Lendo e relendo

01-09-2019
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O Conselho
de Ministros, dando cumprimento ao previsto na Resolução do Conselho de Ministros
n.º 157-A/2017, de 27 de outubro, aprovou, a 13 de junho, o decreto-lei que
procede à aquisição, por parte do Estado, das participações sociais dos atuais
acionistas privados do SIRESP, SA (Sistema Integrado das Redes de Emergência
e Segurança de Portugal).

De acordo
com o Comunicado do Conselho de Ministros do passado dia 13 de junho, são
integralmente transferidas para a esfera pública, nos termos do diploma em
referência, todas as funções relacionadas com a gestão, operação, manutenção,
modernização e ampliação da rede SIRESP e, por consequência, a estrutura
empresarial e o estabelecimento em que assenta atualmente o desenvolvimento
dessas funções.

A transmissão das participações sociais será concretizada a 1 de dezembro
de 2019, sendo reforçada, desde já, a intervenção do Estado na condução
executiva da sociedade SIRESP, SA, estando, deste modo, garantido que não
haverá qualquer desligamento do respetivo sinal de emergência. E o Estado irá pagar sete milhões de euros,
correspondentes a 33.500 ações, como afirmou, no final da reunião do Conselho
de Ministros, o Secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo. Até ao momento da transmissão das
participações, o SIRESP é detido em 52,1% pela PT Móveis (Altice
Portugal) e 14,9% pela Motorola Solutions e
33% pela Parvalorem (Estado).

Reafirma,
assim, o XXI Governo a importância vital de garantir a interoperabilidade das
comunicações de emergência e de segurança por meio duma infraestrutura única
que sirva de suporte às radiocomunicações das diversas entidades com
atribuições nesses domínios. 

Faz hoje
sentido, dada a relevância deste sistema, que o Estado tenha o domínio integral
efetivo da operação dum sistema que anualmente suporta mais de 35 milhões de
chamadas a mais de 40 mil utilizadores e envolve interesses tão essenciais da
segurança do Estado e dos cidadãos.

***

Como a Presidência da República anunciou através da sua página na Internet,
em nota do dia 16, o Presidente da República promulgou o predito decreto-lei,
que determina a compra, pelo Estado, de mais 67% do SIRESP,
passando o Estado a ficar com a totalidade do capital social.  

Segundo a referida nota, a decisão do Presidente é justificada com a
“importância estratégica de um sistema de comunicações de emergência seguro,
confiável e eficaz, mesmo nas situações mais adversas, bem como a urgência de
uma tomada de decisão e a preocupação de evitar processos alternativos mais
longos e aleatórios”. Não obstante, o Chefe de Estado alerta para as “acrescidas responsabilidades do Governo, a partir de agora,
na direção e orientação de uma entidade que terá capitais
inteiramente públicos”.

Duas horas depois, Marcelo disse concordar com a
titularidade, pelo Estado, dos 100% do SIRESP, dado que a decisão da
compra tinha de ser tomada agora, “antes da época de incêndios” e estar
concluída até final do ano, mas avisou que existem “riscos
políticos”, como em tudo na vida, e que são para o Governo.

Em declarações aos jornalistas, que a Lusa
cita, Marcelo fez a pergunta sobre os riscos da opção do Governo e deu a
resposta: “Tem riscos? Tudo tem riscos na
vida”. O principal risco é político. A partir de agora, tudo o que
acontecer acaba por ser responsabilidade exclusiva do Estado, leia-se do
Governo”, admitiu o Chefe do Estado. Uma “nacionalização com
contencioso” ia ser um processo com muitos atritos, acrescentou, concluindo:
Penso que a escolha foi sensata”.

***

Após o anúncio da compra de todo o capital do SIRESP, os partidos da
oposição, PSD e CDS, e os que apoiam no Parlamento o executivo minoritário de
Costa, PCP e BE, pediram explicações ao Governo, nomeadamente quanto aos termos
do acordo e a necessidade, ou não, de o Estado assumir mais investimentos.

