Voando sobre um ninho de cucos

26-09-2019
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Maria João Marques

Observador 4/5/2016

Tomando só as pessoas funcionais de direita existentes nos meios de comunicação social, as generalizações de Pacheco Pereira têm uma adesão à verdade parecida com a que Sócrates costuma evidenciar.

Corram para os abrigos: anda aí uma direita ‘radical’, agressiva, perigosa, má como as cobras (e quem vos diz isto é esta vossa amiga fóbica de serpentes). O governo – sempre pronto a proteger-nos de todos os perigos (menos os de umas contas públicas que só fazem sentido depois de consumo de LSD) – já tratou, estou certa, de dotar os psicólogos nacionais de bolsas chorudas para a investigação dos traços fisionómicos comuns nesta direita ‘radical’, para que o cidadão decente possa identificar o malandro radical direitolas sempre que por ele (ou ela) passa na rua.

A tese não é nova – vem desde as eleições. Não havendo votos, inventou-se outra fonte de legitimidade. É que o PS tinha de governar – Costa e sus muchachos nem queriam nada – para salvar o país da direita radical que tinha tomado a coligação. E quanto mais o PS se radicalizava e se aliava aos universalmente reconhecidos extremistas, mais se gritava ‘direita radical’, enquanto se acendiam velinhas nas lojas maçónicas para que o cidadão português não reparasse no que se passava.

Pacheco Pereira esmera-se agora na denúncia desta malvada e aleivosa direita radical que anda à solta pelo país, sobretudo nos blogues, no twitter e nos comentários. E escrevem também nesses lugares malsãos que são este vosso criado Observador, no Sol e no ‘extinto’ Diário Económico (os trabalhadores, jornalistas incluídos, que continuam a trabalhar para dar notícias no agora digital Diário Económico, certamente agradecem tanta consideração). Permitam-me notar só um pormenor: deixando de lado as caixas de comentários, tomando só as pessoas funcionais de direita existentes nestes meios, as generalizações de Pacheco Pereira têm uma adesão à verdade parecida com a que Sócrates costuma evidenciar.

Exemplos. Ama-se de amor verdadeiro o PC Chinês. Que eu saiba, a única pessoa que adora chineses sou eu, sou ciumenta com essa relação, pelo que mais ninguém se atreve a professar amor igual. E como às vezes temos zangas – sucede sempre com os afetos – ocasionalmente há represálias e lá posto denúncias sobre censura na China, prisão de ativistas de direitos humanos, as desventuras de Hong Kong e por aí adiante. E sou, parece-me, o expoente máximo de amor que o PCC pode esperar obter na direita, radical ou não, portuguesa. Trump e Putin são elogiados por uma única pessoa em todo o twitter e (mais ou menos furiosamente) insultados pelos restantes. Enlevos com Catroga ou o MPLA só podem provir de noites de pesadelo de Pacheco Pereira.

Há – informa Pacheco – uma enorme agressividade nesta direita radical, insultos, calúnias, nenhuma vilania lhe escapa. E não há nada disto há esquerda, onde é tudo malta cool e relaxada. É verdade que eu – não tendo a vocação patrulheira e controleira de outros – não frequento os bas-fonds da esquerda, mas posso dizer que eles vêm com frequência ter comigo, por tweets ou e-mails ou mensagens no facebook, usando de alguns insultos e calúnias, de cada vez que eu ouso dizer que o nosso magnífico PM é um bocadinho menos do que um tipo absolutamente impecável. Por ocasião dos meus textos sobre o islão, já tive esquerdolas de várias idades informando-me que são tão tolerantes que nem se importam de me dar uns sopapos – mas sopapos pacíficos e nada agressivos – só para que eu também aprenda a ser tolerante.

Pacheco Pereira não lê as mensagens que me dirigem, claro. Mas também deve esquecer-se de ler (olha, passou-lhe) João Galamba ou José Lello, só para ficar pelos representantes do povo (nas democracias funcionais obrigados a mais juízo) que não se costumam caracterizar pela bonomia. Também não lê Tiago Barbosa Ribeiro, que no outro dia escreveu um email a destratar um eleitor que o havia contactado (a opinião do eleitor é irrelevante; no caso discordo dela) e depois orgulhosamente exibiu a sua resposta nas redes sociais. Por mero acaso também escaparam a Pacheco Pereira as palavras – meigas e ronronantes – de José Magalhães sobre José Rodrigues dos Santos: ‘a aberração Santos vomita o seu palavrório certo que não tem contradita’.

