sorumbático

28-09-2019
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Por Carlos Fiolhais

Assistimos a uma disputa política com poucas novidades. São os mesmos a fazer o mesmo da mesma maneira. Cada vez menos gente acredita nos mesmos, tal como revela a crescente abstenção. Nas legislativas de 1975 foi de 8,5%, nas de 2015, foi de 44,1%, a mais alta de sempre. Nas europeias é diferente, mas nas últimas a abstenção foi de 69,3%! Existe o risco de uma maioria absoluta formada pelas pessoas que não querem saber. Esse absentismo é particularmente notório entre os jovens. 

As pessoas não querem saber, porque não se revêem nos maiores partidos. Que estes funcionam em circuito fechado é bem nítido no modo como foram escolhidos os candidatos a deputados. No PS António Costa quer, pode e manda, fazendo escolhas que o partido aceita sem pestanejar, até porque o PS não passa actualmente de uma máquina de poder que distribui benesses e mordomias. No PSD Rui Rio quer, mas não pode nem manda. A luta que os carreiristas “laranjas” lhe movem deve-se precisamente à ânsia de manutenção das suas regalias. 

Os eleitores não têm verdadeiramente escolha, pois encontram escolhas já feitas. Eu, por exemplo, recuso-me a escolher em Coimbra entre Marta Temido, a ministra da Saúde que assiste impávida ao descalabro do Sistema Nacional de Saúde, e Mónica Quintela, a advogada que se tornou mediática por defender um afamado criminoso. As duas podem ter ligação a Coimbra, mas nenhuma delas tem defendido a região: a primeira não tem sido capaz de decidir construir uma nova maternidade e à segunda não se conhece uma opinião sobre os graves problemas locais. Que escolha pode fazer um jovem em Coimbra? Como pode ele inuenciar o futuro de um sítio onde tem tão pouco futuro devido à manifesta centralização do país? 

Era preciso uma reforma do sistema político, algo de que os partidos fogem como o diabo da cruz. Henrique Neto, que foi do PS muitos anos (saiu em 2017), descreve muito bem a circularidade do sistema, em artigo no Diário de Coimbra de 2/Setembro: “O secretário-geral escolhe os dirigentes das federações, os autarcas e os deputados da sua cor e estes elegem e protegem o secretário-geral.” Num quadro como este não admira que a corrupção e o nepotismo cresçam e, por isso, os cidadãos se alheiem. Neto dá um exemplo: “Que o próprio presidente do PS tenha toda a família e alguns amigos com empregos no Estado dá-nos uma ideia do sucesso partidário do modelo eleitoral.” Costa é um resultado perfeito do actual sistema, no qual ingressou em pequenino, e a última coisa que quer é mudá-lo. Desdenha da maioria absoluta, mas quer evidentemente comprá-la: basta ler Maquiavel para saber que o Príncipe anseia pelo poder absoluto. Por outro lado, Rio tem algumas ideias sobre a reforma do sistema político, no sentido de aproximar eleitos e eleitores, e merece crédito por isso: propõe alterar a forma de eleição dos deputados, limitar os mandatos e reduzir o número de deputados, para além de promover a ética na política. Mas está cheio de contradições e, apunhalado pelos mais próximos, não terá grande sorte. Pode não acreditar em sondagens, mas que las hay las hay. 

A campanha eleitoral vai ser, está a ser, mais do mesmo. Ruído e pouca pedagogia. Não mobiliza ninguém, porque já ninguém acredita nos políticos prossionais. A “geringonça” que tem sido responsável pela governação apresenta-se completamente desengonçada. O que os partidos da “geringonça” dizem uns dos outros mostra como estão fora dos gonzos. Se querem continuar a governar, deviam estar unidos no essencial e não estão. Tacticista como é, Costa encontrará uma solução qualquer, nem que tenha de criar um serviço nacional de saúde para cães e gatos. 

Merecerá o PS uma maioria absoluta, que poderá obter com 39%? Claro que não. Basta pensar, para além da degradação na Saúde, nas desilusões na Educação, na Ciência e na Cultura. Com um sistema político tão depauperado, concentrar ainda mais poder num líder e no seu séquito seria empobrecer a democracia. Não me vou abster no dia 6 de Outubro, para impedir a outra maioria absoluta, a da abstenção, que seria um mal maior para a democracia. Existem pequenos partidos, nalguns casos com propostas interessantes. Se conseguirem eleger deputados o Parlamento será mais plural e, portanto, melhor. 
Público 5 Set 19Etiquetas: autor convidado, CF

Por Carlos Fiolhais

Assistimos a uma disputa política com poucas novidades. São os mesmos a fazer o mesmo da mesma maneira. Cada vez menos gente acredita nos mesmos, tal como revela a crescente abstenção. Nas legislativas de 1975 foi de 8,5%, nas de 2015, foi de 44,1%, a mais alta de sempre. Nas europeias é diferente, mas nas últimas a abstenção foi de 69,3%! Existe o risco de uma maioria absoluta formada pelas pessoas que não querem saber. Esse absentismo é particularmente notório entre os jovens. 

