São Bento volta a embarcar num comboio em miniatura

05-06-2018
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“A Pequenina Caça-níqueis”, locomotiva a vapor em miniatura que esteve cerca de 70 anos em São Bento, regressou à gare da estação. Agora restaurado, o exemplar leva-nos a acreditar que se vai dar início a uma autêntica viagem ao passado.

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Uma réplica de uma locomotiva a vapor, com pouco mais de um metro de comprimento, faz-nos recuar a uma viagem a preto e branco, eternizada por José Nunes Magalhães. A estação de São Bento volta a ser o cenário de fundo para uma história que conta 78 anos.

Uma réplica de uma locomotiva a vapor, com pouco mais de um metro de comprimento, faz-nos recuar a uma viagem a preto e branco, eternizada por José Nunes Magalhães. A estação de São Bento volta a ser o cenário de fundo para uma história que conta 78 anos.

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Recuamos a 1930, altura em que o operário serralheiro na secção de montagem das antigas oficinas da CP em Campanhã, José Nunes Magalhães, decidiu construir uma cópia fiel da locomotiva que circulava na linha do Minho e Douro. E assim foi. A partir de casa, à luz do gasómetro, ora depois do trabalho ora pela noite dentro, José Magalhães começou a desenvolver aquela que seria a única réplica do modelo MD2250 no país.

O tempo do operário era dividido entre as oficinas da CP e a Serralharia Noia, na Corujeira, onde, conta José Oliveira, membro da direcção do Grupo Desportivo dos Ferroviários de Campanhã, "fazia uns biscates". Era aí que tinha acesso a tudo o que precisava - máquinas, ferramentas, a fresadora e até "engenhos de furar". Começou sozinho, mas os dedos finos das crianças da Corujeira chegaram como reforço. Curiosos, ajudaram a instalar as peças mais pequenas, sob o olhar atento de José Nunes Magalhães. "Olha, com os teus dedinhos, coloca-me esta pecinha ali", apontava.

A certa altura, por dificuldades económicas, viu-se obrigado a parar a construção. Estávamos na véspera dos anos 40. E o engenheiro Sousa Pires, responsável máximo da CP nas oficinas de Campanhã, não se conformava com a ideia de que a miniatura ficasse por terminar. Foi assim que a proposta chegou ao autor: a CP consentia que José Magalhães terminasse a obra nas suas oficinas e, em troca, este oferecia a peça, para que pudesse ser exposta no stand da CP, na Exposição do Mundo Português, a decorrer entre Junho e Dezembro de 1940. O operário aceitou a oferta, mas sem antes indicar uma contrapartida: o seu filho teria de entrar para a escola da empresa ferroviária.

Não tardou até a peça ser transferida para as oficinas de Campanhã. Aqui, José Magalhães voltou a ter ajuda. Desta vez, de Viana, um colega, também ele "um excelente artista", nota José Oliveira. A miniatura, construída com aço, ferro, bronze, latão, alumínio e madeira, tem 1088 milímetros de comprimento, pesa 89kg e reboca uma carga de 1800kg. Tem ainda um tender, uma espécie de vagão de apoio, com 720 milímetros e capacidade para 15l de água e 6kg de carvão.

Parece mentira, mas o sócio honorário do Grupo Desportivo dos Ferroviários de Campanhã assegura que a réplica "passou nos testes com três pessoas pousadas em cima dela, com umas tábuas de apoio no tender" e que "o engenheiro Sousa Pires, o autor e o filho do autor foram rebocados pela locomotiva".

Ficou concluída em 1940, mesmo a tempo da Exposição do Mundo Português. Após a passagem pela capital, o comboio em miniatura rumou à Escola de Formação de Maquinistas, em Campanhã, para que os aprendizes "pudessem perceber o funcionamento da máquina, que, na realidade, iriam ter em mãos", explica José Oliveira.

