Quando eles falaram daquele cujo nome não pode ser dito

01-06-2018
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Já deve ter experimentado jogar ao jogo da forca: é aquele em que se fazem uns tracinhos num papel, correspondentes ao número de letras que uma palavra tem, e o outro jogador deve ir dizendo letras até revelar a palavra mistério. No segundo dia do Congresso do PS, passou-se qualquer coisa como isso. A pouco e pouco, as pistas foram aparecendo (se fosse o jogo da forca, primeiro um "S", depois um "O", a seguir um "C"...). Falava-se de ética, de transparência, de corrupção. Mas, na verdade, em momento nenhum se ouviu mesmo a palavra que pairava como uma sombra sobre a Batalha.

A palavra de que aqui se fala tem oito letras e não é difícil de adivinhar – na verdade, trata-se de um nome, o nome que não deve ser pronunciado e que, na verdade, já nem sequer é militante do partido. O suspense foi ainda maior para quem esperou a noite de sexta e o dia de sábado para ouvir o nome do ex-primeiro-ministro, mas Costa já tinha avisado que não queria o Congresso “contaminado” pelo caso. E os militantes concordaram ou acederam.

Como se esperava – e como tinha anunciado durante a tarde de sábado, em entrevista ao Observador -, Ana Gomes subiu ao palco para “partir a loiça”, com as referências mais ríspidas aos casos que afetam o PS e que não se ficam por Sócrates: as suspeitas de que Manuel Pinho recebeu dinheiro do GES quando já estava no Governo de Sócrates desencadearam, na verdade, o rol de declarações socialistas muito adjetivadas sobre corrupção nas últimas semanas, e o ministro Adjunto Pedro Siza Vieira está debaixo de fogo pelos casos que podem configurar incompatibilidades e conflitos de interesses com a função de governante. Mas nem Ana Gomes chegou a pronunciar a palavra “proibida”. Nem o nome dele. Nem os outros nomes.

Houve mais quem abordasse o tema, incluindo o presidente do partido e o da Assembleia da República. Mas sempre ao lado, ou de fugida.

Houve um único momento em que "ele" esteve presente na sala: aconteceu quando o ecrã gigante mostrava as caras de todos os secretários-gerais, e, entre Ferro e António José Seguro, lá apareceu o antigo primeiro-ministro. Sem dizerem o seu nome, os socialistas intensificaram os aplausos nesse momento – e esmoreceram quando surgiu o rosto do seu sucessor no ecrã.

“Errámos ao baixar as exigências éticas”

Se houvesse apostas para adivinhar quem pronunciaria primeiro o tabu, provavelmente seriam em Ana Gomes, a eurodeputada que tem falado abertamente sobre estes casos. Em entrevista ao Expresso já no Congresso, dizia que é preciso perceber porque é que os partidos de poder foram “instrumentalizados por corruptos e criminosos” e acrescentava que, no caso de Siza Vieira, “há objetivamente um conflito de interesses”. E, assim que começou a sua intervenção – uma das últimas da tarde deste sábado, já estava a final da champions a decorrer -, Ana Gomes fez questão de deixar claro que não iria deixar o Congresso passar ao lado do assunto: “O futuro não começa do zero, por isso não vale a pena varrer para baixo do tapete o que no passado nos pode envergonhar e enraivecer”.

Não nomeou, mas foi como se tivesse dito: a “raiva” e a “vergonha” foram os termos usados pela catadupa de dirigentes socialistas que, na sequência do caso Pinho, vieram comentar as suspeitas que recaem sobre o ex-ministro (e, por arrasto, sobre o ex-primeiro-ministro). Criticou o “conluio” que envolve o “centrão”, os que se acham “donos disto tudo”, a “impunidade”. E saiu do palco com aplausos.

A promessa de novas leis

Carlos César foi dos primeiros dirigentes socialistas a referir os casos de Sócrates e Pinho, no fim de abril, e a usar a palavra “raiva”, assumindo uma posição que o PS recusou tomar durante mais de três anos, desde a detenção de Sócrates. O próprio César esteve, aliás, envolvido recentemente num caso analisado pela subcomissão de Ética do Parlamento, por, como quase todos os deputados das ilhas, beneficiar de uma acumulação de subsídios quando viaja para os Açores.

