Nos 100 dias deste governo tivemos mudança? E nos próximos 100 o que teremos?

06-03-2016
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Foram cem dias do verbo reverter. E do negociar? O Governo minoritário do PS passou o período de graça, mas com alguns sobressaltos pelo caminho.

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António Costa não desgosta da palavra “geringonça”. Já tem cem dias dela. Espremido entre Bruxelas e os partidos que o apoiam, o Governo minoritário do PS com apoio do PCP, BE e PEV já cumpriu mais de metade das medidas que constam dos acordos. Mas o que tem sido este Executivo sui generis? É um Governo de alívio de cortes? Ou que aumentou mais impostos? É o Governo das reversões? Que provoca desconfiança nos mercados? Ou que deu mais apoios sociais?

É tudo isso e muito mais. Cem dias de Governo de António Costa foram também cem dias com uma crise financeira à espreita, com a venda do Banif e com o confronto com o Banco de Portugal. Foram cem dias em que o país viu serem aprovadas algumas medidas mais sociais, como a adoção por casais do mesmo sexo, ou o fim do pagamento das taxas moderadoras do aborto.

A surpresa da geringonça

O Orçamento do Estado para este ano era uma das mais importantes provas de fogo aos alicerces do Governo. Era o segundo Orçamento a votar no Parlamento e o primeiro não tinha passado com o apoio dos partidos que o suportam. No final do ano passado, o Executivo de António Costa apresentou um Retificativo por causa dos custos com a resolução e venda do Banif. PCP e BE votaram contra.

Mas se no primeiro Orçamento votado, teve de ser a abstenção do PSD a garantir que a solução para o Banif não ficava a pelo caminho, no OE para este ano, BE, PCP e PEV já votaram a favor na generalidade. Falta o ok final que será dado no dia 16 de março.

“Tem-me surpreendido pela positiva a capacidade de diálogo e de negociação, e de construção de comuns. E julgo que o debate, nomeadamente do Orçamento, no Parlamento foi surpreendentemente um debate diferente do que era tradicional”, disse ao Observador o ministros do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, em entrevista a ler na íntegra na segunda-feira.

Foram meses em que o Governo reuniu à vez ora com BE ora com PCP. Foram cem dias de negociação pura e dura e com ganhos de parte a parte. Logo no final do ano, o Governo conseguiu passar no Parlamento medidas extraordinárias para entrarem em vigor a 1 de janeiro para não deixar derrapar a despesa pública. Isto porque medidas como a aplicação da sobretaxa ou os cortes dos salários dos funcionários públicos, se não fosse aprovada legislação a tempo, caíam no dia 1 de janeiro. A negociação foi demorada, mas houve acordo: o Governo cedeu em prazos (o corte dos salários termina este ano em vez de só terminar em 2017); e PCP e BE cederam ao votar favoravelmente a manutenção de cortes.

"Tem-me surpreendido pela positiva a capacidade de diálogo e de negociação, e de construção de comuns. E julgo que o debate, nomeadamente do Orçamento, no Parlamento foi surpreendentemente um debate diferente do que era tradicional" António Vieira da Silva, em entrevista ao Observador

E tudo isto acontece no Parlamento. Os novos cem dias de Governo vão encarregar de mostrar que houve um reforço do trabalho na Assembleia da República, palco por onde passam as negociações e onde são aprovadas as principais medidas. E nesse campo houve também um reforço do papel do negociador do Executivo: Pedro Nuno Santos. Já chamado de “pivô da geringonça”, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares tem tido nas mãos a condução desta nova solução de Governo. Mas não é o único ao leme. Se Pedro Nuno Santos conduz as negociações com os partidos no Parlamento (pode ler uma entrevista ao Observador de novembro, aqui), tem como ponte de ligação para o restante Executivo Mariana Vieira da Silva. A secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro tem sido o elo de ligação e uma das peças-chave da engrenagem da tal máquina que Vasco Pulido Valente batizou.

A via aberta entre os dois e a relação com as Finanças de Mário Centeno permitiram a entrega em Bruxelas do Orçamento do Estado com o apoio dos partidos da esquerda e com o crivo da Comissão Europeia – mesmo depois de negociações complicadas, de muitas alterações, erratas e versões e de avisos para os riscos de um Orçamento como o que foi apresentado. E depois de pedidos para que o Governo tenha um plano B caso a execução orçamental fale – que o ministro das Finanças, Mário Centeno, diz que estará preparado para, mas não será necessário.

Para o ministro Vieira da Silva esta tem sido a fórmula do sucesso do Governo: um executivo apoiado no Parlamento por vários partidos. “Ter forças políticas que, apoiando uma solução governativa e que não têm o mesmo tipo de relação que outros acordos no passado tiveram. É [uma solução] mais estável do que aqueles acordos pontuais que suportaram governos de minorias e diferente de um acordo governativo de maioria”, defende.

Certo é que várias fontes do Governo contam que a relação com os dois partidos, Bloco e PCP, “é diferente”, mas “boa” com os dois lados e que nem alterações que possam existir nas direções dos partidos (sobretudo no caso dos comunistas, apesar de Jerónimo de Sousa já ter mostrado disponibilidade para continuar) podem vir a estremecer o equilíbrio conseguido.