Por volta de 1945, Sousa Pires, também presidente do Grupo Desportivo dos Ferroviários de Campanhã, decidiu colocar a locomotiva em exibição na estação de São Bento. Para isso, pediu que fosse concebido um sistema de funcionamento eléctrico, que a permitisse movimentar com o accionamento de uma moeda. A partir daí, todas elas reverteram para o grupo desportivo fundado em 1930. "Sousa Pires baptizou-a de "A Pequenina Caça-níqueis": pequenina porque era uma miniatura e caça-níqueis porque era a moeda, que caía ali, que a fazia funcionar”, esclarece o sócio honorário do grupo.

Esteve em São Bento entre 1945 e Setembro de 2016, data em que a Infra-estruturas de Portugal informou o grupo que teria de a retirar da estação, uma vez que "a zona iria sofrer modificações para adaptar a estabelecimentos comerciais", lembra João Oliveira. O exemplar foi guardado nas oficinas da EMEF em Contumil, onde se procederam aos "trabalhos de manutenção, verificação de todo o funcionamento e também vários trabalhos de reparação”.

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Se até 2016 os rodados giravam “num movimento uniforme”, agora começam a rolar lentamente, "a velocidade vai aumentando até atingir a velocidade máxima, estabiliza e depois começa a frenar até imobilizar o sistema de rodagens", explica João Oliveira. Mas há mais, é "um silvo de arranque" que faz as rodas girar. Ouve-se, pela primeira vez, o som de uma verdadeira locomotiva a vapor.

A magia acontece quando introduzimos uma moeda de um euro. Dura cerca de um minuto e nem por um segundo o maquinista e o fogueiro param de trabalhar. José Oliveira não tem dúvidas de que, uma vez mais, "o funcionamento da máquina, os rodados, os êmbolos e os cilindros" vão deixar as pessoas “vidradas”, na tentativa de perceber e acompanhar o movimento minucioso de cada uma das peças.

Em São Bento, os portuenses são bem-vindos a bordo de uma viagem a todo o vapor, que transpõe a linha do tempo e convida a população a admirar "o funcionamento deste maquinismo que é uma arte da serralharia e da mecânica".

Texto editado por Ana Fernandes

“A Pequenina Caça-níqueis”, locomotiva a vapor em miniatura que esteve cerca de 70 anos em São Bento, regressou à gare da estação. Agora restaurado, o exemplar leva-nos a acreditar que se vai dar início a uma autêntica viagem ao passado.

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Uma réplica de uma locomotiva a vapor, com pouco mais de um metro de comprimento, faz-nos recuar a uma viagem a preto e branco, eternizada por José Nunes Magalhães. A estação de São Bento volta a ser o cenário de fundo para uma história que conta 78 anos.

Uma réplica de uma locomotiva a vapor, com pouco mais de um metro de comprimento, faz-nos recuar a uma viagem a preto e branco, eternizada por José Nunes Magalhães. A estação de São Bento volta a ser o cenário de fundo para uma história que conta 78 anos.

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Recuamos a 1930, altura em que o operário serralheiro na secção de montagem das antigas oficinas da CP em Campanhã, José Nunes Magalhães, decidiu construir uma cópia fiel da locomotiva que circulava na linha do Minho e Douro. E assim foi. A partir de casa, à luz do gasómetro, ora depois do trabalho ora pela noite dentro, José Magalhães começou a desenvolver aquela que seria a única réplica do modelo MD2250 no país.

O tempo do operário era dividido entre as oficinas da CP e a Serralharia Noia, na Corujeira, onde, conta José Oliveira, membro da direcção do Grupo Desportivo dos Ferroviários de Campanhã, "fazia uns biscates". Era aí que tinha acesso a tudo o que precisava - máquinas, ferramentas, a fresadora e até "engenhos de furar". Começou sozinho, mas os dedos finos das crianças da Corujeira chegaram como reforço. Curiosos, ajudaram a instalar as peças mais pequenas, sob o olhar atento de José Nunes Magalhães. "Olha, com os teus dedinhos, coloca-me esta pecinha ali", apontava.

