Negócios sociais: Ganhar a vida a ajudar os outros

20-07-2016
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O cheiro a terra e as culturas geometricamente alinhadas quase fazem esquecer a agitação urbana que rodeia o Instituto Superior de Agronomia (ISA), na Ajuda, em Lisboa. Orgulhoso, um grupo de aprendizes de agricultores observa os brócolos que plantou nessa manhã. Entre eles, estão estudantes da universidade e também formandos com necessidades especiais do curso profissional de Operadores Agrícolas. À primeira vista, é impossível distinguir uns dos outros.

A cumplicidade é evidente. O sorriso rasgado de Joana Santiago, 51 anos, celebra mais esta vitória do projeto Semear, que começou a ser desenhado há quatro anos no Banco de Informação de Pais Para Pais (BIPP), a IPSS que fundou depois de ter sido mãe de um filho com deficiência.

"Temos de mostrar à sociedade as capacidades destes jovens e mudar o estigma que existe em relação às pessoas com necessidades especiais.

Uma faculdade é o sítio ideal para o fazermos", diz a presidente da instituição, referindo-se à parceria com o ISA, o local onde se realizam os cursos do Semear. Mas o projeto quer ir mais longe. Além de receberem formação em ambiente inclusivo, os alunos serão encaminhados para o mercado de trabalho. O próprio Semear irá garantir empregos, através da exploração de uma quinta com 20 hectares. A venda de todos os produtos cultivados já está assegurada por várias parcerias (como com o Grupo Jerónimo Martins). Numa fase inicial, serão criados, pelo menos, 15 empregos para portadores de necessidades especiais na Quinta Semear, enquanto os restantes formandos serão encaminhados para empresas parceiras. Com o tempo, o escoamento dos produtos irá garantir a sustentabilidade do projeto, ajudando a pagar salários, custos associados e assegurando a continuidade dos cursos de formação gratuitos. "Somos um negócio social porque estamos a empregar pessoas socialmente desfavorecidas, além de querermos garantir a nossa própria subsistência", explica a antiga enfermeira, que abandonou a carreira há seis meses para se dedicar a tempo inteiro ao Semear.

Hugo Aguiar entre alguns alunos do Speak (Foto: José Caria)

Potencial escondido

O Nobel da Paz Muhammad Yunus, criador do microcrédito, é um dos precursores da expressão "negócio social". Apesar do conceito ainda não ser consensual, Miguel Alves Martins, docente de empreendedorismo social na NovaSBE, em Lisboa, procura sintetizá-lo: "Passa por detetar problemas e encontrar soluções sustentáveis que produzam impacto na sociedade", ou seja, utilizando os mecanismos de mercado para gerar mudanças. Em Portugal, a definição legal de empresa social não existe, mas começam a surgir vários exemplos de negócios que têm uma missão, além da geração de receitas. O também cofundador do Instituto de Empreendedorismo Social (IES) acredita que, no futuro próximo, teremos "líderes com mais consciência de que este é um setor com potencial ", o que poderá contribuir para o aumento da fatia do PIB resultante do setor da Economia Social, atualmente nos 3%, apesar de ocupar 5% da população ativa. Segundo o Alliance for Social Impact Investiment (um consórcio financiado pela UE que visa impulsionar os negócios sociais em Portugal), em países como a França e o Reino Unido, os negócios sociais representam 25% do terceiro sector e atraem capital na ordem dos 250 milhões de euros por ano. No nosso país, este valor não ultrapassa os 100 mil euros.

A captação de investimento é um dos desafios do Speak, uma escola de línguas que combate a exclusão sociocultural de imigrantes.

"Algumas empresas não acreditam que exista profissionalismo na economia social porque estão habituadas a uma visão assistencialista, mas hoje há muita gente com talento no terceiro setor", acredita Hugo Aguiar, 28 anos, que voltou as costas a um emprego na Google para se dedicar ao Speak. Contudo, deixa um alerta: "Isso não significa que todas as respostas sociais tenham de ser um negócio."

Ana Quintas numa visita da Vitamimos à Escola Básica dos Lombos em Carcavelos (Foto: José Carlos Carvalho)

Conversa global

A fase inicial da empresa, criada em Leiria em 2012, foi facilitada pelo apoio da Fundação EDP, que se tornou cofundadora do projeto.

Qualquer pessoa pode juntar-se ao Speak para aprender uma língua ou ser professor voluntário da sua língua e cultura. O resultado é um conjunto de cursos em que imigrantes e locais aprendem e ensinam uns com os outros.