O CDS-PP formulou o pedido no próprio dia 13 solicitando
que o Governo vá à Assembleia da República explicar o negócio da
compra por 7 milhões, da
totalidade do capital do SIRESP. O deputado Telmo Correia – comentando a
decisão do Conselho de Ministros de comprar a parte dos operadores privados,
Altice e Motorola, passando a controlar a totalidade do capital da
sociedade – afirmou que “é importante que [os ministros] venham ao Parlamento”. Disse que os centristas nunca consideraram “fundamental saber se
a titularidade” do SIRESP era “pública ou privada”, mas que “o sistema
funcione”. E concluiu “ser totalmente da responsabilidade do Governo” a
garantiam funcionamento e manutenção” do sistema de comunicações de emergência
“pode ser um dado interessante e até clarificador”.

E, como PSD e PCP também já tinham defendido que o
executivo deve explicações sobre o facto de o Estado ter feito essa compra, os ministros da Administração Interna, Eduardo Cabrita,
que tem a tutela do SIRESP, e o Ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza
Vieira, são hipóteses para irem à comissão parlamentar de assuntos
constitucionais, a breve prazo, explicar “todos os contornos” do negócio.  

No dia 14, num hotel
de Abidjan, no final da sua visita de Estado à Costa do Marfim, Marcelo Rebelo
de Sousa, questionado pelos jornalistas sobre a compra do SIRESP, respondeu que
sabia que o diploma “já está na Presidência da República”. E declarou:

“É uma matéria que tenho acompanhado,
naturalmente, com atenção. Não me vou pronunciar sobre ela aqui fora de
território português. Mas conheço do que se trata, sei qual é a solução a que
se chegou e, portanto, o diploma está para promulgação nos
próximos dias.”.

No dia 16, em Vila Franca de Xira, o Ministro da Administração Interna
afirmou que os portugueses podem confiar no SIRESP destacando o
“investimento significativo” feito depois dos incêndios de 2017, em que houve
registo de falhas.

Entretanto, alguns jornais noticiaram que a parceria público-privada vai
prolongar-se até 2021, quando termina o contrato, continuando a Altice e a
Motorola a fornecer o sistema até essa data.

***

Joaquim Miranda Sarmento assina um texto no ECO sob o título A última compra do SIRESP.

Segundo ele, tudo no SIRESP tem sido opaco e ruinoso para os contribuintes,
faltando saber se, no final, será diferente.

O
acordo a que o Estado chegou para a compra do SIRESP (PPP/Parceria Público Privada para o
sistema de comunicações das forças de segurança: bombeiros e proteção civil) “é a última compra”, porque em 2018 o Governo comprara uma parte (33%), na sequência de o serviço ter estado envolto em grande
polémica no ano de 2017, devido às falhas que teve nos incêndios.

O processo
do SIRESP começou (porque alegadamente os privados gerem
melhor que o Estado)
no Governo de Durão Barroso. Depois, a 3 dias do final do Governo de Santana,
foi adjudicado ao consórcio acionista, o único candidato, composto pela SLN (detentora do BPN) com 33%, a PT com 30%, a Motorola
com 15%, a ESEGUR – Espírito Santo Segurança com 12% e a Datacomp com 10%.

Entre
as várias lacunas do processo, sobressai a inexistência dum calendário e dum
objetivo para o SIRESP bem definido, a inexistência duma análise
custo-benefício e a da definição das linhas estratégicas do projeto. O reduzido
prazo para apresentação de propostas (de 9 julho de 2003 a 15 de setembro de 2003), fez com que apenas uma entidade
respondesse.  

O
Governo seguinte revogou o concurso, mas, em vez de abrir novo concurso, optou
por negociar com o consórcio vencedor, alegando ter poupado dinheiro ao Estado
(um flop).

