Do Portugal Profundo: A lavagem de Morais à licenciatura de Sócrates e ao lixo da Cova da Beira

01-09-2020
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José Sócrates - 1997

(Imagem obtida da reportagem da TVI. de Alexandra Borges, em 5-5-2009,sobre o negócio do lixo da Cova da Beira - 4 partes) 

António José Morais, o famoso professor de José Sócrates e ex-arguido absolvido na no processo da Cova da Beira, acaba de publicar o livro «Sócrates, a Cova da Beira e a Licenciatura – verdades e mentiras», oportunamente no auge da estridência da orquestração socratina (ver entrevista do preso 44 de Évora, e ex-primeiro-ministro, ao DN, em 30-6-2015) contra o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre. De excertos que o Observador de hoje, 3-7-2015, publica, consta uma catrefada de histórias da carochinha (como se pode conferir no meu livro de setembro de 2009, «O dossiê Sócrates») e uma verdade. O poste é longo, mas o pormenor é necessário. Cito e comento, numa dúzia de pontos:

«Vi-me forçado a escrever este livro sobre o denominado caso Cova da Beira, dada a farsa construída à volta deste processo judicial».Farsas, há muitas... No processo do aterro sanitário e central de compostagem da Cova da Beira, avultam as tecnicalidades, que o parecer do jurisconsulto Marcelo Rebelo de Sousa argui, de um processo tremendamente arrastado onde medrou a hidra do socratismo, e em que vieram a ser absolvidos na primeira instância, o Prof. António José Morais, a sua ex-mulher arq. Ana Simões, e Horácio Luís de Carvalho (da famosa HLC do SIRESP), a eminência pardacenta do grupo da Cova da Beira, recuado em Inglaterra mas com negócios de energia e ambiente no Brasil e por outras partes do mundo, ainda não analisados - ver o meu poste -«Sociograma do sistema», de 28-1-2013).. José Sócrates, depois de jovem operacional da Cova da Beira deputado número 5 do círculo de Castelo Branco (1991-1995) (ver «O dossiê Sócrates», pp. 170 e ss.), era então secretário de Estado do Ambiente e foi denunciado como tendo recebido 150 mil euros de luvas nesse projeto, mas não chegou sequer a ser constituído arguido.
«Conheci Sócrates no Instituto Superior de Engenharia De Lisboa (ISEL), onde foi meu aluno em 1994. Não foi assim na Covilhã que com ele estabeleci conhecimento pessoal». (Realce meu).«Conhecimento pessoal»... Claro que se conheciam. Não é por Morais ser de Belmonte e Sócrates ter crescido na Covilhã, não é por Morais ter sido professor da UBI, da Covilhã, nem sequer é apemas por causa de Sócrates ter subscrito a ficha de adesão de Morais ao PS, na Covilhã, nem apenas pelas referências que se cruzam, no processo da Cova da Beira, nem só por este falar dele, em escutas do processo da Universidade Independente por «Zé» (Público, de 25-9-2007). Basta dizer que, nesse tempo anterior à vinda de Sócrates como deputado para Lisboa, eram compinchas no Fundão e nas tascas da Covilhã - além das referências locais ao grupo de Andorra, das férias na neve... Nem sequer era segredo: segredo tornou-se quando foi preciso apagar o facto da ligação entre ambos ser anterior À Universidade Independente. Um facto que Sócrates negou até na entrevista de 11-4-2007 - e nessa mesma noite publiquei neste blogue que Morais já tinha sido professor de Sócrates no ISEL, na cadeira de Geologia e Geotecnia Aplicadas, do CESE em Engenharia Civil, em 1994/1995 (ver p. 184 do meu livro «O Dossiê Sócrates»).Mas, melhor do que eu, o próprio Morais se embaraça na teia que a caneta alugada afrancesada transmite em detalhe fotográfico da memória fresquíssima. Não conhecia Sócrates da Cova da Beira, mas...«[Sócrates] com o seu cabelo comprido meio desgrenhado e solto, que na altura usava, e com o discurso profético produzido fez-me lembrar Felipe Gonzalez (…) O estilo de guerreiro romântico, a roçar o narcísico, rendia-lhe apreço e consideração. A vestimenta ajudava. A visão irreverente e revolucionária sobressaía logo na cor do fato que Sócrates vestia, um verde alface muito claro com abas largas e compridas – un enfant gâté.”»«Em Setembro de 1994 iniciaram-se as aulas de Fundações e Geotecnia Aplicada, disciplina que leccionei do CESE do ISEL. Quando entrei na sala, para leccionar a primeira aula, logo reparei no aluno sentado ao fundo da sala. Tratava-se do deputado José Sócrates. Tinham passados quatro anos desde a última vez que o tinha visto na Covilhã. Sócrates apresentava-se agora muito diferente. Perdeu o seu look de irreverente político romântico. O cabelo já não era comprido e volumoso, agora estava bem cortado, cuidado e usava fato e gravata. A postura e imagem eram outra.» (Realce meu).