Os professores podem inscrever-se como alunos gratuitamente, enquanto os que apenas aprendem uma língua estrangeira pagam uma taxa simbólica de 25 euros. A prioridade são os imigrantes que aprendem português (muitas vezes são abordados pela equipa do Speak) e, nesses casos, são cobrados 12 euros, mas o valor é devolvido no final, se assistirem à maioria das 18 horas do curso. A grande inovação do projeto, que garante a sua sustentabilidade, é o Speak Pro: cursos de língua, cultura e estratégia de criação de empatia vendidos a empresas, para o qual são selecionados os melhores professores voluntários, que passam, assim, a ser pagos. Atualmente, cerca de metade dos professores do Speak Pro são imigrantes, o que corresponde a 13 empregos a tempo parcial.

Nos últimos dois anos, já passaram por Leiria cerca de 900 alunos e o equilíbrio entre lucros e despesas foi atingido no primeiro semestre deste ano. Caldas da Rainha, Coimbra e Lisboa são as outras cidades onde também já estão presentes, mas a ambição é nacional. Árabe, mandarim e até língua gestual portuguesa são algumas das opções disponíveis.

Hugo Aguiar apaixonou-se pelo voluntariado aos 15 anos e, aos 22, cofundou a associação Fazer Avançar, da qual emerge o Speak.

Margarida Pinto Correia, diretora de Inovação Social da Fundação EDP, destaca a importância da liderança dos projetos: "O empreendedor é alguém que consegue identificar um vazio e que tem uma ideia que ainda ninguém teve ou que ainda não foi bem feita", mas também há condições subjetivas a ditar o sucesso de um projeto. "Tem de haver paixão ou o negócio social não tem alma", acredita.

Rita Marques fundou uma agência de viagens solidárias pouco depois de terminar a faculdade (Foto: Marcos Borga)

Lucro para que te quero

Da matriz das empresas sociais faz parte a obtenção de lucro, mas são-lhes impostas algumas limitações. A teoria comummente aceite defende que a distribuição dos resultados deve ter como prioridade o desenvolvimento da missão social. A diretora do IES, Rita Megre, sente que há "um certo pudor do setor social em falar de receitas", mas a mentalidade começa a mudar com o aparecimento de "exemplos que mostram ser possível conjugar o lado empresarial com o social". O cofundador do Speak defende que "o empreendedor social é naturalmente motivado pelo impacto e não pelo lucro". Mas não o chocaria que a pessoa que resolvesse a fome no mundo fosse rica: "Provavelmente, ia logo investir o dinheiro noutra resposta social", aposta o informático.

"Ao princípio queria dar tudo, mas depois fui aprendendo a controlar esse impulso", confessa Ana Quintas, 50 anos, criadora do centro de educação alimentar Vitamimos, em Cascais. Professora de geografia há quase 20 anos, foi ao ler a Carta Europeia da Luta Contra a Obesidade que sentiu o ímpeto de agir. Começou por vencer um concurso da DNA Cascais, uma associação que incentiva o empreendedorismo no concelho, o que levou a autarquia a proporlhe um protocolo. Durante os primeiros tempos andou pelas escolas a testar os seus programas de educação alimentar, que incluem sempre atividades práticas, como a confeção de receitas simples. Entusiasmada com as reações dos miúdos, decidiu dar mais um passo: vendeu a sua casa para construir um centro educativo. O espaço está aberto há três anos em Cascais e tem sido fundamental para financiar o projeto, através de uma cafetaria aberta ao público, da organização de festas infantis com lanche saudável, de aulas de culinária para crianças ou do aluguer da sala. "Todos os anos damos sessões gratuitas a 300 crianças do município de Cascais. Às vezes também oferecemos a instituições ou fazemos trocas de serviços", explica a empresária. Chegar a mais escolas é uma prioridade. Para isso, Ana Quintas pretende criar uma rede de embaixadores Vitamimos, que inclua nutricionistas, dietistas, educadores, que ajudem a espalhar os programas de educação alimentar pelo País. Neste ano letivo, optou por pedir uma licença sem vencimento para se dedicar ao projeto: "Não podia continuar a trabalhar daquela maneira, estava a promover a saúde dos outros e a destruir a minha."