O
“Comparador do Setor Público” do projeto (o CSP – explica o articulista – “é quanto custaria o projeto
se fosse desenvolvido pelo Estado e não pelo privado, devendo o custo ser
comparado com o dos pagamentos ao privado, sendo que só quando o pagamento aos
privados é inferior ao CSP é que a PPP gera valor – Value for Money) mostra que o valor inicial, em setembro de 2003, era de 280 M€ e a
proposta dos privados de 450 M€. Porém, com a revisão de ambos os valores, o
CSP passou, em março de 2006, para 342 M€ e o valor do privado para 305 M€ –
tendo o CSP aumentado o seu âmbito e o privado reduzido os seus serviços (e o investimento) em mais de 50 M€). E considerou-se
um valor financeiro dos riscos a serem assumidos pelo privado superior em 30%
ao do cálculo inicial.

Assim, segundo as contas de Miranda Sarmento, o
custo do investimento e operação, se feito pelo público, foi revisto de 228 M€
para 278 M€ (+ 50 M€)
e o valor financeiro dos riscos alocados ao privado foi revisto de 51 M€ para
63 M€ (+12
M€), dado origem ao
aumento de 280 para 342 M€. Isto é, alterando-se o escopo do projeto, os
valores justificaram a PPP. Todavia, não houve qualquer estudo de Value for Money nem o contrato prevê
cláusula de partilha de benefícios. O pagamento do privado é por
disponibilidade (uma renda pré-fixada para fazer face ao
investimento e custos de manutenção e operação) e a remuneração dos acionistas é de 15%. Se em
2006 a taxa de juro a 15 anos (da República) rondava os 4%, temos o prémio
real de cerca de 10%/ano.

Além disso,
o colunista denuncia na PPP erros de conceção e contrato, a saber:

- Inexistência de cláusula de “fiscalização e
acompanhamento da instalação dos equipamentos”.

- “Um anexo de penalizações que faz com que o valor
a pagar pelo Estado apenas se reduza em casos em que o sistema falhe durante
vários dias”.

- “Uma cláusula standard
nas PPP que aqui não faz sentido nenhum: a alocação do risco “acts of God” (ou
seja, desastres naturais)
ficou do lado do Estado. E explica:

“Isso faz sentido numa infraestrutura de
transportes ou social, uma vez que o privado constrói a ponte ou a estrada ou
outra infraestrutura para ser operada, e não para resistir a um terramoto. Mas
no SIRESP essa cláusula mostra negligência na elaboração do contrato, dado que
o objetivo do sistema é que ele funcione exatamente em caso de calamidade.”.

Agora,
a notícia da compra, como é comum no país e preocupante, é parca em informação.
Com efeito, mal o Governo anunciou a compra, devia ter publicado os documentos
relativos a essa operação, em nome da transparência para com os cidadãos. Ora, diz-se
que o Estado dá 7 milhões para ficar com 100% do capital do consórcio. Porém, são
7 milhões por 67% do capital, pois, em julho de 2018, o Estado ficara com 33%
do capital do SIRESP, que pertencia à Galilei (nova face da SLN), tendo a Altice reforçado a sua posição para 52% com a compra
da participação da ESEGUR. Assim, o valor total é de 10,5 milhões de euros. E
sucede que o contrato do SIRESP se extingue em 2021, o que leva alguns a dizer
que a Altice e a Motorola ainda continuam a mandar no SIRESP.

Avaliando
o SIRESP em 10.5 milhões de euros, o Estado pensa que os dividendos dos 2 anos
de operação em falta e o valor residual dos equipamentos valem esse montante. Entretanto,
resta saber se o investimento em 2017 e 2018 foi realizado pelos privados ou se
constitui encargo adicional do Estado (nesse caso, o SIRESP é
avaliado em 20 milhões)
e quanto valem os dividendos dos últimos 2 anos e o valor residual da empresa.

