Os seis erros da direita e a lição política de Costa

22-05-2019
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Três dias de crise, níveis tóxicos de hipocrisia política, erros de palmatória sucessivos, e um vencedor disto tudo. A direita acabou com as aflições pré-eleitorais de António Costa e ofereceu-lhe o monopólio do discurso da responsabilidade e da moderação que o líder socialista tanto procurava para caçar eleitores ao centro (e ao PSD). Depois desta “peça de teatro”, como lhe chamou Rui Rio, só temos um ator a agradecer à boca de cena: o primeiro-ministro, porque o “guião teatral” foi escrito pelos adversários e revelou-se uma tragédia de enganos (para os próprios).

Os seis erros de palmatória da direita

Primeiro erro: a perda de credibilidade. Pior do que cometer um erro é, por vezes, tentar corrigi-lo. Mas acontece muito em política quando os danos começam a ser insustentáveis. Faz-se como na bolsa: vendem-se as ações em queda antes que caiam ainda mais. O controlo de danos obrigou o CDS e o PSD a um recuo que pode sair-lhes caro na perceção dos eleitores: primeiro aprovam uma medida contrária ao seu ADN, depois capitulam perante a "chantagem" de Costa. Passam a ideia que têm medo de ir a eleições e que o mais corajoso e decidido é o primeiro-ministro. Assunção Cristas foi a mais assertiva a defender a posição que o CDS tomou na quinta-feira à noite para contar o tempo todo dos professores com argumentos impossíveis acerca dos acréscimos orçamentais. O David Dinis (diretor-adjunto do Expresso) explica aqui em detalhe “O enorme recuo de Cristas em cinco passos”. E aqui aplica os mesmos critérios a Rui Rio: "E o recuo do PSD foi em dois (ou três) actos". Não há como perceber o que disseram antes e depois.

Segundo erro: a negociação com a esquerda. Rui Rio cometeu os mesmos erros de Cristas, de forma menos acentuada, mas perde a face da mesma maneira com o recuo que se adivinha. O PSD, tal como o CDS, negociou com comunistas e bloquistas a redação do que foi votado na comissão de Educação na quinta-feira à noite. Se BE e PCP deixaram cair a calendarização, o PSD aceitou perder a cláusula de salvaguarda das finança públicas. Depois desta aliança contranatura com a "extrema-esquerda", Rio diz que caso o PS não aprove essa cláusula no plenário, também votará contra o texto que o próprio PSD já tinha sido a favor. É confuso? Sim, por isso mais difícil ainda de perceber pelo cidadão comum. O que fica nesta estrada são as marcas de uma grande travagem e de uma marcha-atrás feita em modo de emergência e em contramão.

Terceiro erro: o despesismo da direita. Quem acusa os socialistas de despesismo e de querer dar tudo a todos, sobretudo à função pública, tendo no currículo a governação nos anos da troika (como Assunção Cristas), ou a contenção da despesa e as boas contas (como Rui Rio) não consegue defender a devolução do tempo todo aos professores sem parecer politicamente hipócrita (independentemente das contas de Mário Centeno aos milhões necessários). Só para o ano, um acréscimo de despesa de cerca de 500 milhões de euros corresponderia a comprar mais um submarino. Mesmo a proposta do PSD de fazer depender os aumentos do crescimento económico tem um problema: consignava uma parte da folga orçamental a gastos estruturais (o contrário das recomendações de Bruxelas) e tornava o orçamento ainda menos flexível no futuro. Depois, nos anos que se seguissem com menor crescimento, essa despesa continuava lá ou voltava a haver novos cortes nos salários dos professores? E em caso de nova crise? Cortava-se primeiro para restituir tudo depois? O Presidente da República foi dos mais claros a explicar há duas semanas que restituir tudo criava um precedente em futuras crises financeiras. Resumindo: com esta posição, CDS e PSD juntaram-se ao BE e ao PCP para fazer parecer o país ainda mais irreformável.