Foi sempre esta a mensagem que foi passando, apesar de algumas divergências públicas. E não foram poucas

A solução para o Banif não teve o acordo dos partidos da esquerda e foi por isso que não votaram favoravelmente o Orçamento Retificativo no final do ano passado, que previa uma injeção total de 2.255 milhões de euros para financiar a medida de resolução do banco;

não teve o acordo dos partidos da esquerda e foi por isso que não votaram favoravelmente o Orçamento Retificativo no final do ano passado, que previa uma injeção total de 2.255 milhões de euros para financiar a medida de resolução do banco; Renegociação da dívida – Foi em plena campanha eleitoral para as eleições presidenciais que o assunto voltou à baila: com os dois partidos mais à esquerda a atropelarem-se nas iniciativas. Uma notícia do jornal i deu mesmo conta de um documento interno da corrente maioritária do Bloco de Esquerda que defendia que sem uma renegociação da dívida o acordo com o PS estaria em risco já no próximo Orçamento do Estado. No mesmo dia, logo pela manhã, o PCP fez saber que iria lançar para discussão na Assembleia da República a reestruturação da dívida pública. Com pés de lã, o PS e o Governo lá foram fazendo passar a ideia que discutir, sim, mas no âmbito europeu, e que não irão desencadear uma renegociação. Foi no debate na generalidade do Orçamento que o ministro das Finanças repetiu essa posição: a de que o Governo só defende uma renegociação da dívida se esta for considerada a nível da Europa. Mas foi Costa, sentado ao seu lado, que lhe lembrou a palavra “Europa” no final da frase;

– Foi em plena campanha eleitoral para as eleições presidenciais que o assunto voltou à baila: com os dois partidos mais à esquerda a atropelarem-se nas iniciativas. Uma notícia do jornal i deu mesmo conta de um documento interno da corrente maioritária do Bloco de Esquerda que defendia que sem uma renegociação da dívida o acordo com o PS estaria em risco já no próximo Orçamento do Estado. No mesmo dia, logo pela manhã, o PCP fez saber que iria lançar para discussão na Assembleia da República a reestruturação da dívida pública. Com pés de lã, o PS e o Governo lá foram fazendo passar a ideia que discutir, sim, mas no âmbito europeu, e que não irão desencadear uma renegociação. Foi no debate na generalidade do Orçamento que o ministro das Finanças repetiu essa posição: a de que o Governo só defende uma renegociação da dívida se esta for considerada a nível da Europa. Mas foi Costa, sentado ao seu lado, que lhe lembrou a palavra “Europa” no final da frase; Venda do Novo Banco – Nacionalizar ou não nacionalizar, eis a questão? É e continuará a ser mais uma das divergências públicas entre o PS e os dois partidos à sua esquerda. PCP e BE defendem uma nacionalização do Novo Banco, o PS quer vendê-lo. Mas nacionalizar não é uma realidade posta de parte: como última solução, se as propostas de compra forem mais prejudiciais para os cofres públicos, o Governo admite essa possibilidade. Mas até lá, “dá tempo”, diz uma fonte do Executivo ao Observador. A solução tem de ser encontrada até agosto de 2017 e há muitas soluções em cima da mesa. A venda é a preferida do Governo, a nacionalização, a dos partidos de esquerda e há uma terceira via, que pode passar por um pedido de nova dilatação do prazo.

E para o futuro?

No Governo começa a repetir-se cada vez mais a ideia de que este Governo é mesmo para a legislatura. E há quem defenda que o facto de o Governo estar entalado entre duas forças – leia-se apoio parlamentar do PCP, BE e PEV e pressão de Bruxelas – poderá ser um fator de força nas negociações internas e externas. O que tem de ser tem muita força e António Costa acredita que a inevitabilidade de ter de existir uma solução é o bálsamo para uma longa vida ao seu Governo.

Esta inevitabilidade espelha-se na aprovação dos orçamentos do Estado. Nos bastidores do Governo há quem acredite que o jogo de forças dos dois lados pode ajudar a que o Governo vá tendo jogo de cintura no meio e mantendo afastadas as duas paredes. Foi isso que aconteceu ao longo das duras negociações com a Comissão Europeia para a aprovação do rascunho do OE para este ano.

É claro que politicamente isso envolve movimentações. Por exemplo, o BE aprovou internamente um documento que põe fim à possibilidade de António Costa continuar a justificar não tomar determinadas medidas ou não ir tão longe por causa da pressão de Bruxelas.

Pressão que se fez sentir sobretudo durante a negociação para o Orçamento do Estado. Foi também por essa altura que se sentiram as pressões dos mercados internacionais nos juros da dívida portuguesa. António Costa justificou com a situação a nível internacional: “Ao longo desta semana, a nível internacional tem havido alguma agitação nos mercados e em particular no conjunto da Europa que não tem deixado Portugal isento”, disse.

Mas essa ameaça dos mercados internacionais voltou a fazer-se sentir esta semana quando a Fitch decidiu cortar a perspetiva da evolução do rating da dívida portuguesa de positiva para estável. Um aviso.