Se a esquerda eleita é esta ausência visível de agressividade, os comentadores, bloggers, opinadores, twitters de esquerda serão todos – até aposto aí uma moeda de dois ou de cinco cêntimos – seres celestiais. Pacheco tem razão: não há nenhuma agressividade à esquerda.

Mas vamos lá saber: o que defende esta direita radical que tanto repugna a Pacheco Pereira? Deixo-vos aqui algumas frases que estou certa que a direita radical subscreveria, mais aresta, menos aresta.

‘P precisamos vitalmente de outra coisa, precisamos de mais liberalismo, de mais liberdade económica, de mais espírito empresarial. Sem mais “crise” (das que falava Schumpeter) e sem mais “boa” insegurança, não somos capazes de mudar. O estado tudo faz para nos poupar a essa insegurança, e, como toda a Europa, afundamo-nos, pouco a pouco, na manutenção, geracionalmente egoísta, de um modelo social insustentável a prazo e que nos condena a definhar.’

‘A reconfiguração do modelo do nosso Estado devia apenas garantir uma protecção social mínima para quem realmente a exige, limitar a esse mínimo de solidariedade social básica o carácter distributivo dos impostos, assim libertando para cada um a gestão da parte da sua “segurança” que está para além do mínimo garantido e para a economia recursos de que o Estado tem vindo a apropriar-se numa espiral cada vez maior. O que significa que a única oposição possível é a liberal.’

‘Medidas de fundo, estruturais, … alterar de imediato a Constituição para acabar com a gratuitidade na saúde e na educação e concentrar os benefícios em quem realmente precisa, acabar com as centenas de milhões que pagam a máquina de propaganda do Estado, a começar pela RTP. E, a aumentar os impostos, fazê-lo com prazos definidos e associando-os à redução de despesa, tudo quantificado e com prazos.’

O autor destas ideias ultra-mega-uber-neo-liberais? Pacheco Pereira, perigoso direitolas radical.

Maria João Marques

Observador 4/5/2016

Tomando só as pessoas funcionais de direita existentes nos meios de comunicação social, as generalizações de Pacheco Pereira têm uma adesão à verdade parecida com a que Sócrates costuma evidenciar.

Corram para os abrigos: anda aí uma direita ‘radical’, agressiva, perigosa, má como as cobras (e quem vos diz isto é esta vossa amiga fóbica de serpentes). O governo – sempre pronto a proteger-nos de todos os perigos (menos os de umas contas públicas que só fazem sentido depois de consumo de LSD) – já tratou, estou certa, de dotar os psicólogos nacionais de bolsas chorudas para a investigação dos traços fisionómicos comuns nesta direita ‘radical’, para que o cidadão decente possa identificar o malandro radical direitolas sempre que por ele (ou ela) passa na rua.

A tese não é nova – vem desde as eleições. Não havendo votos, inventou-se outra fonte de legitimidade. É que o PS tinha de governar – Costa e sus muchachos nem queriam nada – para salvar o país da direita radical que tinha tomado a coligação. E quanto mais o PS se radicalizava e se aliava aos universalmente reconhecidos extremistas, mais se gritava ‘direita radical’, enquanto se acendiam velinhas nas lojas maçónicas para que o cidadão português não reparasse no que se passava.

Pacheco Pereira esmera-se agora na denúncia desta malvada e aleivosa direita radical que anda à solta pelo país, sobretudo nos blogues, no twitter e nos comentários. E escrevem também nesses lugares malsãos que são este vosso criado Observador, no Sol e no ‘extinto’ Diário Económico (os trabalhadores, jornalistas incluídos, que continuam a trabalhar para dar notícias no agora digital Diário Económico, certamente agradecem tanta consideração). Permitam-me notar só um pormenor: deixando de lado as caixas de comentários, tomando só as pessoas funcionais de direita existentes nestes meios, as generalizações de Pacheco Pereira têm uma adesão à verdade parecida com a que Sócrates costuma evidenciar.

