o sítio dos desenhos

24-06-2020
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.

Joseph Conrad escreveu, não sei bem em que contexto, que a
caricatura é “pôr o rosto de uma piada no
corpo de uma verdade”. 

Como Conrad não foi propriamente um espírito
conhecido pela nonchalance, deduzo
que a sua referência tenha sido crítica. Na sua austera severidade (ele não usava
de rodriguinhos nem paninhos quentes, escarafunchava a chaga sempre até à carne viva), a caricatura
sugeria-lhe um expediente artificioso - uma espécie de máscara - com que se
tentaria disfarçar a face sempre inquietante
desse corpo hediondo que é a verdade; ou
seja, um divertimento mundano,
irresponsável e escapista, apenas destinado
a amenizar a dura realidade dos
factos da vida.

.

Penso que não é esse o caso das minhas caricaturas. Detesto
o engraçadismo tanto como Conrad. O
que busco nos meus desenhos (que não são “bonecos” apalhaçados pra fazer rir)
não é a fácil adesão ou o entretenimento
pelo riso alarve. O que neles é exagero ou parece deformação é apenas o que me
parece conveniente realçar pelo desenho em vista de uma melhor apreensão da
pura e dura realidade dos factos da vida.

.

Ontem fiz 53 anos. Cinquenta e três. Já não tenho grande
futuro. O país em que habito também não. Isto é um facto da vida. A dura
realidade. A verdade.

Tenho vindo a dedicar-me à árdua e bastante
desconsiderada arte da caricatura, desenhando, entre outros, os rostos de uma
classe dirigente que reduziu velhacamente a esperança de um povo imbecil a este
grau zero e lhe transformou a vida nesta comédia
negra triste e bufa pontuada alegremente - de Maio a Outubro em Fátima e de
Agosto a Junho no canal Benfica – por estranhos fervores colectivos e álacres
festividades populares.  E, entre a época dos fogos, a balnear e a da sardinha, por
outras delirantes e pícaras bizarrias, como a caça aos indecisos, os inumeráveis e repetitivos festivais de
música ao ar livre e as privatizações a mata-cavalos.

.

O rosto que escolhi retratar e editar hoje aqui é o de Sérgio Monteiro, o secretário de estado
das infraestruturas, transportes e
comunicações. Na prática trata-se do comissário
plenipotenciário dos donos-disto-tudo
para as privatizações. O senhor suápe.
É dele o rosto da privataria - essa curiosa transacção de bens públicos para bolsos privados a preços
módicos convencionados pelo mediador em
troca de equívocas percentagens ou futuras participações.

.

Os traços, a pose e a retórica são as de quem encara essa
sale besogne como uma missão. Algo realmente importante. Patriótico. O mediador acha-se um decisor.

É disso que trata o desenho. De presunção. O retrato - tanto quanto
possível fiel, ainda que resumido ou sintético - de um alarve entupido de auto-convencimento.

A caricatura, como a entendo, não ambiciona fazer rir. Embora,
por vias travessas, talvez até o
faça.

A verdade é que, como Camilo a respeito do romance, também “estou
mais que muito desconfiado de que não
morigera nem desmoraliza”.

Apenas procura, modestamente, aquela inquietação que só proporciona o verdadeiro entendimento dos factos
da vida. 

.

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Joseph Conrad escreveu, não sei bem em que contexto, que a
caricatura é “pôr o rosto de uma piada no
corpo de uma verdade”. 

Como Conrad não foi propriamente um espírito
conhecido pela nonchalance, deduzo
que a sua referência tenha sido crítica. Na sua austera severidade (ele não usava
de rodriguinhos nem paninhos quentes, escarafunchava a chaga sempre até à carne viva), a caricatura
sugeria-lhe um expediente artificioso - uma espécie de máscara - com que se
tentaria disfarçar a face sempre inquietante
desse corpo hediondo que é a verdade; ou
seja, um divertimento mundano,
irresponsável e escapista, apenas destinado
a amenizar a dura realidade dos
factos da vida.

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Penso que não é esse o caso das minhas caricaturas. Detesto
o engraçadismo tanto como Conrad. O
que busco nos meus desenhos (que não são “bonecos” apalhaçados pra fazer rir)
não é a fácil adesão ou o entretenimento
pelo riso alarve. O que neles é exagero ou parece deformação é apenas o que me
parece conveniente realçar pelo desenho em vista de uma melhor apreensão da
pura e dura realidade dos factos da vida.

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Ontem fiz 53 anos. Cinquenta e três. Já não tenho grande
futuro. O país em que habito também não. Isto é um facto da vida. A dura
realidade. A verdade.

Tenho vindo a dedicar-me à árdua e bastante
desconsiderada arte da caricatura, desenhando, entre outros, os rostos de uma
classe dirigente que reduziu velhacamente a esperança de um povo imbecil a este
grau zero e lhe transformou a vida nesta comédia
negra triste e bufa pontuada alegremente - de Maio a Outubro em Fátima e de
Agosto a Junho no canal Benfica – por estranhos fervores colectivos e álacres
festividades populares.  E, entre a época dos fogos, a balnear e a da sardinha, por
outras delirantes e pícaras bizarrias, como a caça aos indecisos, os inumeráveis e repetitivos festivais de
música ao ar livre e as privatizações a mata-cavalos.

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O rosto que escolhi retratar e editar hoje aqui é o de Sérgio Monteiro, o secretário de estado
das infraestruturas, transportes e
comunicações. Na prática trata-se do comissário
plenipotenciário dos donos-disto-tudo
para as privatizações. O senhor suápe.
É dele o rosto da privataria - essa curiosa transacção de bens públicos para bolsos privados a preços
módicos convencionados pelo mediador em
troca de equívocas percentagens ou futuras participações.

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Os traços, a pose e a retórica são as de quem encara essa
sale besogne como uma missão. Algo realmente importante. Patriótico. O mediador acha-se um decisor.

É disso que trata o desenho. De presunção. O retrato - tanto quanto
possível fiel, ainda que resumido ou sintético - de um alarve entupido de auto-convencimento.

A caricatura, como a entendo, não ambiciona fazer rir. Embora,
por vias travessas, talvez até o
faça.

A verdade é que, como Camilo a respeito do romance, também “estou
mais que muito desconfiado de que não
morigera nem desmoraliza”.

Apenas procura, modestamente, aquela inquietação que só proporciona o verdadeiro entendimento dos factos
da vida. 

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