Inteligência portuguesa

29-10-2017
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Ana Rita Guerra 24 Outubro, 2017 • 11:42

Há precisamente dez anos, fui à procura de tecnológicas portuguesas em Silicon Valley. A YDreams estava na China, a Pararede aventurava-se por África e Angola, surgia a Active Space Technologies e a Google mostrava interesse pela nova tecnologia nacional. Mas em Silicon Valley, onde o Facebook começava a afirmar-se e os fundos de investimento se animavam antes da grande recessão, praticamente não havia nada. Encontrei uns escritórios de representação. Coisa pouca, quase nenhuma. Era um deserto. Se me dissessem na altura que dentro de uma década se assistiria à era dourada da tecnologia portuguesa na Califórnia, talvez não tivesse acreditado.

Mais difícil ainda era imaginar, na altura, que um dia estaria numa conferência sobre inteligência artificial organizada por uma startup portuguesa com a presença de gigantes. O que a Feedzai conseguiu em Las Vegas, durante o evento financeiro Money 20/20, não é menos que um feito extraordinário. A tecnológica montou uma conferência dinâmica, bem organizada, que atraiu milhares de pessoas a um domingo às nove da manhã. A qualidade das sessões foi tremenda, o interesse dos participantes não podia ter sido maior, o nível de oradores difícil de superar: Steve Wozniak, cofundador da Apple, Ray Kurzweil, inventor e visionário, Michio Kaku, futurista e autor, Matt Wood, diretor de IA na Amazon, Amir Khosrowshahi, director de tecnologias IA na Intel, Thomson Nguyen, chefe de ciência de dados na Square, e a lista continua.

A Feedzai não se pôs em bicos dos pés nem tentou vender produtos. Foi inteligente na forma macro como abordou o evento, posicionando-se como um player ao mesmo nível dos outros. “Sem pressão”, dizia o CEO Nuno Sebastião, sacudindo os braços para acalmar os nervos antes de entrar em palco. A energia que se vivia por detrás do palco era contagiante. A Feedzai tem uma equipa jovem, muito diversificada, que inclui um ex-acrobata do Cirque du Soleil. Todos vestiam coletes azuis ou pretos, aparentemente acabados de chegar, com o nome da empresa bordado na lapela. Os três fundadores – Nuno Sebastião, Paulo Marques e Pedro Bizarro – têm uma química extraordinária. Pegam uns nos outros ao colo. Saltam, dão high-fives, sorriem. Na semana passada, fecharam uma nova ronda de financiamento de 50 milhões de dólares. Esta semana, estiveram no centro do arranque da Money 20/20 com um painel de luxo.

É certo que Steve Wozniak e Michio Kaku não teriam ido se fosse apenas uma conferência da Feedzai. Há que ter noção das coisas: é uma startup vinda de Portugal, que apesar de tudo ainda não é conhecido cá fora como um produtor em série de grandes empresas tecnológicas. O peso da Money 20/20 foi vital para assegurar a concretização desta ideia, mas a conceção foi da startup portuguesa. Só isso é uma vitória.

“Quando começámos não tínhamos dinheiro, não tínhamos nada”, disse depois Nuno Sebastião, na qualidade de especialista entrevistado no segundo dia da Money 20/20. “Queríamos detetar mais fraudes que quaisquer outros com recursos limitados.” Aqui não houve desenrascanço, mas quase – esta coisa tão portuguesa de fazer aparecer, de agarrar em algo que parece que não dá para nada e transformá-lo numa coisa como deve ser.

Nuno disse ainda algo que é importante nesta era de buzzwords, em que toda a gente se atropela para dizer “eu também!” no mundo da inteligência artificial. “Se me disseres qual é o problema que precisas de resolver, eu digo-te se a inteligência artificial pode ajudar”, explicou. “É preciso sempre começar com o problema.” A inteligência portuguesa é também reconhecer se pode ou não encontrar uma solução.