«A convivência mantida com Sócrates ajudou-me em termos pessoais».Esta é verdade. Também creio nisso. A de Vara também: Morais foi nomeado diretor do GEPI no Ministério da Administração Interna, precisamente por Armando Vara, a cujo gabinete tinha pertencido, como assessor, após as eleições de 1995. E Morais não parece dar grande importância pública à ofensa do delegado Vara na época perigosa do processo da Cova da Beira e da aflitiva separação de Ana Simões, eventualmente após o caso da brasileira Neide do restaurante «Sr. Bacalhau» que no glorioso consulado de Morais à frente do GEPI/IGFP, foi nomeada para «Coordenadora do Departamento de Logística do Depósito Público de Vila Franca de Xira do IGFP, a vencer 1700 euros por mês» (ver p. 311 de «O Dossiê Sócrates», referindo o Público, de 14-3-2009, desenvolvendo uma notícia de O Independente. A separação de Ana Simões foi traumática e alegadamente, terá sofrido intimidações e perseguição, por desconhecidos.
«O caso Cova da Beira foi utilizado na luta político-partidária por diversos agentes e grupos, uns mais institucionais que outros.»
O caso Cova da Beira foi muito pouco utilizado politicamente, à parte a oposição local que porém não era relevante em termos nacionais. Creio que o motivo eram outras ligações políticas de Horácio Luís de Carvalho, mais tarde evidentes. Se tivesse sido explorado o caso politicamente, a o nível nacional, a justiça teria de ser mais eficaz e célere nas buscas e ligações.
«(...) entrei em contacto com a Universidade Independente, oferecendo a minha experiência e capacidade docente, dado que esta Universidade lecionava a licenciatura em Engenharia Civil. Resolvi bater à porta da Independente; quem me recebeu foi Rui Verde; expus-lhe o meu projecto e ideia. Rui Verde retorquiu-me: temos que falar com o Reitor. E levou-me ao Reitor Luís Arouca. Na reunião com o reitor da Independente Luís Arouca e na presença do seu vice, Rui Verde, descrevi o mercado potencial existente e propus-lhe que a Independente criasse um curso no quadro e no interior da sua licenciatura de engenharia civil, que permitisse aos bacharéis prosseguirem os seus estudos, visando obter a equivalência ao grau de licenciado. O Reitor Luís Arouca percebeu o potencial existente e não só aceitou a ideia, como de imediato me nomeou Director da licenciatura em engenharia civil da Independente»!... (Realce meu).Tiro e queda. Amor à primeira vista. E nem deve ter sido preciso usar o egrégio nome do seu amigo deputado Sócrates.
«No caso de José Sócrates, o somatório de horas associado ao número de disciplinas do bacharelato do Coimbra agregado com as obtidas no 1º ano do CESE do ISEL ultrapassava o mínimo necessário, contemplado na legislação de então que instituía a licenciatura da Independente. Por este facto, o Reitor da Independente, Luís Arouca, admitiu conceder a equivalência directa do grau de licenciado a José Sócrates.»  (Realce meu).Um absurdo. O número de horas ou o número de disciplinas não garantia equivalência alguma - não existia regime de transferência de créditos, instituído no decurso do chamado processo de Bolonha. Naquela altura, só seria concedida equivalência a qualquer disciplina do novo curso se a cadeira e o seu programa correspondessem - se a cadeira antiga não cobrisse a matéria da nova não poderia haver equivalência.
«O exame ao domingo foi a maior mentira que a comunicação social inventou e escreveu sobre a licenciatura de José Sócrates. Obviamente que não houve qualquer exame ao domingo. Os media criaram um monumental embuste!… (…) Nalgumas certidões de curso de alguns dos alunos, emitidas pelos serviços académicos da Independente, a data, nelas presentes, relativa à emissão pelos serviços, correspondia a um domingo. Os jornalistas de modo muito pouco sério, e no contexto da campanha de conspiração e ataque a José Sócrates, associaram de modo oportunista aquela data ao dia da realização do exame, com o propósito de alimentarem a campanha em curso de intoxicação da opinião pública contra Sócrates. Não só é abusivo, como é falso. Os jornalistas montaram uma farsa com esta data. Não houve qualquer exame ao domingo. Os jornalistas que o escreveram… mentiram!». (Realce meu).É falso. Como demonstro no meu livro «O dossiê Sócrates», pp. 121-123, o 8 de setembro de 1996 (um domingo) não é a data de emissão do certificado: é a data de conclusão do curso (a data da última cadeira feita). Pode ler-se no fac-simile do certificado de licenciatura de José Sócrates, na p. 159 do meu livro: «Concluíu o curso em 08-09-1996»; e mais abaixo «Emitido em 17-06-2003». Talvez esse bloody sunday tenha sido a data do jantar no papa Açorda onde Arouca se gabava de ter feito o exame de Inglês Técnico a Sócrates; ou pode ser mentira e não ter havido exame nenhum nesse dia. Aliás, eu não creio que tenha havido exame regular algum, nem na cadeira de Inglês Técnico, nem nas outras da responsabilidade do Prof. Morais, muito menos no trabalho de Projeto que, ao contrário dos trabalhos dos demais alunos, não se encontrou na biublioteca...