Bloco de Esquerda e PCP satisfeitos, mas querem mais

Com satisfação, mas com ambição para fazer mais. Muito mais. É desta forma que Bloco de Esquerda e PCP olham para os primeiros 100 dias de Governo socialista. “Foram boas portas aquelas que foram abertas”, sublinha Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco. “Julgo que estes 100 dias deixam sobretudo confirmada uma ideia: independentemente das limitações e insuficiências que se registam, era e foi possível travar o caminho [anterior]”, reitera João Oliveira, líder da bancada parlamentar do PCP.

Mas, em declarações ao Observador, os dois admitem que era possível (e desejável) fazer mais em matéria de reposição de rendimentos. Também não escondem a discordância em relação às soluções encontradas para o Banif e para a TAP. Ainda assim, não deixam de elogiar o virar de página deste Governo.

“Para lá da lógica de 100 dias do Governo, há 100 dias de uma nova situação política que já permitiu um conjunto de pinceladas diferentes”, sublinha Pedro Filipe Soares, dando como exemplos a reposição dos feriados, o fim dos exames nos 4º e 6º anos, o fim das taxas moderadoras no aborto e a adoção plena por casais do mesmo género.

Já João Oliveira destaca a reposição dos salários e a redução ou eliminação da sobretaxa no IRS, medidas que ajudaram a travar “um caminho de declínio, de exploração e de empobrecimento” que vinha a ser seguido.

“Para lá da lógica de 100 dias do Governo, há 100 dias de uma nova situação política que já permitiu um conjunto de pinceladas diferentes” Pedro Filipe Soares, Bloco de Esquerda

Nem tudo foram rosas, concede, ainda assim, o comunista. O descongelamento das pensões, apesar “de positivo”, foi “muito insuficiente”, repara João Oliveira. “[A medida] precisava de ter ido mais longe, precisava de ter tido outro tipo de exigência e de ambição”. Mas foram as soluções encontradas para a TAP e, sobretudo, para o Banif que mais afastaram PCP de PS. “São dois elementos objetivos em que a nossa avaliação não pode ser senão negativa”, atira o líder parlamentar comunista.

Pedro Filipe Soares acompanha-o neste último ponto. “Não era aquela solução que desejávamos”, sublinha o bloquista. O líder parlamentar do Bloco também não esconde que este Orçamento podia ter ido mais longe no que diz respeito à devolução de rendimentos. “[Mas] não é desses cenários utópicos que estamos a falar”.

Os bloquistas apontam agora baterias para as reuniões dos grupos de trabalho que ficaram acordados na posição conjunta assinada por PS e BE. E, aí, voltará a discussão em torno da renegociação da dívida pública.

O PCP também não esqueceu essa bandeira que defende “há cinco anos”. “Estamos convencidos de que a necessidade de renegociar a dívida pública vai impor-se. A questão é saber se nós a fazemos num quadro em que essa renegociação seja favorável ao país” ou “se é feita a favor de outros interesses que não os interesses do país, como aconteceu na Grécia, por exemplo”.

“Muitos dos medos que estavam apontados [em relação à estabilidade do acordo] foram afastados. É normalidade na diferença que marca” o espírito destes 100 dias João Oliveira, líder parlamentar do PCP

Nem Bloco nem PCP escondem que há diferenças de fundo em relação ao que pensa o atual Executivo socialista. É João Oliveira quem define o tom. Sim, existem diferenças. Mas não, isso não causa qualquer “embaraço”, realça o comunista, que aproveita para desdramatizar: “Muitos dos medos que estavam apontados [em relação à estabilidade do acordo] foram afastados. É normalidade na diferença que marca” o espírito destes 100 dias.

Mas além da política, este tem sido um Governo que mexeu com as políticas. Em alguns casos virou-as do avesso.

É um Governo de alívio de cortes?

A expressão que António Costa mais terá repetido desde a campanha eleitoral terá sido a vontade de “virar a página da austeridade” e fez disso a bandeira do Executivo desde que entrou em funções. A política do Governo minoritário do PS é a de devolver rendimentos às famílias para impulsionar a procura interna e com isso desenvolver a economia. Debaixo do chapéu de críticas tanto dos que dizem que Costa está a seguir a receita antiga e a levar o país para um caminho de esbanjamento, como daqueles que queriam mais alívio de austeridade.

Esta “pescadinha de rabo na boca” – mais rendimentos, mais consumo, mais economia, mais rendimentos – começou a ser posta em prática, sobretudo, através de duas medidas-chave: o fim dos cortes salariais na função pública e o fim da sobretaxa de IRS.

Além destas duas medidas orçamentais, o Governo chegou a acordo em sede de Concertação Social para o aumento do salário mínimo nacional para os 530 euros, com a intenção de subir para os 600 euros até ao final da legislatura.

No capítulo da devolução de rendimentos, era ainda intenção do Governo baixar a taxa contributiva para os trabalhadores com rendimentos abaixo dos 600 euros. Estes estão isentos de pagamento de impostos sobre o rendimento (IRS) pelo que a redução da sobretaxa não os beneficiou. Contudo, a medida de redução da Taxa Social Única (TSU), que pesava 135 milhões de euros a menos nas contas da Segurança Social, caiu aos pés das negociações com a Comissão Europeia. Foi a última medida a cair numa carta enviada pelo Executivo para Bruxelas já na última madrugada de negociações e a poucas horas da Comissão se pronunciar.

