O enorme recuo de Cristas em cinco passos

22-05-2019
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A líder do CDS assumiu um compromisso e acabou em ele em apenas 48 horas - depois de muitas críticas externas e internas e de um aviso de Pires de Lima, nas páginas do Expresso (“Ou se está com os contribuintes ou com Mário Nogueira”, disse o ex-vice-presidente do partido). Esta manhã foi o acto final, que pode abrir caminho ao fim da crise política e à continuidade da “geringonça”, se o PSD seguir o mesmo caminho.

Passo a passo, eis o que Cristas foi dizendo.

1 -Sexta-feira de manhã

Os partidos tinham aprovado, na especialidade, as várias alíneas sobre a carreira de professores, chegando a um meio caminho: reconhecia-se os nove anos de congelamento na íntegra, mas sem calendário definido (chumbado pela direita) e sem condições (chumbadas pela esquerda). Costa convocara reunião de emergência, Carlos César e Santos Silva já deixavam antever a demissão do Governo. De manhã, na AR, Cristas dava uma conferência de imprensa sobre “o que aconteceu ontem”. Eis o que disse:

“Sobre o tempo de pagamento, não houve qualquer acréscimo a este período [já aceite pelo Governo, de dois anos e nove meses]. Todas as propostas de fixar um calendário foram chumbadas pelo CDS. O que foi acordado não aumenta um cêntimo que seja o encargo para este orçamento. E não vincula a qualquer calendário”.

“Só aprovávamos aquilo que o Governo já tinha aprovado [2 anos e 9 meses]. Quanto ao resto, aprovámos um mandato para o próximo Governo negociar”.

“É falso que haja qualquer acréscimo orçamental”.

“Perante isto, o Governo encena um golpe. Não aceitamos esta vitimização. O Governo tem agora o que tinha no Orçamento: um mandato para negociar [a reposição de toda a carreira”.

“Se o Governo sente que perdeu a sua base de apoio, que o PCP e BE não o apoiam neste ponto, então que teste essa base de apoio no Parlamento”.

2. Sexta-feira à noite

Já depois da ameaça formal de demissão do Governo, Cristas deu uma conferência de imprensa na sede do CDS. Mantendo o tom e reiterando o compromisso do dia anterior. Foi assim:

“O CDS pondera as suas decisões atempadamente […]. Não tomamos decisões de ânimo leve.” (quando questionada sobre se o CDS mudaria de sentido de voto na votação final).

“O primeiro-ministro é que tem um problema para resolver, uma base de apoio parlamentar que aparentemente lhe virou as costas. É um problema que tem que tratar com os seus aliados: pedir-lhes apoio se quer concluir esta legislatura”.

“Aquilo que foi aprovado ontem não põe em causa as contas públicas, é apenas um princípio de negociação com os professores.”

“O que foi votado no Parlamento e gerou um consenso, entre o CDS e os demais partidos, é que se se assume um descongelamento para toda a administração pública, então esse descongelamento tem que ser para todo o período. Foi isso que foi votado. O que não gerou consenso foram as várias propostas destinadas a dar corpo a este princípio e a dizer como se fará este pagamento. Aí, uns tinham calendários, outros como o CDS tinham um método coerente, tendo em conta as contas públicas e o crescimento da economia.”

“O que o CDS votou é público […]. O CDS apresentou um método [de pagamento] que não foi aprovado tendo em vista o crescimento da economia e também a revisão da carreira docente, da avaliação dos professores e aposentações. Comprometemo-nos a abrir negociações em todas estas condições [se o CDS for para o Governo]. A nossa posição é coerente, responsável e transparente”.

“Os prazos eleitorais têm que ser vistos, mas não são um problema do CDS”

3. Sábado de manhã

No seu novo Podcast, Assunção Cristas passou sete minutos a explicar um assunto que disse ser “muito complexo e tecnicamente muito exigente”. Fê-lo assim:

“Assumimos que deve haver um descongelamento, isso é justo para com os professores, deve ser todo o período.”

“Relativamente ao impacto no futuro, havia várias propostas. Umas tinham metas e tempo máximo [para pagamento aos professores]. Foram todas rejeitadas. O CDS tinha a sua proposta para cruzar esta reposição com a capacidade do país para pagar e que esse devia ser o momento para negociar carreiras e avaliação.

Ora bem, a primeira parte [o tempo na íntegra] foi aprovado; o segundo [tempo e condições para pagamento] foi chumbado. O que temos é um mandato para o Governo - certamente já não para este - poder negociar com os professores, também com outras carreiras especiais da função pública, à luz das condições do país e do crescimento económico. O que foi aprovado não acrescenta um cêntimo que seja ao Orçamento.”

“Quando as coisas não são o que o Governo quer, estão desinforma, vitimiza-se e quer criar uma crise política em torno de questões que do ponto de vista orçamental nada interferem”.

4. Sábado à tarde

Mais um acto de comunicação, desta feita um mail para todos os militantes, que Cristas também colocou no seu Facebook. Tratou-se de uma série de perguntas e respostas, começando por “o que o Governo socialista quer fazer esquecer” - que era o tempo de congelamento decretado por José Sócrates.