«No final do ano lectivo, em Junho, passado portanto praticamente um ano, numa altura em que as aulas do ano lectivo em causa já tinham terminado e os alunos se preparavam para os exames, recebo uma inaudita chamada telefónica do Reitor Luís Arouca. O Reitor com voz nervosa e aflita comunica-me pretender que o aluno José Sócrates realizasse um exame a Inglês Técnico. Obviamente respondi a Luís Arouca que o pretendido era impossível e destituído de qualquer racionalidade, e, no plano jurídico, ilegal. (…) Pasme-se, Arouca informa-me, ainda, que somente o aluno Sócrates teria que fazer esse exame…!”
O Reitor Luís Arouca informa-me que era o Eurico Calado que estava a fazer “barulho”… pois “queria fazer exame ao Sócrates…” e acrescenta que Eurico Calado alegadamente era afecto ao PSD e ele, Arouca, não estava em condições de se opor ao grupo do PSD na Independente, o qual, dizia ele, tinha muito peso na Universidade Independente…! Naturalmente disse não ao Luís Arouca.
Passados mais alguns dias, recebo um novo telefonema do Reitor. Luís Arouca informa-me que tinha falado com José Sócrates, que o colocara ao corrente do assunto, designadamente das dificuldades de relacionamento que ele, Arouca, tem com o grupo do PSD e com Calado. Comunica-me que o aluno José Sócrates se mostrara compreensivo para com a posição do Reitor e, acrescenta-me, que o aluno aceita fazer um exame a Inglês Técnico, mesmo não tendo esta disciplina no plano de curso…! Bom, perante esta predisposição do aluno, obviamente não seria eu a levantar problemas, respondi concomitantemente a Luís Arouca que não me opunha então a esta decisão do aluno. E não assinei a pauta desta disciplina.
O exame a Inglês Técnico só se realizou porque o aluno Sócrates se predispôs a ajudar o Reitor Luís Arouca no seu relacionamento com o PSD.». (Realce meu).Coitadinho do crocodilo!... Esta história é delirante!...
«Perseguem-me durante anos, humilham-me publicamente, fustigam-me com notícias tendenciosas e falsas e durante anos e anos, sacrificam-me os filhos, destroem-me a vida, arruínam-me a carreira académica e profissional, dão-me cabo da saúde e… nem se dão ao trabalho de continuar com a aparente e alegada farsa, apresentando um simples recurso. Obviamente que eu sinto que da parte do Ministério Público existiu uma perseguição à minha pessoa; sinto que fui escolhido e perseguido e, posso estar enganado, mas penso que me procuraram condicionar, pressionar, calar. É o que me perpassa pela mente. Não encontro outra explicação. E suspeito que não me querem largar da mão. Imagino que outros processos devem estar a correr no MP.»Olhe que não, professor, olhe que não!... Um dia, um dia, alguém conta a história da demora do inquérito da Cova da Beira. Que não vai agradar ao seu amigo. Este ataque ao Ministério Público parece enquadrar-se na orquestração socratina para tentar isolar o procurador Rosário Teixeira, pressionar a procuradora-geral Joana Marques Vidal e substituir o juiz Carlos Alexandre.
«A minha passagem pelo IGFP da Justiça assustou algumas pessoas.»Acho que nem o arq. Fernando Pinto de Sousa, o falecido pai do preso 44 (que dizia que o filho nem sequer conseguia calcular um pilar, quanto mais fazer projetos de engenharia, como aqueles, alegadamente do seu amigo Valente, que José António Cerejo revelou no Público...), com o volume de trabalho encomendado pelo GEPI/IGFP do Ministério da Administração Interna, a que Morais presidia. Cito do meu livro, p. 330, referindo o Público, de 24-6-2007: «o Prof. Morais, pelo GEPI, tinha entregado 12 contratos de fiscalização de obras ao Arq. Fernando Pinto de Sousa, pai de José Sócrates, que tinha 70 anos quando foi convidado para esse trabalho e que, de acordo com o jornal, nos seis anos da direcção Morais 1996-2002 (correspondente aos dois governos socialistas de António Guterres) foi o técnico que mais contratos de fiscalização fez com este organismo do Estado, o dobro do seguinte». Ou o eng. Carlos Santos Silva, da falida Conegil e alegado uomo di paglia de Sócrates, amigo comum, a quem Morais adjudicou 20% das obras do GEPI, de acordo com a mesma notícia.
