Atualidades by: Cláudia Pereira: O crime de José António Saraiva

10-04-2019
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Devassa da intimidade, com o objetivo de invadir, ferir e lucrar com
isso.

Chamaram-lhe "o livro proibido", o que chama a atenção
porque, ou o que o autor escreveu é crime, ou a editora Gradiva não quis
ver que o era, o que seria estranho. Publicou
e “voltaria a fazer o mesmo” (disse o editor da Gradiva) porque o lucro era
superior aos riscos. Ou porque publicaria algo “proibido”?

Quando Saraiva contactou a editora
que em tempos foi do seu pai,  António José Saraiva,
dizendo que tinha um livro para
publicar, a Gradiva disse imediatamente que sim, sem o
ter lido. A publicação de Eu e os Políticos – O que não pude (ou não quis) escrever até hoje ocorre no momento em que JAS se retira
de cargos executivos no Jorna­lismo.

Porque é
proibido?

“A minha única ambição ao escrevê‑lo foi
deixar um testemunho que possa ser útil a quem, no futuro, tente reconstituir a
história deste período”, disse o autor na apresentação do livro.

Começou por ser dito
que o livro divulgaria a
vida sexual das personalidades, dos políticos portugueses. Os jornais começaram então a especular sobre o conteúdo e até a apresentação
dele trouxe burburinho.

Pedro Passos Coelho é uma das personagens do livro. Conheceu
JAS quando era líder
do PSD e foi por causa de um artigo do jornalista que foram almoçar. Sem saber o
que a obra revelaria, o ex-primeiro ministro esteve quase a apresentá-lo pela “confiança e
respeito” que tem por JAS mas não o fez “por motivos pessoais”. Depois disso, e
"por decisão conjunta do autor e
da editora”, a cerimónia de apresentação da obra acabou mesmo por ser cancelada.

Diz o autor que
“ninguém leu até ser entregue ao editor. Nem a minha mulher. Se lesse, não me
deixava publicar…”.

JAS diz que o
livro tem “muitos episódios
relevantes para a história dos últimos 40 anos, contados pelos próprios
protagonistas. Mas que diferença havia se escrevesse como publicação póstuma?
As revelações eram as mesmas. Só eu não estaria cá para arcar com as críticas…”,
explicou ao Observador. “Relevantes” é logo o que
questiono e enrugo a testa ao ler “contados pelos próprios
protagonistas”. Os protagonistas nem tiveram acesso ao conteúdo
do livro que lhes iria expor as conversas privadas que tiveram com aquele que
era jornalista.

Num post com o título “coscuvilhices”, escreveu Francisco Seixas da
Costa no Facebook: “Alguém a quem
determinadas informações foram prestadas, numa conversa discreta, terá o
direito, mesmo que muitos anos depois, de vir a público revelá-las, sabendo
claramente que, com isso, quebrou a confiança que foi posta em si? E, em
especial, se a revelação dessas conversas vier a afetar a imagem de pessoas,
vivas ou já desaparecidas, será eticamente aceitável publicar - nas redes
sociais, na imprensa ou em livro - tais dados? A resposta parece evidente para
toda a gente, mas, aparentemente, para alguns, não o é”.

Muitos dos
personagens já não estão aqui para dizer se gostam do retrato ou para ver a
correspondência trocada com o agora ex-jornalista exposta a quem quer ler e sem
a autorização dos seus interlocutores. Também o livro
Confissões, do mesmo autor, revela
conversas dos políticos na intimidade de um
almoço.

Conclusão

Como se por serem figuras públicas – políticos e
empresários – pudessem ter as suas conversas públicas, as suas vidas fora da profissão
transmitidas a todos. Um campo que pertence às revistas "cor-de-rosa"
ou a publicações que não se regem pelos princípios do Jornalismo ou dos
Direitos Humanos.

“Ninguém
sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu
domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra
tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei” (Declaração
Universal dos Direitos Humanos, artigo 12).