Por cada pacote de ração vendido, a Laika oferece outro a uma associação (Foto: José Caria)

Arriscar sonhar

Rita Megre, do IES, admite que vingar na área do empreendedorismo social não é fácil. "É um caminho pouco percorrido, que combina aquilo que gostamos de fazer com o que nos causa indignação. Estamos quase a trabalhar ao nível da utopia. Os empreendedores sociais, antes de serem chamados assim, são sempre apelidados de loucos", brinca a responsável pela escola que já formou perto de mil empreendedores em Portugal.

Aos 24 anos, Rita Marques está a desenvolver o seu próprio negócio social. Quando terminou o mestrado de Gestão Internacional na Universidade Nova, fez uma viagem de mochila às costas pelo Sudeste Asiático e sentiu que deveria haver mais turistas como ela, com vontade de deixarem uma marca positiva pelos locais onde passam. É esse o conceito da Impact Trip, uma agência de viagens solidárias que, enquanto põe os viajantes em contacto com a cultura do nosso país, organiza atividades de voluntariado durante a sua estada. A agência organiza o roteiro da viagem de acordo com as necessidades das instituições com as quais mantém parcerias e o perfil dos turistas. Apanhar lixo no fundo do mar, dar aulas de guitarra a crianças desfavorecidas ou ensinar desempregados a fazer um currículo são algumas das atividades possíveis. "O nosso objetivo, além de ajudar as organizações, é promover o voluntariado em Portugal", destaca. Apesar da dificuldade que sente ao explicar aos parceiros o que é a sua empresa social (um programa turístico de dois dias ronda os 120 euros, com tudo incluído), Rita acredita que ter uma missão é um elemento diferenciador, e pode ser uma vantagem competitiva.

Uma opinião partilhada por André Calado, 38 anos, gestor de marketing da Fundação +, uma organização de apoio ao empreendedorismo social que criou o seu próprio negócio para servir de exemplo. A Laika é uma marca de ração para cão que, por cada pacote vendido, oferece outro a uma instituição que albergue animais. Na génese do modelo de negócio está a intenção de libertar as associações das preocupações alimentares para que tenham mais tempo e dinheiro para se dedicarem a campanhas de adoção de animais e prevenir que muitos acabem abatidos por falta de vagas.

Atualmente, apoiam 80 instituições em todo o País. No próximo ano, esperam vender 100 toneladas a sustentabilidade estará garantida quando atingirem as 350, um objetivo a cumprir nos três ou quatro anos seguintes.

As associações também devolvem o gesto solidário, divulgando a marca junto de potenciais novos compradores.

Fazer chegar a mensagem ao destino é a especialidade da Comunicação para a Economia Social (CES), uma agência de comunicação especializada no terceiro setor, com escritório no Porto. "A comunicação é essencial para as instituições melhorarem a relação com benfeitores e beneficiários e também pode ser uma forma de encontrarem novas formas de financiamento e de credibilizarem o que fazem", esclarece Miguel Alvim, 31 anos, coordenador do CES. A equipa procura adaptar os preços às possibilidades de cada cliente, mas o mais complicado tem sido sensibilizar as organizações sociais para a questão. Em atividade há menos de um ano, ainda recebem alguns apoios e, uma vez que estão constituídos como associação, poderiam receber donativos (o que não é permitido às empresas). Também aqui as opiniões sobre o conceito de negócio social divergem. O Governo inglês, por exemplo, aceita até 70% de donativos na faturação, mas alguns investidores consideram que o ideal seria 20 por cento.

Antónia Brito é um dos elementos mais antigos do Projeto Marias (Foto: José Carlos Carvalho)

Querer transformar

O projeto Marias, cofundado pela Fundação EDP, está em fase de expansão em busca da sustentabilidade. O negócio funciona como uma agência de empregadas domésticas, recrutando pessoas de contextos sociais vulneráveis, sobretudo imigrantes. Atualmente, têm cerca de 40 "Marias" inscritas mas, ao todo, já criaram 80 postos de trabalho e pretendem chegar às duas ou três centenas. "Temos mais de 50 clientes em lista de espera, mas não podemos dar resposta imediata porque temos um processo de seleção criterioso para garantirmos o máximo de confiança", explica Suzanne Rodrigues, 35 anos, atual responsável pelo projeto, que retém 6% do que os clientes pagam às funcionárias. Antónia Brito, 47 anos, é um dos rostos sorridentes do impacto social do projeto que, tal como os demais exemplos, dá prioridade a um mundo mais justo. Um mundo onde a riqueza está nos outros.