Mais ou menos impostos?

Sim. Não. Esta é uma resposta que depende também de como se olha para o copo, que pode estar meio cheio ou meio vazio. O Orçamento do Estado para este ano foi um Orçamento de “escolhas”, disse o Governo. E a escolha foi por aumentar os impostos que recaem sobre produtos de escolha para os consumidores.

O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), por exemplo, foi aumentado por portaria do Governo — sem esperar pela aprovação do Orçamento — em seis cêntimos por litro. Com o IVA, passa a mais sete cêntimos por cada litro.

A juntar a este aumento, o Governo decidiu subir o Imposto sobre o Tabaco e ainda o Imposto sobre os Veículos, que incide sobre a compra de carro. O impacto orçamental destes três impostos é de 575 milhões de euros.

Aumentou ainda o imposto de selo e a contribuição da banca para o Fundo de Resolução.

Para as empresas há ainda o fim da isenção de IMI para os fundos imobiliários e a manutenção da taxa do IRC nos 21%, ao invés da prevista descida do imposto para um intervalo entre os 17% e os 19%. Outro regresso é o limite de 10% de participação acionista de uma sociedade sedeada no estrangeiro para beneficiar da isenção fiscal sobre os dividendos (participation exemption). No entanto, essa participação só tem de ser detida por um ano em vez de dois. Também o período de reporte dos prejuízos fiscais, durante o qual esses prejuízos podem ser deduzidos nos impostos sobre os lucros, volta aos cinco anos, contra o prazo anterior de 12.

Do outro lado do copo, houve descida dos impostos diretos, como a descida da sobretaxa e a descida do IVA da restauração.

Na balança das contas, há ou não aumento da carga fiscal? “Na verdade, a resposta é simples: não, não há uma subida da carga fiscal global. E, se quisermos ser completamente rigorosos, até há uma (pequeníssima) descida”, explica Pedro Romano, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (pode ler a análise ao Orçamento neste artigo).

Governo de reversões?

Reverter significa “anular”, “retirar o efeito a” ou ainda “fazer com que deixe de vigorar”. E todas estas expressões são acarinhadas pelos quatro partidos que apoiam o Governo e atiradas à cara pela oposição. Há aliás quatro verbos que fazem parte do glossário deste Executivo: repor, reverter, revogar e eliminar. E são das palavras mais repetidas nas “posições conjuntas” que servem de base ao apoio parlamentar. Nestes acordos, estes verbos (ou as suas derivações) aparecem por 21 vezes.

Mas neste caso, o verbo não era só o início. Nos primeiros cem dias de Governo muitas foram de facto as medidas que foram revertidas, eliminadas, repostas ou revogadas. E não só no plano financeiro.

"Vamos repor rendimentos, vamos reverter a asfixia fiscal da classe média, e vamos revogar os cortes nas pensões e nos salários dos funcionários públicos" António Costa, no primeiro debate quinzenal em 16 de dezembro de 2015

“Vamos repor rendimentos, vamos reverter a asfixia fiscal da classe média e vamos revogar os cortes nas pensões e nos salários dos funcionários públicos”, disse António Costa no primeiro debate quinzenal, em resposta a Passos Coelho, que o criticava de estar a voltar atrás em muitas medidas levadas a cabo pelo anterior Governo. Ora a reversão está-lhe no sangue e nas políticas. Estas são algumas das medidas já alteradas pelo “Governo do desfaz”:

Reversão dos cortes dos salários dos funcionários públicos;

Fim da sobretaxa de IRS;

Fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade;

Descida do IVA da restauração;

Reversão das concessões dos transportes urbanos de Lisboa e Porto: Carris, Metro de Lisboa, Metro do Porto e STCP;

Mas além destas medidas, há outras que se alteraram:

Fim das taxas moderadoras na Interrupção Voluntária da Gravidez;

Fim dos exames da 4ª classe;

Fim da avaliação dos professores;

Reposição dos feriados civis;

Alteração do negócio da TAP – A intenção era reverter o negócio para conseguir o controlo público da companhia aérea, mas o memorando de entendimento assinado o mês passado prevê apenas a recuperação para os 50% do capital da TAP para o Estado com voto de qualidade na administração da empresa.

E de mais apoios sociais?

Desde o início que o Governo insiste que a intenção é aumentar as prestações sociais e muitas delas fazem parte da política de reversão de políticas do anterior Governo.

Aumento das pensões abaixo dos 628 euros

Aumento do montante de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) – Até agora o valor era de 4.909 euros/ano ou 409,08 euros/mês. Agora passa a ser de 418,5 euros por mês ou 5.022 euros anuais , mas há uma proposta do Bloco de Esquerda para aumentar este montante a ser discutida na especialidade que deverá ser aprovada;

Aumento do valor do abono de família para os escalões mais baixos e deverá aumentar mais um pouco se for aprovada uma proposta de alteração do Orçamento do Estado para 2016;

Criação da dedução fixa de 550 euros no IRS por cada filho.

Contudo, algumas medidas ficaram pelo caminho. Por exemplo, o Executivo não atualizou o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS) e também não criou o Complemento Salarial.

Passaram cem dias: já se sabe tudo o que mudou e muito do que se prevê mudar. É esperar pelos próximos cem para confirmar as mudanças.

