Projeto de governo mundial do Sistema Terrestre lançado em Paris. Liderança é portuguesa

09-10-2018
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Chama-se Casa Comum da Humanidade e é um projeto de governação mundial do Sistema Terrestre que vai ser apresentado oficialmente em livro — com o título “SOS Treaty” (Tratado SOS) — esta sexta-feira, 7 de outubro, na sede da Agência Espacial Europeia (ESA), em Paris.

O projeto, liderado por portugueses, pretende promover um novo tratado internacional (SOS Treaty - Safe Operating Space of Humankind Treaty), que venha a adotar pela primeira vez um modelo de governação global dos recursos naturais da Terra baseado em limites sustentáveis e no estatuto do Sistema Terrestre como Património da Humanidade.

O livro, publicado por uma das editoras da Universidade de Cambridge (Reino Unido), a Cambridge Scholars Publishing, fundamenta em termos científicos e jurídicos este projeto e é da autoria de um grupo multisciplinar de peritos internacionais, incluindo portugueses. É editado por Paulo Magalhães (Universidade Nova de Lisboa), Will Steffen (Universidade de Camberra, Austrália), Klaus Bosselmann (Universidade de Auckland, Nova Zelândia), Alexandra Aragão (Universidade de Coimbra) e Viriato Soromenho Marques (Universidade de Lisboa), contando ainda com contributos de 13 especialistas de todo o mundo.

Esta é a segunda etapa de um processo que começou oficialmente a 15 de julho com a criação da Casa Comum da Humanidade no Porto, através de um protocolo assinado na Câmara Municipal do Porto pelo seu presidente, Rui Moreira, pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, pelo reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo, e pelo presidente da associação ambientalista ZERO, Francisco Ferreira.

O objetivo é consagrar o Sistema Terrestre no ordenamento jurídico internacional, através da sua candidatura a Património Natural Imaterial da Unesco, instalando no Porto a sede de uma organização internacional liderada por Portugal que promova a governação à escala global dos recursos naturais da Terra.

Criar condições para a vida humana continuar a florescer

“Perante a possibilidade de ultrapassarmos os nossos limites planetários, a questão-chave que deve ser colocada é a de como nos organizarmos de forma a criarmos as condições adequadas para que vida humana possa continuar a florescer”, sublinha Francisco Ferreira, presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável.

Com efeito, “o quadro jurídico e institucional atual é inadequado para lidar com os bens e serviços ecológicos que existem simultaneamente dentro e fora de todos os Estados”. Os bens comuns globais sempre foram entendidos como espaços geográficos que existem apenas fora das fronteiras políticas de cada país. “Mas um bem como um clima estável, que existe dentro e fora das fronteiras de todos os países, mostra que esta abordagem jurídica tradicional é um verdadeiro 'non-sense' ecológico”, constata o dirigente ambientalista.

O recente acordo climático alcançado na Cimeira de Paris “é um enorme passo no sentido de reduzir a emissões de CO2 a nível mundial, mas não é ainda suficiente para criar um sistema de permanente manutenção do estado favorável do Sistema Terrestre à vida humana, que ultrapassa largamente a questão do carbono”, assinala Francisco Ferreira.

Os promotores da Casa Comum da Humanidade defendem que o processo de negociações internacionais em matéria de alterações climáticas organizado pela ONU deve evoluir, através de um sistema muito mais global de contabilidade dos contributos ecológicos de cada país. Assim por exemplo, o Brasil não deve ser o único país a preservar a Amazónia, porque todo o mundo pode beneficiar com a boa gestão deste gigantesco ecossistema.

Com a possibilidade que hoje a ciência tem de medir e monitorizar o estado e funcionamento do Sistema Terrestre através do conceito científico de “Limites Planetários”, “foi possível assim definir um 'Espaço de Operação Seguro para a Humanidade', que corresponde ao estado de estabilidade climática do Sistema Terrestre dos últimos 11.700 anos, o período geológico do Holoceno”, que emergiu no final da última era glaciar. É um periodo “sem paralelo na história da Terra, que permitiu o desenvolvimento das civilizações humanas”, afirma o presidente da ZERO.