Quarto erro: a falha tática. Até para criticar Rui Rio, Assunção Cristas chegou a dizer que não aparece nas fotografias ao lado de António Costa, mas aceitou aparecer ao lado de Mário Nogueira (neste sentido, a crítica do ex-vice-presidente do CDS Pires de Lima ao Expresso, a questionar de o CDS estava ao lado de Nogueira ou dos contribuintes, foi politicamente assassina). Já Rui Rio, que anda a dar uma imagem de moderação em relação à liderança anterior, ao coligar-se com PCP e BE neste dossiê não percebeu que com esta iniciativa estava a oferecer a António Costa o campeonato da responsabilidade. Não é por acaso que a palavra mais repetida pelos socialistas é: “Responsabilidade” para se referir a si e “irresponsabilidade” para falar dos outros. Ainda podia haver alguma tentação eleitoralista do PSD e do CDS: mas há poucos meses o Expresso publicou uma sondagem que dava cerca de 70% do eleitorado contra a contagem integral do tempo dos professores. Não se percebe.

Quinto erro: não respeitar o adversário. Nunca se deve subestimar um adversário em política. Isto devia prevalecer em todas as análises de todas as lideranças. Tomar uma decisão destas sem conseguir antecipar o que António Costa poderia fazer é de principiante ou de amador. Bastava a Rio e Cristas colocarem-se no lugar do primeiro-ministro: se no quadro de um governo minoritário, o Parlamento aprovasse contra si normas com efeitos orçamentais num assunto central, a três semanas de eleições, com o partido e Governo em perda, o que fariam? É fácil deduzir. Mas ninguém na São Caetano ou no Caldas se lembrou que Costa poderia demitir-se? É uma enorme falha de leitura política.

Sexto erro: o problema jurídico. O CDS e o PSD têm bons juristas. Ninguém alertou as lideranças para o risco de a recuperação do tempo integral dos professores ser inconstitucional, como disseram juristas como Jorge Miranda, Vital Moreira ou Paulo Otero - por violar o princípio da igualdade, o que obrigaria depois a dar o mesmo benefício para todas as carreiras da função pública? E que a seguir isso faria disparar a despesa (mais argumentos para o PS)? Se essa avaliação foi feita, não parece ter sido considerada.

A lição política do professor Costa

A política é um jogo, quem não quiser jogar é melhor entregar os dados, mas também é um teatro, nisso Rui Rio tem razão. É preciso montar boas encenações em todos os momentos - mas com o objetivo de produzirem efeitos reais. O que aconteceu nesta crise? Houve quem jogasse mal e quem fizesse uma encenação mais eficaz, que quando produziu efeitos deixou de ser um teatro para passar a uma realidade: o reforço da posição do primeiro-ministro; o enfraquecimento das lideranças à direita, com consequências internas no futuro; e a consolidação do discurso do Bloco e do PCP junto do seu eleitorado.

Costa andava à procura do centro, e Rio entregou-lho em bandeja de prata. Agora, o mantra do primeiro-ministro vai ser a “responsabilidade”, e o ideal era neste contexto ir para eleições o mais depressa possível sem o desgaste da gestão política até outubro. Daí o recuo da direita. Num contexto político tão desigual, em que só governa o bloco que tiver maioria no Parlamento, Costa também reforçou o papel do PS como partido de charneira do regime. Esta crise, como a da Lei de Bases da Saúde, obriga agora o PS a um esforço maior para ter maioria absoluta porque parece que a próxima legislatura será mais difícil de gerir.

O primeiro-ministro exagerou? Sim, mas teve de ser. Uma prova de força ou é de força ou não é. Descontando a questão puramente tática, num quadro político destes e em véspera de eleições, nenhum primeiro-ministro podia deixar que acontecesse um “Governo de Assembleia”, uma expressão que António Costa usou na sua moção de estratégia ao Congresso do PS, em 2016. Não podia ter o Parlamento a tomar decisões orçamentais contra o Governo. Ou era morto ou matava. Preferiu matar.

É verdade, António Costa é hábil e monta jogadas com uma frieza invejável - talvez por isso tenha uma relação tão boa com o Presidente da República, que também geriu esta crise até ao momento com sabedoria e gelo nos pulsos. Ainda não disse uma palavra.

Resta saber o que esta dramatização vai render: o PS mais próximo da maioria absoluta, ou um afastamento ainda maior do eleitorado para a abstenção ou para os partidos das margens?