A solução é simples: ponham-se no lugar deles, dos
“famosos”, dos que por terem um emprego que gostam mas que tem como
consequência ser reconhecidos na rua, terem de ver as suas vidas em páginas de
jornais, revistas, livros. Se fossem vocês, que fariam? Se fosse a vossa Mãe ou
amigo, gostavam?

O objetivo de lucrar com o mal foi cumprido porque o livro já vai na sua 11ª edição. Eu própria o comprei porque não queria estar aqui a falar sem o ter lido ou, de outra forma, se fosse para falar com base no que os outros dizem, mais valia estar calada. Porém, o livro suscita uma discussão ética e deontológica ao nível do Jornalismo que
me alerta porque não quero cair no mesmo erro ou crime.

É
por estas e por outras que as pessoas desconfiam dos jornalistas e dizem “Temos de ter cuidado com o que dizemos ao pé dos jornalistas”. Assim se confunde o Jornalismo de verdade e se tira a credibilidade
a uma profissão. Pergunto:
há interesse público no livro? A finalidade do
livro é informar o público sobre assuntos relevantes e usando meios leais? Se a
resposta é não, então não digam que é de Jornalismo que estamos a falar.

A
devassa da vida de “famosos” que não tiveram direito a falar antes de verem as suas conversas de restaurante gravadas para quem quiser ler representa, para mim, a pior despedida do Jornalismo que JAS poderia ter. Da informação confrontada e aprofundada, vemos em livro uma espécie de "revista cor-de-rosa" de má qualidade.

Fontes de Informação

http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/fernanda-cancio/interior/o-crime-de-jose-antonio-saraiva-5393211.html

http://observador.pt/2016/09/12/passos-coelho-apresenta-livro-proibido-de-saraiva-sobre-politicos/

https://www.publico.pt/politica/noticia/jose-antonio-saraiva-fala-na-cama-deles-1744307

http://www.tsf.pt/sociedade/interior/-passos--ja-nao-vai-apresentar-livro-de-jose-antonio-saraiva-5400314.html
SARAIVA, José António, Eu e os Políticos – O que não pude (ou não quis) escrever até hoje, 11ª Edição, Lisboa, Gradiva, 2016. 

Devassa da intimidade, com o objetivo de invadir, ferir e lucrar com
isso.

Chamaram-lhe "o livro proibido", o que chama a atenção
porque, ou o que o autor escreveu é crime, ou a editora Gradiva não quis
ver que o era, o que seria estranho. Publicou
e “voltaria a fazer o mesmo” (disse o editor da Gradiva) porque o lucro era
superior aos riscos. Ou porque publicaria algo “proibido”?

Quando Saraiva contactou a editora
que em tempos foi do seu pai,  António José Saraiva,
dizendo que tinha um livro para
publicar, a Gradiva disse imediatamente que sim, sem o
ter lido. A publicação de Eu e os Políticos – O que não pude (ou não quis) escrever até hoje ocorre no momento em que JAS se retira
de cargos executivos no Jorna­lismo.

Porque é
proibido?

“A minha única ambição ao escrevê‑lo foi
deixar um testemunho que possa ser útil a quem, no futuro, tente reconstituir a
história deste período”, disse o autor na apresentação do livro.

Começou por ser dito
que o livro divulgaria a
vida sexual das personalidades, dos políticos portugueses. Os jornais começaram então a especular sobre o conteúdo e até a apresentação
dele trouxe burburinho.

Pedro Passos Coelho é uma das personagens do livro. Conheceu
JAS quando era líder
do PSD e foi por causa de um artigo do jornalista que foram almoçar. Sem saber o
que a obra revelaria, o ex-primeiro ministro esteve quase a apresentá-lo pela “confiança e
respeito” que tem por JAS mas não o fez “por motivos pessoais”. Depois disso, e
"por decisão conjunta do autor e
da editora”, a cerimónia de apresentação da obra acabou mesmo por ser cancelada.

Diz o autor que
“ninguém leu até ser entregue ao editor. Nem a minha mulher. Se lesse, não me
deixava publicar…”.

