Lendo e relendo

13-10-2019
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A
notícia surgida na sequência da nomeação de Dom Rui Valério como Bispo das
Forças Armadas e das Forças de Segurança e pela nomeação do tenente-general Rui Guerra Pereira para Vice-Chefe do
Estado-Maior do Exército,
pelos vistos, configura a tomada de uma medida inédita ou uma opção surpreendente como consequência
do escândalo de Tancos a abrir uma nova fase nas relações do poder executivo
com as Forças Armadas, que têm agido como se dependessem politicamente só do
Presidente da República.

A este
respeito, Manuel
Carlos Freire escreve hoje, dia 1 de dezembro, no Diário de Notícias on line, que
a medida é
inédita, está a gerar grande surpresa nas altas esferas militares e decorre da
informação dada, no dia 30 de novembro, ao Exército de que o ministro da Defesa
Nacional pretender dar posse ao novo Vice-Chefe do Estado-Maior do ramo (VCEME).

Na verdade, o VCEME é um dos cargos de nomeação
direta do Ministro da Defesa Nacional, ao contrário dos chefes militares (Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas, Vice-Chefe
do Estado-Maior General das Forças Amadas, Chefe do Estado-Maior do Exército, Chefe
do Estado-Maior da Armada e Chefe do Estado-Maior da Força Aérea), que
são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Governo (sendo, para o caso dos chefes do Estado-Maior de
cada ramo e do Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas, necessário
ouvir o Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas) e os
únicos cuja posse era dada até agora por um responsável político (embora com o
chapéu simbólico de Comandante Supremo das Forças Armadas).  

E o Ministério da Defesa Nacional confirmou ao DN que o titular da pasta – após ter escolhido um civil para chefe
de gabinete – passará a dar posse aos titulares dos cargos que lhe compete
nomear. Por isso é que a medida, sendo também
simbólica,  tenderá a acabar com o
mito de que as Forças Armadas dependem politicamente só do Presidente da
República devido ao facto de ser quem nomeia e exonera os chefes
militares – quando isso só ocorre por proposta do Governo.

Que os chefes militares podem ter a tentação de pretenderem ficar
politicamente apenas na dependência do Presidente da República enquanto Comandante
Supremo das Forças Armadas ficou patente quando o general Rovisco Duarte apresentou a demissão de CEME: entregou a carta
diretamente ao Chefe do Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas,
alegando razões pessoais, mas tendo confessado aos seus subordinados que a
situação política se tinha deteriorado e que não queria prejudicar a
instituição castrense. Obviamente que o general esqueceu que a tutela política das
Forças Armadas pertence ao Ministro da Defesa Nacional, o que o fez ultrapassar
a hierarquia política – situação que Marcelo resolveu remetendo a carta ao
Governo, para que este, a posteriori,
enviasse a proposta de exoneração ao Presidente.

Ora, nos termos do n.º 1 do art.º
275.º da CRP, “às Forças Armadas compete
a defesa militar da República” e, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “as Forças Armadas
obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da
lei”.

O citado artigo da CRP confia às Forças Armadas a defesa militar, o que significa
que existem outras vertentes da defesa nacional. Com efeito, temos a defesa nacional, a defesa militar e a segurança
nacional, que, à luz da doutrina portuguesa, constituem conceitos diferentes,
embora muitas vezes sejam confundidos. A defesa nacional é o conjunto de
estratégias e ações para atingir ou garantir o estado de segurança nacional. A
defesa nacional inclui duas componentes: a
defesa militar – que consiste essencialmente na defesa contra eventuais agressões
armadas vindas do exterior do país; e a defesa
civil – um conceito mais amplo que inclui desde a segurança interna e proteção
civil até à defesa económica e cultural do país. Assim a defesa nacional constitui, essencialmente, a estratégia
integrada que o Estado Português põe em prática para garantir a
segurança nacional, que, por sua vez, consiste nos estados de unidade, soberania
e independência nacionais, de bem-estar e prosperidade da Nação, de
unidade do Estado e normal desenvolvimento das suas tarefas, de liberdade de
ação política dos órgãos de soberania e de regular funcionamento das
instituições democráticas, no quadro constitucional.

