Justiça: espera-se o pior, do PSD

12-07-2018
marcar artigo


Observador, Luís Rosa:

1. Vamos ser claros: quando Rui Rio e os seus
porta-vozes para a Justiça falam insistentemente da violação do segredo
de Justiça e do suposto papel nefasto da imprensa para a presunção de
inocência dos arguidos não estão a falar para os cidadãos comuns. Estão a
dizer que querem proteger e defender as diferentes castas da classe
política e da administração pública do escrutínio da comunicação social.
Por outras palavras: querem impedir que os jornalistas façam o seu
trabalho.
Estas intenções foram reforçadas este sábado com uma
entrevista que Mónica Quintela, a porta-voz do PSD para a Justiça,
concedeu ao Expresso. É certo que o programa para a Justiça de Rui Rio
ainda não foi apresentado, mas as declarações de Quintela, a conhecida advogada de Pedro Dias, são mais um indicador que se espera o pior no que ao combate à corrupção diz respeito.
Advogada
inteligente, Quintela bem vai jurando que não está “posta em causa a
liberdade de imprensa, de expressão e de informação” (“de maneira
alguma”) mas faz voz grossa para denunciar os “novos pelourinhos que são
as redes sociais” onde “os arguidos são completamente crucificados”.
Apesar de ainda não existir uma proposta concreta, Mónica Quintela
sempre vai ensaiando uma opção: “Se calhar, tem de haver um reforço dos
direitos de personalidade. Todos temos direito ao nosso bom nome” e à
presunção da inocência — o que entra em confronto com o direito à
liberdade de expressão e de imprensa.
Não tenho qualquer dúvida que esta opção defendida por Quintela, que bate certo com dezenas de declarações de Rui Rio (como esta)
desde há vários anos a esta parte sobre a mediatização da Justiça, é um
caminho aberto para propostas legislativas que reforcem o direito ao
bom nome dos políticos e restantes titulares de cargos públicos, além de
banqueiros e de outros poderosos. As consequências desse reforço são
várias:

Promoção de mais ações judiciais cíveis e criminais contra
jornalistas, ficando facilitada a sua condenação em ações cíveis com
pedidos de indemnização também eles reforçados.
Transformação desse aumento de litigância contra os media numa arma de pressão sobre os jornalistas e as respetivas empresas.

2. O mais extraordinário, contudo, é que esse
“reforço dos direitos de personalidade” contradiz os sucessivos acórdãos
do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). Portugal tem sido
condenado por não respeitar a liberdade de imprensa e o escrutínio
jornalístico inerente a qualquer regime democrático, preferindo, ao
invés, dar mais importância precisamente àquilo que a tripla Rui
Rio/Elina Fraga/Mónica Quintela querem que seja reforçado na lei
portuguesa: os direito de personalidade.
E o que dizem os juízes
do TEDH, criado por países da União Europeia que têm democracias bem
mais longas e fecundas que a portuguesa? Três questões:

Que os titulares de cargos políticos e públicos estão sujeitos a um
escrutínio apertado dos media em nome de uma prestação de contas que é
devida aos cidadãos;
Que os políticos e representantes da administração pública aceitam
esse contrato não escrito inerente a qualquer democracia quando aceitam
os respetivos cargos;
E que esse escrutínio, que é feito em nome da Opinião Pública, tem
uma consequência clara: os direitos de personalidade dos políticos ficam
naturalmente comprimidos face à liberdade de expressão e de imprensa.

