Estive a folhear a bonita edição da Quasi das obras de António Botto, apresentadas pelo Eduardo Pitta. Botto fora funcionário público. Foi removido do Estado por ter perpetrado "actos imorais", leia-se, "coisas" com homens. Mandou imprimir uns cartões de visita onde, por baixo do nome, se apresentava como "pederasta oficial". Porquê? Porque o motivo da demissão veio publicado no "Diário do Governo" de então, explicava o poeta. Meia realidade ou meia fantasia, esta "história" leva-me à releitura que comecei ontem à noite a fazer de Súplicas Atendidas, de Truman Capote, na tradução da ASA, que comprei há quinze anos. Também por causa do Eduardo Pitta que "leu" a nova edição da Dom Quixote. Truman era uma figura fisicamente detestável. Não o seria menos "eticamente", porém não me parece que se possa recorrer a esse chicote para vergastar um autor com o seu talento. Quando morreu, Gore Vidal comentou que tinha sido um grande passo em frente na sua carreira (de Capote) : «a good career move». O sucesso praticamente simultâneo das "primeiras obras" dos dois, com ligeira vantagem para a ficção de Capote, foi decisivo neste ódio de estimação. Súplicas é de rir à gargalhada. Por causa dele, Truman foi posto definitivamente de "quarentena social" pelos seus amigos. "Preferia perder mil amigos a perder um dito sobre eles". E perdeu. Para Truman, a "celebridade" equivalia a uma tartaruga virada de barriga para cima. «Gostaria que alguém escrevesse o que significa realmente ser uma celebridade; serve apenas para que, numa aldeia, aceitem um cheque passado por nós. Os famosos transformam-se às vezes em tartatugas de barriga para cima. Toda a gente acossa a tartaruga: os meios de comunicação, pretensos amantes, toda a gente, e ela não consegue defender-se. Implica um enorme esforço dar a volta ao seu ser.» Truman - quiçá Botto também- morreu sem a conseguir dar.
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Estive a folhear a bonita edição da Quasi das obras de António Botto, apresentadas pelo Eduardo Pitta. Botto fora funcionário público. Foi removido do Estado por ter perpetrado "actos imorais", leia-se, "coisas" com homens. Mandou imprimir uns cartões de visita onde, por baixo do nome, se apresentava como "pederasta oficial". Porquê? Porque o motivo da demissão veio publicado no "Diário do Governo" de então, explicava o poeta. Meia realidade ou meia fantasia, esta "história" leva-me à releitura que comecei ontem à noite a fazer de Súplicas Atendidas, de Truman Capote, na tradução da ASA, que comprei há quinze anos. Também por causa do Eduardo Pitta que "leu" a nova edição da Dom Quixote. Truman era uma figura fisicamente detestável. Não o seria menos "eticamente", porém não me parece que se possa recorrer a esse chicote para vergastar um autor com o seu talento. Quando morreu, Gore Vidal comentou que tinha sido um grande passo em frente na sua carreira (de Capote) : «a good career move». O sucesso praticamente simultâneo das "primeiras obras" dos dois, com ligeira vantagem para a ficção de Capote, foi decisivo neste ódio de estimação. Súplicas é de rir à gargalhada. Por causa dele, Truman foi posto definitivamente de "quarentena social" pelos seus amigos. "Preferia perder mil amigos a perder um dito sobre eles". E perdeu. Para Truman, a "celebridade" equivalia a uma tartaruga virada de barriga para cima. «Gostaria que alguém escrevesse o que significa realmente ser uma celebridade; serve apenas para que, numa aldeia, aceitem um cheque passado por nós. Os famosos transformam-se às vezes em tartatugas de barriga para cima. Toda a gente acossa a tartaruga: os meios de comunicação, pretensos amantes, toda a gente, e ela não consegue defender-se. Implica um enorme esforço dar a volta ao seu ser.» Truman - quiçá Botto também- morreu sem a conseguir dar.