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Foram cem dias do verbo reverter. E do negociar? O Governo minoritário do PS passou o período de graça, mas com alguns sobressaltos pelo caminho.

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António Costa não desgosta da palavra “geringonça”. Já tem cem dias dela. Espremido entre Bruxelas e os partidos que o apoiam, o Governo minoritário do PS com apoio do PCP, BE e PEV já cumpriu mais de metade das medidas que constam dos acordos. Mas o que tem sido este Executivo sui generis? É um Governo de alívio de cortes? Ou que aumentou mais impostos? É o Governo das reversões? Que provoca desconfiança nos mercados? Ou que deu mais apoios sociais?

É tudo isso e muito mais. Cem dias de Governo de António Costa foram também cem dias com uma crise financeira à espreita, com a venda do Banif e com o confronto com o Banco de Portugal. Foram cem dias em que o país viu serem aprovadas algumas medidas mais sociais, como a adoção por casais do mesmo sexo, ou o fim do pagamento das taxas moderadoras do aborto.

A surpresa da geringonça

O Orçamento do Estado para este ano era uma das mais importantes provas de fogo aos alicerces do Governo. Era o segundo Orçamento a votar no Parlamento e o primeiro não tinha passado com o apoio dos partidos que o suportam. No final do ano passado, o Executivo de António Costa apresentou um Retificativo por causa dos custos com a resolução e venda do Banif. PCP e BE votaram contra.

Mas se no primeiro Orçamento votado, teve de ser a abstenção do PSD a garantir que a solução para o Banif não ficava a pelo caminho, no OE para este ano, BE, PCP e PEV já votaram a favor na generalidade. Falta o ok final que será dado no dia 16 de março.

“Tem-me surpreendido pela positiva a capacidade de diálogo e de negociação, e de construção de comuns. E julgo que o debate, nomeadamente do Orçamento, no Parlamento foi surpreendentemente um debate diferente do que era tradicional”, disse ao Observador o ministros do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, em entrevista a ler na íntegra na segunda-feira.

Foram meses em que o Governo reuniu à vez ora com BE ora com PCP. Foram cem dias de negociação pura e dura e com ganhos de parte a parte. Logo no final do ano, o Governo conseguiu passar no Parlamento medidas extraordinárias para entrarem em vigor a 1 de janeiro para não deixar derrapar a despesa pública. Isto porque medidas como a aplicação da sobretaxa ou os cortes dos salários dos funcionários públicos, se não fosse aprovada legislação a tempo, caíam no dia 1 de janeiro. A negociação foi demorada, mas houve acordo: o Governo cedeu em prazos (o corte dos salários termina este ano em vez de só terminar em 2017); e PCP e BE cederam ao votar favoravelmente a manutenção de cortes.

"Tem-me surpreendido pela positiva a capacidade de diálogo e de negociação, e de construção de comuns. E julgo que o debate, nomeadamente do Orçamento, no Parlamento foi surpreendentemente um debate diferente do que era tradicional" António Vieira da Silva, em entrevista ao Observador

E tudo isto acontece no Parlamento. Os novos cem dias de Governo vão encarregar de mostrar que houve um reforço do trabalho na Assembleia da República, palco por onde passam as negociações e onde são aprovadas as principais medidas. E nesse campo houve também um reforço do papel do negociador do Executivo: Pedro Nuno Santos. Já chamado de “pivô da geringonça”, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares tem tido nas mãos a condução desta nova solução de Governo. Mas não é o único ao leme. Se Pedro Nuno Santos conduz as negociações com os partidos no Parlamento (pode ler uma entrevista ao Observador de novembro, aqui), tem como ponte de ligação para o restante Executivo Mariana Vieira da Silva. A secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro tem sido o elo de ligação e uma das peças-chave da engrenagem da tal máquina que Vasco Pulido Valente batizou.

A via aberta entre os dois e a relação com as Finanças de Mário Centeno permitiram a entrega em Bruxelas do Orçamento do Estado com o apoio dos partidos da esquerda e com o crivo da Comissão Europeia – mesmo depois de negociações complicadas, de muitas alterações, erratas e versões e de avisos para os riscos de um Orçamento como o que foi apresentado. E depois de pedidos para que o Governo tenha um plano B caso a execução orçamental fale – que o ministro das Finanças, Mário Centeno, diz que estará preparado para, mas não será necessário.

Para o ministro Vieira da Silva esta tem sido a fórmula do sucesso do Governo: um executivo apoiado no Parlamento por vários partidos. “Ter forças políticas que, apoiando uma solução governativa e que não têm o mesmo tipo de relação que outros acordos no passado tiveram. É [uma solução] mais estável do que aqueles acordos pontuais que suportaram governos de minorias e diferente de um acordo governativo de maioria”, defende.

Certo é que várias fontes do Governo contam que a relação com os dois partidos, Bloco e PCP, “é diferente”, mas “boa” com os dois lados e que nem alterações que possam existir nas direções dos partidos (sobretudo no caso dos comunistas, apesar de Jerónimo de Sousa já ter mostrado disponibilidade para continuar) podem vir a estremecer o equilíbrio conseguido.