No discurso que abriu o segundo dia de Congresso, César escolheu o combate pela transparência como tema forte, insistindo que é preciso “renovar a confiança dos portugueses na democracia” e reformar “o partido, os sistemas de representação e participação e os mecanismos de escrutínio”. César chegou mesmo a prometer “avançar no Parlamento na legislação aplicável a cargos políticos”, para corresponder aos temas de “exigência” que correm. Acabou, assim, por falar – sem falar – do tema que abala o PS nesta altura. Sem tocar no nome do ex-militante tabu.

O perigo de “apagar a memória”

Na cerimónia solene por ocasião do 25 de abril, Ferro Rodrigues falou na Assembleia para criticar quem faz “ataques de caráter” aos deputados. Desta vez, voltou à carga e esteve muito perto de falar do ex-secretário-geral em causa: “Não aceitamos que apaguem a memória” – depois de ter sublinhado que aceita a herança de todos os líderes do partido -, “que processos judiciais sejam usados para a criminalização de políticas ou para culpar pessoas por lógicas abusivas de associação”. E rematou: “Isso é próprio de regimes totalitários”.

Ainda usou o seu tempo de intervenção para voltar a defender “a nobreza da atividade de todos os deputados”, sem querer entrar em populismos – e assegurando que a luta contra a corrupção faz parte do ADN “do PS e de António Costa”.

A luta contra a corrupção… depois de Cavaco

Também Costa falou, sem os referir diretamente, dos casos que assolam o PS. Aconteceu logo na noite de sexta-feira: no discurso que abriu o Congresso, logo após a homenagem a Mário Soares, o primeiro-ministro arranjou forma de chegar ao assunto sem dizer nomes. Falou da corrupção, mas antes do património que o PS tem nessa luta, e remetendo-a para a altura do pós-cavaquismo. E assegurou que esta continua a ser uma das grandes batalhas socialistas (“hoje podemos e devemos continuar a trabalhar a democracia”), mas passando rapidamente à pasta da descentralização e deixando o tema para trás.

Lições de ética? Não, obrigado

A referência feita por Álvaro Beleza, um proeminente ex-segurista, foi curta: enquanto falava de António Arnaut, o socialista recusou que o partido do pai do SNS, “de Mário Soares e de Salgado Zenha possa ouvir lições de ética republicana” – e, acrescentou de seguida, de “transparência” – de quem quer que seja.

Já deve ter experimentado jogar ao jogo da forca: é aquele em que se fazem uns tracinhos num papel, correspondentes ao número de letras que uma palavra tem, e o outro jogador deve ir dizendo letras até revelar a palavra mistério. No segundo dia do Congresso do PS, passou-se qualquer coisa como isso. A pouco e pouco, as pistas foram aparecendo (se fosse o jogo da forca, primeiro um "S", depois um "O", a seguir um "C"...). Falava-se de ética, de transparência, de corrupção. Mas, na verdade, em momento nenhum se ouviu mesmo a palavra que pairava como uma sombra sobre a Batalha.

A palavra de que aqui se fala tem oito letras e não é difícil de adivinhar – na verdade, trata-se de um nome, o nome que não deve ser pronunciado e que, na verdade, já nem sequer é militante do partido. O suspense foi ainda maior para quem esperou a noite de sexta e o dia de sábado para ouvir o nome do ex-primeiro-ministro, mas Costa já tinha avisado que não queria o Congresso “contaminado” pelo caso. E os militantes concordaram ou acederam.

Como se esperava – e como tinha anunciado durante a tarde de sábado, em entrevista ao Observador -, Ana Gomes subiu ao palco para “partir a loiça”, com as referências mais ríspidas aos casos que afetam o PS e que não se ficam por Sócrates: as suspeitas de que Manuel Pinho recebeu dinheiro do GES quando já estava no Governo de Sócrates desencadearam, na verdade, o rol de declarações socialistas muito adjetivadas sobre corrupção nas últimas semanas, e o ministro Adjunto Pedro Siza Vieira está debaixo de fogo pelos casos que podem configurar incompatibilidades e conflitos de interesses com a função de governante. Mas nem Ana Gomes chegou a pronunciar a palavra “proibida”. Nem o nome dele. Nem os outros nomes.

Houve mais quem abordasse o tema, incluindo o presidente do partido e o da Assembleia da República. Mas sempre ao lado, ou de fugida.