«Em Setembro de 2003 já estava separado e vivia num hotel em Sintra. Por razões profissionais tive nesse mês que me deslocar a Angola. A minha ex-mulher, surpreendentemente, pediu-me para a levar comigo, propondo-me mesmo partilhar o quarto de hotel, para diminuir despesas. Achei estranho, para quem dizia de mim cobras e lagartos, que me detestava e não me suportava…! Mas, numa de querer uma separação e divórcio amigável, lá acedi. (…) Em Luanda compartilhámos o quarto e a mesma cama…! Caí que nem um patinho na armadilha…! Passadas duas semanas após o regresso a Lisboa, Ana Simões informa-me que está grávida. Comunica-me que eu ia ser pai! Fiquei surpreso e questionei-a como podia ser eu o pai, dado que não vivíamos juntos já há algum tempo, apesar de me recordar do que se passara em Luanda (partilhámos a cama…!). Bom, nada podia fazer. Naturalmente tive que assumir o sustento e a paternidade da criança. Hoje, à distância de 12 anos, percebo que a Ana já foi grávida para Luanda e ela sabia-o, e, igualmente, sabia que eu não era o pai, porque, conforme ela própria afirmou ao Tribunal, eu já saíra de casa…!». (Realce meu).Esta história mirabolante, que Helena Matos destaca, nem merece comentário. A omertà funcionou e Vara nem recebe uma palavrita no que aparece do livro... Com exceção daquele dia, em que alegadamente Morais é informado do requerimento judicial da sua ex-mulher Ana Simões para que Armando Vara seja convocado para fazer um teste de paternidade da criança que acreditava ser sua. Então, Morais perde a tramontana no Facebook contra o seu amigo Armando Vara, em mensagens logo apagadas do seu mural. Vara parecia ter sido destacado para controlar a zanga de Ana Simões, aborrecido com o caso Neide, a qual poderia, quiçá, fazer revelações complicadas sobre o «inenarrável Sócrates» (como lhe chama o José, da Porta da Loja), nomeadamente sobre o caso Cova da Beira, num projeto que deve ter assinado contra vontade. E, eventualmente, Vara fez o trabalho demasiado bem... Consta que Vara terá alegado que o teste do ADN seria uma violência inadmissível á luz da Constituição; mas depois de muitos anos de objeção, lá lhe devem ter dado outra luz e apurou-se, finalmente, que era ele o pai da criança. Eventualmente, terá sido paga uma indemnização a Morais, pelos anos em que custeou o «sustento» da criança, não se sabe de os 160 mil euros pedidos, se menos...
«(...) detenho algumas dúvidas sobre o carácter do professor do Técnico [Quinhones Levy, Professor no Instituto Superior Técnico perito do Ministério Público no processo da Cova da Beira]. (...) O senhor Levy, na minha opinião, teve um comportamento que me custa a catalogar como sério. Teve, a meu ver, um comportamento próximo de um sacripanta. Na minha opinião, um salafrário não fazia melhor».(Realce meu).De «algumas dúvidas» passou às certezas categóricas: «sacripanta» e «salafrário»!...

Para terminar, uma história da mesma trupe. O Prof. António José Morais faz jus à fama do seu protestado amigo José Sócrates. Recentemente, e acredito que ainda magoado com a dupla Sócrates-Vara, prometeu à CMTV uma entrevista bombástica. A CMTV anunciou a entrevista com vários dias de antecedência porque a matéria era muito interessante. Entretanto, o acordo de paz deve ter sido negociado e Morais passou a entrevista a... louvar o rigor de Sócrates e a dizer o melhor do ex-amigo, o tal que, diz neste livro, «afastou-se» da sua pessoa, na sequência do processo da Cova da Beira. Será que (ver DN, de 25-3-2015) também se comportou do mesmo modo com a investigação do processo da Operação Marquês?

Limitação de responsabilidade (disclaimer): António José Morais, ex-arguido e absolvido no processo da Cova da Beira, objeto das notícias dos média, que comento, não é suspeito do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade nestes casos referidos, tal como sua ex-mulher Ana Simões ou Horácio Luís de carvalhoJosé Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, Armando António Martins Vara e outas entidades mencionadas neste poste, referidos nas notícias dos média, que comento, não são suspeitos de qualquer ilegalidade ou irregularidade nestes casos.