Mais: fica por saber se, a haver diferença
significativa entre o valor contabilístico dos ativos e o seu valor comercial, fará
sentido avaliar o negócio pelo valor líquido do balanço da empresa, como
referiu o Secretário de Estado do Tesouro; qual é a qualidade dos equipamentos
neste momento; e qual é a sua capacidade tecnológica. E é de questionar o
Governo sobre o que fará o Estado doravante: Integrará o sistema de
comunicações nas próprias estruturas de segurança? Manterá um sistema autónomo?
E “como vai financiar os investimentos necessários, sobretudo nos próximos
anos, para garantir a fiabilidade e segurança do sistema”?

Ora, em vez da explicação a posteriori, o executivo deveria tê-la fornecido antes de assinar o
contrato. Mas, como diz Miranda Sarmento, “tudo no SIRESP é opaco e pouco
sério”, o que António Costa sabe, pois ele foi um dos principais responsáveis
pelo negócio do SIRESP, “quando em 2006 (enquanto Ministro da
Administração Interna)
aceitou negociar novamente com o consórcio” depois de “ter deitado abaixo, com
justificação legal”, o concurso anterior.

***

O Primeiro-Ministro esteve em Castanheira de Pera
no 2.º aniversário do incêndio
que deflagrou em Pedrógão e alastrou a concelhos vizinhos causando de 66 mortos
e 253 feridos, sete dos quais graves, e destruindo cerca de meio milhar de
casas e 50 empresas. Fez o ponto da situação em termos legislativos e
organizacionais, apercebeu-se do estado do território (mais
degradado que recuperado e com novas ameaças de risco) e das populações (desiludidas) e tentou ser mobilizador.

Disse que as causas
profundas dos incêndios “nunca serão resolvidas” a partir dos meios de combate,
apesar de este ser sempre necessário, mas a partir da prevenção e, sobretudo,
pela mudança do território. Assim, “o combate aos fogos não é suficiente para
prevenir tragédias”.

E a coordenadora
do BE deu-lhe “razão” nessa ordem de ideias. Catarina Martins, que foi a
Alfundão, no concelho de Ferreira do Alentejo (Beja) para abordar questões relacionadas com as culturas agrícolas intensivas e
superintensivas, admitiu, perante os jornalistas, que “não é fácil mudar o
território”, aduzindo, que, “ainda assim, podia ter sido feito mais” em relação
ao que aconteceu em Pedrógão, há dois anos, mas referiu:

“Julgo que o Primeiro-Ministro tem razão
quando diz que o combate aos fogos não é suficiente para prevenir tragédias como
aquela que o país já viveu”.

Para
Catarina Martins, “boa parte do problema está no território” (nas “manchas
contínuas de eucalipto e de pinheiro” e na “cultura intensiva de eucalipto”), mas a mudança requer apoios. E, congratulando-se
com o aumento das equipas de sapadores florestais, sustentou que é necessária “mais
velocidade nesta prevenção” e mais “apoio às populações para que o território
não esteja abandonado”. Com efeito, a falta de apoio nas regiões de
micropropriedade faz que “o território fique condenado ou à cultura intensiva do
eucalipto ou ao abandono” e, para não ficarmos nisto, é preciso apoio público à
comunidade para a sua floresta ser diversificada e segura. E frisou:

“Os apoios para as unidades de gestão
florestal propostos pelo BE, ou seja, unidades em que as pessoas com várias
propriedades pequenas se podem juntar para terem uma oura floresta, ainda não
apareceram e são fundamentais, porque não vamos conseguir proteger o território
sem as pessoas que lá vivem”.

***

Com o
domínio do SIRESP, os normativos sobre território, floresta e proteção civil e
os meios operacionais e os mecanismos procedimentais, cabe ao Estado demonstrar
que gere melhor que os privados e que não esfuma recursos (ao invés do
que é alegado para as privatizações). E, como
uma faixa considerável da floresta é pública, dê o exemplo por ai! E, por favor,
nunca deixe ir ao charco os sistemas de comunicações e emergência e os serviços
urgentes! Não descure o seu papel essencial de provedor da população e do território
e de legislador, regulador e supervisor.

