Rui Rio: na cama de António Costa já no verão?

03-05-2019
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Rio parece desconhecer o partido que lidera: optou por seguir o padrão dos líderes falhados do PSD, preferindo à "unidade real" a...

Rio parece desconhecer o partido que lidera: optou por seguir o padrão dos líderes falhados do PSD, preferindo à "unidade real" a "unidade fingida"
1. O PSD não consegue deixar de estar nas bocas do mundo. É assim a natureza do maior partido político português: é bacteriologicamente incompatível com qualquer tranquilidade, sossego democrático ou mesmo aparência de concórdia. Antes de Pedro Passos Coelho anunciar a sua não recandidatura, o cerne da controvérsia interna consistia em saber quando e quem iria protagonizar a sua sucessão, perfilando-se logo para a tarefa um extenso conjunto de personalidades (como habitualmente, na hora da verdade, desertaram: ser candidato putativo nos tempos que correm é a mais eficaz e habilidosa manobra de promoção pessoal); depois de Passos Coelho anunciar a sua resolução, eis que se passou a discutir o vazio e o regresso ao passado associado aos dois candidatos oficiais. Eleito o novo líder, o PSD já prepara a sua sucessão, mesmo antes de o homem sequer ter feito ou dito o que quer que seja: Rui Rio é “rei posto, rei morto” para muitos entre as hostes sociais-democratas. Confirma-se, pois, que o PSD tem uma espécie de afinidade reforçada com o pensamento anarquista: se algum militante é poder, o PSD é contra esse militante.
2. Mesmo que esse mesmo militante, no passado, tenha sido reputado como “competente”, “pessoa altamente credível”, o “futuro do partido”, uma vez chegado à liderança do partido passa a merecer epítetos depreciativos como “passadista”, “aparelhista”, “ganancioso”, “ amante dos grandes interesses e dos mais poderosos”. Se publicássemos uma daquelas montagens fotográficas em que se confrontam versões do “antes” e “depois” da pessoa, teríamos certamente elogios porventura imerecidos no período anterior à conquista da liderança do PSD - e críticas porventura excessivas no “depois” de ser eleito líder dos sociais-democratas portugueses. A história do PSD confirma esta tendência anárquica, de efervescência constante em torno da escolha de um rumo político (ou tão-só de um protagonista): focando-nos somente nas últimas duas décadas, apenas Durão Barroso e Pedro Passos Coelho lograram manter minimamente coeso (ou devemos apenas dizer pacífico?) o partido: Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana Lopes, Luís Marques Mendes, Luís Filipe Menezes e Manuela Ferreira Leite foram líderes permanentemente sobre brasas. A história mostra um padrão: lideranças excessivamente conflituosas, tumultuosas, em permanente rutura com uma parte importante dos militantes ou que reduziram a sua atuação política a uma guerrilha permanente com a bancada parlamentar redundaram em rotundos insucessos. Rui Rio, para já, parece querer seguir pelo caminho erróneo. 
3. Pergunta-se: o que fizeram Durão Barroso e Passos Coelho para conseguir o que treinadores de bancada como Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Marques Mendes ou Manuela Ferreira Leite não alcançaram? Aliaram o controlo do partido à conquista rápida do poder, assente numa estratégia de confrontação com o PS. Durão Barroso foi abençoado com a dupla sorte de Marcelo Rebelo de Sousa inexplicavelmente ter abandonado a liderança do PSD em vésperas de eleições e de se ter tornado líder da oposição numa fase de progressivo (e evidente) declínio de António Guterres; Pedro Passos Coelho derrotou José Sócrates poucos meses após ter assumido a liderança da oposição ao governo mais trágico da história política portuguesa. Mesmo Pedro Passos Coelho, quando ainda pairava a ameaça do cenário de reeleição de José Sócrates, sofreu na pele o inconformismo crónico dos militantes sociais-democratas: a pressão para derrubar Sócrates era intensa (e justificada) e dissonante da disposição mais conciliatória revelada inicialmente pela anterior direção do PSD (que viabilizou três pactos de estabilidade e crescimento socráticos antes da recusa do quarto que precipitou a realização de eleições legislativas antecipadas). 