A defesa
nacional constitui um conceito amplo e consensual, que postula o empenhamento
dos cidadãos, da sociedade e dos poderes públicos, para manter e reforçar
a segurança e criar condições para prevenção de e combate a quaisquer ameaças
externas que se oponham, direta ou indiretamente, à consecução dos objetivos
nacionais. Tem, por isso, um âmbito global, integrando componentes militares e
não militares.

Obviamente que as Forças Armadas não podem deixar de cooperar na defesa
nacional no seu sentido mais amplo quando as circunstâncias o exigem, como em
caso de catástrofe ou suspeitas de crime de terrorismo ou mesmo quando os compromissos
pátrios as convocam para o serviço além-fronteiras (vd n.os 5, 6 e 7 do art.º 275.º da CRP).

Por outro lado, o art.º 15.º da Lei Orgânica do
XXI Governo Constitucional – aprovada pelo Decreto-lei n.º 251-A/2015, de 17 de
dezembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei
n.º 26/2017, de 9 de março, pelo Decreto-Lei n.º 99/2017, de 18 de agosto e
pelo Decreto-Lei n.º 138/2017, de 10 de novembro, que aprova o regime
de organização e funcionamento do XXI Governo Constitucional, adotando a
estrutura adequada ao cumprimento das prioridades enunciadas no seu Programa – dá amplos poderes ao Ministro da Defesa Nacional,
uns em exclusivo e outros em articulação com outros membros do Governo. Cito apenas
as normas que dizem respeito à sua relação com as Forças Armadas:

“O Ministro da Defesa Nacional tem por
missão formular, conduzir, executar e avaliar a política de defesa nacional no
âmbito das competências que lhe são conferidas pela Lei de Defesa Nacional, bem
como assegurar e fiscalizar a administração das Forças Armadas e dos demais
serviços, organismos, entidades e estruturas nele integrados. […] Exerce a tutela
sobre as instituições de ensino superior militar, em coordenação com o Ministro
da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no que respeita às matérias de ensino
e investigação.”.

Ora,
como as Forças Armadas têm a sua hierarquia, que não convém ultrapassar, também
a Constituição hierarquiza os órgãos de soberania e define a sua formação e a relação
entre eles, relegando para a lei ordinária e para os respetivos regimentos a
eventual hierarquização dentro de cada órgão. No caso da relação das Forças
Armadas com os poderes, estas devem saber que, embora o Presidente seja o
Comandante Supremo, a tutela pertence ao Governo, em especial ao Ministro da Defesa
Nacional, e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, ao Primeiro-Ministro.

***

Porém, o Governo e o Primeiro-Ministro em particular, que já tinham visto
Rovisco Duarte criar-lhes múltiplos problemas políticos pela forma como geriu o
caso de Tancos e, depois, a PJM invocar o “interesse nacional” para recuperar
as armas à revelia do Ministério Público e da PJ, acabaram ainda por ser
tratados como inexistentes pelo então CEME (Chefe do Estado-Maior
do Exército) no momento da sua demissão.

Como referia uma alta patente, a cadeia hierárquica nas fileiras vê os
ramos como dependendo do CEMGFA (Chefe do
Estado-Maior General das Forças Armadas) e depois do Presidente da República, que é por inerência Comandante
Supremo das Forças Armadas – mas cujas funções referidas pela Constituição se
limitam, na prática, a um conjunto de direitos e deveres e atos simbólicos. Daí que a medida, ora anunciada, seja também consequência do escândalo provocado pelo
furto de material de guerra em Tancos, onde o Governo e os altos
responsáveis dos serviços secretos e da segurança interna souberam do caso pela
imprensa, tendo o então CEME proibido a PJ de entrar num quartel apesar de ser
a autoridade competente (por despacho da Procuradora-Geral
da República) para investigar o furto do material e tendo responsáveis da PJM simulado
uma operação para a qual tentaram, a seguir, obter cobertura política da Defesa
Nacional face às pressões oriundas do setor judiciário.

