eu e o território

11-07-2018
marcar artigo

"Mulheres

O último congresso do PSD, ecoou na sala um coro burgesso de assobios quando Elena Liatchechenko, presidente da associação russófona que tinha acabado de aderir ao partido, subiu ao palco. Novos militantes eram vários, mas só Elena usava mini-saia. A mini-saia tem 40 anos. As nossas mães usavam mini-saia. A mini-saia quase nunca saiu de moda. Hoje, a mini-saia não causa espanto nas universidades nem nas redacções dos jornais. Mas, na política, ainda é um sério risco. Uma prosaica mini-saia sujeita a sua dona à alarvidade da misoginia dominante.

A história da mini-saia de Elena tem uma moral: à excepção das excepções que há sempre a registar, uma mulher que entre na política sujeita-se quase sempre à alarvidade da misoginia dominante. A alarvidade da misoginia dominante toma variadas formas, e esta semana teve um momento alto quando o deputado socialista José Magalhães, perante a recusa (injustificável) da ministra da Educação Maria do Carmo Seabra em comparecer no Parlamento por causa do relatório sobre a colocação de professores, afirmou que "isto não é o cabeleireiro". Esta reacção de José Magalhães é apenas uma variação da pergunta que um professor de Coimbra fazia às alunas que se entaramelavam nas aulas: "Por que não vai para casa coser meias?". Mas estávamos nos anos 60.

É a alarvidade da misoginia dominante que afasta a deputada Sónia Fertuzinhos, presidente das Mulheres Socialistas, dos lugares elegíveis das listas. Sónia Fertuzinhos destacou-se pelo seu trabalho enquanto parlamentar e, nomeadamente, no combate pela despenalização do aborto. A sua concelhia, Guimarães, não a indicou e Sócrates não a segurou. Se Sónia Fertuzinhos tivesse sido vetada por Guimarães e, no seu lugar, tivesse sido indicada outra mulher, menos habilitada, a polémica seria grande. Levantar-se-iam vozes para acusar essa outra mulher de "protegida" ou, quiçá, na penumbra dos cafés, de "amante" de alguém influente na concelhia. Infelizmente para Sónia Fertuzinhos, não há hipótese de grande burburinho interno: a concelhia de Guimarães indicou em vez dela Miguel Laranjeiro, que tem como único currículo político o facto de ter sido assessor de imprensa de António Guterres durante os tempos de Governo. Aí, evidentemente, não há razões para polémicas. Homem é homem, um protegido macho causa sempre menos "frisson" que um protegido fêmea. De resto, parece ser do presidente da distrital do PS de Coimbra uma das frases da semana: "Há mulheres a mais nas listas".

Penso que ainda não há estudos que nos ajudem a compreender porque é que, depois da queda de bastiões como as universidades, a comunicação social e os hospitais, a política continua a ser um dos últimos redutos ferozmente masculinos e onde sobressai com mais evidência a alarvidade da misoginia dominante. Entre dezenas e dezenas de deputados incompetentes e incapazes de que me lembro do Parlamento, nunca vi nenhum ser contestado - em surdina, mas com violência - como aquelas de quem se dizia serem "amantes" deste ou daquele, enquanto o puro e simples aparelhismo quando apenas dirigido aos homens era alegremente tolerado. O escrutínio relativamente à competência de uma mulher na política continua a ser implacável e incomparavelmente maior àquele que se faz a um homem (e muitas vezes nem se faz). A pergunta mais constante dentro dos poderosos aparelhos partidários masculinos, relativamente à nomeação de uma mulher para as listas, é apenas uma: "Cherchez l'homme"

Matilde Sousa Franco até pode vir a ser uma excelente deputada, acima da média - na sua vida profissional, foi uma competente conservadora de museu. Mas quem a alarvidade da misoginia dominante convida para as listas é a viúva de Sousa Franco. O PS nunca deu lições a ninguém nesta matéria e olhará sempre mais depressa para Teresa Alegre Portugal como "irmã de Manuel Alegre" do que como uma personalidade que tem uma carreira política autónoma que vem desde antes do 25 de Abril."