José Sócrates - 1997

(Imagem obtida da reportagem da TVI. de Alexandra Borges, em 5-5-2009,sobre o negócio do lixo da Cova da Beira - 4 partes) 

António José Morais, o famoso professor de José Sócrates e ex-arguido absolvido na no processo da Cova da Beira, acaba de publicar o livro «Sócrates, a Cova da Beira e a Licenciatura – verdades e mentiras», oportunamente no auge da estridência da orquestração socratina (ver entrevista do preso 44 de Évora, e ex-primeiro-ministro, ao DN, em 30-6-2015) contra o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre. De excertos que o Observador de hoje, 3-7-2015, publica, consta uma catrefada de histórias da carochinha (como se pode conferir no meu livro de setembro de 2009, «O dossiê Sócrates») e uma verdade. O poste é longo, mas o pormenor é necessário. Cito e comento, numa dúzia de pontos:

«Vi-me forçado a escrever este livro sobre o denominado caso Cova da Beira, dada a farsa construída à volta deste processo judicial».Farsas, há muitas... No processo do aterro sanitário e central de compostagem da Cova da Beira, avultam as tecnicalidades, que o parecer do jurisconsulto Marcelo Rebelo de Sousa argui, de um processo tremendamente arrastado onde medrou a hidra do socratismo, e em que vieram a ser absolvidos na primeira instância, o Prof. António José Morais, a sua ex-mulher arq. Ana Simões, e Horácio Luís de Carvalho (da famosa HLC do SIRESP), a eminência pardacenta do grupo da Cova da Beira, recuado em Inglaterra mas com negócios de energia e ambiente no Brasil e por outras partes do mundo, ainda não analisados - ver o meu poste -«Sociograma do sistema», de 28-1-2013).. José Sócrates, depois de jovem operacional da Cova da Beira deputado número 5 do círculo de Castelo Branco (1991-1995) (ver «O dossiê Sócrates», pp. 170 e ss.), era então secretário de Estado do Ambiente e foi denunciado como tendo recebido 150 mil euros de luvas nesse projeto, mas não chegou sequer a ser constituído arguido.
«Conheci Sócrates no Instituto Superior de Engenharia De Lisboa (ISEL), onde foi meu aluno em 1994. Não foi assim na Covilhã que com ele estabeleci conhecimento pessoal». (Realce meu).«Conhecimento pessoal»... Claro que se conheciam. Não é por Morais ser de Belmonte e Sócrates ter crescido na Covilhã, não é por Morais ter sido professor da UBI, da Covilhã, nem sequer é apemas por causa de Sócrates ter subscrito a ficha de adesão de Morais ao PS, na Covilhã, nem apenas pelas referências que se cruzam, no processo da Cova da Beira, nem só por este falar dele, em escutas do processo da Universidade Independente por «Zé» (Público, de 25-9-2007). Basta dizer que, nesse tempo anterior à vinda de Sócrates como deputado para Lisboa, eram compinchas no Fundão e nas tascas da Covilhã - além das referências locais ao grupo de Andorra, das férias na neve... Nem sequer era segredo: segredo tornou-se quando foi preciso apagar o facto da ligação entre ambos ser anterior À Universidade Independente. Um facto que Sócrates negou até na entrevista de 11-4-2007 - e nessa mesma noite publiquei neste blogue que Morais já tinha sido professor de Sócrates no ISEL, na cadeira de Geologia e Geotecnia Aplicadas, do CESE em Engenharia Civil, em 1994/1995 (ver p. 184 do meu livro «O Dossiê Sócrates»).Mas, melhor do que eu, o próprio Morais se embaraça na teia que a caneta alugada afrancesada transmite em detalhe fotográfico da memória fresquíssima. Não conhecia Sócrates da Cova da Beira, mas...«[Sócrates] com o seu cabelo comprido meio desgrenhado e solto, que na altura usava, e com o discurso profético produzido fez-me lembrar Felipe Gonzalez (…) O estilo de guerreiro romântico, a roçar o narcísico, rendia-lhe apreço e consideração. A vestimenta ajudava. A visão irreverente e revolucionária sobressaía logo na cor do fato que Sócrates vestia, um verde alface muito claro com abas largas e compridas – un enfant gâté.”»«Em Setembro de 1994 iniciaram-se as aulas de Fundações e Geotecnia Aplicada, disciplina que leccionei do CESE do ISEL. Quando entrei na sala, para leccionar a primeira aula, logo reparei no aluno sentado ao fundo da sala. Tratava-se do deputado José Sócrates. Tinham passados quatro anos desde a última vez que o tinha visto na Covilhã. Sócrates apresentava-se agora muito diferente. Perdeu o seu look de irreverente político romântico. O cabelo já não era comprido e volumoso, agora estava bem cortado, cuidado e usava fato e gravata. A postura e imagem eram outra.» (Realce meu).
