Lendo e relendo: A configuração do “erro de perceção mútuo”

16-09-2019
marcar artigo

Segundo a edição do periódico on line ECO, a Comissão
Eventual de Inquérito Parlamentar à atuação do XXI Governo Constitucional no
que se relaciona com a nomeação e a demissão da Administração do Dr. António Domingues (CPIAGNDAD) já tem relatório que será
discutido e presumivelmente aprovado muito em breve. São já conhecidas as
pré-conclusões do trabalho daquela comissão parlamentar – com designação tão
pomposa, não sei se pela relevância do XXI Governo Constitucional se pela do
efémero presidente da Comissão Executiva da CGD e seu Chairman. Bem fazem as más-línguas que ousaram pura e simplesmente designá-la
por Comissão dos SMS ou Comissão de Inquérito à Demissão de António Domingues. O que merece um homem e uns
miseráveis SMS! Com efeito, assuntos de Estado deveriam ser abordados e
discutidos com mais cautela, seriedade e por outros meios, como a carta e/ou a
reunião das pessoas em causa.

***

Foi preciso um relatório, elaborado depois de ser ouvida uma bateria de
personalidades e outra de documentos para se entender o que efetivamente foi o
“erro de perceção mútuo” que levou à demissão de António Domingues, ou seja,
para se ficar a saber o que já se sabia.

No imbróglio que se urdiu em torno da problemática
da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e da atribuição que lhe foi
outorgada duma equipa de administração e gestão profissional, saltou a retirada
dos administradores do Estatuto do Gestor Público com as ambiguidades já por demasiado
conhecidas.

O relatório vem a concluir o que parece
alegadamente ser o mais importante:  

“Em momento
algum houve qualquer acordo para a alteração do Regime Jurídico do Controlo
Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, podendo haver meras
referências ocasionais sobre essa matéria”.  

Nas trocas de informação, António Domingues entendeu um sentido das coisas e
Mário Centeno entendeu outro. Este foi o “erro de perceção mútuo” que levou à
demissão de um da CGD e à manutenção do outro no Governo. Querem os
inquiridores parlamentares convencer o povo de que não houve, nunca jamais em
tempo algum, qualquer acordo para isentar o insigne gestor da declaração de rendimentos
e de património ao TC (Tribunal Constitucional). Por outras palavras, há que salvar a honra do convento
governamental proclamando Urbi et Orbi
que “não houve, entre Mário Centeno e António Domingues, qualquer
acordo para isentar o antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e restantes administradores de apresentarem as
respetivas declarações de património e de rendimentos ao Tribunal
Constitucional”. António
Domingues não soube ler o conteúdo das mensagens trocadas entre si e Centeno e
Centeno também não soube ler o conteúdo das mesmas mensagens. Temos então, pelo
menos, um governante iletrado e tivemos também na CGD um administrador-chefe
iletrado.

Domingues na sua iliteracia “julgava por adquiridos” os pressupostos que
lhe interessavam; Centeno julgava por adquirida a posição que alegadamente o
Governo defendia.

E, assim, segundo o ECO, chegou-se
à:

“Principal
conclusão do relatório final da Comissão Eventual de
Inquérito Parlamentar à Atuação do XXI Governo Constitucional no que se
relaciona com a Nomeação e a Demissão da Administração do Dr. António Domingues,
carinhosamente apelidada de comissão dos SMS”.

Um relatório com este conteúdo e esta forma que faz arrepiar os cabelos da
cidadania vai ser discutido e votado pelos deputados da Comissão no próximo dia
17 de outubro. Isto, porque

“Os depoimentos
foram esclarecedores o bastante para que fosse possível indagar o que havia a
indagar, esclarecer o que havia a esclarecer, não havendo qualquer óbice de
outra natureza que impossibilitasse a retirada de conclusões”.

