A irresistível tentação da hipocrisia

22-05-2019
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Uma notável “coligação negativa” (negra talvez fosse o termo mais adequado), deu o primeiro passo para aprovar na Assembleia de República a totalidade da reivindicações dos Sindicatos dos Professores relativas a pagamento dos retroactivos das promoções automáticas que estiveram congeladas no tempo da troika. PSD e CDS à direita, e Bloco e PCP à esquerda, juntarão os seus votos para amarrarem o país a uma despesa acrescida de 680 milhões de euros anuais na folha salarial da função pública — ou um total de mais de 800 milhões, se, como é inevitável que suceda, a satisfação das exigências dos professores se tornar também extensiva aos demais “corpos especiais” da Função Pública. É o equivalente, explicou Mário Centeno, à despesa orçamentada para os aumentos normais anuais dos trabalhadores do Estado, despesa essa que assim duplicaria o seu montante. Explicação inútil: a cobiça dos votos dos professores, dos magistrados e dos polícias ultrapassa qualquer outra consideração. Se da parte do PCP outra coisa não era expectável (a Fenprof não é mais do que um dos seus instrumentos de batalha, sempre ao dispor), e se da parte do BE um sector tão importante das lutas sindicais não poderia ser abandonado ao PCP, já da parte da direita esta atitude é de um absoluto despudor. Primeiro, porque foi um governo seu quem suspendeu as promoções dos professores, sendo no mínimo hipócrita obrigar quem lhe sucede a pagar a conta, declarando-se agora tão solidários com a “justa reivindicação” dos professores. E em segundo lugar, porque isto tresanda, a despeito de quem se habituou a acusar os governos socialistas de gastadores sem freio e agora se vê confrontado com um Governo socialista que em três anos baixou o défice das contas públicas para um inédito número de 0,5% do PIB. A mesma direita que, e com razão, acusa o Governo de sobrecarregar de impostos indivíduos e empresas, agora avança para a aprovação de uma despesa extraordinária e permanente que, de uma forma ou de outra, terá obrigatoriamente de ser coberta por mais impostos, visto que o dinheiro do Estado não cai do céu. A mesma direita que no Governo anterior viveu sempre em orçamentos rectificativos, impondo ao longo de cada ano mais cortes e mais impostos, pois que, além de mais, aparentemente não soube fazer contas, agora manifesta a sua indiferença quando o ministro Mário Centeno avisa que tal despesa não prevista o obrigará à apresentação do seu primeiro orçamento rectificativo de toda a legislatura. Sobre isso, ouvi a deputada centrista Ana Rita Bessa afirmar sem um estremecimento de pudor: “Sr. ministro, não lhe caem os parentes na lama se tiver de apresentar um orçamento rectificativo!”. Independentemente do lado onde estiver a razão, o mínimo de decência exigível é que cada um — cada partido, cada deputado — seja coerente com o seu passado e com as suas ideias. Porque isto é daquelas coisas que tornam o terreno da luta partidária um território tantas vezes infrequentável por gente de bem.

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Uma notável “coligação negativa” (negra talvez fosse o termo mais adequado), deu o primeiro passo para aprovar na Assembleia de República a totalidade da reivindicações dos Sindicatos dos Professores relativas a pagamento dos retroactivos das promoções automáticas que estiveram congeladas no tempo da troika. PSD e CDS à direita, e Bloco e PCP à esquerda, juntarão os seus votos para amarrarem o país a uma despesa acrescida de 680 milhões de euros anuais na folha salarial da função pública — ou um total de mais de 800 milhões, se, como é inevitável que suceda, a satisfação das exigências dos professores se tornar também extensiva aos demais “corpos especiais” da Função Pública. É o equivalente, explicou Mário Centeno, à despesa orçamentada para os aumentos normais anuais dos trabalhadores do Estado, despesa essa que assim duplicaria o seu montante. Explicação inútil: a cobiça dos votos dos professores, dos magistrados e dos polícias ultrapassa qualquer outra consideração. Se da parte do PCP outra coisa não era expectável (a Fenprof não é mais do que um dos seus instrumentos de batalha, sempre ao dispor), e se da parte do BE um sector tão importante das lutas sindicais não poderia ser abandonado ao PCP, já da parte da direita esta atitude é de um absoluto despudor. Primeiro, porque foi um governo seu quem suspendeu as promoções dos professores, sendo no mínimo hipócrita obrigar quem lhe sucede a pagar a conta, declarando-se agora tão solidários com a “justa reivindicação” dos professores. E em segundo lugar, porque isto tresanda, a despeito de quem se habituou a acusar os governos socialistas de gastadores sem freio e agora se vê confrontado com um Governo socialista que em três anos baixou o défice das contas públicas para um inédito número de 0,5% do PIB. A mesma direita que, e com razão, acusa o Governo de sobrecarregar de impostos indivíduos e empresas, agora avança para a aprovação de uma despesa extraordinária e permanente que, de uma forma ou de outra, terá obrigatoriamente de ser coberta por mais impostos, visto que o dinheiro do Estado não cai do céu. A mesma direita que no Governo anterior viveu sempre em orçamentos rectificativos, impondo ao longo de cada ano mais cortes e mais impostos, pois que, além de mais, aparentemente não soube fazer contas, agora manifesta a sua indiferença quando o ministro Mário Centeno avisa que tal despesa não prevista o obrigará à apresentação do seu primeiro orçamento rectificativo de toda a legislatura. Sobre isso, ouvi a deputada centrista Ana Rita Bessa afirmar sem um estremecimento de pudor: “Sr. ministro, não lhe caem os parentes na lama se tiver de apresentar um orçamento rectificativo!”. Independentemente do lado onde estiver a razão, o mínimo de decência exigível é que cada um — cada partido, cada deputado — seja coerente com o seu passado e com as suas ideias. Porque isto é daquelas coisas que tornam o terreno da luta partidária um território tantas vezes infrequentável por gente de bem.

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