JAS diz que o
livro tem “muitos episódios
relevantes para a história dos últimos 40 anos, contados pelos próprios
protagonistas. Mas que diferença havia se escrevesse como publicação póstuma?
As revelações eram as mesmas. Só eu não estaria cá para arcar com as críticas…”,
explicou ao Observador. “Relevantes” é logo o que
questiono e enrugo a testa ao ler “contados pelos próprios
protagonistas”. Os protagonistas nem tiveram acesso ao conteúdo
do livro que lhes iria expor as conversas privadas que tiveram com aquele que
era jornalista.

Num post com o título “coscuvilhices”, escreveu Francisco Seixas da
Costa no Facebook: “Alguém a quem
determinadas informações foram prestadas, numa conversa discreta, terá o
direito, mesmo que muitos anos depois, de vir a público revelá-las, sabendo
claramente que, com isso, quebrou a confiança que foi posta em si? E, em
especial, se a revelação dessas conversas vier a afetar a imagem de pessoas,
vivas ou já desaparecidas, será eticamente aceitável publicar - nas redes
sociais, na imprensa ou em livro - tais dados? A resposta parece evidente para
toda a gente, mas, aparentemente, para alguns, não o é”.

Muitos dos
personagens já não estão aqui para dizer se gostam do retrato ou para ver a
correspondência trocada com o agora ex-jornalista exposta a quem quer ler e sem
a autorização dos seus interlocutores. Também o livro
Confissões, do mesmo autor, revela
conversas dos políticos na intimidade de um
almoço.

Conclusão

Como se por serem figuras públicas – políticos e
empresários – pudessem ter as suas conversas públicas, as suas vidas fora da profissão
transmitidas a todos. Um campo que pertence às revistas "cor-de-rosa"
ou a publicações que não se regem pelos princípios do Jornalismo ou dos
Direitos Humanos.

“Ninguém
sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu
domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra
tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei” (Declaração
Universal dos Direitos Humanos, artigo 12).

A solução é simples: ponham-se no lugar deles, dos
“famosos”, dos que por terem um emprego que gostam mas que tem como
consequência ser reconhecidos na rua, terem de ver as suas vidas em páginas de
jornais, revistas, livros. Se fossem vocês, que fariam? Se fosse a vossa Mãe ou
amigo, gostavam?

O objetivo de lucrar com o mal foi cumprido porque o livro já vai na sua 11ª edição. Eu própria o comprei porque não queria estar aqui a falar sem o ter lido ou, de outra forma, se fosse para falar com base no que os outros dizem, mais valia estar calada. Porém, o livro suscita uma discussão ética e deontológica ao nível do Jornalismo que
me alerta porque não quero cair no mesmo erro ou crime.

É
por estas e por outras que as pessoas desconfiam dos jornalistas e dizem “Temos de ter cuidado com o que dizemos ao pé dos jornalistas”. Assim se confunde o Jornalismo de verdade e se tira a credibilidade
a uma profissão. Pergunto:
há interesse público no livro? A finalidade do
livro é informar o público sobre assuntos relevantes e usando meios leais? Se a
resposta é não, então não digam que é de Jornalismo que estamos a falar.

A
devassa da vida de “famosos” que não tiveram direito a falar antes de verem as suas conversas de restaurante gravadas para quem quiser ler representa, para mim, a pior despedida do Jornalismo que JAS poderia ter. Da informação confrontada e aprofundada, vemos em livro uma espécie de "revista cor-de-rosa" de má qualidade.

Fontes de Informação

http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/fernanda-cancio/interior/o-crime-de-jose-antonio-saraiva-5393211.html

http://observador.pt/2016/09/12/passos-coelho-apresenta-livro-proibido-de-saraiva-sobre-politicos/

https://www.publico.pt/politica/noticia/jose-antonio-saraiva-fala-na-cama-deles-1744307

http://www.tsf.pt/sociedade/interior/-passos--ja-nao-vai-apresentar-livro-de-jose-antonio-saraiva-5400314.html
SARAIVA, José António, Eu e os Políticos – O que não pude (ou não quis) escrever até hoje, 11ª Edição, Lisboa, Gradiva, 2016. 

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