Assim, um dos pontos
que está a suscitar surpresa e irritação nalguns setores castrenses é o facto de
a vontade expressa pelo novo Ministro da Defesa Nacional residir em saber
se vai traduzir-se numa “clara interferência política” na cadeia
de comando das Forças Armadas, como aduziu uma das altas patentes
ouvidas pelo DN. Na base disso está o facto de os vice-chefes e
outros cargos militares de nomeação direta do Ministro, embora sujeitos a
confirmação pelo Presidente da República, estarem hierarquicamente subordinados
ao respetivo chefe militar de cada ramo, com a agravante de a cerimónia ser
realizada no Ministério da Defesa Nacional.

Esse será, aliás, o caso quando o Ministro da Defesa Nacional der posse ao
novo Bispo das Forças Armadas e das forças de Segurança, Dom Rui Valério, no
próximo dia 3 de dezembro. Na verdade, o Bispo foi nomeado pelo Papa Francisco,
mas a sua nomeação como hierarca militar será formalizada pelo Ministro da Defesa
Nacional, que lhe conferirá pessoalmente a posse (a conferição pessoal da posse pelo governante é que é novidade).  

Também, de acordo com informação do gabinete do CEMA (Chefe do Estado-Maior da Armada), será o Ministro a conferir a posse ao vice-almirante Gouveia e Melo, que foi nomeado comandante naval pelo
Ministro sob proposta do CEMA.

***

Além dos
vice-chefes do Estado-Maior de cada ramo, compete também ao Ministro da Defesa Nacional nomear os
comandantes operacionais do Estado-Maior General das Forças Armadas, dos ramos e,
nas regiões autónomas, os comandantes das respetivas academias, bem como o
chefe do CISMIL (Centro de Informações e
Segurança Militares) e os diretores do IUM (Instituto Universitário Militar) e do HFAR (Hospital das Forças Armadas).

Quanto à situação do comandante
naval, vice-almirante Gouveia e Melo, que vai a julgamento acusado da prática
do crime de difamação agravada contra outro oficial general da
Marinha e onde pode estar também em causa a violação de deveres militares no
exercício de funções, o gabinete de Gomes Cravinho disse ao DN que não fazia quaisquer comentários.

***

O site do Ordinariato
Castrense adianta que Dom Rui Manuel Sousa Valério, Bispo da Diocese das Forças
Armadas e das Forças de Segurança, tomará posse como Capelão-Chefe do
Ordinariato Castrense, graduado em major-general, no dia 3 de dezembro,
segunda-feira, às 17,30 horas. A cerimónia realizar-se-á no Salão
Nobre do Ministério da Defesa Nacional com a presença dos Ministros da Defesa Nacional
e da Administração Interna. E, no dia 11, terça-feira da semana
seguinte, será a sua apresentação formal às Forças Armadas e Forças de
Segurança de Portugal, numa Cerimónia Militar que ocorrerá, de manhã, na
Calçada da Memória, seguida de Celebração Eucarística, às 11h, presidida pelo
prelado, na Igreja da Memória, Sé Catedral da Diocese Castrense.

***

O Ministro da Defesa Nacional nomeou
o tenente-general Rui Guerra Pereira (que o Presidente
da República condecorou, em outubro, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Avis), até agora comandante operacional do Exército, para o cargo de
vice-chefe do ramo, onde sucede ao
tenente-general Fernando Serafino.

Fernando Serafino, ultrapassado há semanas pelo
general Nunes da Fonseca na nomeação para CEME, cumpriu, no dia 30, o seu
último dia no ativo e passa oficialmente à reserva hoje, dia 1.