Uma conclusão destas, tão rica e tão sapiente, foi tirada ao fim de pouco
mais de 100 páginas pelo deputado socialista Luís Testa, o relator
desta comissão. Não obstante, o relator reconhece ter havido “vários casos de recusa de envio de documentos”, sendo as recusas
mais marcantes as de Mário Centeno em enviar o conteúdo das SMS trocadas
com António Domingues, “que poderiam revelar o compromisso (ou não) da isenção de entrega das declarações ao
Constitucional”. O relatório sublinha que é longa a lista de razões para a recusa
de entrega de documentos à comissão, começando por referir:

“Houve casos de
recusa de envio de alguns documentos, sustentada na invocação do segredo
profissional, do segredo bancário e do segredo de supervisão, que constituem
modalidades de segredo profissional, ou, ainda, segredo de negócio”.

E acrescenta:

“As entidades
requeridas fundamentaram também o não envio da documentação solicitada na não inclusão
dos documentos no objeto da comissão, na não autoria dos documentos
solicitados, no facto de os elementos solicitados não terem por destinatária a
Caixa Geral de Depósitos, a circunstância de o Banco Central Europeu ter
notificado a Caixa Geral de Depósitos para não disponibilizar quaisquer
elementos relativos à correspondência trocada sem a sua prévia autorização
casuística, a não disponibilidade dos elementos solicitados, a inexistência da
documentação e o facto de os documentos solicitados se encontrarem sob a
responsabilidade legal do Banco Central Europeu”.

A CPIAGNDAD insistiu, ainda em 21 de abril de 2017, junto da CGD, do
Ministério das Finanças e do Banco de Portugal na necessidade de lhe serem
facultados os documentos adrede requeridos, disponibilizando-se para “diligenciar
meios alternativos de acesso aos mesmos”. Apesar de tudo, aquelas entidades
mantiveram a recusa de envio de alguns dos documentos. De tudo isto o relatório
faz crónica.

***

Como tem sido dito e redito, a saga começou no início de 2017, quando
o Governo convidou o que passou a ser o famoso Dr. Domingues para a
presidência do conselho de administração da CGD, que o convidado assumiu em
agosto desse ano. Entretanto, desencadeou-se o imbróglio que levou a que se constituísse
a Comissão com este objeto tão limitado, passando a coincidir no tempo, em
parte, com a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão do
banco público desde o ano 2000, culminando no processo de recapitalização de
cerca de 5.000 milhões de euros, aprovado entre o Governo português e a
Comissão Europeia, depois de a CGD ter apresentado um prejuízo histórico de
1.859 milhões de euros em 2016.

Domingues, Centeno e Ricardo Mourinho Félix começaram a trocar
correspondência em abril de 2016. E, nessa troca de correspondência, o antigo banqueiro entendeu fazer algumas exigências, de que a
principal era a isenção do Estatuto do Gestor Público, que, a seu ver, foram
aceites, como o próprio admitiu depois, em sede de comissão de inquérito.
Disse a propósito:

“Todas as
condições foram expostas e apresentadas ao Governo e, no meu juízo, foram
aceites. Escrevi a nota porque tinha consciência de que estava a propor
alterações fundamentais ao modelo e quis que ficasse escrito para que não
houvesse dúvidas.”.

Ora, em junho de 2016, o Governo aprovou, por decreto-lei,
as alterações ao Estatuto do Gestor Público que viriam satisfazer todas as
exigências de António Domingues – isto no seu entender. E eu também
assim o entendo, embora julgue que o Governo não o devia ter feito, a menos que
tivesse necessidade de vender essa mercadoria legislativa à Comissão Europeia e
ao BCE para viabilizar a recapitalização da CGD sem que fosse considerada ajuda
pública. Com efeito, o decreto-lei em causa veio isentar os gestores do banco
público dos tetos salariais impostos aos restantes gestores públicos. Depois,
passou a alegar-se, a meu ver de forma enviesada, que não fazia referência à
obrigatoriedade de declaração de rendimentos e património, prevista noutra lei,
que não a do Estatuto do Gestor Público, mas a do Regime Jurídico do Controlo
Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, aprovada em 1983. Se
não integram o Estatuto do Gestor Publico, não deviam continuar a ser considerados
no âmbito da lei de 1983. Não o entendeu assim o Presidente da República, que
extravagantemente ousou esclarecer o sentido do decreto-lei, levando à sirga o
Governo, alguns partidos e o próprio Tribunal Constitucional (TC), que, pelos visto, ainda não se tinha sentido “estimulado”.
No mínimo deveria ter sido, o TC a dissipar a dúvida pela via da interpretação
da Lei/Decreto-Lei ou o Parlamento pela via legislativa. E talvez Domingues
devesse reconhecer não ter sido explícito na sua exigência.