O cheiro a terra e as culturas geometricamente alinhadas quase fazem esquecer a agitação urbana que rodeia o Instituto Superior de Agronomia (ISA), na Ajuda, em Lisboa. Orgulhoso, um grupo de aprendizes de agricultores observa os brócolos que plantou nessa manhã. Entre eles, estão estudantes da universidade e também formandos com necessidades especiais do curso profissional de Operadores Agrícolas. À primeira vista, é impossível distinguir uns dos outros.

A cumplicidade é evidente. O sorriso rasgado de Joana Santiago, 51 anos, celebra mais esta vitória do projeto Semear, que começou a ser desenhado há quatro anos no Banco de Informação de Pais Para Pais (BIPP), a IPSS que fundou depois de ter sido mãe de um filho com deficiência.

"Temos de mostrar à sociedade as capacidades destes jovens e mudar o estigma que existe em relação às pessoas com necessidades especiais.

Uma faculdade é o sítio ideal para o fazermos", diz a presidente da instituição, referindo-se à parceria com o ISA, o local onde se realizam os cursos do Semear. Mas o projeto quer ir mais longe. Além de receberem formação em ambiente inclusivo, os alunos serão encaminhados para o mercado de trabalho. O próprio Semear irá garantir empregos, através da exploração de uma quinta com 20 hectares. A venda de todos os produtos cultivados já está assegurada por várias parcerias (como com o Grupo Jerónimo Martins). Numa fase inicial, serão criados, pelo menos, 15 empregos para portadores de necessidades especiais na Quinta Semear, enquanto os restantes formandos serão encaminhados para empresas parceiras. Com o tempo, o escoamento dos produtos irá garantir a sustentabilidade do projeto, ajudando a pagar salários, custos associados e assegurando a continuidade dos cursos de formação gratuitos. "Somos um negócio social porque estamos a empregar pessoas socialmente desfavorecidas, além de querermos garantir a nossa própria subsistência", explica a antiga enfermeira, que abandonou a carreira há seis meses para se dedicar a tempo inteiro ao Semear.

Hugo Aguiar entre alguns alunos do Speak (Foto: José Caria)

Potencial escondido

O Nobel da Paz Muhammad Yunus, criador do microcrédito, é um dos precursores da expressão "negócio social". Apesar do conceito ainda não ser consensual, Miguel Alves Martins, docente de empreendedorismo social na NovaSBE, em Lisboa, procura sintetizá-lo: "Passa por detetar problemas e encontrar soluções sustentáveis que produzam impacto na sociedade", ou seja, utilizando os mecanismos de mercado para gerar mudanças. Em Portugal, a definição legal de empresa social não existe, mas começam a surgir vários exemplos de negócios que têm uma missão, além da geração de receitas. O também cofundador do Instituto de Empreendedorismo Social (IES) acredita que, no futuro próximo, teremos "líderes com mais consciência de que este é um setor com potencial ", o que poderá contribuir para o aumento da fatia do PIB resultante do setor da Economia Social, atualmente nos 3%, apesar de ocupar 5% da população ativa. Segundo o Alliance for Social Impact Investiment (um consórcio financiado pela UE que visa impulsionar os negócios sociais em Portugal), em países como a França e o Reino Unido, os negócios sociais representam 25% do terceiro sector e atraem capital na ordem dos 250 milhões de euros por ano. No nosso país, este valor não ultrapassa os 100 mil euros.

A captação de investimento é um dos desafios do Speak, uma escola de línguas que combate a exclusão sociocultural de imigrantes.

"Algumas empresas não acreditam que exista profissionalismo na economia social porque estão habituadas a uma visão assistencialista, mas hoje há muita gente com talento no terceiro setor", acredita Hugo Aguiar, 28 anos, que voltou as costas a um emprego na Google para se dedicar ao Speak. Contudo, deixa um alerta: "Isso não significa que todas as respostas sociais tenham de ser um negócio."

Ana Quintas numa visita da Vitamimos à Escola Básica dos Lombos em Carcavelos (Foto: José Carlos Carvalho)

Conversa global

A fase inicial da empresa, criada em Leiria em 2012, foi facilitada pelo apoio da Fundação EDP, que se tornou cofundadora do projeto.

Qualquer pessoa pode juntar-se ao Speak para aprender uma língua ou ser professor voluntário da sua língua e cultura. O resultado é um conjunto de cursos em que imigrantes e locais aprendem e ensinam uns com os outros.