A escolha surge na sequência da demissão do anterior CEME, general Rovisco
Duarte, após a entrada em funções de João Gomes Cravinho como Ministro da
Defesa Nacional e na sequência do escândalo criado pelo furto de armas em
Tancos. Ultrapassado
pela segunda vez foi o tenente-general Cóias Ferreira, atual comandante da Logística,
depois de já o ter sido na escolha de Nunes da Fonseca para a chefia do ramo.

Segundo as fontes do DN, Cóias Ferreira – ao contrário de Fernando
Serafino, que comunicara internamente a sua saída com antecedência – ainda não
informou os pares sobre o que vai fazer. Daí que, na
reunião do Conselho Superior do Exército, no dia 29, não tivesse sido analisada
a escolha do novo comandante das Forças Terrestres, pois, caso Cóias Ferreira
decida sair, o ramo terá de escolher igualmente um novo Quartel-Mestre General. Isto significa que o processo de renovação do
Conselho Superior do Exército ainda vai manter-se em aberto mais uns dias.

***

Enfim, se o Governo não dá mostras de interesse pelas Forças Armadas, estas
queixam-se de serem subestimadas; se está mais presente, acusam o poder
político de ingerência. Estranho é nunca levarem a mal as intervenções do Presidente
da República, cujas intervenções ultrapassam, a meu ver, a prerrogativa do Comandante
Supremo, que nomeia e exonera sob proposta do Governo e preside a cerimónias
significativas. Porém, a tutela direta cabe ao Ministro, que faz bem em não
largar as funções tutelares. Presidir a um ato de posse é ingerência? Chamar o empossando
ao Palácio ministerial é ingerência? Bem o podiam entender como deferência. Ou será
que o facto de o Presidente dar posse em Belém ou na Ajuda aos membros do
Governo também é ingerência na função governativa?    

2018.12.01 –
Louro de Carvalho    

A
notícia surgida na sequência da nomeação de Dom Rui Valério como Bispo das
Forças Armadas e das Forças de Segurança e pela nomeação do tenente-general Rui Guerra Pereira para Vice-Chefe do
Estado-Maior do Exército,
pelos vistos, configura a tomada de uma medida inédita ou uma opção surpreendente como consequência
do escândalo de Tancos a abrir uma nova fase nas relações do poder executivo
com as Forças Armadas, que têm agido como se dependessem politicamente só do
Presidente da República.

A este
respeito, Manuel
Carlos Freire escreve hoje, dia 1 de dezembro, no Diário de Notícias on line, que
a medida é
inédita, está a gerar grande surpresa nas altas esferas militares e decorre da
informação dada, no dia 30 de novembro, ao Exército de que o ministro da Defesa
Nacional pretender dar posse ao novo Vice-Chefe do Estado-Maior do ramo (VCEME).

Na verdade, o VCEME é um dos cargos de nomeação
direta do Ministro da Defesa Nacional, ao contrário dos chefes militares (Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas, Vice-Chefe
do Estado-Maior General das Forças Amadas, Chefe do Estado-Maior do Exército, Chefe
do Estado-Maior da Armada e Chefe do Estado-Maior da Força Aérea), que
são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Governo (sendo, para o caso dos chefes do Estado-Maior de
cada ramo e do Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas, necessário
ouvir o Chefe do Estado-Maior General das Forças Amadas) e os
únicos cuja posse era dada até agora por um responsável político (embora com o
chapéu simbólico de Comandante Supremo das Forças Armadas).  

E o Ministério da Defesa Nacional confirmou ao DN que o titular da pasta – após ter escolhido um civil para chefe
de gabinete – passará a dar posse aos titulares dos cargos que lhe compete
nomear. Por isso é que a medida, sendo também
simbólica,  tenderá a acabar com o
mito de que as Forças Armadas dependem politicamente só do Presidente da
República devido ao facto de ser quem nomeia e exonera os chefes
militares – quando isso só ocorre por proposta do Governo.