Um dos autores do livro, Will Steffen, tem trabalhado no cálculo dos limites sustentáveis para o uso dos recursos naturais da Terra pela sua população — os “Limites Planetários” —, que “pretendem precisamente definir esse 'Espaço de Operação Seguro para a Humanidade', dentro do qual a Humanidade possa sobreviver e prosperar”, refere o investigador australiano. Estes limites “são baseados no conhecimento científico da estrutura e funcionamento do Sistema Terrestre, bem como dos riscos que a desestabilização deste sistema cria ao bem estar humano”.

LUCÍLIA MONTEIRO

Mudar o paradigma legal da realidade ecológica

O livro “Tratado SOS” antecipa uma mudança de paradigma legal que poderia superar a desconexão entre as realidades ecológicas mundiais e os quadros legais existentes, porque “um planeta sem condições de estabilidade favoráveis à vida humana não serve de Casa Comum da Humanidade”.

Se houver um reconhecimento jurídico pela Unesco deste espaço qualitativo e não geográfico do Sistema Terrestre como Património Natural Imaterial da Humanidade, todas as “externalidades” positivas e negativas poderiam ser capturadas neste património comum, sobre o qual se montaria um sistema de gestão dos melhoramentos e usos do Sistema Terrestre, com o objetivo de manter ao longo das várias gerações as condições biogeofísicas correspondentes a estado favorável para a vida humana.

Na Casa Comum da Humanidade (CCH), que está ainda na fase de instalação, cientistas de todo o mundo, ligados às diversas ciências, nomeadamente às ciências da Terra e ao direito, terão um local de debate sobre a procura de modelos de organização e uso do Sistema Terrestre. A comissão científica da CCH será presidida por Will Steffen, investigador da Universidade de Canberra (Austrália) e do Stockholm Resilience Center (Suécia), que é reconhecido como um dos maiores especialistas mundiais na área das ciências da Terra.

Entretanto, o Governo português, através do Ministério do Ambiente, vai apresentar na 22ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP22), que decorrerá em Marraquexe (Marrocos) de 7 a 18 de Novembro, o projeto da Casa Comum da Humanidade. E no início de 2017 arrancará uma campanha internacional para a adesão de instituições, empresas e cidadãos a este projeto, de modo a alargar a base de apoio à candidatura à Unesco do Sistema Terrestre a Património da Humanidade.

Paulo Magalhães, membro do conselho geral da ZERO e investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (UNL), é o presidente da comissão instaladora da CCH e o criador deste projeto. O dirigente explica que “todos os países estão expostos aos impactos ambientais positivos e negativos de outros países”. Como o conhecimento desta realidade “é ainda recente e o Sistema Terrestre continua a ser usado de uma forma não regulada, a Humanidade chegou a um ponto em que está a desestabilizar o seu próprio sistema de suporte à vida”.

Proteger a Terra como sistema global

A principal causa deste uso desregulado “está no facto de o Sistema Terrestre não existir numa perspetiva legal, jurídica, e portanto estar a ser usado como terra de ninguém”. E os bens naturais comuns regulados pelas organizações internacionais, como as agências da ONU, “foram sempre entendidos como meros espaços geográficos residuais de divisão política entre Estados”, argumenta Paulo Magalhães. Os bens ecológicos que existem dentro e fora de todas as soberanias nacionais “não encontram existência autónoma legal no atual quadro legislativo nacional e internacional”. E a Humanidade “corresponde da mesma maneira a esta inexistência jurídica”.

O livro “Tratado SOS” chama a atenção “para um novo conceito de proteção da Terra como um sistema global, tanto na perspetiva científica como na legal, o que surge como um complemento óbvio e necessário da noção de ecologia”, esclarece Nathalie Meusy.