4. Ora, Rui Rio parece, destarte, desconhecer o partido que agora lidera: optou por seguir o padrão de comportamento dos líderes falhados do PSD. Porquê? Porque à “unidade real” preferiu a “unidade fingida”, trazendo Pedro Santana Lopes para o seu lado, ao mesmo tempo que declarava guerra ao grupo parlamentar do seu partido (e com o qual terá de contar para fazer oposição a António Costa). E em detrimento de procurar uma demarcação política e programática clara face ao governo geringonçado de Costa, Rui Rio preferiu ir a correr para os braços do mesmo homem que levou os comunistas e os trotskistas vencidos da vida para o poder. Dir-se-á que o encontro entre Rui Rio e António Costa faz parte de uma relação institucional saudável. Certo. Contudo, como compreender que o primeiro gesto de Rui Rio seja uma conversa de duas horas (leu bem, duas horas!) com o primeiro-ministro geringonçado - e que até mereceu o comentário, entre o irónico e o crítico, de Pedro Santana Lopes sobre se os dois convivas partilharam sandes ao almoço…
4. Responderão os rioistas mais fanáticos que não podemos confundir iniciativas políticas institucionais, quase protocolares, com discurso e ação política de fundo. Rui Rio é leal com Costa institucionalmente, mas marcará a diferença no que respeita a opções políticas de fundo já desde o início do seu mandato. Nada disso: Rui Rio quer ser um aliado de Costa em termos protocolares e em termos de política efetiva. Senão, como compreender que Feliciano Barreiras Duarte, secretário-geral do partido, tenha passado para um jornal semanário português a notícia de que Rio e Costa querem firmar dois pactos até ao verão, independentemente do mérito do conteúdo de tal acordo? Ou seja: na visão da nova direção do PSD, o essencial é assinar um papel com António Costa o quanto antes! Mesmo que o acordo seja um desastre, que seja prejudicial para Portugal e para os portugueses, o PSD de Rui Rio quer assinar um papel com António Costa (ou com a geringonça? ou com os dois?) até ao verão. 
5. António Capucho afirmou ao “SOL” do último sábado que a bancada parlamentar do partido anda a “fazer a cama a Rui Rio”, tal como António Capucho quis fazer a cama a Passos Coelho no passado (e acabou por se deitar na cama que fizera…). Ora, o que António Capucho, em abono da verdade e do rigor, deveria ter dito era que Rui Rio está desejoso de ir para a cama de António Costa - e o encontro já está marcado para o verão, talvez para aproveitar a fogosidade própria do calor que marca tal estação do ano. E já prometeu dose dupla: um duplo acordo com o PS para o verão! Rui Rio, que ainda não sabe o que deve defender em cada área, já sabe, no entanto, que quer chegar a acordo com o PS, dê por onde der! Até ao verão! É obra! Normalmente, as partes iniciam negociações e só depois fixam prazo para a sua conclusão; com Rui Rio, é ao contrário: primeiro fixa-se prazo para concluir o acordo com António Costa e só depois se pensa no conteúdo do acordo… Um mundo de pernas para o ar, portanto. 
6. Acabaram-se, pois, as dúvidas: Rui Rio, pelo menos até 2019, não quer saber do PSD, de Portugal ou dos portugueses; quer saber apenas de si próprio. Da manutenção do seu poder pessoal, leia-se da sua perpetuação como líder do PSD após as legislativas. Como já abdicou de ganhar as eleições, Rui Rio preocupa-se em assegurar o seu lugar na cama (lá está!) de António Costa, qual amante desesperada para substituir as atuais “noivas do Santo António”, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, em 2019. Se depender de Rui Rio, o PSD, até às legislativas, fará de morto. Qual é a nossa esperança? Fernando Negrão. 
7. É um homem inteligente, perspicaz, que conhece os meandros do parlamente e do sistema partidário português como ninguém. E que não se vergará perante a capitulação do PSD a António Costa e ao PS. Espera-se, portanto, que o novo líder da bancada parlamentar do PSD seja capaz de fazer oposição à geringonça, apesar de Rui Rio. Porque se Negrão se impuser a Rui Rio perante as suas opções políticas erradas, se conseguir imprimir à oposição um tom aguerrido e responsável, mesmo perante os silêncios da direção, aí conquistará a legitimidade de exercício que reforçará a sua legitimidade formal. Já se Fernando Negrão for apenas o ventríloquo de Rui Rio, caucionando a estratégia de poder pessoal, mesmo que tal signifique prejudicar Portugal e o PSD - aí, Fernando Negrão deverá ser corresponsabilizado pelo desastre que se prenuncia. Por favor, Fernando Negrão: não partilhe a cama de Rui Rio e António Costa… Haja decência! 

by João Lemos Esteves via Jornal i

Rio parece desconhecer o partido que lidera: optou por seguir o padrão dos líderes falhados do PSD, preferindo à "unidade real" a...