Que os chefes militares podem ter a tentação de pretenderem ficar
politicamente apenas na dependência do Presidente da República enquanto Comandante
Supremo das Forças Armadas ficou patente quando o general Rovisco Duarte apresentou a demissão de CEME: entregou a carta
diretamente ao Chefe do Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas,
alegando razões pessoais, mas tendo confessado aos seus subordinados que a
situação política se tinha deteriorado e que não queria prejudicar a
instituição castrense. Obviamente que o general esqueceu que a tutela política das
Forças Armadas pertence ao Ministro da Defesa Nacional, o que o fez ultrapassar
a hierarquia política – situação que Marcelo resolveu remetendo a carta ao
Governo, para que este, a posteriori,
enviasse a proposta de exoneração ao Presidente.

Ora, nos termos do n.º 1 do art.º
275.º da CRP, “às Forças Armadas compete
a defesa militar da República” e, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “as Forças Armadas
obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da
lei”.

O citado artigo da CRP confia às Forças Armadas a defesa militar, o que significa
que existem outras vertentes da defesa nacional. Com efeito, temos a defesa nacional, a defesa militar e a segurança
nacional, que, à luz da doutrina portuguesa, constituem conceitos diferentes,
embora muitas vezes sejam confundidos. A defesa nacional é o conjunto de
estratégias e ações para atingir ou garantir o estado de segurança nacional. A
defesa nacional inclui duas componentes: a
defesa militar – que consiste essencialmente na defesa contra eventuais agressões
armadas vindas do exterior do país; e a defesa
civil – um conceito mais amplo que inclui desde a segurança interna e proteção
civil até à defesa económica e cultural do país. Assim a defesa nacional constitui, essencialmente, a estratégia
integrada que o Estado Português põe em prática para garantir a
segurança nacional, que, por sua vez, consiste nos estados de unidade, soberania
e independência nacionais, de bem-estar e prosperidade da Nação, de
unidade do Estado e normal desenvolvimento das suas tarefas, de liberdade de
ação política dos órgãos de soberania e de regular funcionamento das
instituições democráticas, no quadro constitucional.

A defesa
nacional constitui um conceito amplo e consensual, que postula o empenhamento
dos cidadãos, da sociedade e dos poderes públicos, para manter e reforçar
a segurança e criar condições para prevenção de e combate a quaisquer ameaças
externas que se oponham, direta ou indiretamente, à consecução dos objetivos
nacionais. Tem, por isso, um âmbito global, integrando componentes militares e
não militares.

Obviamente que as Forças Armadas não podem deixar de cooperar na defesa
nacional no seu sentido mais amplo quando as circunstâncias o exigem, como em
caso de catástrofe ou suspeitas de crime de terrorismo ou mesmo quando os compromissos
pátrios as convocam para o serviço além-fronteiras (vd n.os 5, 6 e 7 do art.º 275.º da CRP).

Por outro lado, o art.º 15.º da Lei Orgânica do
XXI Governo Constitucional – aprovada pelo Decreto-lei n.º 251-A/2015, de 17 de
dezembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei
n.º 26/2017, de 9 de março, pelo Decreto-Lei n.º 99/2017, de 18 de agosto e
pelo Decreto-Lei n.º 138/2017, de 10 de novembro, que aprova o regime
de organização e funcionamento do XXI Governo Constitucional, adotando a
estrutura adequada ao cumprimento das prioridades enunciadas no seu Programa – dá amplos poderes ao Ministro da Defesa Nacional,
uns em exclusivo e outros em articulação com outros membros do Governo. Cito apenas
as normas que dizem respeito à sua relação com as Forças Armadas:

“O Ministro da Defesa Nacional tem por
missão formular, conduzir, executar e avaliar a política de defesa nacional no
âmbito das competências que lhe são conferidas pela Lei de Defesa Nacional, bem
como assegurar e fiscalizar a administração das Forças Armadas e dos demais
serviços, organismos, entidades e estruturas nele integrados. […] Exerce a tutela
sobre as instituições de ensino superior militar, em coordenação com o Ministro
da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no que respeita às matérias de ensino
e investigação.”.