2019.06.17 –
Louro de Carvalho

O Conselho
de Ministros, dando cumprimento ao previsto na Resolução do Conselho de Ministros
n.º 157-A/2017, de 27 de outubro, aprovou, a 13 de junho, o decreto-lei que
procede à aquisição, por parte do Estado, das participações sociais dos atuais
acionistas privados do SIRESP, SA (Sistema Integrado das Redes de Emergência
e Segurança de Portugal).

De acordo
com o Comunicado do Conselho de Ministros do passado dia 13 de junho, são
integralmente transferidas para a esfera pública, nos termos do diploma em
referência, todas as funções relacionadas com a gestão, operação, manutenção,
modernização e ampliação da rede SIRESP e, por consequência, a estrutura
empresarial e o estabelecimento em que assenta atualmente o desenvolvimento
dessas funções.

A transmissão das participações sociais será concretizada a 1 de dezembro
de 2019, sendo reforçada, desde já, a intervenção do Estado na condução
executiva da sociedade SIRESP, SA, estando, deste modo, garantido que não
haverá qualquer desligamento do respetivo sinal de emergência. E o Estado irá pagar sete milhões de euros,
correspondentes a 33.500 ações, como afirmou, no final da reunião do Conselho
de Ministros, o Secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo. Até ao momento da transmissão das
participações, o SIRESP é detido em 52,1% pela PT Móveis (Altice
Portugal) e 14,9% pela Motorola Solutions e
33% pela Parvalorem (Estado).

Reafirma,
assim, o XXI Governo a importância vital de garantir a interoperabilidade das
comunicações de emergência e de segurança por meio duma infraestrutura única
que sirva de suporte às radiocomunicações das diversas entidades com
atribuições nesses domínios. 

Faz hoje
sentido, dada a relevância deste sistema, que o Estado tenha o domínio integral
efetivo da operação dum sistema que anualmente suporta mais de 35 milhões de
chamadas a mais de 40 mil utilizadores e envolve interesses tão essenciais da
segurança do Estado e dos cidadãos.

***

Como a Presidência da República anunciou através da sua página na Internet,
em nota do dia 16, o Presidente da República promulgou o predito decreto-lei,
que determina a compra, pelo Estado, de mais 67% do SIRESP,
passando o Estado a ficar com a totalidade do capital social.  

Segundo a referida nota, a decisão do Presidente é justificada com a
“importância estratégica de um sistema de comunicações de emergência seguro,
confiável e eficaz, mesmo nas situações mais adversas, bem como a urgência de
uma tomada de decisão e a preocupação de evitar processos alternativos mais
longos e aleatórios”. Não obstante, o Chefe de Estado alerta para as “acrescidas responsabilidades do Governo, a partir de agora,
na direção e orientação de uma entidade que terá capitais
inteiramente públicos”.

Duas horas depois, Marcelo disse concordar com a
titularidade, pelo Estado, dos 100% do SIRESP, dado que a decisão da
compra tinha de ser tomada agora, “antes da época de incêndios” e estar
concluída até final do ano, mas avisou que existem “riscos
políticos”, como em tudo na vida, e que são para o Governo.

Em declarações aos jornalistas, que a Lusa
cita, Marcelo fez a pergunta sobre os riscos da opção do Governo e deu a
resposta: “Tem riscos? Tudo tem riscos na
vida”. O principal risco é político. A partir de agora, tudo o que
acontecer acaba por ser responsabilidade exclusiva do Estado, leia-se do
Governo”, admitiu o Chefe do Estado. Uma “nacionalização com
contencioso” ia ser um processo com muitos atritos, acrescentou, concluindo:
Penso que a escolha foi sensata”.

***

Após o anúncio da compra de todo o capital do SIRESP, os partidos da
oposição, PSD e CDS, e os que apoiam no Parlamento o executivo minoritário de
Costa, PCP e BE, pediram explicações ao Governo, nomeadamente quanto aos termos
do acordo e a necessidade, ou não, de o Estado assumir mais investimentos.