Foi sempre esta a mensagem que foi passando, apesar de algumas divergências públicas. E não foram poucas

A solução para o Banif não teve o acordo dos partidos da esquerda e foi por isso que não votaram favoravelmente o Orçamento Retificativo no final do ano passado, que previa uma injeção total de 2.255 milhões de euros para financiar a medida de resolução do banco;

não teve o acordo dos partidos da esquerda e foi por isso que não votaram favoravelmente o Orçamento Retificativo no final do ano passado, que previa uma injeção total de 2.255 milhões de euros para financiar a medida de resolução do banco; Renegociação da dívida – Foi em plena campanha eleitoral para as eleições presidenciais que o assunto voltou à baila: com os dois partidos mais à esquerda a atropelarem-se nas iniciativas. Uma notícia do jornal i deu mesmo conta de um documento interno da corrente maioritária do Bloco de Esquerda que defendia que sem uma renegociação da dívida o acordo com o PS estaria em risco já no próximo Orçamento do Estado. No mesmo dia, logo pela manhã, o PCP fez saber que iria lançar para discussão na Assembleia da República a reestruturação da dívida pública. Com pés de lã, o PS e o Governo lá foram fazendo passar a ideia que discutir, sim, mas no âmbito europeu, e que não irão desencadear uma renegociação. Foi no debate na generalidade do Orçamento que o ministro das Finanças repetiu essa posição: a de que o Governo só defende uma renegociação da dívida se esta for considerada a nível da Europa. Mas foi Costa, sentado ao seu lado, que lhe lembrou a palavra “Europa” no final da frase;

– Foi em plena campanha eleitoral para as eleições presidenciais que o assunto voltou à baila: com os dois partidos mais à esquerda a atropelarem-se nas iniciativas. Uma notícia do jornal i deu mesmo conta de um documento interno da corrente maioritária do Bloco de Esquerda que defendia que sem uma renegociação da dívida o acordo com o PS estaria em risco já no próximo Orçamento do Estado. No mesmo dia, logo pela manhã, o PCP fez saber que iria lançar para discussão na Assembleia da República a reestruturação da dívida pública. Com pés de lã, o PS e o Governo lá foram fazendo passar a ideia que discutir, sim, mas no âmbito europeu, e que não irão desencadear uma renegociação. Foi no debate na generalidade do Orçamento que o ministro das Finanças repetiu essa posição: a de que o Governo só defende uma renegociação da dívida se esta for considerada a nível da Europa. Mas foi Costa, sentado ao seu lado, que lhe lembrou a palavra “Europa” no final da frase; Venda do Novo Banco – Nacionalizar ou não nacionalizar, eis a questão? É e continuará a ser mais uma das divergências públicas entre o PS e os dois partidos à sua esquerda. PCP e BE defendem uma nacionalização do Novo Banco, o PS quer vendê-lo. Mas nacionalizar não é uma realidade posta de parte: como última solução, se as propostas de compra forem mais prejudiciais para os cofres públicos, o Governo admite essa possibilidade. Mas até lá, “dá tempo”, diz uma fonte do Executivo ao Observador. A solução tem de ser encontrada até agosto de 2017 e há muitas soluções em cima da mesa. A venda é a preferida do Governo, a nacionalização, a dos partidos de esquerda e há uma terceira via, que pode passar por um pedido de nova dilatação do prazo.

E para o futuro?

No Governo começa a repetir-se cada vez mais a ideia de que este Governo é mesmo para a legislatura. E há quem defenda que o facto de o Governo estar entalado entre duas forças – leia-se apoio parlamentar do PCP, BE e PEV e pressão de Bruxelas – poderá ser um fator de força nas negociações internas e externas. O que tem de ser tem muita força e António Costa acredita que a inevitabilidade de ter de existir uma solução é o bálsamo para uma longa vida ao seu Governo.

Esta inevitabilidade espelha-se na aprovação dos orçamentos do Estado. Nos bastidores do Governo há quem acredite que o jogo de forças dos dois lados pode ajudar a que o Governo vá tendo jogo de cintura no meio e mantendo afastadas as duas paredes. Foi isso que aconteceu ao longo das duras negociações com a Comissão Europeia para a aprovação do rascunho do OE para este ano.

É claro que politicamente isso envolve movimentações. Por exemplo, o BE aprovou internamente um documento que põe fim à possibilidade de António Costa continuar a justificar não tomar determinadas medidas ou não ir tão longe por causa da pressão de Bruxelas.

Pressão que se fez sentir sobretudo durante a negociação para o Orçamento do Estado. Foi também por essa altura que se sentiram as pressões dos mercados internacionais nos juros da dívida portuguesa. António Costa justificou com a situação a nível internacional: “Ao longo desta semana, a nível internacional tem havido alguma agitação nos mercados e em particular no conjunto da Europa que não tem deixado Portugal isento”, disse.

Mas essa ameaça dos mercados internacionais voltou a fazer-se sentir esta semana quando a Fitch decidiu cortar a perspetiva da evolução do rating da dívida portuguesa de positiva para estável. Um aviso.