As pessoas não querem saber, porque não se revêem nos maiores partidos. Que estes funcionam em circuito fechado é bem nítido no modo como foram escolhidos os candidatos a deputados. No PS António Costa quer, pode e manda, fazendo escolhas que o partido aceita sem pestanejar, até porque o PS não passa actualmente de uma máquina de poder que distribui benesses e mordomias. No PSD Rui Rio quer, mas não pode nem manda. A luta que os carreiristas “laranjas” lhe movem deve-se precisamente à ânsia de manutenção das suas regalias. 

Os eleitores não têm verdadeiramente escolha, pois encontram escolhas já feitas. Eu, por exemplo, recuso-me a escolher em Coimbra entre Marta Temido, a ministra da Saúde que assiste impávida ao descalabro do Sistema Nacional de Saúde, e Mónica Quintela, a advogada que se tornou mediática por defender um afamado criminoso. As duas podem ter ligação a Coimbra, mas nenhuma delas tem defendido a região: a primeira não tem sido capaz de decidir construir uma nova maternidade e à segunda não se conhece uma opinião sobre os graves problemas locais. Que escolha pode fazer um jovem em Coimbra? Como pode ele inuenciar o futuro de um sítio onde tem tão pouco futuro devido à manifesta centralização do país? 

Era preciso uma reforma do sistema político, algo de que os partidos fogem como o diabo da cruz. Henrique Neto, que foi do PS muitos anos (saiu em 2017), descreve muito bem a circularidade do sistema, em artigo no Diário de Coimbra de 2/Setembro: “O secretário-geral escolhe os dirigentes das federações, os autarcas e os deputados da sua cor e estes elegem e protegem o secretário-geral.” Num quadro como este não admira que a corrupção e o nepotismo cresçam e, por isso, os cidadãos se alheiem. Neto dá um exemplo: “Que o próprio presidente do PS tenha toda a família e alguns amigos com empregos no Estado dá-nos uma ideia do sucesso partidário do modelo eleitoral.” Costa é um resultado perfeito do actual sistema, no qual ingressou em pequenino, e a última coisa que quer é mudá-lo. Desdenha da maioria absoluta, mas quer evidentemente comprá-la: basta ler Maquiavel para saber que o Príncipe anseia pelo poder absoluto. Por outro lado, Rio tem algumas ideias sobre a reforma do sistema político, no sentido de aproximar eleitos e eleitores, e merece crédito por isso: propõe alterar a forma de eleição dos deputados, limitar os mandatos e reduzir o número de deputados, para além de promover a ética na política. Mas está cheio de contradições e, apunhalado pelos mais próximos, não terá grande sorte. Pode não acreditar em sondagens, mas que las hay las hay. 

A campanha eleitoral vai ser, está a ser, mais do mesmo. Ruído e pouca pedagogia. Não mobiliza ninguém, porque já ninguém acredita nos políticos prossionais. A “geringonça” que tem sido responsável pela governação apresenta-se completamente desengonçada. O que os partidos da “geringonça” dizem uns dos outros mostra como estão fora dos gonzos. Se querem continuar a governar, deviam estar unidos no essencial e não estão. Tacticista como é, Costa encontrará uma solução qualquer, nem que tenha de criar um serviço nacional de saúde para cães e gatos. 

Merecerá o PS uma maioria absoluta, que poderá obter com 39%? Claro que não. Basta pensar, para além da degradação na Saúde, nas desilusões na Educação, na Ciência e na Cultura. Com um sistema político tão depauperado, concentrar ainda mais poder num líder e no seu séquito seria empobrecer a democracia. Não me vou abster no dia 6 de Outubro, para impedir a outra maioria absoluta, a da abstenção, que seria um mal maior para a democracia. Existem pequenos partidos, nalguns casos com propostas interessantes. Se conseguirem eleger deputados o Parlamento será mais plural e, portanto, melhor. 
Público 5 Set 19Etiquetas: autor convidado, CF

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