Assim, em outubro de 2016, pouco depois de António Domingues assumir o
cargo de presidente da CGD, o comentador Marques Mendes levantou a questão: os
administradores da CGD não vão entregar ao TC as respetivas declarações de
rendimentos e de património? Passadas três semanas, a 15 de novembro, Domingues
envia carta a Centeno, exprimindo a sua “surpresa” relativamente a essa
questão:

“Foi, desde logo, com grande surpresa que vimos serem suscitadas
dúvidas sobre as implicações da exclusão dos membros do Conselho de
Administração da CGD do Estatuto do Gestor Público, concretamente sobre
a possível necessidade de envio de tais declarações ao Tribunal Constitucional”.

A obrigação de entregar as declarações fora, segundo o que acrescentava Domingues,
“uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD”. Foi,
pelos vistos, esse erro de perceção mútuo, como Centeno o designou quando foi
ouvido na comissão de inquérito. E eu pergunto-me onde está a mutualidade do
erro. Apenas cada um o entendeu, não conforme o entendeu tout court, mas conforme a própria conveniência, sendo que a de um
não coincidia com a do outro. Porém, o relator concluindo que uma parte entendeu uma coisa, outra entendeu coisa diferente, comenta
no seu texto:  

“Não é por não
se aplicar o Estatuto do Gestor Público a uma subclasse de gestores públicos
que estes ficam exonerados das restantes obrigações a que estão sujeitos –
nomeadamente as constantes da lei n.º 4/83, de 2 de abril – já que não
afastadas a nenhuma classe ou subclasse de gestores públicos”.

E eu continuo na minha interrogação: Afinal, quais são as consequências da subtração
daqueles gestores ao Estatuto do Gestor Público, se não o são as exigências de
direitos e deveres inerentes a esse estatuto? Se assim não é, o Decreto-Lei n.º
39/2016, de 28 de julho, deveria estipular coisa como o seguinte: “Os gestores
da CGD não estão sujeitos ao regime de indexação dos vencimentos aos do PR,
ficando, nesta matéria, fora do Estatuto do Gestor Público”. De resto, tapa-se
o sol com a peneira ou deita-se poeira nos olhos ao concluir-se, de forma
excessiva, que esse regime de exceção nunca foi acordado com
Domingues:

“Das audições
foi ainda possível concluir que em momento algum houve qualquer acordo para a
alteração do regime jurídico do controlo público da riqueza dos titulares de
cargos políticos, podendo haver meras referências ocasionais sobre essa matéria”.

Penso que deviam deixar falar os escritos, ao menos, tanto como as audições,
pois o que vem a seguir sobre a admissão de meras diferenças de interpretação
sabe a oco e ambíguo. Vejamos:

“O que é
possível admitir é que possa ter sido suscitado o convencimento de que a
alteração do Estatuto do Gestor Público, nos termos em que foi feita, poderia
exonerar de restantes obrigações os gestores públicos em causa, o que, como já
se demonstrou, não exonera”.

Ademais, é absurdo considerarem-nos ingénuos quando dizem:

“A saída do Dr.
António Domingues deriva, não de qualquer aspeto relacionado com a
administração da CGD, mas sim de questões de relação com o acionista,
construídas com base em pressupostos que o próprio julgava por adquiridos”.

E é preciso ter desplante para enxotar a culpa só para um lado, o do Dr.
Domingues, quando, do meu ponto de vista, ninguém ficou bem na fotografia: Domingues,
Centeno, Mourinho Félix, Marcelo e Costa Andrade.

Como em
tempos afirmei, era tão fácil e tão nobre cada uma das partes assumir a sua quota-parte
de culpa. Porém, a dignidade parece ter metido férias.