«A convivência mantida com Sócrates ajudou-me em termos pessoais».Esta é verdade. Também creio nisso. A de Vara também: Morais foi nomeado diretor do GEPI no Ministério da Administração Interna, precisamente por Armando Vara, a cujo gabinete tinha pertencido, como assessor, após as eleições de 1995. E Morais não parece dar grande importância pública à ofensa do delegado Vara na época perigosa do processo da Cova da Beira e da aflitiva separação de Ana Simões, eventualmente após o caso da brasileira Neide do restaurante «Sr. Bacalhau» que no glorioso consulado de Morais à frente do GEPI/IGFP, foi nomeada para «Coordenadora do Departamento de Logística do Depósito Público de Vila Franca de Xira do IGFP, a vencer 1700 euros por mês» (ver p. 311 de «O Dossiê Sócrates», referindo o Público, de 14-3-2009, desenvolvendo uma notícia de O Independente. A separação de Ana Simões foi traumática e alegadamente, terá sofrido intimidações e perseguição, por desconhecidos.
«O caso Cova da Beira foi utilizado na luta político-partidária por diversos agentes e grupos, uns mais institucionais que outros.»
O caso Cova da Beira foi muito pouco utilizado politicamente, à parte a oposição local que porém não era relevante em termos nacionais. Creio que o motivo eram outras ligações políticas de Horácio Luís de Carvalho, mais tarde evidentes. Se tivesse sido explorado o caso politicamente, a o nível nacional, a justiça teria de ser mais eficaz e célere nas buscas e ligações.
«(...) entrei em contacto com a Universidade Independente, oferecendo a minha experiência e capacidade docente, dado que esta Universidade lecionava a licenciatura em Engenharia Civil. Resolvi bater à porta da Independente; quem me recebeu foi Rui Verde; expus-lhe o meu projecto e ideia. Rui Verde retorquiu-me: temos que falar com o Reitor. E levou-me ao Reitor Luís Arouca. Na reunião com o reitor da Independente Luís Arouca e na presença do seu vice, Rui Verde, descrevi o mercado potencial existente e propus-lhe que a Independente criasse um curso no quadro e no interior da sua licenciatura de engenharia civil, que permitisse aos bacharéis prosseguirem os seus estudos, visando obter a equivalência ao grau de licenciado. O Reitor Luís Arouca percebeu o potencial existente e não só aceitou a ideia, como de imediato me nomeou Director da licenciatura em engenharia civil da Independente»!... (Realce meu).Tiro e queda. Amor à primeira vista. E nem deve ter sido preciso usar o egrégio nome do seu amigo deputado Sócrates.
«No caso de José Sócrates, o somatório de horas associado ao número de disciplinas do bacharelato do Coimbra agregado com as obtidas no 1º ano do CESE do ISEL ultrapassava o mínimo necessário, contemplado na legislação de então que instituía a licenciatura da Independente. Por este facto, o Reitor da Independente, Luís Arouca, admitiu conceder a equivalência directa do grau de licenciado a José Sócrates.»  (Realce meu).Um absurdo. O número de horas ou o número de disciplinas não garantia equivalência alguma - não existia regime de transferência de créditos, instituído no decurso do chamado processo de Bolonha. Naquela altura, só seria concedida equivalência a qualquer disciplina do novo curso se a cadeira e o seu programa correspondessem - se a cadeira antiga não cobrisse a matéria da nova não poderia haver equivalência.
«O exame ao domingo foi a maior mentira que a comunicação social inventou e escreveu sobre a licenciatura de José Sócrates. Obviamente que não houve qualquer exame ao domingo. Os media criaram um monumental embuste!… (…) Nalgumas certidões de curso de alguns dos alunos, emitidas pelos serviços académicos da Independente, a data, nelas presentes, relativa à emissão pelos serviços, correspondia a um domingo. Os jornalistas de modo muito pouco sério, e no contexto da campanha de conspiração e ataque a José Sócrates, associaram de modo oportunista aquela data ao dia da realização do exame, com o propósito de alimentarem a campanha em curso de intoxicação da opinião pública contra Sócrates. Não só é abusivo, como é falso. Os jornalistas montaram uma farsa com esta data. Não houve qualquer exame ao domingo. Os jornalistas que o escreveram… mentiram!». (Realce meu).É falso. Como demonstro no meu livro «O dossiê Sócrates», pp. 121-123, o 8 de setembro de 1996 (um domingo) não é a data de emissão do certificado: é a data de conclusão do curso (a data da última cadeira feita). Pode ler-se no fac-simile do certificado de licenciatura de José Sócrates, na p. 159 do meu livro: «Concluíu o curso em 08-09-1996»; e mais abaixo «Emitido em 17-06-2003». Talvez esse bloody sunday tenha sido a data do jantar no papa Açorda onde Arouca se gabava de ter feito o exame de Inglês Técnico a Sócrates; ou pode ser mentira e não ter havido exame nenhum nesse dia. Aliás, eu não creio que tenha havido exame regular algum, nem na cadeira de Inglês Técnico, nem nas outras da responsabilidade do Prof. Morais, muito menos no trabalho de Projeto que, ao contrário dos trabalhos dos demais alunos, não se encontrou na biublioteca...