Três dias de crise, níveis tóxicos de hipocrisia política, erros de palmatória sucessivos, e um vencedor disto tudo. A direita acabou com as aflições pré-eleitorais de António Costa e ofereceu-lhe o monopólio do discurso da responsabilidade e da moderação que o líder socialista tanto procurava para caçar eleitores ao centro (e ao PSD). Depois desta “peça de teatro”, como lhe chamou Rui Rio, só temos um ator a agradecer à boca de cena: o primeiro-ministro, porque o “guião teatral” foi escrito pelos adversários e revelou-se uma tragédia de enganos (para os próprios).

Os seis erros de palmatória da direita

Primeiro erro: a perda de credibilidade. Pior do que cometer um erro é, por vezes, tentar corrigi-lo. Mas acontece muito em política quando os danos começam a ser insustentáveis. Faz-se como na bolsa: vendem-se as ações em queda antes que caiam ainda mais. O controlo de danos obrigou o CDS e o PSD a um recuo que pode sair-lhes caro na perceção dos eleitores: primeiro aprovam uma medida contrária ao seu ADN, depois capitulam perante a "chantagem" de Costa. Passam a ideia que têm medo de ir a eleições e que o mais corajoso e decidido é o primeiro-ministro. Assunção Cristas foi a mais assertiva a defender a posição que o CDS tomou na quinta-feira à noite para contar o tempo todo dos professores com argumentos impossíveis acerca dos acréscimos orçamentais. O David Dinis (diretor-adjunto do Expresso) explica aqui em detalhe “O enorme recuo de Cristas em cinco passos”. E aqui aplica os mesmos critérios a Rui Rio: "E o recuo do PSD foi em dois (ou três) actos". Não há como perceber o que disseram antes e depois.

Segundo erro: a negociação com a esquerda. Rui Rio cometeu os mesmos erros de Cristas, de forma menos acentuada, mas perde a face da mesma maneira com o recuo que se adivinha. O PSD, tal como o CDS, negociou com comunistas e bloquistas a redação do que foi votado na comissão de Educação na quinta-feira à noite. Se BE e PCP deixaram cair a calendarização, o PSD aceitou perder a cláusula de salvaguarda das finança públicas. Depois desta aliança contranatura com a "extrema-esquerda", Rio diz que caso o PS não aprove essa cláusula no plenário, também votará contra o texto que o próprio PSD já tinha sido a favor. É confuso? Sim, por isso mais difícil ainda de perceber pelo cidadão comum. O que fica nesta estrada são as marcas de uma grande travagem e de uma marcha-atrás feita em modo de emergência e em contramão.

Terceiro erro: o despesismo da direita. Quem acusa os socialistas de despesismo e de querer dar tudo a todos, sobretudo à função pública, tendo no currículo a governação nos anos da troika (como Assunção Cristas), ou a contenção da despesa e as boas contas (como Rui Rio) não consegue defender a devolução do tempo todo aos professores sem parecer politicamente hipócrita (independentemente das contas de Mário Centeno aos milhões necessários). Só para o ano, um acréscimo de despesa de cerca de 500 milhões de euros corresponderia a comprar mais um submarino. Mesmo a proposta do PSD de fazer depender os aumentos do crescimento económico tem um problema: consignava uma parte da folga orçamental a gastos estruturais (o contrário das recomendações de Bruxelas) e tornava o orçamento ainda menos flexível no futuro. Depois, nos anos que se seguissem com menor crescimento, essa despesa continuava lá ou voltava a haver novos cortes nos salários dos professores? E em caso de nova crise? Cortava-se primeiro para restituir tudo depois? O Presidente da República foi dos mais claros a explicar há duas semanas que restituir tudo criava um precedente em futuras crises financeiras. Resumindo: com esta posição, CDS e PSD juntaram-se ao BE e ao PCP para fazer parecer o país ainda mais irreformável.