2017.10.10 – Louro de Carvalho

Segundo a edição do periódico on line ECO, a Comissão
Eventual de Inquérito Parlamentar à atuação do XXI Governo Constitucional no
que se relaciona com a nomeação e a demissão da Administração do Dr. António Domingues (CPIAGNDAD) já tem relatório que será
discutido e presumivelmente aprovado muito em breve. São já conhecidas as
pré-conclusões do trabalho daquela comissão parlamentar – com designação tão
pomposa, não sei se pela relevância do XXI Governo Constitucional se pela do
efémero presidente da Comissão Executiva da CGD e seu Chairman. Bem fazem as más-línguas que ousaram pura e simplesmente designá-la
por Comissão dos SMS ou Comissão de Inquérito à Demissão de António Domingues. O que merece um homem e uns
miseráveis SMS! Com efeito, assuntos de Estado deveriam ser abordados e
discutidos com mais cautela, seriedade e por outros meios, como a carta e/ou a
reunião das pessoas em causa.

***

Foi preciso um relatório, elaborado depois de ser ouvida uma bateria de
personalidades e outra de documentos para se entender o que efetivamente foi o
“erro de perceção mútuo” que levou à demissão de António Domingues, ou seja,
para se ficar a saber o que já se sabia.

No imbróglio que se urdiu em torno da problemática
da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e da atribuição que lhe foi
outorgada duma equipa de administração e gestão profissional, saltou a retirada
dos administradores do Estatuto do Gestor Público com as ambiguidades já por demasiado
conhecidas.

O relatório vem a concluir o que parece
alegadamente ser o mais importante:  

“Em momento
algum houve qualquer acordo para a alteração do Regime Jurídico do Controlo
Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, podendo haver meras
referências ocasionais sobre essa matéria”.  

Nas trocas de informação, António Domingues entendeu um sentido das coisas e
Mário Centeno entendeu outro. Este foi o “erro de perceção mútuo” que levou à
demissão de um da CGD e à manutenção do outro no Governo. Querem os
inquiridores parlamentares convencer o povo de que não houve, nunca jamais em
tempo algum, qualquer acordo para isentar o insigne gestor da declaração de rendimentos
e de património ao TC (Tribunal Constitucional). Por outras palavras, há que salvar a honra do convento
governamental proclamando Urbi et Orbi
que “não houve, entre Mário Centeno e António Domingues, qualquer
acordo para isentar o antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e restantes administradores de apresentarem as
respetivas declarações de património e de rendimentos ao Tribunal
Constitucional”. António
Domingues não soube ler o conteúdo das mensagens trocadas entre si e Centeno e
Centeno também não soube ler o conteúdo das mesmas mensagens. Temos então, pelo
menos, um governante iletrado e tivemos também na CGD um administrador-chefe
iletrado.

Domingues na sua iliteracia “julgava por adquiridos” os pressupostos que
lhe interessavam; Centeno julgava por adquirida a posição que alegadamente o
Governo defendia.

E, assim, segundo o ECO, chegou-se
à:

“Principal
conclusão do relatório final da Comissão Eventual de
Inquérito Parlamentar à Atuação do XXI Governo Constitucional no que se
relaciona com a Nomeação e a Demissão da Administração do Dr. António Domingues,
carinhosamente apelidada de comissão dos SMS”.

Um relatório com este conteúdo e esta forma que faz arrepiar os cabelos da
cidadania vai ser discutido e votado pelos deputados da Comissão no próximo dia
17 de outubro. Isto, porque

“Os depoimentos
foram esclarecedores o bastante para que fosse possível indagar o que havia a
indagar, esclarecer o que havia a esclarecer, não havendo qualquer óbice de
outra natureza que impossibilitasse a retirada de conclusões”.

