O povo é sereno e a crise de Costa foi só fumaça

23-05-2019
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O povo é sereno e a crise de Costa foi só fumaça
Os portugueses falaram mais de futebol do que da alegada crise política, enquanto se torna preocupante a circunstância de haver Berardos que gozam com os portugueses sem serem responsabilizados.

1. A frase do almirante Pinheiro de Azevedo, proferida num momento de agitação num comício pós-Revolução de Abril, aplica-se totalmente à suposta crise política que há dias apareceu e desapareceu num ápice pela mão de António Costa. Falada e comentada abundantemente nos média, a farsa foi olimpicamente ignorada pela população em geral, que não a levou minimamente a sério. Nem mesmo o Presidente da República, que só anteontem a ela se referiu pela primeira vez, colocando-a no domínio praticamente ficcional. Na rua, à mesa ou nos empregos, as conversas portuguesas versaram muito mais sobre o futebol e o palpitante duelo que opõe Benfica e Porto. Realmente, o povo é sereno e sabe bem quando as coisas são a sério ou quando é só fumaça. Agora decorre a campanha eleitoral para as europeias, estando o tema Europa a ser pouco explorado não só cá como na maioria dos países, segundo os relatos que nos chegam. A construção europeia é, apesar das suas vicissitudes, um dos maiores sucessos da humanidade. Durante séculos, a Europa foi palco de guerras e ódios. Hoje vive em paz e com bem-estar desde 1945, tendo-se construído no pós-nazismo e alargado desde a queda do comunismo. Apesar de alguns perigos de extremismos à esquerda e à direita, a União Europeia é uma conquista coletiva única e não deixará de o ser por causa do Brexit, até porque o Reino Unido, ainda que se desligue da comunidade, não deixará nunca de ser Europa. Uma Europa específica, mas um dos seus elementos fundamentais. Em tempo eleitoral cabe, entretanto, a cada um de nós ter consciência de que abster-se é perder legitimidade moral para depois reclamar. Ficar em casa é dar vigor às forças autocráticas.
2. Na semana passada, as revistas Sábado e Visão fizeram capa da situação em que estão os grandes falidos de Portugal. Objetivamente, falir não é vergonha e há recuperações espetaculares. Viu-se com Trump, que se afundou e emergiu. Por cá verifica-se que as grandes falências tiveram sempre duas vertentes sintomaticamente iguais. Por um lado, resultaram de visões megalómanas que foram alavancadas com empréstimos bancários, normalmente dados sem as garantias que se exigem a qualquer cidadão comum que peça dinheiro a uma instituição de crédito (direito sobre o bem, seguro propriamente dito e avalista). Por outro lado, ficou claro que os nossos falidos não vivem nada mal. Antes pelo contrário.
3. Um caso absolutamente escandaloso de um suposto falido é o de Joe Berardo que, como muito bem disse Marques Mendes, foi à Assembleia gozar com o pagode. A gozação foi comentada em todo o lado (até mesmo pelo primeiro- -ministro e o Presidente Marcelo) e especialmente no programa de Ricardo Araújo Pereira na TVI. Sabe-se que o humor é, por vezes, a forma mais eficaz de denúncia. Mas a verdade é que as coisas não podem ficar-se por aí. Algo tem de ser feito para que certos comportamentos em comissões parlamentares tenham consequências efetivas para quem vai lá fazer todo o tipo de números, como passar por tonto ou desmemoriado. Situações dessas são recorrentes e descredibilizam a democracia e os políticos. Nada fazer para contrariar estas práticas é incentivá-las. E não podemos apenas rir do assunto e deixar que alguém se ria de nós todos. Os Berardos deste país têm de ser postos na ordem, para não dizer noutro sítio mais recatado e solitário.
4. A propósito de bancos e não só, verifica-se que o Montepio vai sendo multado com alguma regularidade por atos de gestão ilegais. Normalmente, o que está em causa são ainda decisões tomadas no tempo em que Tomás Correia era incontestado tanto na mutualista como no banco (nos quais continua a pôr e dispor). O problema destas sanções pecuniárias é que são pagas pela instituição, ou seja, os clientes e os mutualistas. Ora, aí está uma situação confortável. Comete-se a falta, mas o dinheiro da penalização sai do bolso de terceiros. Onde é que há disto noutros países? Pode ser que as coisas se alterem, agora que mudaram os titulares da ASAF, o regulador das seguradoras e dos fundos de pensões, onde se enquadra a mutualista Montepio, os quais entraram em funções na semana passada. Uma coisa é certa: se quiserem evitar um problema muito sério, não há tempo a perder na análise do problema e há que atuar com firmeza.
5. Nos CTT ocorreu a previsível saída do seu presidente, Francisco de Lacerda. A tarefa do sucessor não vai ser fácil. Os CTT, hoje em dia, não são carne nem peixe. Nem um serviço de correios moderno e eficaz, nem um banco de referência.
6. A Sport TV resolveu que os jogos decisivos da última jornada (Porto-Sporting e Benfica-Santa Clara) se disputam sábado, e não domingo, contrariando o expetável. Viram-se frustrados planos de muita gente. Sábado é dia de Queima das Fitas em Lisboa. Vai ser confusão em cima de confusão, quer o título se festeje na capital ou na Invicta. No dia seguinte é domingo e a festa pode mais facilmente descambar por se prolongar muito. Na versão dominical há sempre uma hora em que as coisas abrandam, que são normalmente as duas e picos, pois trabalha-se no dia seguinte. Assim, não há limites. Oxalá não haja problemas de ordem pública.
Escreve à quarta-feira
 


O povo é sereno e a crise de Costa foi só fumaça
Os portugueses falaram mais de futebol do que da alegada crise política, enquanto se torna preocupante a circunstância de haver Berardos que gozam com os portugueses sem serem responsabilizados.