Quarto erro: a falha tática. Até para criticar Rui Rio, Assunção Cristas chegou a dizer que não aparece nas fotografias ao lado de António Costa, mas aceitou aparecer ao lado de Mário Nogueira (neste sentido, a crítica do ex-vice-presidente do CDS Pires de Lima ao Expresso, a questionar de o CDS estava ao lado de Nogueira ou dos contribuintes, foi politicamente assassina). Já Rui Rio, que anda a dar uma imagem de moderação em relação à liderança anterior, ao coligar-se com PCP e BE neste dossiê não percebeu que com esta iniciativa estava a oferecer a António Costa o campeonato da responsabilidade. Não é por acaso que a palavra mais repetida pelos socialistas é: “Responsabilidade” para se referir a si e “irresponsabilidade” para falar dos outros. Ainda podia haver alguma tentação eleitoralista do PSD e do CDS: mas há poucos meses o Expresso publicou uma sondagem que dava cerca de 70% do eleitorado contra a contagem integral do tempo dos professores. Não se percebe.

Quinto erro: não respeitar o adversário. Nunca se deve subestimar um adversário em política. Isto devia prevalecer em todas as análises de todas as lideranças. Tomar uma decisão destas sem conseguir antecipar o que António Costa poderia fazer é de principiante ou de amador. Bastava a Rio e Cristas colocarem-se no lugar do primeiro-ministro: se no quadro de um governo minoritário, o Parlamento aprovasse contra si normas com efeitos orçamentais num assunto central, a três semanas de eleições, com o partido e Governo em perda, o que fariam? É fácil deduzir. Mas ninguém na São Caetano ou no Caldas se lembrou que Costa poderia demitir-se? É uma enorme falha de leitura política.

Sexto erro: o problema jurídico. O CDS e o PSD têm bons juristas. Ninguém alertou as lideranças para o risco de a recuperação do tempo integral dos professores ser inconstitucional, como disseram juristas como Jorge Miranda, Vital Moreira ou Paulo Otero - por violar o princípio da igualdade, o que obrigaria depois a dar o mesmo benefício para todas as carreiras da função pública? E que a seguir isso faria disparar a despesa (mais argumentos para o PS)? Se essa avaliação foi feita, não parece ter sido considerada.

A lição política do professor Costa

A política é um jogo, quem não quiser jogar é melhor entregar os dados, mas também é um teatro, nisso Rui Rio tem razão. É preciso montar boas encenações em todos os momentos - mas com o objetivo de produzirem efeitos reais. O que aconteceu nesta crise? Houve quem jogasse mal e quem fizesse uma encenação mais eficaz, que quando produziu efeitos deixou de ser um teatro para passar a uma realidade: o reforço da posição do primeiro-ministro; o enfraquecimento das lideranças à direita, com consequências internas no futuro; e a consolidação do discurso do Bloco e do PCP junto do seu eleitorado.

Costa andava à procura do centro, e Rio entregou-lho em bandeja de prata. Agora, o mantra do primeiro-ministro vai ser a “responsabilidade”, e o ideal era neste contexto ir para eleições o mais depressa possível sem o desgaste da gestão política até outubro. Daí o recuo da direita. Num contexto político tão desigual, em que só governa o bloco que tiver maioria no Parlamento, Costa também reforçou o papel do PS como partido de charneira do regime. Esta crise, como a da Lei de Bases da Saúde, obriga agora o PS a um esforço maior para ter maioria absoluta porque parece que a próxima legislatura será mais difícil de gerir.

O primeiro-ministro exagerou? Sim, mas teve de ser. Uma prova de força ou é de força ou não é. Descontando a questão puramente tática, num quadro político destes e em véspera de eleições, nenhum primeiro-ministro podia deixar que acontecesse um “Governo de Assembleia”, uma expressão que António Costa usou na sua moção de estratégia ao Congresso do PS, em 2016. Não podia ter o Parlamento a tomar decisões orçamentais contra o Governo. Ou era morto ou matava. Preferiu matar.

É verdade, António Costa é hábil e monta jogadas com uma frieza invejável - talvez por isso tenha uma relação tão boa com o Presidente da República, que também geriu esta crise até ao momento com sabedoria e gelo nos pulsos. Ainda não disse uma palavra.

Resta saber o que esta dramatização vai render: o PS mais próximo da maioria absoluta, ou um afastamento ainda maior do eleitorado para a abstenção ou para os partidos das margens?

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