Uma conclusão destas, tão rica e tão sapiente, foi tirada ao fim de pouco
mais de 100 páginas pelo deputado socialista Luís Testa, o relator
desta comissão. Não obstante, o relator reconhece ter havido “vários casos de recusa de envio de documentos”, sendo as recusas
mais marcantes as de Mário Centeno em enviar o conteúdo das SMS trocadas
com António Domingues, “que poderiam revelar o compromisso (ou não) da isenção de entrega das declarações ao
Constitucional”. O relatório sublinha que é longa a lista de razões para a recusa
de entrega de documentos à comissão, começando por referir:

“Houve casos de
recusa de envio de alguns documentos, sustentada na invocação do segredo
profissional, do segredo bancário e do segredo de supervisão, que constituem
modalidades de segredo profissional, ou, ainda, segredo de negócio”.

E acrescenta:

“As entidades
requeridas fundamentaram também o não envio da documentação solicitada na não inclusão
dos documentos no objeto da comissão, na não autoria dos documentos
solicitados, no facto de os elementos solicitados não terem por destinatária a
Caixa Geral de Depósitos, a circunstância de o Banco Central Europeu ter
notificado a Caixa Geral de Depósitos para não disponibilizar quaisquer
elementos relativos à correspondência trocada sem a sua prévia autorização
casuística, a não disponibilidade dos elementos solicitados, a inexistência da
documentação e o facto de os documentos solicitados se encontrarem sob a
responsabilidade legal do Banco Central Europeu”.

A CPIAGNDAD insistiu, ainda em 21 de abril de 2017, junto da CGD, do
Ministério das Finanças e do Banco de Portugal na necessidade de lhe serem
facultados os documentos adrede requeridos, disponibilizando-se para “diligenciar
meios alternativos de acesso aos mesmos”. Apesar de tudo, aquelas entidades
mantiveram a recusa de envio de alguns dos documentos. De tudo isto o relatório
faz crónica.

***

Como tem sido dito e redito, a saga começou no início de 2017, quando
o Governo convidou o que passou a ser o famoso Dr. Domingues para a
presidência do conselho de administração da CGD, que o convidado assumiu em
agosto desse ano. Entretanto, desencadeou-se o imbróglio que levou a que se constituísse
a Comissão com este objeto tão limitado, passando a coincidir no tempo, em
parte, com a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão do
banco público desde o ano 2000, culminando no processo de recapitalização de
cerca de 5.000 milhões de euros, aprovado entre o Governo português e a
Comissão Europeia, depois de a CGD ter apresentado um prejuízo histórico de
1.859 milhões de euros em 2016.

Domingues, Centeno e Ricardo Mourinho Félix começaram a trocar
correspondência em abril de 2016. E, nessa troca de correspondência, o antigo banqueiro entendeu fazer algumas exigências, de que a
principal era a isenção do Estatuto do Gestor Público, que, a seu ver, foram
aceites, como o próprio admitiu depois, em sede de comissão de inquérito.
Disse a propósito:

“Todas as
condições foram expostas e apresentadas ao Governo e, no meu juízo, foram
aceites. Escrevi a nota porque tinha consciência de que estava a propor
alterações fundamentais ao modelo e quis que ficasse escrito para que não
houvesse dúvidas.”.

Ora, em junho de 2016, o Governo aprovou, por decreto-lei,
as alterações ao Estatuto do Gestor Público que viriam satisfazer todas as
exigências de António Domingues – isto no seu entender. E eu também
assim o entendo, embora julgue que o Governo não o devia ter feito, a menos que
tivesse necessidade de vender essa mercadoria legislativa à Comissão Europeia e
ao BCE para viabilizar a recapitalização da CGD sem que fosse considerada ajuda
pública. Com efeito, o decreto-lei em causa veio isentar os gestores do banco
público dos tetos salariais impostos aos restantes gestores públicos. Depois,
passou a alegar-se, a meu ver de forma enviesada, que não fazia referência à
obrigatoriedade de declaração de rendimentos e património, prevista noutra lei,
que não a do Estatuto do Gestor Público, mas a do Regime Jurídico do Controlo
Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, aprovada em 1983. Se
não integram o Estatuto do Gestor Publico, não deviam continuar a ser considerados
no âmbito da lei de 1983. Não o entendeu assim o Presidente da República, que
extravagantemente ousou esclarecer o sentido do decreto-lei, levando à sirga o
Governo, alguns partidos e o próprio Tribunal Constitucional (TC), que, pelos visto, ainda não se tinha sentido “estimulado”.
No mínimo deveria ter sido, o TC a dissipar a dúvida pela via da interpretação
da Lei/Decreto-Lei ou o Parlamento pela via legislativa. E talvez Domingues
devesse reconhecer não ter sido explícito na sua exigência.