Bloco de Esquerda e PCP satisfeitos, mas querem mais

Com satisfação, mas com ambição para fazer mais. Muito mais. É desta forma que Bloco de Esquerda e PCP olham para os primeiros 100 dias de Governo socialista. “Foram boas portas aquelas que foram abertas”, sublinha Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco. “Julgo que estes 100 dias deixam sobretudo confirmada uma ideia: independentemente das limitações e insuficiências que se registam, era e foi possível travar o caminho [anterior]”, reitera João Oliveira, líder da bancada parlamentar do PCP.

Mas, em declarações ao Observador, os dois admitem que era possível (e desejável) fazer mais em matéria de reposição de rendimentos. Também não escondem a discordância em relação às soluções encontradas para o Banif e para a TAP. Ainda assim, não deixam de elogiar o virar de página deste Governo.

“Para lá da lógica de 100 dias do Governo, há 100 dias de uma nova situação política que já permitiu um conjunto de pinceladas diferentes”, sublinha Pedro Filipe Soares, dando como exemplos a reposição dos feriados, o fim dos exames nos 4º e 6º anos, o fim das taxas moderadoras no aborto e a adoção plena por casais do mesmo género.

Já João Oliveira destaca a reposição dos salários e a redução ou eliminação da sobretaxa no IRS, medidas que ajudaram a travar “um caminho de declínio, de exploração e de empobrecimento” que vinha a ser seguido.

“Para lá da lógica de 100 dias do Governo, há 100 dias de uma nova situação política que já permitiu um conjunto de pinceladas diferentes” Pedro Filipe Soares, Bloco de Esquerda

Nem tudo foram rosas, concede, ainda assim, o comunista. O descongelamento das pensões, apesar “de positivo”, foi “muito insuficiente”, repara João Oliveira. “[A medida] precisava de ter ido mais longe, precisava de ter tido outro tipo de exigência e de ambição”. Mas foram as soluções encontradas para a TAP e, sobretudo, para o Banif que mais afastaram PCP de PS. “São dois elementos objetivos em que a nossa avaliação não pode ser senão negativa”, atira o líder parlamentar comunista.

Pedro Filipe Soares acompanha-o neste último ponto. “Não era aquela solução que desejávamos”, sublinha o bloquista. O líder parlamentar do Bloco também não esconde que este Orçamento podia ter ido mais longe no que diz respeito à devolução de rendimentos. “[Mas] não é desses cenários utópicos que estamos a falar”.

Os bloquistas apontam agora baterias para as reuniões dos grupos de trabalho que ficaram acordados na posição conjunta assinada por PS e BE. E, aí, voltará a discussão em torno da renegociação da dívida pública.

O PCP também não esqueceu essa bandeira que defende “há cinco anos”. “Estamos convencidos de que a necessidade de renegociar a dívida pública vai impor-se. A questão é saber se nós a fazemos num quadro em que essa renegociação seja favorável ao país” ou “se é feita a favor de outros interesses que não os interesses do país, como aconteceu na Grécia, por exemplo”.

“Muitos dos medos que estavam apontados [em relação à estabilidade do acordo] foram afastados. É normalidade na diferença que marca” o espírito destes 100 dias João Oliveira, líder parlamentar do PCP

Nem Bloco nem PCP escondem que há diferenças de fundo em relação ao que pensa o atual Executivo socialista. É João Oliveira quem define o tom. Sim, existem diferenças. Mas não, isso não causa qualquer “embaraço”, realça o comunista, que aproveita para desdramatizar: “Muitos dos medos que estavam apontados [em relação à estabilidade do acordo] foram afastados. É normalidade na diferença que marca” o espírito destes 100 dias.

Mas além da política, este tem sido um Governo que mexeu com as políticas. Em alguns casos virou-as do avesso.

É um Governo de alívio de cortes?

A expressão que António Costa mais terá repetido desde a campanha eleitoral terá sido a vontade de “virar a página da austeridade” e fez disso a bandeira do Executivo desde que entrou em funções. A política do Governo minoritário do PS é a de devolver rendimentos às famílias para impulsionar a procura interna e com isso desenvolver a economia. Debaixo do chapéu de críticas tanto dos que dizem que Costa está a seguir a receita antiga e a levar o país para um caminho de esbanjamento, como daqueles que queriam mais alívio de austeridade.

Esta “pescadinha de rabo na boca” – mais rendimentos, mais consumo, mais economia, mais rendimentos – começou a ser posta em prática, sobretudo, através de duas medidas-chave: o fim dos cortes salariais na função pública e o fim da sobretaxa de IRS.

Além destas duas medidas orçamentais, o Governo chegou a acordo em sede de Concertação Social para o aumento do salário mínimo nacional para os 530 euros, com a intenção de subir para os 600 euros até ao final da legislatura.

No capítulo da devolução de rendimentos, era ainda intenção do Governo baixar a taxa contributiva para os trabalhadores com rendimentos abaixo dos 600 euros. Estes estão isentos de pagamento de impostos sobre o rendimento (IRS) pelo que a redução da sobretaxa não os beneficiou. Contudo, a medida de redução da Taxa Social Única (TSU), que pesava 135 milhões de euros a menos nas contas da Segurança Social, caiu aos pés das negociações com a Comissão Europeia. Foi a última medida a cair numa carta enviada pelo Executivo para Bruxelas já na última madrugada de negociações e a poucas horas da Comissão se pronunciar.

Mais ou menos impostos?

