e
não pelos bancos centrais nacionais. Em Portugal, CGD, BCP
e Novo Banco estão sob supervisão direta de Frankfurt.

***

Não é, pois sem razão que o colunista do ECO,
António Costa, dá o título “Um governador que deixou de o ser”
a seu artigo de opinião
e sustenta estar Carlos Costa
no limite do insustentável, pois “já deixou de ser governador e passou a estar
governador”.

Referindo que ironicamente Costa se mantém no cargo de governador do BdP “depois
de tudo o que não fez no BES”, estando agora em risco o seu lugar “pelo que fez
como administrador da CGD (Caixa Geral
de Depósitos) entre 2004
e 2006”. E, segundo o colunista, neste caso, “o maior problema não é jurídico e
formal, é mesmo político e até pessoal”, britando-lhe “a legitimidade” de
supervisor “perante os supervisionados”, visto que “ele próprio, como gestor
bancário, participou direta ou indiretamente na concessão de créditos ruinosos”.

Assim, ainda segundo o colunista, Costa, “neste momento um alvo fácil”,
está completamente nas mãos do Ministro das Finanças e do Primeiro-Ministro. Até
é provável que se mantenha como como governador até ao final do mandato, “mas
estará governador, não será governador” e ficará “sem autoridade, sem
consistência, como se vê na forma esdrúxula como foi ‘resolvida’ a gestão do
Banco Montepio”.

Para António Costa, o problema não será propriamente ter cometido uma
“falha grave”, que possa levar à exoneração, como previsto na Lei Orgânica do Banco
de Portugal, “que remete para a própria lei europeia do sistema de bancos
centrais”. A alegação de “falha grave” levaria a “uma discussão jurídica que
não terminaria antes de maio do próximo ano, termo do atual mandato. E, como “o
processo é político, e até pessoal”, será “nesse domínio, que tudo se vai
resolver, no âmbito da nova CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) à gestão da CGD de 2000 a 2015 e que vai
transformar-se também numa avaliação do governador”.

Por outro lado, como “os membros do Conselho de Administração [do Banco de
Portugal] são inamovíveis”, só podendo “ser
exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias
previstas no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE [Sistema Europeu de
Bancos Centrais/Banco Central Europeu]”, o governador “só pode ser demitido das
suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das
mesmas ou se tiver cometido falta grave”. E, como a exoneração só se tornaria
efetiva após a resposta a eventuais recursos quer do BdP quer do BCE, dificilmente
a medida de exoneração resultaria eficaz.  

Neste aspeto, o BCE, que não quer abrir precedentes noutros países, dificilmente
dará guarida a qualquer pressão política, o que não melhora a posição e
autoridade de Carlos Costa, que está no limite do insustentável. Com efeito,
como é que pode avaliar colegas seus na CGD se não assume também as
consequências para si mesmo? – pergunta António Costa.

Portanto, o problema será encarado pelo lado mais grave, o problema da
falta de autoridade e de legitimidade, que o próprio governador já topou e que
o levou ao pedido de escusa de participar em decisões do BdP sobre a CGD
relacionadas com a auditoria e respetivas consequências.

E Carlos Costa poderia muito bem ajudar no desenlace, já que é de todo questionável
como é que o governador pode manter-se em funções se não passaria nos critérios
de idoneidade usados para vetar candidatos à administração de bancos
comerciais, sendo os mesmos ou ainda mais exigentes os que presidem à nomeação do
líder da instituição reguladora e supervisora. Apresentaria ele próprio o
pedido de demissão para facilitar a imparcialidade e a eficácia no apuramento
de responsabilidades. Que diabo! Quem não deve não teme…  

Não vá acontecer que outros como Ricardo Salgado e Morais Pires, porque
este caso da CGD dá azo a “cavalgarem a tese de que tudo o que se passou no
grupo BES/GES se deveu a Carlos Costa”. Obviamente que “não foi”, mas “convém
separar as águas”.

E, não é
mudando o regime de nomeação do Governador que as coisas ficarão melhor, como
quer o CDS (promete apresentar em breve um projeto de lei) e como chegou a quer o PS (apresentou
um projeto de lei para alterar o regime de nomeação, que deixou cair). Concordo que o Governador seja
nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo e após audição no Parlamento,
como quer o CDS. Mas é apenas uma questão de transparência, que, por si, não
elimina falhas idoneidade. Mas o PS e o Governo, que apenas conseguiram ganhar
a audição parlamentar, não falam alto ao BCE e à Comissão Europeia. Isso de falar
alto fica para professores e enfermeiros!

Para já
Carlos Costa mantém-se de pedra e cal, a menos que entenda dever sair pelo seu
pé…

2019.02.12 –
Louro de Carvalho       

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