O CDS-PP formulou o pedido no próprio dia 13 solicitando
que o Governo vá à Assembleia da República explicar o negócio da
compra por 7 milhões, da
totalidade do capital do SIRESP. O deputado Telmo Correia – comentando a
decisão do Conselho de Ministros de comprar a parte dos operadores privados,
Altice e Motorola, passando a controlar a totalidade do capital da
sociedade – afirmou que “é importante que [os ministros] venham ao Parlamento”. Disse que os centristas nunca consideraram “fundamental saber se
a titularidade” do SIRESP era “pública ou privada”, mas que “o sistema
funcione”. E concluiu “ser totalmente da responsabilidade do Governo” a
garantiam funcionamento e manutenção” do sistema de comunicações de emergência
“pode ser um dado interessante e até clarificador”.

E, como PSD e PCP também já tinham defendido que o
executivo deve explicações sobre o facto de o Estado ter feito essa compra, os ministros da Administração Interna, Eduardo Cabrita,
que tem a tutela do SIRESP, e o Ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza
Vieira, são hipóteses para irem à comissão parlamentar de assuntos
constitucionais, a breve prazo, explicar “todos os contornos” do negócio.  

No dia 14, num hotel
de Abidjan, no final da sua visita de Estado à Costa do Marfim, Marcelo Rebelo
de Sousa, questionado pelos jornalistas sobre a compra do SIRESP, respondeu que
sabia que o diploma “já está na Presidência da República”. E declarou:

“É uma matéria que tenho acompanhado,
naturalmente, com atenção. Não me vou pronunciar sobre ela aqui fora de
território português. Mas conheço do que se trata, sei qual é a solução a que
se chegou e, portanto, o diploma está para promulgação nos
próximos dias.”.

No dia 16, em Vila Franca de Xira, o Ministro da Administração Interna
afirmou que os portugueses podem confiar no SIRESP destacando o
“investimento significativo” feito depois dos incêndios de 2017, em que houve
registo de falhas.

Entretanto, alguns jornais noticiaram que a parceria público-privada vai
prolongar-se até 2021, quando termina o contrato, continuando a Altice e a
Motorola a fornecer o sistema até essa data.

***

Joaquim Miranda Sarmento assina um texto no ECO sob o título A última compra do SIRESP.

Segundo ele, tudo no SIRESP tem sido opaco e ruinoso para os contribuintes,
faltando saber se, no final, será diferente.

O
acordo a que o Estado chegou para a compra do SIRESP (PPP/Parceria Público Privada para o
sistema de comunicações das forças de segurança: bombeiros e proteção civil) “é a última compra”, porque em 2018 o Governo comprara uma parte (33%), na sequência de o serviço ter estado envolto em grande
polémica no ano de 2017, devido às falhas que teve nos incêndios.

O processo
do SIRESP começou (porque alegadamente os privados gerem
melhor que o Estado)
no Governo de Durão Barroso. Depois, a 3 dias do final do Governo de Santana,
foi adjudicado ao consórcio acionista, o único candidato, composto pela SLN (detentora do BPN) com 33%, a PT com 30%, a Motorola
com 15%, a ESEGUR – Espírito Santo Segurança com 12% e a Datacomp com 10%.

Entre
as várias lacunas do processo, sobressai a inexistência dum calendário e dum
objetivo para o SIRESP bem definido, a inexistência duma análise
custo-benefício e a da definição das linhas estratégicas do projeto. O reduzido
prazo para apresentação de propostas (de 9 julho de 2003 a 15 de setembro de 2003), fez com que apenas uma entidade
respondesse.  

O
Governo seguinte revogou o concurso, mas, em vez de abrir novo concurso, optou
por negociar com o consórcio vencedor, alegando ter poupado dinheiro ao Estado
(um flop).

