Ladrões de Bicicletas: Centeno (2) As regras

28-07-2018
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Entrevista de Mário Centeno, Público, 18/7/2018

Há um problema com as "regras" no Partido Socialista e seus independentes ou na direita.

Presentemente, parece iniciar-se em Portugal um debate - que se espera seja sério e profundo - sobre o que fazer à arquitectura europeia e os seus tratados.

O primeiro-ministro já assumiu a sua posição no debate parlamentar do Estado da Nação: "Eu não concordo com o Tratado Orçamental. Não concordava, não concordo e desejo que um dia seja mudado. Até que seja mudado, nós temos de cumprir o Tratado Orçamental". 

Recorde-se: o Tratado Orçamental obriga os países cujas contas públicas estão longe das estúpidas metas (Vítor Constâncio dixit) do Tratado de Maastricht (défice de 3% do PIB e dívida pública de 60% do PIB) a assumir uma trajectória constante anual até chegar lá, o que obriga a uma política de austeridade violenta, sobretudo para os países que foram intervencionados e que viram, por isso, a sua dívida subir significativamente. 

Centeno entrou para o Governo em 2015 criticando o carácter erróneo da política
de austeridade, para agora achar que tem de cumprir "as regras". O
ministro adjunto do primeiro-ministro Pedro Siza Vieira, em quem Costa deposita confiança, foi mesmo mais
além, ao fechar o debate do Estado da Nação, defendendo o virtuosismo das "boas contas" públicas e
colocando o Estado no centro do problema. O Estado não estará bem fomentando ou
promovendo políticas mobilizadoras ou impulsionadoras, mas sim com as suas contas austeras, amigas do crescimento e do emprego. Um encadear de ideias em tudo semelhante ao que faria um Vítor Gaspar, uma
Maria Luis Albuquerque ou um Cavaco Silva. 

A direita por sua vez tem a mesma atitude de António Costa, mas simétrica. Algo como: "Eu sou a favor do Tratado Orçamental, sempre fui e sempre serei, até quis colocar um limite de despesa na Constituição, mas não quero que seja aplicado enquanto não estiver no governo". Basta ouvir Rui Rio, todos os deputados do PSD e do CDS para acreditar que, para eles, faz sentido esta dissonância, incongruência, divergência ou populismo.  

Tudo isto lembra aquela posição dúplice do actual presidente da República, caricaturada pelos Gato Fedorento, sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Nesse caso, a duplicidade foi vencida em referendo em 2011, mas Marcelo Rebelo de Sousa acabou em Presidente...

Mude-se as palavras.

Está contra o Tratado? "Estou". Mas continua a aplicá-lo. "Sim". Mas está contra? "Estou". Mas continua a aplicar. "Continuo".

Ou à direita: É favor do Tratado? "Sou". Mas acha que o Estado deve gastar mais? "Acho" Mas é a favor do Tratado? "Sou". Mas com Tratado devia gastar-se menos. "Devia" Mas quer gastar mais? "Quero". Mas é a favor do Tratado. "Sou".

Ridículo, não é? É o que há e o que temos.

Entrevista de Mário Centeno, Público, 18/7/2018

Há um problema com as "regras" no Partido Socialista e seus independentes ou na direita.

Presentemente, parece iniciar-se em Portugal um debate - que se espera seja sério e profundo - sobre o que fazer à arquitectura europeia e os seus tratados.

O primeiro-ministro já assumiu a sua posição no debate parlamentar do Estado da Nação: "Eu não concordo com o Tratado Orçamental. Não concordava, não concordo e desejo que um dia seja mudado. Até que seja mudado, nós temos de cumprir o Tratado Orçamental". 

Recorde-se: o Tratado Orçamental obriga os países cujas contas públicas estão longe das estúpidas metas (Vítor Constâncio dixit) do Tratado de Maastricht (défice de 3% do PIB e dívida pública de 60% do PIB) a assumir uma trajectória constante anual até chegar lá, o que obriga a uma política de austeridade violenta, sobretudo para os países que foram intervencionados e que viram, por isso, a sua dívida subir significativamente. 

Centeno entrou para o Governo em 2015 criticando o carácter erróneo da política
de austeridade, para agora achar que tem de cumprir "as regras". O
ministro adjunto do primeiro-ministro Pedro Siza Vieira, em quem Costa deposita confiança, foi mesmo mais
além, ao fechar o debate do Estado da Nação, defendendo o virtuosismo das "boas contas" públicas e
colocando o Estado no centro do problema. O Estado não estará bem fomentando ou
promovendo políticas mobilizadoras ou impulsionadoras, mas sim com as suas contas austeras, amigas do crescimento e do emprego. Um encadear de ideias em tudo semelhante ao que faria um Vítor Gaspar, uma
Maria Luis Albuquerque ou um Cavaco Silva. 

A direita por sua vez tem a mesma atitude de António Costa, mas simétrica. Algo como: "Eu sou a favor do Tratado Orçamental, sempre fui e sempre serei, até quis colocar um limite de despesa na Constituição, mas não quero que seja aplicado enquanto não estiver no governo". Basta ouvir Rui Rio, todos os deputados do PSD e do CDS para acreditar que, para eles, faz sentido esta dissonância, incongruência, divergência ou populismo.  

Tudo isto lembra aquela posição dúplice do actual presidente da República, caricaturada pelos Gato Fedorento, sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Nesse caso, a duplicidade foi vencida em referendo em 2011, mas Marcelo Rebelo de Sousa acabou em Presidente...

Mude-se as palavras.

Está contra o Tratado? "Estou". Mas continua a aplicá-lo. "Sim". Mas está contra? "Estou". Mas continua a aplicar. "Continuo".

Ou à direita: É favor do Tratado? "Sou". Mas acha que o Estado deve gastar mais? "Acho" Mas é a favor do Tratado? "Sou". Mas com Tratado devia gastar-se menos. "Devia" Mas quer gastar mais? "Quero". Mas é a favor do Tratado. "Sou".

Ridículo, não é? É o que há e o que temos.

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