Sim. Não. Esta é uma resposta que depende também de como se olha para o copo, que pode estar meio cheio ou meio vazio. O Orçamento do Estado para este ano foi um Orçamento de “escolhas”, disse o Governo. E a escolha foi por aumentar os impostos que recaem sobre produtos de escolha para os consumidores.

O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), por exemplo, foi aumentado por portaria do Governo — sem esperar pela aprovação do Orçamento — em seis cêntimos por litro. Com o IVA, passa a mais sete cêntimos por cada litro.

A juntar a este aumento, o Governo decidiu subir o Imposto sobre o Tabaco e ainda o Imposto sobre os Veículos, que incide sobre a compra de carro. O impacto orçamental destes três impostos é de 575 milhões de euros.

Aumentou ainda o imposto de selo e a contribuição da banca para o Fundo de Resolução.

Para as empresas há ainda o fim da isenção de IMI para os fundos imobiliários e a manutenção da taxa do IRC nos 21%, ao invés da prevista descida do imposto para um intervalo entre os 17% e os 19%. Outro regresso é o limite de 10% de participação acionista de uma sociedade sedeada no estrangeiro para beneficiar da isenção fiscal sobre os dividendos (participation exemption). No entanto, essa participação só tem de ser detida por um ano em vez de dois. Também o período de reporte dos prejuízos fiscais, durante o qual esses prejuízos podem ser deduzidos nos impostos sobre os lucros, volta aos cinco anos, contra o prazo anterior de 12.

Do outro lado do copo, houve descida dos impostos diretos, como a descida da sobretaxa e a descida do IVA da restauração.

Na balança das contas, há ou não aumento da carga fiscal? “Na verdade, a resposta é simples: não, não há uma subida da carga fiscal global. E, se quisermos ser completamente rigorosos, até há uma (pequeníssima) descida”, explica Pedro Romano, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (pode ler a análise ao Orçamento neste artigo).

Governo de reversões?

Reverter significa “anular”, “retirar o efeito a” ou ainda “fazer com que deixe de vigorar”. E todas estas expressões são acarinhadas pelos quatro partidos que apoiam o Governo e atiradas à cara pela oposição. Há aliás quatro verbos que fazem parte do glossário deste Executivo: repor, reverter, revogar e eliminar. E são das palavras mais repetidas nas “posições conjuntas” que servem de base ao apoio parlamentar. Nestes acordos, estes verbos (ou as suas derivações) aparecem por 21 vezes.

Mas neste caso, o verbo não era só o início. Nos primeiros cem dias de Governo muitas foram de facto as medidas que foram revertidas, eliminadas, repostas ou revogadas. E não só no plano financeiro.

"Vamos repor rendimentos, vamos reverter a asfixia fiscal da classe média, e vamos revogar os cortes nas pensões e nos salários dos funcionários públicos" António Costa, no primeiro debate quinzenal em 16 de dezembro de 2015

“Vamos repor rendimentos, vamos reverter a asfixia fiscal da classe média e vamos revogar os cortes nas pensões e nos salários dos funcionários públicos”, disse António Costa no primeiro debate quinzenal, em resposta a Passos Coelho, que o criticava de estar a voltar atrás em muitas medidas levadas a cabo pelo anterior Governo. Ora a reversão está-lhe no sangue e nas políticas. Estas são algumas das medidas já alteradas pelo “Governo do desfaz”:

Reversão dos cortes dos salários dos funcionários públicos;

Fim da sobretaxa de IRS;

Fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade;

Descida do IVA da restauração;

Reversão das concessões dos transportes urbanos de Lisboa e Porto: Carris, Metro de Lisboa, Metro do Porto e STCP;

Mas além destas medidas, há outras que se alteraram:

Fim das taxas moderadoras na Interrupção Voluntária da Gravidez;

Fim dos exames da 4ª classe;

Fim da avaliação dos professores;

Reposição dos feriados civis;

Alteração do negócio da TAP – A intenção era reverter o negócio para conseguir o controlo público da companhia aérea, mas o memorando de entendimento assinado o mês passado prevê apenas a recuperação para os 50% do capital da TAP para o Estado com voto de qualidade na administração da empresa.

E de mais apoios sociais?

Desde o início que o Governo insiste que a intenção é aumentar as prestações sociais e muitas delas fazem parte da política de reversão de políticas do anterior Governo.

Aumento das pensões abaixo dos 628 euros

Aumento do montante de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) – Até agora o valor era de 4.909 euros/ano ou 409,08 euros/mês. Agora passa a ser de 418,5 euros por mês ou 5.022 euros anuais , mas há uma proposta do Bloco de Esquerda para aumentar este montante a ser discutida na especialidade que deverá ser aprovada;

Aumento do valor do abono de família para os escalões mais baixos e deverá aumentar mais um pouco se for aprovada uma proposta de alteração do Orçamento do Estado para 2016;

Criação da dedução fixa de 550 euros no IRS por cada filho.

Contudo, algumas medidas ficaram pelo caminho. Por exemplo, o Executivo não atualizou o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS) e também não criou o Complemento Salarial.

Passaram cem dias: já se sabe tudo o que mudou e muito do que se prevê mudar. É esperar pelos próximos cem para confirmar as mudanças.

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