Assim, em outubro de 2016, pouco depois de António Domingues assumir o
cargo de presidente da CGD, o comentador Marques Mendes levantou a questão: os
administradores da CGD não vão entregar ao TC as respetivas declarações de
rendimentos e de património? Passadas três semanas, a 15 de novembro, Domingues
envia carta a Centeno, exprimindo a sua “surpresa” relativamente a essa
questão:

“Foi, desde logo, com grande surpresa que vimos serem suscitadas
dúvidas sobre as implicações da exclusão dos membros do Conselho de
Administração da CGD do Estatuto do Gestor Público, concretamente sobre
a possível necessidade de envio de tais declarações ao Tribunal Constitucional”.

A obrigação de entregar as declarações fora, segundo o que acrescentava Domingues,
“uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD”. Foi,
pelos vistos, esse erro de perceção mútuo, como Centeno o designou quando foi
ouvido na comissão de inquérito. E eu pergunto-me onde está a mutualidade do
erro. Apenas cada um o entendeu, não conforme o entendeu tout court, mas conforme a própria conveniência, sendo que a de um
não coincidia com a do outro. Porém, o relator concluindo que uma parte entendeu uma coisa, outra entendeu coisa diferente, comenta
no seu texto:  

“Não é por não
se aplicar o Estatuto do Gestor Público a uma subclasse de gestores públicos
que estes ficam exonerados das restantes obrigações a que estão sujeitos –
nomeadamente as constantes da lei n.º 4/83, de 2 de abril – já que não
afastadas a nenhuma classe ou subclasse de gestores públicos”.

E eu continuo na minha interrogação: Afinal, quais são as consequências da subtração
daqueles gestores ao Estatuto do Gestor Público, se não o são as exigências de
direitos e deveres inerentes a esse estatuto? Se assim não é, o Decreto-Lei n.º
39/2016, de 28 de julho, deveria estipular coisa como o seguinte: “Os gestores
da CGD não estão sujeitos ao regime de indexação dos vencimentos aos do PR,
ficando, nesta matéria, fora do Estatuto do Gestor Público”. De resto, tapa-se
o sol com a peneira ou deita-se poeira nos olhos ao concluir-se, de forma
excessiva, que esse regime de exceção nunca foi acordado com
Domingues:

“Das audições
foi ainda possível concluir que em momento algum houve qualquer acordo para a
alteração do regime jurídico do controlo público da riqueza dos titulares de
cargos políticos, podendo haver meras referências ocasionais sobre essa matéria”.

Penso que deviam deixar falar os escritos, ao menos, tanto como as audições,
pois o que vem a seguir sobre a admissão de meras diferenças de interpretação
sabe a oco e ambíguo. Vejamos:

“O que é
possível admitir é que possa ter sido suscitado o convencimento de que a
alteração do Estatuto do Gestor Público, nos termos em que foi feita, poderia
exonerar de restantes obrigações os gestores públicos em causa, o que, como já
se demonstrou, não exonera”.

Ademais, é absurdo considerarem-nos ingénuos quando dizem:

“A saída do Dr.
António Domingues deriva, não de qualquer aspeto relacionado com a
administração da CGD, mas sim de questões de relação com o acionista,
construídas com base em pressupostos que o próprio julgava por adquiridos”.

E é preciso ter desplante para enxotar a culpa só para um lado, o do Dr.
Domingues, quando, do meu ponto de vista, ninguém ficou bem na fotografia: Domingues,
Centeno, Mourinho Félix, Marcelo e Costa Andrade.

Como em
tempos afirmei, era tão fácil e tão nobre cada uma das partes assumir a sua quota-parte
de culpa. Porém, a dignidade parece ter metido férias.

2017.10.10 – Louro de Carvalho

marcar artigo