«No final do ano lectivo, em Junho, passado portanto praticamente um ano, numa altura em que as aulas do ano lectivo em causa já tinham terminado e os alunos se preparavam para os exames, recebo uma inaudita chamada telefónica do Reitor Luís Arouca. O Reitor com voz nervosa e aflita comunica-me pretender que o aluno José Sócrates realizasse um exame a Inglês Técnico. Obviamente respondi a Luís Arouca que o pretendido era impossível e destituído de qualquer racionalidade, e, no plano jurídico, ilegal. (…) Pasme-se, Arouca informa-me, ainda, que somente o aluno Sócrates teria que fazer esse exame…!”
O Reitor Luís Arouca informa-me que era o Eurico Calado que estava a fazer “barulho”… pois “queria fazer exame ao Sócrates…” e acrescenta que Eurico Calado alegadamente era afecto ao PSD e ele, Arouca, não estava em condições de se opor ao grupo do PSD na Independente, o qual, dizia ele, tinha muito peso na Universidade Independente…! Naturalmente disse não ao Luís Arouca.
Passados mais alguns dias, recebo um novo telefonema do Reitor. Luís Arouca informa-me que tinha falado com José Sócrates, que o colocara ao corrente do assunto, designadamente das dificuldades de relacionamento que ele, Arouca, tem com o grupo do PSD e com Calado. Comunica-me que o aluno José Sócrates se mostrara compreensivo para com a posição do Reitor e, acrescenta-me, que o aluno aceita fazer um exame a Inglês Técnico, mesmo não tendo esta disciplina no plano de curso…! Bom, perante esta predisposição do aluno, obviamente não seria eu a levantar problemas, respondi concomitantemente a Luís Arouca que não me opunha então a esta decisão do aluno. E não assinei a pauta desta disciplina.
O exame a Inglês Técnico só se realizou porque o aluno Sócrates se predispôs a ajudar o Reitor Luís Arouca no seu relacionamento com o PSD.». (Realce meu).Coitadinho do crocodilo!... Esta história é delirante!...
«Perseguem-me durante anos, humilham-me publicamente, fustigam-me com notícias tendenciosas e falsas e durante anos e anos, sacrificam-me os filhos, destroem-me a vida, arruínam-me a carreira académica e profissional, dão-me cabo da saúde e… nem se dão ao trabalho de continuar com a aparente e alegada farsa, apresentando um simples recurso. Obviamente que eu sinto que da parte do Ministério Público existiu uma perseguição à minha pessoa; sinto que fui escolhido e perseguido e, posso estar enganado, mas penso que me procuraram condicionar, pressionar, calar. É o que me perpassa pela mente. Não encontro outra explicação. E suspeito que não me querem largar da mão. Imagino que outros processos devem estar a correr no MP.»Olhe que não, professor, olhe que não!... Um dia, um dia, alguém conta a história da demora do inquérito da Cova da Beira. Que não vai agradar ao seu amigo. Este ataque ao Ministério Público parece enquadrar-se na orquestração socratina para tentar isolar o procurador Rosário Teixeira, pressionar a procuradora-geral Joana Marques Vidal e substituir o juiz Carlos Alexandre.
«A minha passagem pelo IGFP da Justiça assustou algumas pessoas.»Acho que nem o arq. Fernando Pinto de Sousa, o falecido pai do preso 44 (que dizia que o filho nem sequer conseguia calcular um pilar, quanto mais fazer projetos de engenharia, como aqueles, alegadamente do seu amigo Valente, que José António Cerejo revelou no Público...), com o volume de trabalho encomendado pelo GEPI/IGFP do Ministério da Administração Interna, a que Morais presidia. Cito do meu livro, p. 330, referindo o Público, de 24-6-2007: «o Prof. Morais, pelo GEPI, tinha entregado 12 contratos de fiscalização de obras ao Arq. Fernando Pinto de Sousa, pai de José Sócrates, que tinha 70 anos quando foi convidado para esse trabalho e que, de acordo com o jornal, nos seis anos da direcção Morais 1996-2002 (correspondente aos dois governos socialistas de António Guterres) foi o técnico que mais contratos de fiscalização fez com este organismo do Estado, o dobro do seguinte». Ou o eng. Carlos Santos Silva, da falida Conegil e alegado uomo di paglia de Sócrates, amigo comum, a quem Morais adjudicou 20% das obras do GEPI, de acordo com a mesma notícia.
