Ladrões de Bicicletas: Parabéns

22-05-2019
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O PS faz 45 anos. Parabéns. O Público dedicou-lhe várias páginas ontem. Em primeiro lugar, deu destaque aos acordos em modo bloco central de Costa e de Rio. Em segundo lugar, deu destaque aos secretários-gerais que fizeram carreira lá fora, como Constâncio: da preparação da revisão constitucional de 1989 ao BCE é todo um percurso que muito terá beneficiado o país, sobretudo nestes anos de chumbo do euro, em que a natureza ruinosa das privatizações também ficou clara para todos. Em terceiro lugar, o jornal trazia vários artigos de opinião de responsáveis políticos do PS. Destaco a opinião do eurodeputado Francisco Assis e do muito mais influente Augusto Santos Silva.

Assis confirma que quer ver a social-democracia europeia morrer nos braços de Macron, tal como já aconteceu em França, destacando algo que é verdadeiro: a convergência europeia entre Macron e o governo do PS. E, note-se, ambos já convergiram com Trump, indicando como o enquadramento neoliberal dos abertos e dos fechados é uma fraude intelectual que se destina a esconder as várias faces do imperialismo nos dois lados do Atlântico.

Santos Silva, no fundo ideologicamente alinhado com Assis, confirma que não se aprende nada, recusando “renegar” e “enterrar” “a renovação e a modernização operadas no final do século XX”, ou seja, a “Terceira Via”, até porque a crise da social-democracia não passaria por estes processos, mas antes por vagas “condições objectivas”, incluindo as que estariam associadas aos processos de “financeirização”. Corbyn, implicitamente rejeitado por Santos Silva, é a face da ampla recusa subjectiva desta trajectória, de resto bastante sórdida, como o enriquecimento imobiliário do criminoso de guerra Blair simbolicamente atesta.

A financeirização do capitalismo, ou seja, o aumento do peso dos actores, mercados e agentes financeiros, é um processo já estudado. Creio que se podem dizer duas ou três coisas sobre a responsabilidade dos modernizadores (ou destruidores...) da social-democracia no seu decisivo aprofundamento cá dentro e lá fora.

Em primeiro lugar, lembremos como, no mundo anglo-saxónico, Blair e Clinton aceitaram as reformas neoliberais anteriores e as aprofundaram, contribuindo para instalar um nexo, no capitalismo maduro, entre finança, globalização, construção, desindustrialização e desigualdade, que se revelaria fatal com a crise. Thatcher, com a sua famosa habilidade, declarou que Blair era a sua melhor herança.

Em segundo lugar, este nexo tem uma história nacional que começa na viragem dos anos oitenta para os noventa, de Cavaco a Guterres, indissociável da integração europeia realmente existente, em particular desde Maastricht: das privatizações bancárias à abolição dos controlos de capitais e a outras formas de liberalização financeira, passando pela chamada independência política do Banco de Portugal e depois pela sua redução a uma sucursal de Frankfurt, a financeirização do capitalismo em Portugal é inexplicável sem o europeísmo feliz de que Santos Silva se há-de lembrar bem.

Em terceiro lugar, todos nos lembramos o que foi feito dos governos de Sócrates, num país transformado, também graças a uma moeda forte, num indicador avançado do fenómeno da estagnação, sem instrumentos de política, maciçamente endividado em euros, ou seja, em moeda estrangeira, e logo vítima da grande crise da financeirização.

Em quarto lugar, todos temos a obrigação de saber que o aparente fôlego actual do social-liberalismo nesta periferia assenta em grande parte numa nova fase da financeirização, à boleia da especulação imobiliária nos grandes centros urbanos, em parte alimentada por poupança externa incapaz de encontrar nos seus países de origem oportunidades de investimento suficientemente lucrativas e por um sector bancário ainda por reformar, com maciços apoios públicos nacionais (mais de 17 mil milhões de euros no período 2007 - 2017) e com controlo cada vez mais estrangeiro. A regressão estrutural já diagnosticada continua, igualmente à boleia do turismo, garantindo força acrescida a uma coligação patronal reaccionária, porque dependente de relações laborais precárias e de baixos salários.

Entretanto, as juras recorrentes de fidelidade à integração europeia são a face subjectiva desta realidade objectiva, oleada por decisões de política que responsabilizam e que estiveram, e ainda estão, associadas à perda de soberania.

Se depender de Santos Silva, influente ideólogo e dirigente político, resta-nos aguardar, com nervos de aço e programa alternativo de desfinanceirização, os próximos episódios da (auto)destruição da social-democracia. O caminho entre a pasokização e a syrização é estreito, mas existe. É o caminho do socialismo.