Ana Sá Lopes - Público

Domingo, 09 de Janeiro de 2005

"Mulheres

O último congresso do PSD, ecoou na sala um coro burgesso de assobios quando Elena Liatchechenko, presidente da associação russófona que tinha acabado de aderir ao partido, subiu ao palco. Novos militantes eram vários, mas só Elena usava mini-saia. A mini-saia tem 40 anos. As nossas mães usavam mini-saia. A mini-saia quase nunca saiu de moda. Hoje, a mini-saia não causa espanto nas universidades nem nas redacções dos jornais. Mas, na política, ainda é um sério risco. Uma prosaica mini-saia sujeita a sua dona à alarvidade da misoginia dominante.

A história da mini-saia de Elena tem uma moral: à excepção das excepções que há sempre a registar, uma mulher que entre na política sujeita-se quase sempre à alarvidade da misoginia dominante. A alarvidade da misoginia dominante toma variadas formas, e esta semana teve um momento alto quando o deputado socialista José Magalhães, perante a recusa (injustificável) da ministra da Educação Maria do Carmo Seabra em comparecer no Parlamento por causa do relatório sobre a colocação de professores, afirmou que "isto não é o cabeleireiro". Esta reacção de José Magalhães é apenas uma variação da pergunta que um professor de Coimbra fazia às alunas que se entaramelavam nas aulas: "Por que não vai para casa coser meias?". Mas estávamos nos anos 60.

É a alarvidade da misoginia dominante que afasta a deputada Sónia Fertuzinhos, presidente das Mulheres Socialistas, dos lugares elegíveis das listas. Sónia Fertuzinhos destacou-se pelo seu trabalho enquanto parlamentar e, nomeadamente, no combate pela despenalização do aborto. A sua concelhia, Guimarães, não a indicou e Sócrates não a segurou. Se Sónia Fertuzinhos tivesse sido vetada por Guimarães e, no seu lugar, tivesse sido indicada outra mulher, menos habilitada, a polémica seria grande. Levantar-se-iam vozes para acusar essa outra mulher de "protegida" ou, quiçá, na penumbra dos cafés, de "amante" de alguém influente na concelhia. Infelizmente para Sónia Fertuzinhos, não há hipótese de grande burburinho interno: a concelhia de Guimarães indicou em vez dela Miguel Laranjeiro, que tem como único currículo político o facto de ter sido assessor de imprensa de António Guterres durante os tempos de Governo. Aí, evidentemente, não há razões para polémicas. Homem é homem, um protegido macho causa sempre menos "frisson" que um protegido fêmea. De resto, parece ser do presidente da distrital do PS de Coimbra uma das frases da semana: "Há mulheres a mais nas listas".

Penso que ainda não há estudos que nos ajudem a compreender porque é que, depois da queda de bastiões como as universidades, a comunicação social e os hospitais, a política continua a ser um dos últimos redutos ferozmente masculinos e onde sobressai com mais evidência a alarvidade da misoginia dominante. Entre dezenas e dezenas de deputados incompetentes e incapazes de que me lembro do Parlamento, nunca vi nenhum ser contestado - em surdina, mas com violência - como aquelas de quem se dizia serem "amantes" deste ou daquele, enquanto o puro e simples aparelhismo quando apenas dirigido aos homens era alegremente tolerado. O escrutínio relativamente à competência de uma mulher na política continua a ser implacável e incomparavelmente maior àquele que se faz a um homem (e muitas vezes nem se faz). A pergunta mais constante dentro dos poderosos aparelhos partidários masculinos, relativamente à nomeação de uma mulher para as listas, é apenas uma: "Cherchez l'homme"

Matilde Sousa Franco até pode vir a ser uma excelente deputada, acima da média - na sua vida profissional, foi uma competente conservadora de museu. Mas quem a alarvidade da misoginia dominante convida para as listas é a viúva de Sousa Franco. O PS nunca deu lições a ninguém nesta matéria e olhará sempre mais depressa para Teresa Alegre Portugal como "irmã de Manuel Alegre" do que como uma personalidade que tem uma carreira política autónoma que vem desde antes do 25 de Abril."

Ana Sá Lopes - Público

Domingo, 09 de Janeiro de 2005

marcar artigo