Autora do prefácio do livro, diretora do Departamento de Coordenação do Desenvolvimento Sustentável na Agência Espacial Europeia (ESA) e vice-presidente da comissão instaladora da CCH, Meusy acrescenta que “com os novos programas de observação da Terra, como o Copernicus com os satélites Sentinel, mais dados vão estar disponíveis para termos um conhecimento muito maior dos elementos do nosso planeta e do estado em que se encontram”. Isto permitirá uma monitorização mais detalhada e precisa da Terra “e exigirá ações concretas a favor do ambiente”.

Governar a globalização

“A globalização é um processo sem qualquer tipo de gestão”, salienta Paulo Magalhães a propósito dos “Limites do Planeta”. “E o nosso modelo de gestão do Sistema Terrestre pretende não ser apenas 'Estadocêntrico', porque há questões globais que têm de ter uma governação própria que não cabe dentro dos Estados”. No fundo, há assuntos “que nenhum Estado isolado pode resolver, porque há sempre problemas de perda e de ganho de soberania” e a própria ONU reconhece “a necessidade de uma abordagem sistémica, de se adotar o conceito de Sistema Terrestre”.

Bruno Kelly / Reuters

Esta visão começou com as negociações climáticas, porque o clima não tem fronteiras, é um bem comum da Humanidade e uma decisão de um país pode afetar todo o planeta. E será a base para uma nova economia global “onde daremos existência jurídica e valor económico e social aos benefícios que capturamos dos ecossistemas que todos usamos”, acrescenta o dirigente da ZERO.

Nessa nova economia verde “poderemos produzir recursos naturais e não apenas consumi-los”, o que significa que proteger e beneficiar os ecossistemas “deixará de ser um custo para a sociedade” e irá transformar--se numa vantagem económica. Trata-se, no fundo, de criar uma plataforma de justiça onde os contributos positivos e negativos de cada país para a manutenção dos ecossistemas seja contabilizados.

Quando foi criada a Casa Comum da Humanidade no Porto, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente, lembrou que “há muitas falhas de mercado na área ambiental que precisamos de resolver”. E salientou que “com a quantificação dos limites biogeofísicos do planeta, o desenvolvimento das métricas necessárias e a existência jurídica do Sistema Terrestre, poderemos mudar de um paradigma de exploração para um paradigma de produção dos recursos naturais”.

Cinco passos para um governo mundial do Sistema Terrestre

1. Formalizar junto da Unesco a candidatura do Sistema Terrestre, no estado favorável à vida humana, a Património Natural Imaterial da Humanidade, dando-lhe existência jurídica. Este estado é representado por um conjunto de indicadores sobre a estrutura das concentrações biogeoquímicas da Terra que têm permanecido relativamente estáveis durante o Holoceno, o atual período geológico de 11.700 anos que começou depois da última era glaciar.

2. Criar uma nova métrica baseada nos “Limites do Planeta” (limites sustentáveis para o uso de recursos naturais) e na Pegada Ecológica Global (quantidade de terra e água necessária para sustentar a população mundial, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos). A métrica deve aproveitar ao máximo as informações dos satélites de observação da Terra, criando uma ferramenta para servir como futuro padrão de referência na gestão do Sistema Terrestre.

3. Instalar a Casa Comum da Humanidade como sede mundial de uma organização destinada a promover um novo tratado internacional, o Tratado SOS, que crie um modelo de governação global do Sistema Terrestre.

4. O reconhecimento do Sistema Terrestre como Património Mundial servirá de base a uma economia verde que contabilize os contributos positivos e negativos de cada país para a manutenção dos ecossistemas, construindo um sistema equitativo para regular e gerir, através de incentivos, o uso dos recursos naturais.

5. Iniciar um processo de transição de uma economia mundial baseada exclusivamente na exploração de recursos naturais para uma economia de produção de recursos naturais.