Ana Rita Guerra 24 Outubro, 2017 • 11:42

Há precisamente dez anos, fui à procura de tecnológicas portuguesas em Silicon Valley. A YDreams estava na China, a Pararede aventurava-se por África e Angola, surgia a Active Space Technologies e a Google mostrava interesse pela nova tecnologia nacional. Mas em Silicon Valley, onde o Facebook começava a afirmar-se e os fundos de investimento se animavam antes da grande recessão, praticamente não havia nada. Encontrei uns escritórios de representação. Coisa pouca, quase nenhuma. Era um deserto. Se me dissessem na altura que dentro de uma década se assistiria à era dourada da tecnologia portuguesa na Califórnia, talvez não tivesse acreditado.

Mais difícil ainda era imaginar, na altura, que um dia estaria numa conferência sobre inteligência artificial organizada por uma startup portuguesa com a presença de gigantes. O que a Feedzai conseguiu em Las Vegas, durante o evento financeiro Money 20/20, não é menos que um feito extraordinário. A tecnológica montou uma conferência dinâmica, bem organizada, que atraiu milhares de pessoas a um domingo às nove da manhã. A qualidade das sessões foi tremenda, o interesse dos participantes não podia ter sido maior, o nível de oradores difícil de superar: Steve Wozniak, cofundador da Apple, Ray Kurzweil, inventor e visionário, Michio Kaku, futurista e autor, Matt Wood, diretor de IA na Amazon, Amir Khosrowshahi, director de tecnologias IA na Intel, Thomson Nguyen, chefe de ciência de dados na Square, e a lista continua.

A Feedzai não se pôs em bicos dos pés nem tentou vender produtos. Foi inteligente na forma macro como abordou o evento, posicionando-se como um player ao mesmo nível dos outros. “Sem pressão”, dizia o CEO Nuno Sebastião, sacudindo os braços para acalmar os nervos antes de entrar em palco. A energia que se vivia por detrás do palco era contagiante. A Feedzai tem uma equipa jovem, muito diversificada, que inclui um ex-acrobata do Cirque du Soleil. Todos vestiam coletes azuis ou pretos, aparentemente acabados de chegar, com o nome da empresa bordado na lapela. Os três fundadores – Nuno Sebastião, Paulo Marques e Pedro Bizarro – têm uma química extraordinária. Pegam uns nos outros ao colo. Saltam, dão high-fives, sorriem. Na semana passada, fecharam uma nova ronda de financiamento de 50 milhões de dólares. Esta semana, estiveram no centro do arranque da Money 20/20 com um painel de luxo.

É certo que Steve Wozniak e Michio Kaku não teriam ido se fosse apenas uma conferência da Feedzai. Há que ter noção das coisas: é uma startup vinda de Portugal, que apesar de tudo ainda não é conhecido cá fora como um produtor em série de grandes empresas tecnológicas. O peso da Money 20/20 foi vital para assegurar a concretização desta ideia, mas a conceção foi da startup portuguesa. Só isso é uma vitória.

“Quando começámos não tínhamos dinheiro, não tínhamos nada”, disse depois Nuno Sebastião, na qualidade de especialista entrevistado no segundo dia da Money 20/20. “Queríamos detetar mais fraudes que quaisquer outros com recursos limitados.” Aqui não houve desenrascanço, mas quase – esta coisa tão portuguesa de fazer aparecer, de agarrar em algo que parece que não dá para nada e transformá-lo numa coisa como deve ser.

Nuno disse ainda algo que é importante nesta era de buzzwords, em que toda a gente se atropela para dizer “eu também!” no mundo da inteligência artificial. “Se me disseres qual é o problema que precisas de resolver, eu digo-te se a inteligência artificial pode ajudar”, explicou. “É preciso sempre começar com o problema.” A inteligência portuguesa é também reconhecer se pode ou não encontrar uma solução.

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