Esta é a teoria clara para qualquer estudante de direito, mas
vamos falar de casos práticos. Como Mónica Quintela diz, e bem, este
problema de liberdade de imprensa vs direito ao bom nome só se coloca em
processos mediáticos, como — e só para falar dos mais recentes — a
Operação Marquês, os casos Universo Espírito Santo, EDP, Lex, Tutti
Fruti, etc. etc.
A pergunta que se coloca é simples: porque razão a comunicação social se interessa sobre esses casos?
Resposta
ainda mais simples: porque todos esses processos envolvem titulares de
cargos políticos ou públicos que estão sujeitos a um escrutínio especial
da comunicação social — e que nada tem a ver com o trabalho judiciário
ou criminal. Não são os direitos dos cidadãos comuns que estão aqui em
causa. São os direitos dos gestores da coisa pública ou de alguém com
influência económica e social suficiente para interferir na vida de
milhares de cidadãos comuns.
3. Se Mónica
Quintela ainda admite uma margem de recuo nesta nefasta ideia de
reforçar os direitos de personalidade da oligarquia política e
empresarial, há outras matérias em que parece que o PSD já tem um
pensamento fechado. Um exemplo: “os prazos de inquéritos, em vez de
indicativos, deviam ser perentórios”.
Quer isto dizer que o prazo
máximo de um inquérito criminal, com o da Operação Marquês ou do
Universo Espírito Santo seria de 18 meses (1 ano e 6 meses), com a
possibilidade de tal prazo ser suspenso por 9 meses caso existam, por
exemplo, cartas rogatórias expedidas para autoridades judiciais
estrangeiras. Só um exemplo: a Operação Marquês iniciou-se a 19 de julho
de 2013 e o despacho de acusação foi emitido a 11 de outubro de 2017.
Isto é, o inquérito demorou um pouco mais de 4 anos.
Não está em
causa a crítica que a porta-voz social-democrata faz aos mega-processos
que o Ministério Público tem a tendência para fomentar. Está em causa,
sim, é que a aplicação obrigatória de prazos de 18 meses impedirá o
desenvolvimento de investigações sérias a crimes muito difíceis de
investigar como os crimes de corrupção e outros económico-financeiros em
que existe uma opacidade absoluta e um circuitos financeiros complexos
que passam inevitavelmente por diversas jurisdições internacionais.
Defender
inquéritos com estes prazos obrigatórios, significa promover uma
justiça formal, com arquivamentos obrigatórios ‘de gaveta’ sem que a
verdade material tenha sido esclarecida, como acontecia nos anos 80 e
90. E pior: utilizando inclusivamente os argumentos que José Sócrates e
os seus advogados invocam desde 2015.
4. Para
quem se apresenta com promessas de “banhos de ética” e uma suposta
vontade de reformar o regime democrático de alto a baixo, transformar-se
no melhor aliado que José Sócrates gostava de ter não é o melhor cartão
de visita para um líder do PS — quanto mais do PSD.
Rui Rio devia
defender uma justiça independente e um escrutínio exigente dos
titulares de cargos políticos e públicos — e não fomentar uma Justiça de
cócoras perante o Poder Executivo e uma comunicação social defensora de
uma ideia muito querida de uma certa Direita Autoritária: “o
respeitinho é muito bonito”.

Esta Mónica Quintela mais a antiga bastonária da OA, Elina Fraga são as figuras de proa do programa do PSD de Rui Rio para a Justiça.

Não é possível esconder mais a essência desse programa, depois desta apresentação de ideias sobre o assunto, pela referida Mónica Quintela, a quem se apegou o advogado Rui Silva Leal em atracção fatal e fulminante: proteger uma certa classe que é a dos envolvidos nos processos mediáticos, com ligações à política, negócios e afins.
Quando o assunto for um qualquer Pedro Dias, estão-se a c. para o segredo de justiça, como o outro que é agora segunda figura do Estado.
Até convocam jornalistas para presenciar actos judiciários em directo e conferências de imprensa na hora para defender os interesses dos clientes.

Com gente destas a orientar programas de justiça, estamos conversados. Sobre Rui Rio também. 


Observador, Luís Rosa:

1. Vamos ser claros: quando Rui Rio e os seus
porta-vozes para a Justiça falam insistentemente da violação do segredo
de Justiça e do suposto papel nefasto da imprensa para a presunção de
inocência dos arguidos não estão a falar para os cidadãos comuns. Estão a
dizer que querem proteger e defender as diferentes castas da classe
política e da administração pública do escrutínio da comunicação social.
Por outras palavras: querem impedir que os jornalistas façam o seu
trabalho.
Estas intenções foram reforçadas este sábado com uma
entrevista que Mónica Quintela, a porta-voz do PSD para a Justiça,
concedeu ao Expresso. É certo que o programa para a Justiça de Rui Rio
ainda não foi apresentado, mas as declarações de Quintela, a conhecida advogada de Pedro Dias, são mais um indicador que se espera o pior no que ao combate à corrupção diz respeito.
Advogada
inteligente, Quintela bem vai jurando que não está “posta em causa a
liberdade de imprensa, de expressão e de informação” (“de maneira
alguma”) mas faz voz grossa para denunciar os “novos pelourinhos que são
as redes sociais” onde “os arguidos são completamente crucificados”.
Apesar de ainda não existir uma proposta concreta, Mónica Quintela
sempre vai ensaiando uma opção: “Se calhar, tem de haver um reforço dos
direitos de personalidade. Todos temos direito ao nosso bom nome” e à
presunção da inocência — o que entra em confronto com o direito à
liberdade de expressão e de imprensa.
Não tenho qualquer dúvida que esta opção defendida por Quintela, que bate certo com dezenas de declarações de Rui Rio (como esta)
desde há vários anos a esta parte sobre a mediatização da Justiça, é um
caminho aberto para propostas legislativas que reforcem o direito ao
bom nome dos políticos e restantes titulares de cargos públicos, além de
banqueiros e de outros poderosos. As consequências desse reforço são
várias:

Promoção de mais ações judiciais cíveis e criminais contra
jornalistas, ficando facilitada a sua condenação em ações cíveis com
pedidos de indemnização também eles reforçados.
Transformação desse aumento de litigância contra os media numa arma de pressão sobre os jornalistas e as respetivas empresas.

