Rui Rio: “Temo que Costa se deixe levar para as meias soluções”

18-08-2016
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Em entrevista ao Expresso, ex-autarca do Porto critica o modelo do Governo para o futuro das áreas metropolitanas

Rui Duarte Silva

Quando presidiu à Câmara do Porto, Rui Rio viveu com António Costa, então presidente de Lisboa, uma partilha de pontos de vista em torno da necessidade da descentralização administrativa do país. Agora, com Costa em São Bento, Passos no PSD e Marcelo em Belém, Rio não espera que se saia das meias tintas. Deixa um aviso: se não é para fazer bem feito, mais vale estar quieto.

O Governo recuou na eleição direta dos presidentes das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Como defensor de uma verdadeira descentralização, como comenta este recuo?

Se assim vier a ser, parece-me uma coisa à boa maneira portuguesa. Primeiro coloca-se o problema de forma desestruturada em cima da mesa, tendo como principal objetivo dar uma imagem moderna e reformadora. Depois recua-se perante as reações corporativas que qualquer verdadeira reforma acarreta. Na fase seguinte, engendra-se um arranjo político que responda aos diversos interesses sectoriais, correndo-se o risco de deixar a situação pior do que estava. Entretanto, anuncia-se que se fez uma grande reforma e até se conseguiu um consenso. É o que normalmente temos!

E o que deveríamos ter?

Devia-se procurar uma real disponibilidade parlamentar e nacional para se repensar o sistema político, para já não dizer o regime. Nesse enquadramento, devia-se equacionar a possibilidade de se fazer a regionalização e pensar maduramente e com sentido de interesse nacional, quais as regiões administrativas que deveríamos ter.

Só as habituais cinco regiões plano, ou 5+2, em que 2 seriam as duas áreas metropolitanas?

Pessoalmente tenho dúvidas na resposta a dar. O modelo 5+2 parece mais lógico, mas pode-se contrapor que a região plano de Lisboa e Vale do Tejo ficaria muito pequena sem a atual Área Metropolitana de Lisboa. Além disso, o tema tem de ser debatido e pensado na lógica do interesse público e nunca na do pequenino interesse de cada um; todos sabemos como isso é difícil na política doméstica.

Há 20 anos foi contra a regionalização. Hoje é a favor?

Não sei se sou a favor, depende do modelo. Sei que nestes 20 anos o país agravou as suas desigualdades e se centralizou ainda mais. Sei que esta administração central irresponsável trouxe a nossa dívida pública dos 60% para os 130% do PIB. Sei que nos últimos 15 anos o país cresceu zero e que se tomaram muitas decisões de grande incompetência, por força de um elevado desconhecimento da realidade. Isto não pode continuar assim, entregue a um sistema despesista que produz este desastre. Dentro dessa lógica, estou aberto a repensar tudo e a equacionar uma regionalização séria e eficaz. Desde logo, com um programa de redução da despesa pública associado, porque se for para continuar neste caminho irresponsável mais vale estar quieto. E, já agora, com regras apertadíssimas para o endividamento, porque para políticas de crescente endividamento e de crescimento económico nulo já basta o monstro que este sistema criou.

Quando presidiu à câmara do Porto e António Costa à de Lisboa, partilharam pontos de vista sobre esta matéria. Esperava que Costa recuasse?

Sei que António Costa defende a descentralização com convicção. Disso não tenho dúvidas, e a sua ação política ao longo dos anos tem provado isso mesmo. O que temo é que ele se deixe levar para as meias soluções que não são carne nem peixe e que, muitas vezes, inviabilizam, no futuro, uma solução coerente e duradoura. Essa tem sido, muitas vezes, a tendência do seu partido.

Confia que o Governo avance com a descentralização administrativa nesta legislatura?

Não acredito que o faça. E é preferível que não o faça, se a alternativa for a de começar a embrulhar-se na matéria e acabar por deixar as coisas ainda pior do que o que estão, só para parecer que se fez. É uma das formas de estar na política que mais me choca: para mim, as coisas ou se fazem bem e como deve ser, ou, então, não se fazem. Podem ser feitas com gradualismo, mas têm de ter sentido estratégico. Os habituais arranjos para fugir à frontalidade e ao desgaste da luta política é um tique que fere a essência da democracia.

O PSD tem sido um interlocutor à altura ou a radicalização PSD/PS só trava o avanço deste processo?

Tenho ideia que não há nenhum diálogo construtivo entre os dois. Mas, como lhe disse, quando olho para o quadro político global que hoje existe nas suas múltiplas vertentes, não acredito que Portugal seja capaz de fazer uma reforma com a envergadura desta que estamos a falar. Infelizmente, são estes os tempos que vivemos.

Foi secretário-geral de Marcelo Rebelo de Sousa no PSD. Acredita que, como PR, ele impulsionará esta reforma?

Marcelo Rebelo de Sousa não se candidatou com base num projeto de reforma do sistema político, antes pelo contrário. Por isso, não é expectável que esse impulso parta de Belém. Para lá disso, o quadro parlamentar decorrente das últimas legislativas também não é favorável a grandes entendimentos de regime.