1. A frase do almirante Pinheiro de Azevedo, proferida num momento de agitação num comício pós-Revolução de Abril, aplica-se totalmente à suposta crise política que há dias apareceu e desapareceu num ápice pela mão de António Costa. Falada e comentada abundantemente nos média, a farsa foi olimpicamente ignorada pela população em geral, que não a levou minimamente a sério. Nem mesmo o Presidente da República, que só anteontem a ela se referiu pela primeira vez, colocando-a no domínio praticamente ficcional. Na rua, à mesa ou nos empregos, as conversas portuguesas versaram muito mais sobre o futebol e o palpitante duelo que opõe Benfica e Porto. Realmente, o povo é sereno e sabe bem quando as coisas são a sério ou quando é só fumaça. Agora decorre a campanha eleitoral para as europeias, estando o tema Europa a ser pouco explorado não só cá como na maioria dos países, segundo os relatos que nos chegam. A construção europeia é, apesar das suas vicissitudes, um dos maiores sucessos da humanidade. Durante séculos, a Europa foi palco de guerras e ódios. Hoje vive em paz e com bem-estar desde 1945, tendo-se construído no pós-nazismo e alargado desde a queda do comunismo. Apesar de alguns perigos de extremismos à esquerda e à direita, a União Europeia é uma conquista coletiva única e não deixará de o ser por causa do Brexit, até porque o Reino Unido, ainda que se desligue da comunidade, não deixará nunca de ser Europa. Uma Europa específica, mas um dos seus elementos fundamentais. Em tempo eleitoral cabe, entretanto, a cada um de nós ter consciência de que abster-se é perder legitimidade moral para depois reclamar. Ficar em casa é dar vigor às forças autocráticas.
2. Na semana passada, as revistas Sábado e Visão fizeram capa da situação em que estão os grandes falidos de Portugal. Objetivamente, falir não é vergonha e há recuperações espetaculares. Viu-se com Trump, que se afundou e emergiu. Por cá verifica-se que as grandes falências tiveram sempre duas vertentes sintomaticamente iguais. Por um lado, resultaram de visões megalómanas que foram alavancadas com empréstimos bancários, normalmente dados sem as garantias que se exigem a qualquer cidadão comum que peça dinheiro a uma instituição de crédito (direito sobre o bem, seguro propriamente dito e avalista). Por outro lado, ficou claro que os nossos falidos não vivem nada mal. Antes pelo contrário.
3. Um caso absolutamente escandaloso de um suposto falido é o de Joe Berardo que, como muito bem disse Marques Mendes, foi à Assembleia gozar com o pagode. A gozação foi comentada em todo o lado (até mesmo pelo primeiro- -ministro e o Presidente Marcelo) e especialmente no programa de Ricardo Araújo Pereira na TVI. Sabe-se que o humor é, por vezes, a forma mais eficaz de denúncia. Mas a verdade é que as coisas não podem ficar-se por aí. Algo tem de ser feito para que certos comportamentos em comissões parlamentares tenham consequências efetivas para quem vai lá fazer todo o tipo de números, como passar por tonto ou desmemoriado. Situações dessas são recorrentes e descredibilizam a democracia e os políticos. Nada fazer para contrariar estas práticas é incentivá-las. E não podemos apenas rir do assunto e deixar que alguém se ria de nós todos. Os Berardos deste país têm de ser postos na ordem, para não dizer noutro sítio mais recatado e solitário.
4. A propósito de bancos e não só, verifica-se que o Montepio vai sendo multado com alguma regularidade por atos de gestão ilegais. Normalmente, o que está em causa são ainda decisões tomadas no tempo em que Tomás Correia era incontestado tanto na mutualista como no banco (nos quais continua a pôr e dispor). O problema destas sanções pecuniárias é que são pagas pela instituição, ou seja, os clientes e os mutualistas. Ora, aí está uma situação confortável. Comete-se a falta, mas o dinheiro da penalização sai do bolso de terceiros. Onde é que há disto noutros países? Pode ser que as coisas se alterem, agora que mudaram os titulares da ASAF, o regulador das seguradoras e dos fundos de pensões, onde se enquadra a mutualista Montepio, os quais entraram em funções na semana passada. Uma coisa é certa: se quiserem evitar um problema muito sério, não há tempo a perder na análise do problema e há que atuar com firmeza.
5. Nos CTT ocorreu a previsível saída do seu presidente, Francisco de Lacerda. A tarefa do sucessor não vai ser fácil. Os CTT, hoje em dia, não são carne nem peixe. Nem um serviço de correios moderno e eficaz, nem um banco de referência.
6. A Sport TV resolveu que os jogos decisivos da última jornada (Porto-Sporting e Benfica-Santa Clara) se disputam sábado, e não domingo, contrariando o expetável. Viram-se frustrados planos de muita gente. Sábado é dia de Queima das Fitas em Lisboa. Vai ser confusão em cima de confusão, quer o título se festeje na capital ou na Invicta. No dia seguinte é domingo e a festa pode mais facilmente descambar por se prolongar muito. Na versão dominical há sempre uma hora em que as coisas abrandam, que são normalmente as duas e picos, pois trabalha-se no dia seguinte. Assim, não há limites. Oxalá não haja problemas de ordem pública.
Escreve à quarta-feira
 

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