Chama-se Casa Comum da Humanidade e é um projeto de governação mundial do Sistema Terrestre que vai ser apresentado oficialmente em livro — com o título “SOS Treaty” (Tratado SOS) — esta sexta-feira, 7 de outubro, na sede da Agência Espacial Europeia (ESA), em Paris.

O projeto, liderado por portugueses, pretende promover um novo tratado internacional (SOS Treaty - Safe Operating Space of Humankind Treaty), que venha a adotar pela primeira vez um modelo de governação global dos recursos naturais da Terra baseado em limites sustentáveis e no estatuto do Sistema Terrestre como Património da Humanidade.

O livro, publicado por uma das editoras da Universidade de Cambridge (Reino Unido), a Cambridge Scholars Publishing, fundamenta em termos científicos e jurídicos este projeto e é da autoria de um grupo multisciplinar de peritos internacionais, incluindo portugueses. É editado por Paulo Magalhães (Universidade Nova de Lisboa), Will Steffen (Universidade de Camberra, Austrália), Klaus Bosselmann (Universidade de Auckland, Nova Zelândia), Alexandra Aragão (Universidade de Coimbra) e Viriato Soromenho Marques (Universidade de Lisboa), contando ainda com contributos de 13 especialistas de todo o mundo.

Esta é a segunda etapa de um processo que começou oficialmente a 15 de julho com a criação da Casa Comum da Humanidade no Porto, através de um protocolo assinado na Câmara Municipal do Porto pelo seu presidente, Rui Moreira, pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, pelo reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo, e pelo presidente da associação ambientalista ZERO, Francisco Ferreira.

O objetivo é consagrar o Sistema Terrestre no ordenamento jurídico internacional, através da sua candidatura a Património Natural Imaterial da Unesco, instalando no Porto a sede de uma organização internacional liderada por Portugal que promova a governação à escala global dos recursos naturais da Terra.

Criar condições para a vida humana continuar a florescer

“Perante a possibilidade de ultrapassarmos os nossos limites planetários, a questão-chave que deve ser colocada é a de como nos organizarmos de forma a criarmos as condições adequadas para que vida humana possa continuar a florescer”, sublinha Francisco Ferreira, presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável.

Com efeito, “o quadro jurídico e institucional atual é inadequado para lidar com os bens e serviços ecológicos que existem simultaneamente dentro e fora de todos os Estados”. Os bens comuns globais sempre foram entendidos como espaços geográficos que existem apenas fora das fronteiras políticas de cada país. “Mas um bem como um clima estável, que existe dentro e fora das fronteiras de todos os países, mostra que esta abordagem jurídica tradicional é um verdadeiro 'non-sense' ecológico”, constata o dirigente ambientalista.

O recente acordo climático alcançado na Cimeira de Paris “é um enorme passo no sentido de reduzir a emissões de CO2 a nível mundial, mas não é ainda suficiente para criar um sistema de permanente manutenção do estado favorável do Sistema Terrestre à vida humana, que ultrapassa largamente a questão do carbono”, assinala Francisco Ferreira.

Os promotores da Casa Comum da Humanidade defendem que o processo de negociações internacionais em matéria de alterações climáticas organizado pela ONU deve evoluir, através de um sistema muito mais global de contabilidade dos contributos ecológicos de cada país. Assim por exemplo, o Brasil não deve ser o único país a preservar a Amazónia, porque todo o mundo pode beneficiar com a boa gestão deste gigantesco ecossistema.

Com a possibilidade que hoje a ciência tem de medir e monitorizar o estado e funcionamento do Sistema Terrestre através do conceito científico de “Limites Planetários”, “foi possível assim definir um 'Espaço de Operação Seguro para a Humanidade', que corresponde ao estado de estabilidade climática do Sistema Terrestre dos últimos 11.700 anos, o período geológico do Holoceno”, que emergiu no final da última era glaciar. É um periodo “sem paralelo na história da Terra, que permitiu o desenvolvimento das civilizações humanas”, afirma o presidente da ZERO.