«Em Setembro de 2003 já estava separado e vivia num hotel em Sintra. Por razões profissionais tive nesse mês que me deslocar a Angola. A minha ex-mulher, surpreendentemente, pediu-me para a levar comigo, propondo-me mesmo partilhar o quarto de hotel, para diminuir despesas. Achei estranho, para quem dizia de mim cobras e lagartos, que me detestava e não me suportava…! Mas, numa de querer uma separação e divórcio amigável, lá acedi. (…) Em Luanda compartilhámos o quarto e a mesma cama…! Caí que nem um patinho na armadilha…! Passadas duas semanas após o regresso a Lisboa, Ana Simões informa-me que está grávida. Comunica-me que eu ia ser pai! Fiquei surpreso e questionei-a como podia ser eu o pai, dado que não vivíamos juntos já há algum tempo, apesar de me recordar do que se passara em Luanda (partilhámos a cama…!). Bom, nada podia fazer. Naturalmente tive que assumir o sustento e a paternidade da criança. Hoje, à distância de 12 anos, percebo que a Ana já foi grávida para Luanda e ela sabia-o, e, igualmente, sabia que eu não era o pai, porque, conforme ela própria afirmou ao Tribunal, eu já saíra de casa…!». (Realce meu).Esta história mirabolante, que Helena Matos destaca, nem merece comentário. A omertà funcionou e Vara nem recebe uma palavrita no que aparece do livro... Com exceção daquele dia, em que alegadamente Morais é informado do requerimento judicial da sua ex-mulher Ana Simões para que Armando Vara seja convocado para fazer um teste de paternidade da criança que acreditava ser sua. Então, Morais perde a tramontana no Facebook contra o seu amigo Armando Vara, em mensagens logo apagadas do seu mural. Vara parecia ter sido destacado para controlar a zanga de Ana Simões, aborrecido com o caso Neide, a qual poderia, quiçá, fazer revelações complicadas sobre o «inenarrável Sócrates» (como lhe chama o José, da Porta da Loja), nomeadamente sobre o caso Cova da Beira, num projeto que deve ter assinado contra vontade. E, eventualmente, Vara fez o trabalho demasiado bem... Consta que Vara terá alegado que o teste do ADN seria uma violência inadmissível á luz da Constituição; mas depois de muitos anos de objeção, lá lhe devem ter dado outra luz e apurou-se, finalmente, que era ele o pai da criança. Eventualmente, terá sido paga uma indemnização a Morais, pelos anos em que custeou o «sustento» da criança, não se sabe de os 160 mil euros pedidos, se menos...
«(...) detenho algumas dúvidas sobre o carácter do professor do Técnico [Quinhones Levy, Professor no Instituto Superior Técnico perito do Ministério Público no processo da Cova da Beira]. (...) O senhor Levy, na minha opinião, teve um comportamento que me custa a catalogar como sério. Teve, a meu ver, um comportamento próximo de um sacripanta. Na minha opinião, um salafrário não fazia melhor».(Realce meu).De «algumas dúvidas» passou às certezas categóricas: «sacripanta» e «salafrário»!...

Para terminar, uma história da mesma trupe. O Prof. António José Morais faz jus à fama do seu protestado amigo José Sócrates. Recentemente, e acredito que ainda magoado com a dupla Sócrates-Vara, prometeu à CMTV uma entrevista bombástica. A CMTV anunciou a entrevista com vários dias de antecedência porque a matéria era muito interessante. Entretanto, o acordo de paz deve ter sido negociado e Morais passou a entrevista a... louvar o rigor de Sócrates e a dizer o melhor do ex-amigo, o tal que, diz neste livro, «afastou-se» da sua pessoa, na sequência do processo da Cova da Beira. Será que (ver DN, de 25-3-2015) também se comportou do mesmo modo com a investigação do processo da Operação Marquês?

Limitação de responsabilidade (disclaimer): António José Morais, ex-arguido e absolvido no processo da Cova da Beira, objeto das notícias dos média, que comento, não é suspeito do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade nestes casos referidos, tal como sua ex-mulher Ana Simões ou Horácio Luís de carvalhoJosé Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, Armando António Martins Vara e outas entidades mencionadas neste poste, referidos nas notícias dos média, que comento, não são suspeitos de qualquer ilegalidade ou irregularidade nestes casos.

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