O
“Comparador do Setor Público” do projeto (o CSP – explica o articulista – “é quanto custaria o projeto
se fosse desenvolvido pelo Estado e não pelo privado, devendo o custo ser
comparado com o dos pagamentos ao privado, sendo que só quando o pagamento aos
privados é inferior ao CSP é que a PPP gera valor – Value for Money) mostra que o valor inicial, em setembro de 2003, era de 280 M€ e a
proposta dos privados de 450 M€. Porém, com a revisão de ambos os valores, o
CSP passou, em março de 2006, para 342 M€ e o valor do privado para 305 M€ –
tendo o CSP aumentado o seu âmbito e o privado reduzido os seus serviços (e o investimento) em mais de 50 M€). E considerou-se
um valor financeiro dos riscos a serem assumidos pelo privado superior em 30%
ao do cálculo inicial.

Assim, segundo as contas de Miranda Sarmento, o
custo do investimento e operação, se feito pelo público, foi revisto de 228 M€
para 278 M€ (+ 50 M€)
e o valor financeiro dos riscos alocados ao privado foi revisto de 51 M€ para
63 M€ (+12
M€), dado origem ao
aumento de 280 para 342 M€. Isto é, alterando-se o escopo do projeto, os
valores justificaram a PPP. Todavia, não houve qualquer estudo de Value for Money nem o contrato prevê
cláusula de partilha de benefícios. O pagamento do privado é por
disponibilidade (uma renda pré-fixada para fazer face ao
investimento e custos de manutenção e operação) e a remuneração dos acionistas é de 15%. Se em
2006 a taxa de juro a 15 anos (da República) rondava os 4%, temos o prémio
real de cerca de 10%/ano.

Além disso,
o colunista denuncia na PPP erros de conceção e contrato, a saber:

- Inexistência de cláusula de “fiscalização e
acompanhamento da instalação dos equipamentos”.

- “Um anexo de penalizações que faz com que o valor
a pagar pelo Estado apenas se reduza em casos em que o sistema falhe durante
vários dias”.

- “Uma cláusula standard
nas PPP que aqui não faz sentido nenhum: a alocação do risco “acts of God” (ou
seja, desastres naturais)
ficou do lado do Estado. E explica:

“Isso faz sentido numa infraestrutura de
transportes ou social, uma vez que o privado constrói a ponte ou a estrada ou
outra infraestrutura para ser operada, e não para resistir a um terramoto. Mas
no SIRESP essa cláusula mostra negligência na elaboração do contrato, dado que
o objetivo do sistema é que ele funcione exatamente em caso de calamidade.”.

Agora,
a notícia da compra, como é comum no país e preocupante, é parca em informação.
Com efeito, mal o Governo anunciou a compra, devia ter publicado os documentos
relativos a essa operação, em nome da transparência para com os cidadãos. Ora, diz-se
que o Estado dá 7 milhões para ficar com 100% do capital do consórcio. Porém, são
7 milhões por 67% do capital, pois, em julho de 2018, o Estado ficara com 33%
do capital do SIRESP, que pertencia à Galilei (nova face da SLN), tendo a Altice reforçado a sua posição para 52% com a compra
da participação da ESEGUR. Assim, o valor total é de 10,5 milhões de euros. E
sucede que o contrato do SIRESP se extingue em 2021, o que leva alguns a dizer
que a Altice e a Motorola ainda continuam a mandar no SIRESP.

Avaliando
o SIRESP em 10.5 milhões de euros, o Estado pensa que os dividendos dos 2 anos
de operação em falta e o valor residual dos equipamentos valem esse montante. Entretanto,
resta saber se o investimento em 2017 e 2018 foi realizado pelos privados ou se
constitui encargo adicional do Estado (nesse caso, o SIRESP é
avaliado em 20 milhões)
e quanto valem os dividendos dos últimos 2 anos e o valor residual da empresa.