Ora,
como as Forças Armadas têm a sua hierarquia, que não convém ultrapassar, também
a Constituição hierarquiza os órgãos de soberania e define a sua formação e a relação
entre eles, relegando para a lei ordinária e para os respetivos regimentos a
eventual hierarquização dentro de cada órgão. No caso da relação das Forças
Armadas com os poderes, estas devem saber que, embora o Presidente seja o
Comandante Supremo, a tutela pertence ao Governo, em especial ao Ministro da Defesa
Nacional, e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, ao Primeiro-Ministro.

***

Porém, o Governo e o Primeiro-Ministro em particular, que já tinham visto
Rovisco Duarte criar-lhes múltiplos problemas políticos pela forma como geriu o
caso de Tancos e, depois, a PJM invocar o “interesse nacional” para recuperar
as armas à revelia do Ministério Público e da PJ, acabaram ainda por ser
tratados como inexistentes pelo então CEME (Chefe do Estado-Maior
do Exército) no momento da sua demissão.

Como referia uma alta patente, a cadeia hierárquica nas fileiras vê os
ramos como dependendo do CEMGFA (Chefe do
Estado-Maior General das Forças Armadas) e depois do Presidente da República, que é por inerência Comandante
Supremo das Forças Armadas – mas cujas funções referidas pela Constituição se
limitam, na prática, a um conjunto de direitos e deveres e atos simbólicos. Daí que a medida, ora anunciada, seja também consequência do escândalo provocado pelo
furto de material de guerra em Tancos, onde o Governo e os altos
responsáveis dos serviços secretos e da segurança interna souberam do caso pela
imprensa, tendo o então CEME proibido a PJ de entrar num quartel apesar de ser
a autoridade competente (por despacho da Procuradora-Geral
da República) para investigar o furto do material e tendo responsáveis da PJM simulado
uma operação para a qual tentaram, a seguir, obter cobertura política da Defesa
Nacional face às pressões oriundas do setor judiciário.

Assim, um dos pontos
que está a suscitar surpresa e irritação nalguns setores castrenses é o facto de
a vontade expressa pelo novo Ministro da Defesa Nacional residir em saber
se vai traduzir-se numa “clara interferência política” na cadeia
de comando das Forças Armadas, como aduziu uma das altas patentes
ouvidas pelo DN. Na base disso está o facto de os vice-chefes e
outros cargos militares de nomeação direta do Ministro, embora sujeitos a
confirmação pelo Presidente da República, estarem hierarquicamente subordinados
ao respetivo chefe militar de cada ramo, com a agravante de a cerimónia ser
realizada no Ministério da Defesa Nacional.

Esse será, aliás, o caso quando o Ministro da Defesa Nacional der posse ao
novo Bispo das Forças Armadas e das forças de Segurança, Dom Rui Valério, no
próximo dia 3 de dezembro. Na verdade, o Bispo foi nomeado pelo Papa Francisco,
mas a sua nomeação como hierarca militar será formalizada pelo Ministro da Defesa
Nacional, que lhe conferirá pessoalmente a posse (a conferição pessoal da posse pelo governante é que é novidade).  

Também, de acordo com informação do gabinete do CEMA (Chefe do Estado-Maior da Armada), será o Ministro a conferir a posse ao vice-almirante Gouveia e Melo, que foi nomeado comandante naval pelo
Ministro sob proposta do CEMA.