Rio parece desconhecer o partido que lidera: optou por seguir o padrão dos líderes falhados do PSD, preferindo à "unidade real" a "unidade fingida"
1. O PSD não consegue deixar de estar nas bocas do mundo. É assim a natureza do maior partido político português: é bacteriologicamente incompatível com qualquer tranquilidade, sossego democrático ou mesmo aparência de concórdia. Antes de Pedro Passos Coelho anunciar a sua não recandidatura, o cerne da controvérsia interna consistia em saber quando e quem iria protagonizar a sua sucessão, perfilando-se logo para a tarefa um extenso conjunto de personalidades (como habitualmente, na hora da verdade, desertaram: ser candidato putativo nos tempos que correm é a mais eficaz e habilidosa manobra de promoção pessoal); depois de Passos Coelho anunciar a sua resolução, eis que se passou a discutir o vazio e o regresso ao passado associado aos dois candidatos oficiais. Eleito o novo líder, o PSD já prepara a sua sucessão, mesmo antes de o homem sequer ter feito ou dito o que quer que seja: Rui Rio é “rei posto, rei morto” para muitos entre as hostes sociais-democratas. Confirma-se, pois, que o PSD tem uma espécie de afinidade reforçada com o pensamento anarquista: se algum militante é poder, o PSD é contra esse militante.
2. Mesmo que esse mesmo militante, no passado, tenha sido reputado como “competente”, “pessoa altamente credível”, o “futuro do partido”, uma vez chegado à liderança do partido passa a merecer epítetos depreciativos como “passadista”, “aparelhista”, “ganancioso”, “ amante dos grandes interesses e dos mais poderosos”. Se publicássemos uma daquelas montagens fotográficas em que se confrontam versões do “antes” e “depois” da pessoa, teríamos certamente elogios porventura imerecidos no período anterior à conquista da liderança do PSD - e críticas porventura excessivas no “depois” de ser eleito líder dos sociais-democratas portugueses. A história do PSD confirma esta tendência anárquica, de efervescência constante em torno da escolha de um rumo político (ou tão-só de um protagonista): focando-nos somente nas últimas duas décadas, apenas Durão Barroso e Pedro Passos Coelho lograram manter minimamente coeso (ou devemos apenas dizer pacífico?) o partido: Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana Lopes, Luís Marques Mendes, Luís Filipe Menezes e Manuela Ferreira Leite foram líderes permanentemente sobre brasas. A história mostra um padrão: lideranças excessivamente conflituosas, tumultuosas, em permanente rutura com uma parte importante dos militantes ou que reduziram a sua atuação política a uma guerrilha permanente com a bancada parlamentar redundaram em rotundos insucessos. Rui Rio, para já, parece querer seguir pelo caminho erróneo. 
3. Pergunta-se: o que fizeram Durão Barroso e Passos Coelho para conseguir o que treinadores de bancada como Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Marques Mendes ou Manuela Ferreira Leite não alcançaram? Aliaram o controlo do partido à conquista rápida do poder, assente numa estratégia de confrontação com o PS. Durão Barroso foi abençoado com a dupla sorte de Marcelo Rebelo de Sousa inexplicavelmente ter abandonado a liderança do PSD em vésperas de eleições e de se ter tornado líder da oposição numa fase de progressivo (e evidente) declínio de António Guterres; Pedro Passos Coelho derrotou José Sócrates poucos meses após ter assumido a liderança da oposição ao governo mais trágico da história política portuguesa. Mesmo Pedro Passos Coelho, quando ainda pairava a ameaça do cenário de reeleição de José Sócrates, sofreu na pele o inconformismo crónico dos militantes sociais-democratas: a pressão para derrubar Sócrates era intensa (e justificada) e dissonante da disposição mais conciliatória revelada inicialmente pela anterior direção do PSD (que viabilizou três pactos de estabilidade e crescimento socráticos antes da recusa do quarto que precipitou a realização de eleições legislativas antecipadas). 