Parabéns, uma vez mais.

O PS faz 45 anos. Parabéns. O Público dedicou-lhe várias páginas ontem. Em primeiro lugar, deu destaque aos acordos em modo bloco central de Costa e de Rio. Em segundo lugar, deu destaque aos secretários-gerais que fizeram carreira lá fora, como Constâncio: da preparação da revisão constitucional de 1989 ao BCE é todo um percurso que muito terá beneficiado o país, sobretudo nestes anos de chumbo do euro, em que a natureza ruinosa das privatizações também ficou clara para todos. Em terceiro lugar, o jornal trazia vários artigos de opinião de responsáveis políticos do PS. Destaco a opinião do eurodeputado Francisco Assis e do muito mais influente Augusto Santos Silva.

Assis confirma que quer ver a social-democracia europeia morrer nos braços de Macron, tal como já aconteceu em França, destacando algo que é verdadeiro: a convergência europeia entre Macron e o governo do PS. E, note-se, ambos já convergiram com Trump, indicando como o enquadramento neoliberal dos abertos e dos fechados é uma fraude intelectual que se destina a esconder as várias faces do imperialismo nos dois lados do Atlântico.

Santos Silva, no fundo ideologicamente alinhado com Assis, confirma que não se aprende nada, recusando “renegar” e “enterrar” “a renovação e a modernização operadas no final do século XX”, ou seja, a “Terceira Via”, até porque a crise da social-democracia não passaria por estes processos, mas antes por vagas “condições objectivas”, incluindo as que estariam associadas aos processos de “financeirização”. Corbyn, implicitamente rejeitado por Santos Silva, é a face da ampla recusa subjectiva desta trajectória, de resto bastante sórdida, como o enriquecimento imobiliário do criminoso de guerra Blair simbolicamente atesta.

A financeirização do capitalismo, ou seja, o aumento do peso dos actores, mercados e agentes financeiros, é um processo já estudado. Creio que se podem dizer duas ou três coisas sobre a responsabilidade dos modernizadores (ou destruidores...) da social-democracia no seu decisivo aprofundamento cá dentro e lá fora.

Em primeiro lugar, lembremos como, no mundo anglo-saxónico, Blair e Clinton aceitaram as reformas neoliberais anteriores e as aprofundaram, contribuindo para instalar um nexo, no capitalismo maduro, entre finança, globalização, construção, desindustrialização e desigualdade, que se revelaria fatal com a crise. Thatcher, com a sua famosa habilidade, declarou que Blair era a sua melhor herança.

Em segundo lugar, este nexo tem uma história nacional que começa na viragem dos anos oitenta para os noventa, de Cavaco a Guterres, indissociável da integração europeia realmente existente, em particular desde Maastricht: das privatizações bancárias à abolição dos controlos de capitais e a outras formas de liberalização financeira, passando pela chamada independência política do Banco de Portugal e depois pela sua redução a uma sucursal de Frankfurt, a financeirização do capitalismo em Portugal é inexplicável sem o europeísmo feliz de que Santos Silva se há-de lembrar bem.

Em terceiro lugar, todos nos lembramos o que foi feito dos governos de Sócrates, num país transformado, também graças a uma moeda forte, num indicador avançado do fenómeno da estagnação, sem instrumentos de política, maciçamente endividado em euros, ou seja, em moeda estrangeira, e logo vítima da grande crise da financeirização.

Em quarto lugar, todos temos a obrigação de saber que o aparente fôlego actual do social-liberalismo nesta periferia assenta em grande parte numa nova fase da financeirização, à boleia da especulação imobiliária nos grandes centros urbanos, em parte alimentada por poupança externa incapaz de encontrar nos seus países de origem oportunidades de investimento suficientemente lucrativas e por um sector bancário ainda por reformar, com maciços apoios públicos nacionais (mais de 17 mil milhões de euros no período 2007 - 2017) e com controlo cada vez mais estrangeiro. A regressão estrutural já diagnosticada continua, igualmente à boleia do turismo, garantindo força acrescida a uma coligação patronal reaccionária, porque dependente de relações laborais precárias e de baixos salários.

Entretanto, as juras recorrentes de fidelidade à integração europeia são a face subjectiva desta realidade objectiva, oleada por decisões de política que responsabilizam e que estiveram, e ainda estão, associadas à perda de soberania.

Se depender de Santos Silva, influente ideólogo e dirigente político, resta-nos aguardar, com nervos de aço e programa alternativo de desfinanceirização, os próximos episódios da (auto)destruição da social-democracia. O caminho entre a pasokização e a syrização é estreito, mas existe. É o caminho do socialismo.

Parabéns, uma vez mais.

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