Em entrevista ao Expresso, ex-autarca do Porto critica o modelo do Governo para o futuro das áreas metropolitanas

Rui Duarte Silva

Quando presidiu à Câmara do Porto, Rui Rio viveu com António Costa, então presidente de Lisboa, uma partilha de pontos de vista em torno da necessidade da descentralização administrativa do país. Agora, com Costa em São Bento, Passos no PSD e Marcelo em Belém, Rio não espera que se saia das meias tintas. Deixa um aviso: se não é para fazer bem feito, mais vale estar quieto.

O Governo recuou na eleição direta dos presidentes das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Como defensor de uma verdadeira descentralização, como comenta este recuo?

Se assim vier a ser, parece-me uma coisa à boa maneira portuguesa. Primeiro coloca-se o problema de forma desestruturada em cima da mesa, tendo como principal objetivo dar uma imagem moderna e reformadora. Depois recua-se perante as reações corporativas que qualquer verdadeira reforma acarreta. Na fase seguinte, engendra-se um arranjo político que responda aos diversos interesses sectoriais, correndo-se o risco de deixar a situação pior do que estava. Entretanto, anuncia-se que se fez uma grande reforma e até se conseguiu um consenso. É o que normalmente temos!

E o que deveríamos ter?

Devia-se procurar uma real disponibilidade parlamentar e nacional para se repensar o sistema político, para já não dizer o regime. Nesse enquadramento, devia-se equacionar a possibilidade de se fazer a regionalização e pensar maduramente e com sentido de interesse nacional, quais as regiões administrativas que deveríamos ter.

Só as habituais cinco regiões plano, ou 5+2, em que 2 seriam as duas áreas metropolitanas?

Pessoalmente tenho dúvidas na resposta a dar. O modelo 5+2 parece mais lógico, mas pode-se contrapor que a região plano de Lisboa e Vale do Tejo ficaria muito pequena sem a atual Área Metropolitana de Lisboa. Além disso, o tema tem de ser debatido e pensado na lógica do interesse público e nunca na do pequenino interesse de cada um; todos sabemos como isso é difícil na política doméstica.

Há 20 anos foi contra a regionalização. Hoje é a favor?

Não sei se sou a favor, depende do modelo. Sei que nestes 20 anos o país agravou as suas desigualdades e se centralizou ainda mais. Sei que esta administração central irresponsável trouxe a nossa dívida pública dos 60% para os 130% do PIB. Sei que nos últimos 15 anos o país cresceu zero e que se tomaram muitas decisões de grande incompetência, por força de um elevado desconhecimento da realidade. Isto não pode continuar assim, entregue a um sistema despesista que produz este desastre. Dentro dessa lógica, estou aberto a repensar tudo e a equacionar uma regionalização séria e eficaz. Desde logo, com um programa de redução da despesa pública associado, porque se for para continuar neste caminho irresponsável mais vale estar quieto. E, já agora, com regras apertadíssimas para o endividamento, porque para políticas de crescente endividamento e de crescimento económico nulo já basta o monstro que este sistema criou.

Quando presidiu à câmara do Porto e António Costa à de Lisboa, partilharam pontos de vista sobre esta matéria. Esperava que Costa recuasse?

Sei que António Costa defende a descentralização com convicção. Disso não tenho dúvidas, e a sua ação política ao longo dos anos tem provado isso mesmo. O que temo é que ele se deixe levar para as meias soluções que não são carne nem peixe e que, muitas vezes, inviabilizam, no futuro, uma solução coerente e duradoura. Essa tem sido, muitas vezes, a tendência do seu partido.

Confia que o Governo avance com a descentralização administrativa nesta legislatura?

Não acredito que o faça. E é preferível que não o faça, se a alternativa for a de começar a embrulhar-se na matéria e acabar por deixar as coisas ainda pior do que o que estão, só para parecer que se fez. É uma das formas de estar na política que mais me choca: para mim, as coisas ou se fazem bem e como deve ser, ou, então, não se fazem. Podem ser feitas com gradualismo, mas têm de ter sentido estratégico. Os habituais arranjos para fugir à frontalidade e ao desgaste da luta política é um tique que fere a essência da democracia.

O PSD tem sido um interlocutor à altura ou a radicalização PSD/PS só trava o avanço deste processo?

Tenho ideia que não há nenhum diálogo construtivo entre os dois. Mas, como lhe disse, quando olho para o quadro político global que hoje existe nas suas múltiplas vertentes, não acredito que Portugal seja capaz de fazer uma reforma com a envergadura desta que estamos a falar. Infelizmente, são estes os tempos que vivemos.

Foi secretário-geral de Marcelo Rebelo de Sousa no PSD. Acredita que, como PR, ele impulsionará esta reforma?

Marcelo Rebelo de Sousa não se candidatou com base num projeto de reforma do sistema político, antes pelo contrário. Por isso, não é expectável que esse impulso parta de Belém. Para lá disso, o quadro parlamentar decorrente das últimas legislativas também não é favorável a grandes entendimentos de regime.

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