Ladrões de Bicicletas: Histeria e farsa (Parte 2)

22-05-2019
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Em debate recente na SIC Notícias, o deputado do PSD Leitão Amaro afirmou que a proposta de Lei de Bases da Saúde apresentada pelo governo se inscrevia na lógica de «sovietização do sistema», de «obsessão soviética» com o regime público, que faria o país «andar trinta anos para trás». Na mesma linha, Assunção Cristas considerou a proposta «orientada ideologicamente e prisioneira das amarras dos partidos mais à esquerda». Para compor o ramalhete, o António Costa do ECO acusou a ministra da Saúde de ter «uma agenda ideológica, cega: (...) acabar com a saúde dos privados».

Face a estas declarações, alguém mais desprevenido poderia julgar que se está perante a proibição iminente da saúde privada em Portugal e, consequentemente, o encerramento das clínicas e hospitais particulares existentes. O que vale é que já assistimos a este filme e ao respetivo nível de elegância argumentativa. Foi há cerca de dois anos, quando o Governo decidiu deixar de financiar os contratos de associação com escolas privadas nos casos de redundância face à oferta pública de ensino. Também então se rasgaram vestes contra a «obsessão ideológica», o «ataque soviético» em curso ou o «totalitarismo de Estado», sugerindo-se que o governo ia acabar com o ensino privado em Portugal.

Este paralelismo não surge do acaso. O que está em causa nesta proposta de Lei de Bases não difere muito, na sua essência, do que estava em causa nos contratos de associação: o princípio da supletividade como critério de provisão pública e enquadramento das relações entre o Estado (SNS) e o setor privado e da economia social. Ou seja, como refere a proposta apresentada pelo governo, a ideia de que - tendo em vista «a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS» - o Estado pode celebrar «contratos com entidades do setor privado, do setor social (...), condicionados à avaliação da sua necessidade». Tal como nos contratos de associação, trata-se da afirmação de princípios de serviço público (cobertura, universalidade, gratuitidade e equidade no acesso) e da cooperação entre os diferentes setores.

Ora, não estando em questão a alegada «perseguição» e «extinção» do setor privado, o que levará a direita política e económica a opor-se ao princípio, razoável, da supletividade? É aqui que entra a farsa, valendo a pena regressar ao texto da Lei de Bases da Saúde de 1990, aprovado apenas com os votos do PSD e do CDS e que se encontra em vigor. Nele se defende, explicitamente, o apoio ao «desenvolvimento do sector privado da saúde e, em particular, as iniciativas das instituições particulares de solidariedade social, em concorrência com o sector público». Aliás, quando Leitão Amaro se refere à posição do PSD, dizendo que «o Estado deve ter um papel central e primário na gestão, produção, regulação, avaliação, fiscalização e financiamento do SNS», é essencialmente do Estado-financiador-do-privado que fala, seguindo a lógica de que «é indiferente quem presta o serviço» e o quadro da desejada indistinção entre o «sistema nacional de saúde» e o SNS. Uma lógica convergente, de resto, com a proposta de Rui Rio relativa à generalização da ADSE, tendo em vista criar uma espécie de «cheque-saúde», que constituiria uma segunda forma de financiar o setor privado através de recursos públicos, enfraquecendo ainda mais o SNS.

Em debate recente na SIC Notícias, o deputado do PSD Leitão Amaro afirmou que a proposta de Lei de Bases da Saúde apresentada pelo governo se inscrevia na lógica de «sovietização do sistema», de «obsessão soviética» com o regime público, que faria o país «andar trinta anos para trás». Na mesma linha, Assunção Cristas considerou a proposta «orientada ideologicamente e prisioneira das amarras dos partidos mais à esquerda». Para compor o ramalhete, o António Costa do ECO acusou a ministra da Saúde de ter «uma agenda ideológica, cega: (...) acabar com a saúde dos privados».

Face a estas declarações, alguém mais desprevenido poderia julgar que se está perante a proibição iminente da saúde privada em Portugal e, consequentemente, o encerramento das clínicas e hospitais particulares existentes. O que vale é que já assistimos a este filme e ao respetivo nível de elegância argumentativa. Foi há cerca de dois anos, quando o Governo decidiu deixar de financiar os contratos de associação com escolas privadas nos casos de redundância face à oferta pública de ensino. Também então se rasgaram vestes contra a «obsessão ideológica», o «ataque soviético» em curso ou o «totalitarismo de Estado», sugerindo-se que o governo ia acabar com o ensino privado em Portugal.

Este paralelismo não surge do acaso. O que está em causa nesta proposta de Lei de Bases não difere muito, na sua essência, do que estava em causa nos contratos de associação: o princípio da supletividade como critério de provisão pública e enquadramento das relações entre o Estado (SNS) e o setor privado e da economia social. Ou seja, como refere a proposta apresentada pelo governo, a ideia de que - tendo em vista «a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS» - o Estado pode celebrar «contratos com entidades do setor privado, do setor social (...), condicionados à avaliação da sua necessidade». Tal como nos contratos de associação, trata-se da afirmação de princípios de serviço público (cobertura, universalidade, gratuitidade e equidade no acesso) e da cooperação entre os diferentes setores.

Ora, não estando em questão a alegada «perseguição» e «extinção» do setor privado, o que levará a direita política e económica a opor-se ao princípio, razoável, da supletividade? É aqui que entra a farsa, valendo a pena regressar ao texto da Lei de Bases da Saúde de 1990, aprovado apenas com os votos do PSD e do CDS e que se encontra em vigor. Nele se defende, explicitamente, o apoio ao «desenvolvimento do sector privado da saúde e, em particular, as iniciativas das instituições particulares de solidariedade social, em concorrência com o sector público». Aliás, quando Leitão Amaro se refere à posição do PSD, dizendo que «o Estado deve ter um papel central e primário na gestão, produção, regulação, avaliação, fiscalização e financiamento do SNS», é essencialmente do Estado-financiador-do-privado que fala, seguindo a lógica de que «é indiferente quem presta o serviço» e o quadro da desejada indistinção entre o «sistema nacional de saúde» e o SNS. Uma lógica convergente, de resto, com a proposta de Rui Rio relativa à generalização da ADSE, tendo em vista criar uma espécie de «cheque-saúde», que constituiria uma segunda forma de financiar o setor privado através de recursos públicos, enfraquecendo ainda mais o SNS.

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