Um dos autores do livro, Will Steffen, tem trabalhado no cálculo dos limites sustentáveis para o uso dos recursos naturais da Terra pela sua população — os “Limites Planetários” —, que “pretendem precisamente definir esse 'Espaço de Operação Seguro para a Humanidade', dentro do qual a Humanidade possa sobreviver e prosperar”, refere o investigador australiano. Estes limites “são baseados no conhecimento científico da estrutura e funcionamento do Sistema Terrestre, bem como dos riscos que a desestabilização deste sistema cria ao bem estar humano”.

LUCÍLIA MONTEIRO

Mudar o paradigma legal da realidade ecológica

O livro “Tratado SOS” antecipa uma mudança de paradigma legal que poderia superar a desconexão entre as realidades ecológicas mundiais e os quadros legais existentes, porque “um planeta sem condições de estabilidade favoráveis à vida humana não serve de Casa Comum da Humanidade”.

Se houver um reconhecimento jurídico pela Unesco deste espaço qualitativo e não geográfico do Sistema Terrestre como Património Natural Imaterial da Humanidade, todas as “externalidades” positivas e negativas poderiam ser capturadas neste património comum, sobre o qual se montaria um sistema de gestão dos melhoramentos e usos do Sistema Terrestre, com o objetivo de manter ao longo das várias gerações as condições biogeofísicas correspondentes a estado favorável para a vida humana.

Na Casa Comum da Humanidade (CCH), que está ainda na fase de instalação, cientistas de todo o mundo, ligados às diversas ciências, nomeadamente às ciências da Terra e ao direito, terão um local de debate sobre a procura de modelos de organização e uso do Sistema Terrestre. A comissão científica da CCH será presidida por Will Steffen, investigador da Universidade de Canberra (Austrália) e do Stockholm Resilience Center (Suécia), que é reconhecido como um dos maiores especialistas mundiais na área das ciências da Terra.

Entretanto, o Governo português, através do Ministério do Ambiente, vai apresentar na 22ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP22), que decorrerá em Marraquexe (Marrocos) de 7 a 18 de Novembro, o projeto da Casa Comum da Humanidade. E no início de 2017 arrancará uma campanha internacional para a adesão de instituições, empresas e cidadãos a este projeto, de modo a alargar a base de apoio à candidatura à Unesco do Sistema Terrestre a Património da Humanidade.

Paulo Magalhães, membro do conselho geral da ZERO e investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (UNL), é o presidente da comissão instaladora da CCH e o criador deste projeto. O dirigente explica que “todos os países estão expostos aos impactos ambientais positivos e negativos de outros países”. Como o conhecimento desta realidade “é ainda recente e o Sistema Terrestre continua a ser usado de uma forma não regulada, a Humanidade chegou a um ponto em que está a desestabilizar o seu próprio sistema de suporte à vida”.

Proteger a Terra como sistema global

A principal causa deste uso desregulado “está no facto de o Sistema Terrestre não existir numa perspetiva legal, jurídica, e portanto estar a ser usado como terra de ninguém”. E os bens naturais comuns regulados pelas organizações internacionais, como as agências da ONU, “foram sempre entendidos como meros espaços geográficos residuais de divisão política entre Estados”, argumenta Paulo Magalhães. Os bens ecológicos que existem dentro e fora de todas as soberanias nacionais “não encontram existência autónoma legal no atual quadro legislativo nacional e internacional”. E a Humanidade “corresponde da mesma maneira a esta inexistência jurídica”.

O livro “Tratado SOS” chama a atenção “para um novo conceito de proteção da Terra como um sistema global, tanto na perspetiva científica como na legal, o que surge como um complemento óbvio e necessário da noção de ecologia”, esclarece Nathalie Meusy.