Houve um único momento em que "ele" esteve presente na sala: aconteceu quando o ecrã gigante mostrava as caras de todos os secretários-gerais, e, entre Ferro e António José Seguro, lá apareceu o antigo primeiro-ministro. Sem dizerem o seu nome, os socialistas intensificaram os aplausos nesse momento – e esmoreceram quando surgiu o rosto do seu sucessor no ecrã.

“Errámos ao baixar as exigências éticas”

Se houvesse apostas para adivinhar quem pronunciaria primeiro o tabu, provavelmente seriam em Ana Gomes, a eurodeputada que tem falado abertamente sobre estes casos. Em entrevista ao Expresso já no Congresso, dizia que é preciso perceber porque é que os partidos de poder foram “instrumentalizados por corruptos e criminosos” e acrescentava que, no caso de Siza Vieira, “há objetivamente um conflito de interesses”. E, assim que começou a sua intervenção – uma das últimas da tarde deste sábado, já estava a final da champions a decorrer -, Ana Gomes fez questão de deixar claro que não iria deixar o Congresso passar ao lado do assunto: “O futuro não começa do zero, por isso não vale a pena varrer para baixo do tapete o que no passado nos pode envergonhar e enraivecer”.

Não nomeou, mas foi como se tivesse dito: a “raiva” e a “vergonha” foram os termos usados pela catadupa de dirigentes socialistas que, na sequência do caso Pinho, vieram comentar as suspeitas que recaem sobre o ex-ministro (e, por arrasto, sobre o ex-primeiro-ministro). Criticou o “conluio” que envolve o “centrão”, os que se acham “donos disto tudo”, a “impunidade”. E saiu do palco com aplausos.

A promessa de novas leis

Carlos César foi dos primeiros dirigentes socialistas a referir os casos de Sócrates e Pinho, no fim de abril, e a usar a palavra “raiva”, assumindo uma posição que o PS recusou tomar durante mais de três anos, desde a detenção de Sócrates. O próprio César esteve, aliás, envolvido recentemente num caso analisado pela subcomissão de Ética do Parlamento, por, como quase todos os deputados das ilhas, beneficiar de uma acumulação de subsídios quando viaja para os Açores.

No discurso que abriu o segundo dia de Congresso, César escolheu o combate pela transparência como tema forte, insistindo que é preciso “renovar a confiança dos portugueses na democracia” e reformar “o partido, os sistemas de representação e participação e os mecanismos de escrutínio”. César chegou mesmo a prometer “avançar no Parlamento na legislação aplicável a cargos políticos”, para corresponder aos temas de “exigência” que correm. Acabou, assim, por falar – sem falar – do tema que abala o PS nesta altura. Sem tocar no nome do ex-militante tabu.

O perigo de “apagar a memória”

Na cerimónia solene por ocasião do 25 de abril, Ferro Rodrigues falou na Assembleia para criticar quem faz “ataques de caráter” aos deputados. Desta vez, voltou à carga e esteve muito perto de falar do ex-secretário-geral em causa: “Não aceitamos que apaguem a memória” – depois de ter sublinhado que aceita a herança de todos os líderes do partido -, “que processos judiciais sejam usados para a criminalização de políticas ou para culpar pessoas por lógicas abusivas de associação”. E rematou: “Isso é próprio de regimes totalitários”.

Ainda usou o seu tempo de intervenção para voltar a defender “a nobreza da atividade de todos os deputados”, sem querer entrar em populismos – e assegurando que a luta contra a corrupção faz parte do ADN “do PS e de António Costa”.

A luta contra a corrupção… depois de Cavaco

Também Costa falou, sem os referir diretamente, dos casos que assolam o PS. Aconteceu logo na noite de sexta-feira: no discurso que abriu o Congresso, logo após a homenagem a Mário Soares, o primeiro-ministro arranjou forma de chegar ao assunto sem dizer nomes. Falou da corrupção, mas antes do património que o PS tem nessa luta, e remetendo-a para a altura do pós-cavaquismo. E assegurou que esta continua a ser uma das grandes batalhas socialistas (“hoje podemos e devemos continuar a trabalhar a democracia”), mas passando rapidamente à pasta da descentralização e deixando o tema para trás.

Lições de ética? Não, obrigado

A referência feita por Álvaro Beleza, um proeminente ex-segurista, foi curta: enquanto falava de António Arnaut, o socialista recusou que o partido do pai do SNS, “de Mário Soares e de Salgado Zenha possa ouvir lições de ética republicana” – e, acrescentou de seguida, de “transparência” – de quem quer que seja.

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