4. Ora, Rui Rio parece, destarte, desconhecer o partido que agora lidera: optou por seguir o padrão de comportamento dos líderes falhados do PSD. Porquê? Porque à “unidade real” preferiu a “unidade fingida”, trazendo Pedro Santana Lopes para o seu lado, ao mesmo tempo que declarava guerra ao grupo parlamentar do seu partido (e com o qual terá de contar para fazer oposição a António Costa). E em detrimento de procurar uma demarcação política e programática clara face ao governo geringonçado de Costa, Rui Rio preferiu ir a correr para os braços do mesmo homem que levou os comunistas e os trotskistas vencidos da vida para o poder. Dir-se-á que o encontro entre Rui Rio e António Costa faz parte de uma relação institucional saudável. Certo. Contudo, como compreender que o primeiro gesto de Rui Rio seja uma conversa de duas horas (leu bem, duas horas!) com o primeiro-ministro geringonçado - e que até mereceu o comentário, entre o irónico e o crítico, de Pedro Santana Lopes sobre se os dois convivas partilharam sandes ao almoço…
4. Responderão os rioistas mais fanáticos que não podemos confundir iniciativas políticas institucionais, quase protocolares, com discurso e ação política de fundo. Rui Rio é leal com Costa institucionalmente, mas marcará a diferença no que respeita a opções políticas de fundo já desde o início do seu mandato. Nada disso: Rui Rio quer ser um aliado de Costa em termos protocolares e em termos de política efetiva. Senão, como compreender que Feliciano Barreiras Duarte, secretário-geral do partido, tenha passado para um jornal semanário português a notícia de que Rio e Costa querem firmar dois pactos até ao verão, independentemente do mérito do conteúdo de tal acordo? Ou seja: na visão da nova direção do PSD, o essencial é assinar um papel com António Costa o quanto antes! Mesmo que o acordo seja um desastre, que seja prejudicial para Portugal e para os portugueses, o PSD de Rui Rio quer assinar um papel com António Costa (ou com a geringonça? ou com os dois?) até ao verão. 
5. António Capucho afirmou ao “SOL” do último sábado que a bancada parlamentar do partido anda a “fazer a cama a Rui Rio”, tal como António Capucho quis fazer a cama a Passos Coelho no passado (e acabou por se deitar na cama que fizera…). Ora, o que António Capucho, em abono da verdade e do rigor, deveria ter dito era que Rui Rio está desejoso de ir para a cama de António Costa - e o encontro já está marcado para o verão, talvez para aproveitar a fogosidade própria do calor que marca tal estação do ano. E já prometeu dose dupla: um duplo acordo com o PS para o verão! Rui Rio, que ainda não sabe o que deve defender em cada área, já sabe, no entanto, que quer chegar a acordo com o PS, dê por onde der! Até ao verão! É obra! Normalmente, as partes iniciam negociações e só depois fixam prazo para a sua conclusão; com Rui Rio, é ao contrário: primeiro fixa-se prazo para concluir o acordo com António Costa e só depois se pensa no conteúdo do acordo… Um mundo de pernas para o ar, portanto. 
6. Acabaram-se, pois, as dúvidas: Rui Rio, pelo menos até 2019, não quer saber do PSD, de Portugal ou dos portugueses; quer saber apenas de si próprio. Da manutenção do seu poder pessoal, leia-se da sua perpetuação como líder do PSD após as legislativas. Como já abdicou de ganhar as eleições, Rui Rio preocupa-se em assegurar o seu lugar na cama (lá está!) de António Costa, qual amante desesperada para substituir as atuais “noivas do Santo António”, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, em 2019. Se depender de Rui Rio, o PSD, até às legislativas, fará de morto. Qual é a nossa esperança? Fernando Negrão. 
7. É um homem inteligente, perspicaz, que conhece os meandros do parlamente e do sistema partidário português como ninguém. E que não se vergará perante a capitulação do PSD a António Costa e ao PS. Espera-se, portanto, que o novo líder da bancada parlamentar do PSD seja capaz de fazer oposição à geringonça, apesar de Rui Rio. Porque se Negrão se impuser a Rui Rio perante as suas opções políticas erradas, se conseguir imprimir à oposição um tom aguerrido e responsável, mesmo perante os silêncios da direção, aí conquistará a legitimidade de exercício que reforçará a sua legitimidade formal. Já se Fernando Negrão for apenas o ventríloquo de Rui Rio, caucionando a estratégia de poder pessoal, mesmo que tal signifique prejudicar Portugal e o PSD - aí, Fernando Negrão deverá ser corresponsabilizado pelo desastre que se prenuncia. Por favor, Fernando Negrão: não partilhe a cama de Rui Rio e António Costa… Haja decência! 

by João Lemos Esteves via Jornal i

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