O texto era longo, mas acabava com esta sequência:

“ENTÃO O QUE FOI APROVADO ONTEM?

Que o congelamento foi de dois períodos, num total de 9 anos, determinados pelos Governos Sócrates; foram mantidos os 2 anos 4 meses e 9 dias que o Governo e Presidente da República tinham garantido; o pagamento destes 2 anos respeita integralmente o OE de 2019; tendo sido chumbados os critérios do CDS para a negociação, ficou apenas a indicação de que será o próximo Governo a ter de negociar a forma.”

Volte atrás e reveja a última frase: “Tendo sido chumbados os critérios do CDS para a negociação, ficou apenas a indicação de que será o próximo Governo a ter de negociar a forma.” Era a explicitação de que este tinha sido o meio termo da negociação com a esquerda, que o CDS tinha aceite.

5. Domingo de manhã: o recuo

Num texto enviado às redacções, a líder do CDS volta a boa parte do argumentário dos dias anteriores, mas dá uma reviravolta política anunciando uma “avocação parlamentar”. Ou seja, que vai colocar uma nova condição para que aquilo que foi aprovado na comissão possa passar na votação final.

É isto que Cristas explicita:

“A proposta final ainda não está votada. Cabe agora aos partidos ver se estão satisfeitos com a versão final da proposta e, em plenário, votar. […]

Por isso para nós a decisão é muito simples: ou o Parlamento aceita as nossas condições ou não aprovaremos qualquer pagamento. Essa é a posição de princípio do CDS desde sempre. Ou o Parlamento aceita os requisitos da nossa proposta, e eles se tornam lei, ou o CDS não dará o seu voto a qualquer compromisso. Um Governo do CDS nunca faria negociações incondicionais. Para nós a primazia do interesse geral é uma condição essencial.

Ainda é possível colocar essa opção? É, como aliás é prática parlamentar, com a avocação da norma em causa para decisão em plenário. E é isso que o CDS fará.”

Cristas diz uma verdade: que a proposta do CDS era esta desde o início. Mas omite o que chegou a dizer antes: que o CDS tinha prescindido dela, assim como a esquerda prescindiu de um calendário para pagar aos professores, acordando apenas uma formação aberta que dava ao próximo Governo carta branca para fazer a negociação que quisesse. Foi essa a negociação feita entre esquerda e direita, na especialidade, para chegar a acordo. Foi isso que agora Assunção pôs em causa. Falta saber Rui Rio. Se o PSD também recuar, a lei não deve passar (a menos que a esquerda aceite a nova exigência). E não haverá, afinal, crise política.

A líder do CDS assumiu um compromisso e acabou em ele em apenas 48 horas - depois de muitas críticas externas e internas e de um aviso de Pires de Lima, nas páginas do Expresso (“Ou se está com os contribuintes ou com Mário Nogueira”, disse o ex-vice-presidente do partido). Esta manhã foi o acto final, que pode abrir caminho ao fim da crise política e à continuidade da “geringonça”, se o PSD seguir o mesmo caminho.

Passo a passo, eis o que Cristas foi dizendo.

1 -Sexta-feira de manhã

Os partidos tinham aprovado, na especialidade, as várias alíneas sobre a carreira de professores, chegando a um meio caminho: reconhecia-se os nove anos de congelamento na íntegra, mas sem calendário definido (chumbado pela direita) e sem condições (chumbadas pela esquerda). Costa convocara reunião de emergência, Carlos César e Santos Silva já deixavam antever a demissão do Governo. De manhã, na AR, Cristas dava uma conferência de imprensa sobre “o que aconteceu ontem”. Eis o que disse:

“Sobre o tempo de pagamento, não houve qualquer acréscimo a este período [já aceite pelo Governo, de dois anos e nove meses]. Todas as propostas de fixar um calendário foram chumbadas pelo CDS. O que foi acordado não aumenta um cêntimo que seja o encargo para este orçamento. E não vincula a qualquer calendário”.

“Só aprovávamos aquilo que o Governo já tinha aprovado [2 anos e 9 meses]. Quanto ao resto, aprovámos um mandato para o próximo Governo negociar”.

“É falso que haja qualquer acréscimo orçamental”.

“Perante isto, o Governo encena um golpe. Não aceitamos esta vitimização. O Governo tem agora o que tinha no Orçamento: um mandato para negociar [a reposição de toda a carreira”.

“Se o Governo sente que perdeu a sua base de apoio, que o PCP e BE não o apoiam neste ponto, então que teste essa base de apoio no Parlamento”.

2. Sexta-feira à noite

Já depois da ameaça formal de demissão do Governo, Cristas deu uma conferência de imprensa na sede do CDS. Mantendo o tom e reiterando o compromisso do dia anterior. Foi assim:

“O CDS pondera as suas decisões atempadamente […]. Não tomamos decisões de ânimo leve.” (quando questionada sobre se o CDS mudaria de sentido de voto na votação final).

“O primeiro-ministro é que tem um problema para resolver, uma base de apoio parlamentar que aparentemente lhe virou as costas. É um problema que tem que tratar com os seus aliados: pedir-lhes apoio se quer concluir esta legislatura”.