Exemplos. Ama-se de amor verdadeiro o PC Chinês. Que eu saiba, a única pessoa que adora chineses sou eu, sou ciumenta com essa relação, pelo que mais ninguém se atreve a professar amor igual. E como às vezes temos zangas – sucede sempre com os afetos – ocasionalmente há represálias e lá posto denúncias sobre censura na China, prisão de ativistas de direitos humanos, as desventuras de Hong Kong e por aí adiante. E sou, parece-me, o expoente máximo de amor que o PCC pode esperar obter na direita, radical ou não, portuguesa. Trump e Putin são elogiados por uma única pessoa em todo o twitter e (mais ou menos furiosamente) insultados pelos restantes. Enlevos com Catroga ou o MPLA só podem provir de noites de pesadelo de Pacheco Pereira.

Há – informa Pacheco – uma enorme agressividade nesta direita radical, insultos, calúnias, nenhuma vilania lhe escapa. E não há nada disto há esquerda, onde é tudo malta cool e relaxada. É verdade que eu – não tendo a vocação patrulheira e controleira de outros – não frequento os bas-fonds da esquerda, mas posso dizer que eles vêm com frequência ter comigo, por tweets ou e-mails ou mensagens no facebook, usando de alguns insultos e calúnias, de cada vez que eu ouso dizer que o nosso magnífico PM é um bocadinho menos do que um tipo absolutamente impecável. Por ocasião dos meus textos sobre o islão, já tive esquerdolas de várias idades informando-me que são tão tolerantes que nem se importam de me dar uns sopapos – mas sopapos pacíficos e nada agressivos – só para que eu também aprenda a ser tolerante.

Pacheco Pereira não lê as mensagens que me dirigem, claro. Mas também deve esquecer-se de ler (olha, passou-lhe) João Galamba ou José Lello, só para ficar pelos representantes do povo (nas democracias funcionais obrigados a mais juízo) que não se costumam caracterizar pela bonomia. Também não lê Tiago Barbosa Ribeiro, que no outro dia escreveu um email a destratar um eleitor que o havia contactado (a opinião do eleitor é irrelevante; no caso discordo dela) e depois orgulhosamente exibiu a sua resposta nas redes sociais. Por mero acaso também escaparam a Pacheco Pereira as palavras – meigas e ronronantes – de José Magalhães sobre José Rodrigues dos Santos: ‘a aberração Santos vomita o seu palavrório certo que não tem contradita’.

Se a esquerda eleita é esta ausência visível de agressividade, os comentadores, bloggers, opinadores, twitters de esquerda serão todos – até aposto aí uma moeda de dois ou de cinco cêntimos – seres celestiais. Pacheco tem razão: não há nenhuma agressividade à esquerda.

Mas vamos lá saber: o que defende esta direita radical que tanto repugna a Pacheco Pereira? Deixo-vos aqui algumas frases que estou certa que a direita radical subscreveria, mais aresta, menos aresta.

‘P precisamos vitalmente de outra coisa, precisamos de mais liberalismo, de mais liberdade económica, de mais espírito empresarial. Sem mais “crise” (das que falava Schumpeter) e sem mais “boa” insegurança, não somos capazes de mudar. O estado tudo faz para nos poupar a essa insegurança, e, como toda a Europa, afundamo-nos, pouco a pouco, na manutenção, geracionalmente egoísta, de um modelo social insustentável a prazo e que nos condena a definhar.’

‘A reconfiguração do modelo do nosso Estado devia apenas garantir uma protecção social mínima para quem realmente a exige, limitar a esse mínimo de solidariedade social básica o carácter distributivo dos impostos, assim libertando para cada um a gestão da parte da sua “segurança” que está para além do mínimo garantido e para a economia recursos de que o Estado tem vindo a apropriar-se numa espiral cada vez maior. O que significa que a única oposição possível é a liberal.’

‘Medidas de fundo, estruturais, … alterar de imediato a Constituição para acabar com a gratuitidade na saúde e na educação e concentrar os benefícios em quem realmente precisa, acabar com as centenas de milhões que pagam a máquina de propaganda do Estado, a começar pela RTP. E, a aumentar os impostos, fazê-lo com prazos definidos e associando-os à redução de despesa, tudo quantificado e com prazos.’

O autor destas ideias ultra-mega-uber-neo-liberais? Pacheco Pereira, perigoso direitolas radical.

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