A certa altura, por dificuldades económicas, viu-se obrigado a parar a construção. Estávamos na véspera dos anos 40. E o engenheiro Sousa Pires, responsável máximo da CP nas oficinas de Campanhã, não se conformava com a ideia de que a miniatura ficasse por terminar. Foi assim que a proposta chegou ao autor: a CP consentia que José Magalhães terminasse a obra nas suas oficinas e, em troca, este oferecia a peça, para que pudesse ser exposta no stand da CP, na Exposição do Mundo Português, a decorrer entre Junho e Dezembro de 1940. O operário aceitou a oferta, mas sem antes indicar uma contrapartida: o seu filho teria de entrar para a escola da empresa ferroviária.

Não tardou até a peça ser transferida para as oficinas de Campanhã. Aqui, José Magalhães voltou a ter ajuda. Desta vez, de Viana, um colega, também ele "um excelente artista", nota José Oliveira. A miniatura, construída com aço, ferro, bronze, latão, alumínio e madeira, tem 1088 milímetros de comprimento, pesa 89kg e reboca uma carga de 1800kg. Tem ainda um tender, uma espécie de vagão de apoio, com 720 milímetros e capacidade para 15l de água e 6kg de carvão.

Parece mentira, mas o sócio honorário do Grupo Desportivo dos Ferroviários de Campanhã assegura que a réplica "passou nos testes com três pessoas pousadas em cima dela, com umas tábuas de apoio no tender" e que "o engenheiro Sousa Pires, o autor e o filho do autor foram rebocados pela locomotiva".

Ficou concluída em 1940, mesmo a tempo da Exposição do Mundo Português. Após a passagem pela capital, o comboio em miniatura rumou à Escola de Formação de Maquinistas, em Campanhã, para que os aprendizes "pudessem perceber o funcionamento da máquina, que, na realidade, iriam ter em mãos", explica José Oliveira.

Por volta de 1945, Sousa Pires, também presidente do Grupo Desportivo dos Ferroviários de Campanhã, decidiu colocar a locomotiva em exibição na estação de São Bento. Para isso, pediu que fosse concebido um sistema de funcionamento eléctrico, que a permitisse movimentar com o accionamento de uma moeda. A partir daí, todas elas reverteram para o grupo desportivo fundado em 1930. "Sousa Pires baptizou-a de "A Pequenina Caça-níqueis": pequenina porque era uma miniatura e caça-níqueis porque era a moeda, que caía ali, que a fazia funcionar”, esclarece o sócio honorário do grupo.

Esteve em São Bento entre 1945 e Setembro de 2016, data em que a Infra-estruturas de Portugal informou o grupo que teria de a retirar da estação, uma vez que "a zona iria sofrer modificações para adaptar a estabelecimentos comerciais", lembra João Oliveira. O exemplar foi guardado nas oficinas da EMEF em Contumil, onde se procederam aos "trabalhos de manutenção, verificação de todo o funcionamento e também vários trabalhos de reparação”.

A carregar...

Se até 2016 os rodados giravam “num movimento uniforme”, agora começam a rolar lentamente, "a velocidade vai aumentando até atingir a velocidade máxima, estabiliza e depois começa a frenar até imobilizar o sistema de rodagens", explica João Oliveira. Mas há mais, é "um silvo de arranque" que faz as rodas girar. Ouve-se, pela primeira vez, o som de uma verdadeira locomotiva a vapor.

A magia acontece quando introduzimos uma moeda de um euro. Dura cerca de um minuto e nem por um segundo o maquinista e o fogueiro param de trabalhar. José Oliveira não tem dúvidas de que, uma vez mais, "o funcionamento da máquina, os rodados, os êmbolos e os cilindros" vão deixar as pessoas “vidradas”, na tentativa de perceber e acompanhar o movimento minucioso de cada uma das peças.

Em São Bento, os portuenses são bem-vindos a bordo de uma viagem a todo o vapor, que transpõe a linha do tempo e convida a população a admirar "o funcionamento deste maquinismo que é uma arte da serralharia e da mecânica".

Texto editado por Ana Fernandes

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