“Aquilo que foi aprovado ontem não põe em causa as contas públicas, é apenas um princípio de negociação com os professores.”

“O que foi votado no Parlamento e gerou um consenso, entre o CDS e os demais partidos, é que se se assume um descongelamento para toda a administração pública, então esse descongelamento tem que ser para todo o período. Foi isso que foi votado. O que não gerou consenso foram as várias propostas destinadas a dar corpo a este princípio e a dizer como se fará este pagamento. Aí, uns tinham calendários, outros como o CDS tinham um método coerente, tendo em conta as contas públicas e o crescimento da economia.”

“O que o CDS votou é público […]. O CDS apresentou um método [de pagamento] que não foi aprovado tendo em vista o crescimento da economia e também a revisão da carreira docente, da avaliação dos professores e aposentações. Comprometemo-nos a abrir negociações em todas estas condições [se o CDS for para o Governo]. A nossa posição é coerente, responsável e transparente”.

“Os prazos eleitorais têm que ser vistos, mas não são um problema do CDS”

3. Sábado de manhã

No seu novo Podcast, Assunção Cristas passou sete minutos a explicar um assunto que disse ser “muito complexo e tecnicamente muito exigente”. Fê-lo assim:

“Assumimos que deve haver um descongelamento, isso é justo para com os professores, deve ser todo o período.”

“Relativamente ao impacto no futuro, havia várias propostas. Umas tinham metas e tempo máximo [para pagamento aos professores]. Foram todas rejeitadas. O CDS tinha a sua proposta para cruzar esta reposição com a capacidade do país para pagar e que esse devia ser o momento para negociar carreiras e avaliação.

Ora bem, a primeira parte [o tempo na íntegra] foi aprovado; o segundo [tempo e condições para pagamento] foi chumbado. O que temos é um mandato para o Governo - certamente já não para este - poder negociar com os professores, também com outras carreiras especiais da função pública, à luz das condições do país e do crescimento económico. O que foi aprovado não acrescenta um cêntimo que seja ao Orçamento.”

“Quando as coisas não são o que o Governo quer, estão desinforma, vitimiza-se e quer criar uma crise política em torno de questões que do ponto de vista orçamental nada interferem”.

4. Sábado à tarde

Mais um acto de comunicação, desta feita um mail para todos os militantes, que Cristas também colocou no seu Facebook. Tratou-se de uma série de perguntas e respostas, começando por “o que o Governo socialista quer fazer esquecer” - que era o tempo de congelamento decretado por José Sócrates.

O texto era longo, mas acabava com esta sequência:

“ENTÃO O QUE FOI APROVADO ONTEM?

Que o congelamento foi de dois períodos, num total de 9 anos, determinados pelos Governos Sócrates; foram mantidos os 2 anos 4 meses e 9 dias que o Governo e Presidente da República tinham garantido; o pagamento destes 2 anos respeita integralmente o OE de 2019; tendo sido chumbados os critérios do CDS para a negociação, ficou apenas a indicação de que será o próximo Governo a ter de negociar a forma.”

Volte atrás e reveja a última frase: “Tendo sido chumbados os critérios do CDS para a negociação, ficou apenas a indicação de que será o próximo Governo a ter de negociar a forma.” Era a explicitação de que este tinha sido o meio termo da negociação com a esquerda, que o CDS tinha aceite.

5. Domingo de manhã: o recuo

Num texto enviado às redacções, a líder do CDS volta a boa parte do argumentário dos dias anteriores, mas dá uma reviravolta política anunciando uma “avocação parlamentar”. Ou seja, que vai colocar uma nova condição para que aquilo que foi aprovado na comissão possa passar na votação final.

É isto que Cristas explicita:

“A proposta final ainda não está votada. Cabe agora aos partidos ver se estão satisfeitos com a versão final da proposta e, em plenário, votar. […]

Por isso para nós a decisão é muito simples: ou o Parlamento aceita as nossas condições ou não aprovaremos qualquer pagamento. Essa é a posição de princípio do CDS desde sempre. Ou o Parlamento aceita os requisitos da nossa proposta, e eles se tornam lei, ou o CDS não dará o seu voto a qualquer compromisso. Um Governo do CDS nunca faria negociações incondicionais. Para nós a primazia do interesse geral é uma condição essencial.

Ainda é possível colocar essa opção? É, como aliás é prática parlamentar, com a avocação da norma em causa para decisão em plenário. E é isso que o CDS fará.”

Cristas diz uma verdade: que a proposta do CDS era esta desde o início. Mas omite o que chegou a dizer antes: que o CDS tinha prescindido dela, assim como a esquerda prescindiu de um calendário para pagar aos professores, acordando apenas uma formação aberta que dava ao próximo Governo carta branca para fazer a negociação que quisesse. Foi essa a negociação feita entre esquerda e direita, na especialidade, para chegar a acordo. Foi isso que agora Assunção pôs em causa. Falta saber Rui Rio. Se o PSD também recuar, a lei não deve passar (a menos que a esquerda aceite a nova exigência). E não haverá, afinal, crise política.

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