Mais: fica por saber se, a haver diferença
significativa entre o valor contabilístico dos ativos e o seu valor comercial, fará
sentido avaliar o negócio pelo valor líquido do balanço da empresa, como
referiu o Secretário de Estado do Tesouro; qual é a qualidade dos equipamentos
neste momento; e qual é a sua capacidade tecnológica. E é de questionar o
Governo sobre o que fará o Estado doravante: Integrará o sistema de
comunicações nas próprias estruturas de segurança? Manterá um sistema autónomo?
E “como vai financiar os investimentos necessários, sobretudo nos próximos
anos, para garantir a fiabilidade e segurança do sistema”?

Ora, em vez da explicação a posteriori, o executivo deveria tê-la fornecido antes de assinar o
contrato. Mas, como diz Miranda Sarmento, “tudo no SIRESP é opaco e pouco
sério”, o que António Costa sabe, pois ele foi um dos principais responsáveis
pelo negócio do SIRESP, “quando em 2006 (enquanto Ministro da
Administração Interna)
aceitou negociar novamente com o consórcio” depois de “ter deitado abaixo, com
justificação legal”, o concurso anterior.

***

O Primeiro-Ministro esteve em Castanheira de Pera
no 2.º aniversário do incêndio
que deflagrou em Pedrógão e alastrou a concelhos vizinhos causando de 66 mortos
e 253 feridos, sete dos quais graves, e destruindo cerca de meio milhar de
casas e 50 empresas. Fez o ponto da situação em termos legislativos e
organizacionais, apercebeu-se do estado do território (mais
degradado que recuperado e com novas ameaças de risco) e das populações (desiludidas) e tentou ser mobilizador.

Disse que as causas
profundas dos incêndios “nunca serão resolvidas” a partir dos meios de combate,
apesar de este ser sempre necessário, mas a partir da prevenção e, sobretudo,
pela mudança do território. Assim, “o combate aos fogos não é suficiente para
prevenir tragédias”.

E a coordenadora
do BE deu-lhe “razão” nessa ordem de ideias. Catarina Martins, que foi a
Alfundão, no concelho de Ferreira do Alentejo (Beja) para abordar questões relacionadas com as culturas agrícolas intensivas e
superintensivas, admitiu, perante os jornalistas, que “não é fácil mudar o
território”, aduzindo, que, “ainda assim, podia ter sido feito mais” em relação
ao que aconteceu em Pedrógão, há dois anos, mas referiu:

“Julgo que o Primeiro-Ministro tem razão
quando diz que o combate aos fogos não é suficiente para prevenir tragédias como
aquela que o país já viveu”.

Para
Catarina Martins, “boa parte do problema está no território” (nas “manchas
contínuas de eucalipto e de pinheiro” e na “cultura intensiva de eucalipto”), mas a mudança requer apoios. E, congratulando-se
com o aumento das equipas de sapadores florestais, sustentou que é necessária “mais
velocidade nesta prevenção” e mais “apoio às populações para que o território
não esteja abandonado”. Com efeito, a falta de apoio nas regiões de
micropropriedade faz que “o território fique condenado ou à cultura intensiva do
eucalipto ou ao abandono” e, para não ficarmos nisto, é preciso apoio público à
comunidade para a sua floresta ser diversificada e segura. E frisou:

“Os apoios para as unidades de gestão
florestal propostos pelo BE, ou seja, unidades em que as pessoas com várias
propriedades pequenas se podem juntar para terem uma oura floresta, ainda não
apareceram e são fundamentais, porque não vamos conseguir proteger o território
sem as pessoas que lá vivem”.

***

Com o
domínio do SIRESP, os normativos sobre território, floresta e proteção civil e
os meios operacionais e os mecanismos procedimentais, cabe ao Estado demonstrar
que gere melhor que os privados e que não esfuma recursos (ao invés do
que é alegado para as privatizações). E, como
uma faixa considerável da floresta é pública, dê o exemplo por ai! E, por favor,
nunca deixe ir ao charco os sistemas de comunicações e emergência e os serviços
urgentes! Não descure o seu papel essencial de provedor da população e do território
e de legislador, regulador e supervisor.

2019.06.17 –
Louro de Carvalho

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