Os professores podem inscrever-se como alunos gratuitamente, enquanto os que apenas aprendem uma língua estrangeira pagam uma taxa simbólica de 25 euros. A prioridade são os imigrantes que aprendem português (muitas vezes são abordados pela equipa do Speak) e, nesses casos, são cobrados 12 euros, mas o valor é devolvido no final, se assistirem à maioria das 18 horas do curso. A grande inovação do projeto, que garante a sua sustentabilidade, é o Speak Pro: cursos de língua, cultura e estratégia de criação de empatia vendidos a empresas, para o qual são selecionados os melhores professores voluntários, que passam, assim, a ser pagos. Atualmente, cerca de metade dos professores do Speak Pro são imigrantes, o que corresponde a 13 empregos a tempo parcial.

Nos últimos dois anos, já passaram por Leiria cerca de 900 alunos e o equilíbrio entre lucros e despesas foi atingido no primeiro semestre deste ano. Caldas da Rainha, Coimbra e Lisboa são as outras cidades onde também já estão presentes, mas a ambição é nacional. Árabe, mandarim e até língua gestual portuguesa são algumas das opções disponíveis.

Hugo Aguiar apaixonou-se pelo voluntariado aos 15 anos e, aos 22, cofundou a associação Fazer Avançar, da qual emerge o Speak.

Margarida Pinto Correia, diretora de Inovação Social da Fundação EDP, destaca a importância da liderança dos projetos: "O empreendedor é alguém que consegue identificar um vazio e que tem uma ideia que ainda ninguém teve ou que ainda não foi bem feita", mas também há condições subjetivas a ditar o sucesso de um projeto. "Tem de haver paixão ou o negócio social não tem alma", acredita.

Rita Marques fundou uma agência de viagens solidárias pouco depois de terminar a faculdade (Foto: Marcos Borga)

Lucro para que te quero

Da matriz das empresas sociais faz parte a obtenção de lucro, mas são-lhes impostas algumas limitações. A teoria comummente aceite defende que a distribuição dos resultados deve ter como prioridade o desenvolvimento da missão social. A diretora do IES, Rita Megre, sente que há "um certo pudor do setor social em falar de receitas", mas a mentalidade começa a mudar com o aparecimento de "exemplos que mostram ser possível conjugar o lado empresarial com o social". O cofundador do Speak defende que "o empreendedor social é naturalmente motivado pelo impacto e não pelo lucro". Mas não o chocaria que a pessoa que resolvesse a fome no mundo fosse rica: "Provavelmente, ia logo investir o dinheiro noutra resposta social", aposta o informático.

"Ao princípio queria dar tudo, mas depois fui aprendendo a controlar esse impulso", confessa Ana Quintas, 50 anos, criadora do centro de educação alimentar Vitamimos, em Cascais. Professora de geografia há quase 20 anos, foi ao ler a Carta Europeia da Luta Contra a Obesidade que sentiu o ímpeto de agir. Começou por vencer um concurso da DNA Cascais, uma associação que incentiva o empreendedorismo no concelho, o que levou a autarquia a proporlhe um protocolo. Durante os primeiros tempos andou pelas escolas a testar os seus programas de educação alimentar, que incluem sempre atividades práticas, como a confeção de receitas simples. Entusiasmada com as reações dos miúdos, decidiu dar mais um passo: vendeu a sua casa para construir um centro educativo. O espaço está aberto há três anos em Cascais e tem sido fundamental para financiar o projeto, através de uma cafetaria aberta ao público, da organização de festas infantis com lanche saudável, de aulas de culinária para crianças ou do aluguer da sala. "Todos os anos damos sessões gratuitas a 300 crianças do município de Cascais. Às vezes também oferecemos a instituições ou fazemos trocas de serviços", explica a empresária. Chegar a mais escolas é uma prioridade. Para isso, Ana Quintas pretende criar uma rede de embaixadores Vitamimos, que inclua nutricionistas, dietistas, educadores, que ajudem a espalhar os programas de educação alimentar pelo País. Neste ano letivo, optou por pedir uma licença sem vencimento para se dedicar ao projeto: "Não podia continuar a trabalhar daquela maneira, estava a promover a saúde dos outros e a destruir a minha."