***

Além dos
vice-chefes do Estado-Maior de cada ramo, compete também ao Ministro da Defesa Nacional nomear os
comandantes operacionais do Estado-Maior General das Forças Armadas, dos ramos e,
nas regiões autónomas, os comandantes das respetivas academias, bem como o
chefe do CISMIL (Centro de Informações e
Segurança Militares) e os diretores do IUM (Instituto Universitário Militar) e do HFAR (Hospital das Forças Armadas).

Quanto à situação do comandante
naval, vice-almirante Gouveia e Melo, que vai a julgamento acusado da prática
do crime de difamação agravada contra outro oficial general da
Marinha e onde pode estar também em causa a violação de deveres militares no
exercício de funções, o gabinete de Gomes Cravinho disse ao DN que não fazia quaisquer comentários.

***

O site do Ordinariato
Castrense adianta que Dom Rui Manuel Sousa Valério, Bispo da Diocese das Forças
Armadas e das Forças de Segurança, tomará posse como Capelão-Chefe do
Ordinariato Castrense, graduado em major-general, no dia 3 de dezembro,
segunda-feira, às 17,30 horas. A cerimónia realizar-se-á no Salão
Nobre do Ministério da Defesa Nacional com a presença dos Ministros da Defesa Nacional
e da Administração Interna. E, no dia 11, terça-feira da semana
seguinte, será a sua apresentação formal às Forças Armadas e Forças de
Segurança de Portugal, numa Cerimónia Militar que ocorrerá, de manhã, na
Calçada da Memória, seguida de Celebração Eucarística, às 11h, presidida pelo
prelado, na Igreja da Memória, Sé Catedral da Diocese Castrense.

***

O Ministro da Defesa Nacional nomeou
o tenente-general Rui Guerra Pereira (que o Presidente
da República condecorou, em outubro, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Avis), até agora comandante operacional do Exército, para o cargo de
vice-chefe do ramo, onde sucede ao
tenente-general Fernando Serafino.

Fernando Serafino, ultrapassado há semanas pelo
general Nunes da Fonseca na nomeação para CEME, cumpriu, no dia 30, o seu
último dia no ativo e passa oficialmente à reserva hoje, dia 1.

A escolha surge na sequência da demissão do anterior CEME, general Rovisco
Duarte, após a entrada em funções de João Gomes Cravinho como Ministro da
Defesa Nacional e na sequência do escândalo criado pelo furto de armas em
Tancos. Ultrapassado
pela segunda vez foi o tenente-general Cóias Ferreira, atual comandante da Logística,
depois de já o ter sido na escolha de Nunes da Fonseca para a chefia do ramo.

Segundo as fontes do DN, Cóias Ferreira – ao contrário de Fernando
Serafino, que comunicara internamente a sua saída com antecedência – ainda não
informou os pares sobre o que vai fazer. Daí que, na
reunião do Conselho Superior do Exército, no dia 29, não tivesse sido analisada
a escolha do novo comandante das Forças Terrestres, pois, caso Cóias Ferreira
decida sair, o ramo terá de escolher igualmente um novo Quartel-Mestre General. Isto significa que o processo de renovação do
Conselho Superior do Exército ainda vai manter-se em aberto mais uns dias.

***

Enfim, se o Governo não dá mostras de interesse pelas Forças Armadas, estas
queixam-se de serem subestimadas; se está mais presente, acusam o poder
político de ingerência. Estranho é nunca levarem a mal as intervenções do Presidente
da República, cujas intervenções ultrapassam, a meu ver, a prerrogativa do Comandante
Supremo, que nomeia e exonera sob proposta do Governo e preside a cerimónias
significativas. Porém, a tutela direta cabe ao Ministro, que faz bem em não
largar as funções tutelares. Presidir a um ato de posse é ingerência? Chamar o empossando
ao Palácio ministerial é ingerência? Bem o podiam entender como deferência. Ou será
que o facto de o Presidente dar posse em Belém ou na Ajuda aos membros do
Governo também é ingerência na função governativa?    

2018.12.01 –
Louro de Carvalho    

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