2. O mais extraordinário, contudo, é que esse
“reforço dos direitos de personalidade” contradiz os sucessivos acórdãos
do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). Portugal tem sido
condenado por não respeitar a liberdade de imprensa e o escrutínio
jornalístico inerente a qualquer regime democrático, preferindo, ao
invés, dar mais importância precisamente àquilo que a tripla Rui
Rio/Elina Fraga/Mónica Quintela querem que seja reforçado na lei
portuguesa: os direito de personalidade.
E o que dizem os juízes
do TEDH, criado por países da União Europeia que têm democracias bem
mais longas e fecundas que a portuguesa? Três questões:

Que os titulares de cargos políticos e públicos estão sujeitos a um
escrutínio apertado dos media em nome de uma prestação de contas que é
devida aos cidadãos;
Que os políticos e representantes da administração pública aceitam
esse contrato não escrito inerente a qualquer democracia quando aceitam
os respetivos cargos;
E que esse escrutínio, que é feito em nome da Opinião Pública, tem
uma consequência clara: os direitos de personalidade dos políticos ficam
naturalmente comprimidos face à liberdade de expressão e de imprensa.

Esta é a teoria clara para qualquer estudante de direito, mas
vamos falar de casos práticos. Como Mónica Quintela diz, e bem, este
problema de liberdade de imprensa vs direito ao bom nome só se coloca em
processos mediáticos, como — e só para falar dos mais recentes — a
Operação Marquês, os casos Universo Espírito Santo, EDP, Lex, Tutti
Fruti, etc. etc.
A pergunta que se coloca é simples: porque razão a comunicação social se interessa sobre esses casos?
Resposta
ainda mais simples: porque todos esses processos envolvem titulares de
cargos políticos ou públicos que estão sujeitos a um escrutínio especial
da comunicação social — e que nada tem a ver com o trabalho judiciário
ou criminal. Não são os direitos dos cidadãos comuns que estão aqui em
causa. São os direitos dos gestores da coisa pública ou de alguém com
influência económica e social suficiente para interferir na vida de
milhares de cidadãos comuns.
3. Se Mónica
Quintela ainda admite uma margem de recuo nesta nefasta ideia de
reforçar os direitos de personalidade da oligarquia política e
empresarial, há outras matérias em que parece que o PSD já tem um
pensamento fechado. Um exemplo: “os prazos de inquéritos, em vez de
indicativos, deviam ser perentórios”.
Quer isto dizer que o prazo
máximo de um inquérito criminal, com o da Operação Marquês ou do
Universo Espírito Santo seria de 18 meses (1 ano e 6 meses), com a
possibilidade de tal prazo ser suspenso por 9 meses caso existam, por
exemplo, cartas rogatórias expedidas para autoridades judiciais
estrangeiras. Só um exemplo: a Operação Marquês iniciou-se a 19 de julho
de 2013 e o despacho de acusação foi emitido a 11 de outubro de 2017.
Isto é, o inquérito demorou um pouco mais de 4 anos.
Não está em
causa a crítica que a porta-voz social-democrata faz aos mega-processos
que o Ministério Público tem a tendência para fomentar. Está em causa,
sim, é que a aplicação obrigatória de prazos de 18 meses impedirá o
desenvolvimento de investigações sérias a crimes muito difíceis de
investigar como os crimes de corrupção e outros económico-financeiros em
que existe uma opacidade absoluta e um circuitos financeiros complexos
que passam inevitavelmente por diversas jurisdições internacionais.
Defender
inquéritos com estes prazos obrigatórios, significa promover uma
justiça formal, com arquivamentos obrigatórios ‘de gaveta’ sem que a
verdade material tenha sido esclarecida, como acontecia nos anos 80 e
90. E pior: utilizando inclusivamente os argumentos que José Sócrates e
os seus advogados invocam desde 2015.
4. Para
quem se apresenta com promessas de “banhos de ética” e uma suposta
vontade de reformar o regime democrático de alto a baixo, transformar-se
no melhor aliado que José Sócrates gostava de ter não é o melhor cartão
de visita para um líder do PS — quanto mais do PSD.
Rui Rio devia
defender uma justiça independente e um escrutínio exigente dos
titulares de cargos políticos e públicos — e não fomentar uma Justiça de
cócoras perante o Poder Executivo e uma comunicação social defensora de
uma ideia muito querida de uma certa Direita Autoritária: “o
respeitinho é muito bonito”.

Esta Mónica Quintela mais a antiga bastonária da OA, Elina Fraga são as figuras de proa do programa do PSD de Rui Rio para a Justiça.

Não é possível esconder mais a essência desse programa, depois desta apresentação de ideias sobre o assunto, pela referida Mónica Quintela, a quem se apegou o advogado Rui Silva Leal em atracção fatal e fulminante: proteger uma certa classe que é a dos envolvidos nos processos mediáticos, com ligações à política, negócios e afins.
Quando o assunto for um qualquer Pedro Dias, estão-se a c. para o segredo de justiça, como o outro que é agora segunda figura do Estado.
Até convocam jornalistas para presenciar actos judiciários em directo e conferências de imprensa na hora para defender os interesses dos clientes.

Com gente destas a orientar programas de justiça, estamos conversados. Sobre Rui Rio também. 

marcar artigo