Por cada pacote de ração vendido, a Laika oferece outro a uma associação (Foto: José Caria)

Arriscar sonhar

Rita Megre, do IES, admite que vingar na área do empreendedorismo social não é fácil. "É um caminho pouco percorrido, que combina aquilo que gostamos de fazer com o que nos causa indignação. Estamos quase a trabalhar ao nível da utopia. Os empreendedores sociais, antes de serem chamados assim, são sempre apelidados de loucos", brinca a responsável pela escola que já formou perto de mil empreendedores em Portugal.

Aos 24 anos, Rita Marques está a desenvolver o seu próprio negócio social. Quando terminou o mestrado de Gestão Internacional na Universidade Nova, fez uma viagem de mochila às costas pelo Sudeste Asiático e sentiu que deveria haver mais turistas como ela, com vontade de deixarem uma marca positiva pelos locais onde passam. É esse o conceito da Impact Trip, uma agência de viagens solidárias que, enquanto põe os viajantes em contacto com a cultura do nosso país, organiza atividades de voluntariado durante a sua estada. A agência organiza o roteiro da viagem de acordo com as necessidades das instituições com as quais mantém parcerias e o perfil dos turistas. Apanhar lixo no fundo do mar, dar aulas de guitarra a crianças desfavorecidas ou ensinar desempregados a fazer um currículo são algumas das atividades possíveis. "O nosso objetivo, além de ajudar as organizações, é promover o voluntariado em Portugal", destaca. Apesar da dificuldade que sente ao explicar aos parceiros o que é a sua empresa social (um programa turístico de dois dias ronda os 120 euros, com tudo incluído), Rita acredita que ter uma missão é um elemento diferenciador, e pode ser uma vantagem competitiva.

Uma opinião partilhada por André Calado, 38 anos, gestor de marketing da Fundação +, uma organização de apoio ao empreendedorismo social que criou o seu próprio negócio para servir de exemplo. A Laika é uma marca de ração para cão que, por cada pacote vendido, oferece outro a uma instituição que albergue animais. Na génese do modelo de negócio está a intenção de libertar as associações das preocupações alimentares para que tenham mais tempo e dinheiro para se dedicarem a campanhas de adoção de animais e prevenir que muitos acabem abatidos por falta de vagas.

Atualmente, apoiam 80 instituições em todo o País. No próximo ano, esperam vender 100 toneladas a sustentabilidade estará garantida quando atingirem as 350, um objetivo a cumprir nos três ou quatro anos seguintes.

As associações também devolvem o gesto solidário, divulgando a marca junto de potenciais novos compradores.

Fazer chegar a mensagem ao destino é a especialidade da Comunicação para a Economia Social (CES), uma agência de comunicação especializada no terceiro setor, com escritório no Porto. "A comunicação é essencial para as instituições melhorarem a relação com benfeitores e beneficiários e também pode ser uma forma de encontrarem novas formas de financiamento e de credibilizarem o que fazem", esclarece Miguel Alvim, 31 anos, coordenador do CES. A equipa procura adaptar os preços às possibilidades de cada cliente, mas o mais complicado tem sido sensibilizar as organizações sociais para a questão. Em atividade há menos de um ano, ainda recebem alguns apoios e, uma vez que estão constituídos como associação, poderiam receber donativos (o que não é permitido às empresas). Também aqui as opiniões sobre o conceito de negócio social divergem. O Governo inglês, por exemplo, aceita até 70% de donativos na faturação, mas alguns investidores consideram que o ideal seria 20 por cento.

Antónia Brito é um dos elementos mais antigos do Projeto Marias (Foto: José Carlos Carvalho)

Querer transformar

O projeto Marias, cofundado pela Fundação EDP, está em fase de expansão em busca da sustentabilidade. O negócio funciona como uma agência de empregadas domésticas, recrutando pessoas de contextos sociais vulneráveis, sobretudo imigrantes. Atualmente, têm cerca de 40 "Marias" inscritas mas, ao todo, já criaram 80 postos de trabalho e pretendem chegar às duas ou três centenas. "Temos mais de 50 clientes em lista de espera, mas não podemos dar resposta imediata porque temos um processo de seleção criterioso para garantirmos o máximo de confiança", explica Suzanne Rodrigues, 35 anos, atual responsável pelo projeto, que retém 6% do que os clientes pagam às funcionárias. Antónia Brito, 47 anos, é um dos rostos sorridentes do impacto social do projeto que, tal como os demais exemplos, dá prioridade a um mundo mais justo. Um mundo onde a riqueza está nos outros.

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