José Sócrates e a amizade perdida

10-09-2020
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No decurso de um processo que se arrasta desde 21 de novembro de 2014, não têm sido poucas as vezes em que os mass media nacionais e internacionais têm concedido voz a José Sócrates. Oportunidades que o antigo primeiro-ministro não tem enjeitado. Aliás, até as considera insuficientes. Daí o recurso ao YouTube.

Meios de comunicação social que, por outro lado, acabam por contribuir para uma espécie de julgamento na praça pública. Algo que deveria ser acautelado para evitar repetir o exemplo dado pelo padre António Vieira ao afirmar que quando morria alguém, ainda o morto não tinha comido a terra e já a terra inteira o tinha comido.

No espaço que lhe tem sido facultado, Sócrates tem aproveitado para defender a sua inocência e para descarregar a revolta irada sobre a justiça, embora, por vezes, aluda à falta de solidariedade do Partido Socialista e dos seus principais rostos. De facto, longe vão os tempos em que Mário Soares – que o visitou na prisão de Évora logo a 26 de novembro – assumiu a missão de fazer de Sócrates um preso político. Um desiderato que não encontrou respaldo assinalável e que António Costa não subscreveu.

Ora, na recente entrevista ao jornal La Voz de Galicia, Sócrates fez questão de frisar que, desde a detenção, se sentia abandonado por Costa e pela cúpula do PS. Um abandono que não percebia face à relação amistosa que, ao longo dos tempos, tinha mantido com o atual primeiro-ministro. Uma amizade que declarações de Sócrates no âmbito do processo Marquês não parecem confirmar. Declarações que, diga-se, deveriam estar em segredo de justiça.

Quanto à falta de apoio do partido, Sócrates comparou o seu caso com o de Lula da Silva e lamentou que o PS não estivesse a seguir o exemplo do Partido dos Trabalhadores (PT).

Ora, neste ponto, importa mostrar alguma estranheza face ao lamento socrático.

De facto, no Brasil, mal foi acusado Lula “refugiou-se” na sede do partido porque sabia bem a identidade que existe entre ele e o PT. Veja-se a forma como Dilma o confortou. A criatura a reconhecer e a amparar o criador.

Quanto à relação entre o PS e o seu secretário-geral a coisa fia mais fino. Basta recordar que Mário Soares, apesar de líder histórico do partido, se viu forçado a uma autoexclusão temporária quando voltou atrás no apoio à recandidatura de Eanes. Uma decisão que o partido compreendeu, mas não aceitou. O PS não está habituado a confundir a unidade, ela própria negociada e temporária, com a unicidade.

Muito mais haveria para dizer sobre a entrevista. No entanto, isso implicaria entrar em matéria processual. Por isso, convém parar. Até para não ser acusado de ver o argueiro no olho alheio e não vislumbrar a trave no próprio. Uma situação em que o processo Marquês tem sido fértil.

No Brasil, uma canção assume que não confia em ninguém com mais de 30 anos. Mesmo assim, atrevo-me a sugerir a Sócrates que, depois de publicar sobre a tortura e o carisma, talvez fosse conveniente reler Maquiavel sobre a amizade.

No decurso de um processo que se arrasta desde 21 de novembro de 2014, não têm sido poucas as vezes em que os mass media nacionais e internacionais têm concedido voz a José Sócrates. Oportunidades que o antigo primeiro-ministro não tem enjeitado. Aliás, até as considera insuficientes. Daí o recurso ao YouTube.

Meios de comunicação social que, por outro lado, acabam por contribuir para uma espécie de julgamento na praça pública. Algo que deveria ser acautelado para evitar repetir o exemplo dado pelo padre António Vieira ao afirmar que quando morria alguém, ainda o morto não tinha comido a terra e já a terra inteira o tinha comido.

No espaço que lhe tem sido facultado, Sócrates tem aproveitado para defender a sua inocência e para descarregar a revolta irada sobre a justiça, embora, por vezes, aluda à falta de solidariedade do Partido Socialista e dos seus principais rostos. De facto, longe vão os tempos em que Mário Soares – que o visitou na prisão de Évora logo a 26 de novembro – assumiu a missão de fazer de Sócrates um preso político. Um desiderato que não encontrou respaldo assinalável e que António Costa não subscreveu.

Ora, na recente entrevista ao jornal La Voz de Galicia, Sócrates fez questão de frisar que, desde a detenção, se sentia abandonado por Costa e pela cúpula do PS. Um abandono que não percebia face à relação amistosa que, ao longo dos tempos, tinha mantido com o atual primeiro-ministro. Uma amizade que declarações de Sócrates no âmbito do processo Marquês não parecem confirmar. Declarações que, diga-se, deveriam estar em segredo de justiça.

Quanto à falta de apoio do partido, Sócrates comparou o seu caso com o de Lula da Silva e lamentou que o PS não estivesse a seguir o exemplo do Partido dos Trabalhadores (PT).

Ora, neste ponto, importa mostrar alguma estranheza face ao lamento socrático.

De facto, no Brasil, mal foi acusado Lula “refugiou-se” na sede do partido porque sabia bem a identidade que existe entre ele e o PT. Veja-se a forma como Dilma o confortou. A criatura a reconhecer e a amparar o criador.

Quanto à relação entre o PS e o seu secretário-geral a coisa fia mais fino. Basta recordar que Mário Soares, apesar de líder histórico do partido, se viu forçado a uma autoexclusão temporária quando voltou atrás no apoio à recandidatura de Eanes. Uma decisão que o partido compreendeu, mas não aceitou. O PS não está habituado a confundir a unidade, ela própria negociada e temporária, com a unicidade.

Muito mais haveria para dizer sobre a entrevista. No entanto, isso implicaria entrar em matéria processual. Por isso, convém parar. Até para não ser acusado de ver o argueiro no olho alheio e não vislumbrar a trave no próprio. Uma situação em que o processo Marquês tem sido fértil.

No Brasil, uma canção assume que não confia em ninguém com mais de 30 anos. Mesmo assim, atrevo-me a sugerir a Sócrates que, depois de publicar sobre a tortura e o carisma, talvez fosse conveniente reler Maquiavel sobre a amizade.

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