Autora do prefácio do livro, diretora do Departamento de Coordenação do Desenvolvimento Sustentável na Agência Espacial Europeia (ESA) e vice-presidente da comissão instaladora da CCH, Meusy acrescenta que “com os novos programas de observação da Terra, como o Copernicus com os satélites Sentinel, mais dados vão estar disponíveis para termos um conhecimento muito maior dos elementos do nosso planeta e do estado em que se encontram”. Isto permitirá uma monitorização mais detalhada e precisa da Terra “e exigirá ações concretas a favor do ambiente”.

Governar a globalização

“A globalização é um processo sem qualquer tipo de gestão”, salienta Paulo Magalhães a propósito dos “Limites do Planeta”. “E o nosso modelo de gestão do Sistema Terrestre pretende não ser apenas 'Estadocêntrico', porque há questões globais que têm de ter uma governação própria que não cabe dentro dos Estados”. No fundo, há assuntos “que nenhum Estado isolado pode resolver, porque há sempre problemas de perda e de ganho de soberania” e a própria ONU reconhece “a necessidade de uma abordagem sistémica, de se adotar o conceito de Sistema Terrestre”.

Bruno Kelly / Reuters

Esta visão começou com as negociações climáticas, porque o clima não tem fronteiras, é um bem comum da Humanidade e uma decisão de um país pode afetar todo o planeta. E será a base para uma nova economia global “onde daremos existência jurídica e valor económico e social aos benefícios que capturamos dos ecossistemas que todos usamos”, acrescenta o dirigente da ZERO.

Nessa nova economia verde “poderemos produzir recursos naturais e não apenas consumi-los”, o que significa que proteger e beneficiar os ecossistemas “deixará de ser um custo para a sociedade” e irá transformar--se numa vantagem económica. Trata-se, no fundo, de criar uma plataforma de justiça onde os contributos positivos e negativos de cada país para a manutenção dos ecossistemas seja contabilizados.

Quando foi criada a Casa Comum da Humanidade no Porto, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente, lembrou que “há muitas falhas de mercado na área ambiental que precisamos de resolver”. E salientou que “com a quantificação dos limites biogeofísicos do planeta, o desenvolvimento das métricas necessárias e a existência jurídica do Sistema Terrestre, poderemos mudar de um paradigma de exploração para um paradigma de produção dos recursos naturais”.

Cinco passos para um governo mundial do Sistema Terrestre

1. Formalizar junto da Unesco a candidatura do Sistema Terrestre, no estado favorável à vida humana, a Património Natural Imaterial da Humanidade, dando-lhe existência jurídica. Este estado é representado por um conjunto de indicadores sobre a estrutura das concentrações biogeoquímicas da Terra que têm permanecido relativamente estáveis durante o Holoceno, o atual período geológico de 11.700 anos que começou depois da última era glaciar.

2. Criar uma nova métrica baseada nos “Limites do Planeta” (limites sustentáveis para o uso de recursos naturais) e na Pegada Ecológica Global (quantidade de terra e água necessária para sustentar a população mundial, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos). A métrica deve aproveitar ao máximo as informações dos satélites de observação da Terra, criando uma ferramenta para servir como futuro padrão de referência na gestão do Sistema Terrestre.

3. Instalar a Casa Comum da Humanidade como sede mundial de uma organização destinada a promover um novo tratado internacional, o Tratado SOS, que crie um modelo de governação global do Sistema Terrestre.

4. O reconhecimento do Sistema Terrestre como Património Mundial servirá de base a uma economia verde que contabilize os contributos positivos e negativos de cada país para a manutenção dos ecossistemas, construindo um sistema equitativo para regular e gerir, através de incentivos, o uso dos recursos naturais.

5. Iniciar um processo de transição de uma economia mundial baseada exclusivamente na exploração de recursos naturais para uma economia de produção de recursos naturais.

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