Ladrões de Bicicletas: «Memorizar e debitar» (reloaded): a educação segundo Crato

22-05-2019
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De quando em quando, Nuno Crato dá sinais de vida. Desta vez, com um artigo no Observador, aparentemente motivado pelo discurso de António Guterres na sessão de atribuição do doutoramento honoris causa pelo IST.

Pergunta Crato se «gostaria algum de nós de ser tratado por um médico que, na universidade, tivesse aprendido Literatura Germânica, não tivesse prestado grande atenção à Anatomia nem à Histologia, mas que tivesse sido fantástico a "aprender a aprender"?». Ou se gostaria algum de nós de «andar num avião mantido por uma equipa de mecânicos que, na sua escola de formação técnica, tivessem estudado Anatomia Patológica, nada sobre motores nem sobre aeronáutica, mas que fossem extraordinários a "aprender a aprender"?». Exagero? «Não», diz o ex-ministro da Educação: «pensemos na mensagem que, no limite, se está a transmitir aos estudantes: aprendam a aprender, não interessa tanto o que aprendem».

Garanto-vos que não faço por isso, mas quando a argumentação chega a este nível vem-me à memória uma recordação de infância: a imagem de vendedores de banha-da-cobra, alçados em carrinhas de caixa aberta, com o frasquinho numa mão e o microfone na outra, a convencer os incautos que têm a solução para todos os males. Ou, numa versão mais atual, os anúncios televisivos a frigideiras anti-aderentes, com o número para as encomendas a passar no rodapé do ecrã durante o engodo. A dúvida com que ficava ao reparar no empenho dos vendedores de banha-da-cobra é a mesma que me assalta com Nuno Crato: acredita mesmo no que diz ou está conscientemente a ludibriar as pessoas?

Será que o ex-ministro Nuno Crato acha mesmo que o que está em causa é a opção entre «conteúdos» e «aprender a aprender»? Terão as matérias programáticas das disciplinas desaparecido e ninguém deu conta? Em que consistirá na prática o programa do «aprender a aprender»? Não perceberá o ex-ministro que os conteúdos continuam lá e que a diferença reside no modo como são tratados, bem como nas finalidades que se pretendem atingir com os processos de ensino e aprendizagem? Que os «conteúdos» servem para «aprender a aprender» e não, simplesmente, para «memorizar e debitar»? Que uma coisa é «aprender a decorar» e outra é «aprender e problematizar»? Perceberá Nuno Crato a diferença entre o papaguear mecânico de uma tabuada e a ideia de que a mesma traduz a soma sucessiva de um algarismo? Ao vir com esta conversa requentada, terá Nuno Crato a expetativa de poder regressar à 5 de outubro com a sua agenda retrógrada, depois de ter ouvido Rui Rio no encerramento do 37º Congresso do PSD?


De quando em quando, Nuno Crato dá sinais de vida. Desta vez, com um artigo no Observador, aparentemente motivado pelo discurso de António Guterres na sessão de atribuição do doutoramento honoris causa pelo IST.

Pergunta Crato se «gostaria algum de nós de ser tratado por um médico que, na universidade, tivesse aprendido Literatura Germânica, não tivesse prestado grande atenção à Anatomia nem à Histologia, mas que tivesse sido fantástico a "aprender a aprender"?». Ou se gostaria algum de nós de «andar num avião mantido por uma equipa de mecânicos que, na sua escola de formação técnica, tivessem estudado Anatomia Patológica, nada sobre motores nem sobre aeronáutica, mas que fossem extraordinários a "aprender a aprender"?». Exagero? «Não», diz o ex-ministro da Educação: «pensemos na mensagem que, no limite, se está a transmitir aos estudantes: aprendam a aprender, não interessa tanto o que aprendem».

Garanto-vos que não faço por isso, mas quando a argumentação chega a este nível vem-me à memória uma recordação de infância: a imagem de vendedores de banha-da-cobra, alçados em carrinhas de caixa aberta, com o frasquinho numa mão e o microfone na outra, a convencer os incautos que têm a solução para todos os males. Ou, numa versão mais atual, os anúncios televisivos a frigideiras anti-aderentes, com o número para as encomendas a passar no rodapé do ecrã durante o engodo. A dúvida com que ficava ao reparar no empenho dos vendedores de banha-da-cobra é a mesma que me assalta com Nuno Crato: acredita mesmo no que diz ou está conscientemente a ludibriar as pessoas?

Será que o ex-ministro Nuno Crato acha mesmo que o que está em causa é a opção entre «conteúdos» e «aprender a aprender»? Terão as matérias programáticas das disciplinas desaparecido e ninguém deu conta? Em que consistirá na prática o programa do «aprender a aprender»? Não perceberá o ex-ministro que os conteúdos continuam lá e que a diferença reside no modo como são tratados, bem como nas finalidades que se pretendem atingir com os processos de ensino e aprendizagem? Que os «conteúdos» servem para «aprender a aprender» e não, simplesmente, para «memorizar e debitar»? Que uma coisa é «aprender a decorar» e outra é «aprender e problematizar»? Perceberá Nuno Crato a diferença entre o papaguear mecânico de uma tabuada e a ideia de que a mesma traduz a soma sucessiva de um algarismo? Ao vir com esta conversa requentada, terá Nuno Crato a expetativa de poder regressar à 5 de outubro com a sua agenda retrógrada, depois de ter ouvido Rui Rio no encerramento do 37º Congresso do PSD?

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