A estrada mais longa

12-07-2018
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Todos os anos, cerca de 20 mil portugueses são apanhados a conduzir com uma taxa de alcoolemia considerada crime. Há, por isso, um longo caminho a fazer no combate a “uma questão que é também cultural”. Ainda assim, Portugal já mostra sinais positivos

Os dias eram sempre outros, mas a noite quase a mesma. Jantar em casa de um dos membros do grupo ou num restaurante próximo, passagem por Bairro Alto ou Santos, terceira e última fase na pista de uma discoteca. Entre um destino e outro, havia sempre carro, às vezes mais do que um. Quem tivesse bebido menos, seguia à frente para perceber se o caminho estava livre. Quando a festa acabasse, já seria a luz solar a iluminar as casas a que sempre chegavam, e que davam aquilo a que Simão (nome fictício) chama hoje uma “falsa sensação de segurança”.

Numa dessas madrugadas, quando Simão percebeu que só havia uma direção para sair da rua onde estava, já se avistavam outras luzes, as da polícia. Decidiu estacionar onde havia espaço, à porta de uma garagem, porque a multa seria “menos grave do que a do excesso de álcool”. Não foi. Batedores seguiam de moto quem tentasse escapar e, num segundo, o tempo parou. “Há adrenalina e passa-nos tudo pela cabeça, a aparência, limpar a boca, beber água... as consequências.”

Simão tinha 1,22 gramas de álcool por litro de sangue, o que equivale a dizer que era uma das cerca de 20 mil pessoas que todos os anos cometem este tipo de crime nas estradas portuguesas (fora as que escapam às fiscalizações). Os anos de crise ajudaram a fazer baixar os números, explica Paulo Gomes, chefe da Divisão de Trânsito e Segurança Rodoviária da GNR, porque menos dinheiro significa menos diversão noturna, o período crítico do álcool ao volante. Mesmo quem podia, “talvez bebesse só um whisky, em vez de dois”, acrescenta.

Simão não sabe responder à pergunta sobre o número de copos. Era comum que cada espaço tivesse bebida própria, com vinho ao jantar, ao que se juntava cerveja na rua e bebida branca na discoteca. “Nunca pensei que fosse dar crime”, recorda, apesar de reconhecer que havia “muita inconsciência” também nos outros bancos do carro, onde iam mais duas pessoas, “tudo gente normal, com os seus trabalhos”. Então o que é que a noite tem? “Leva-nos para aí, há uma cultura de bebida gigantesca” e o carro é sempre a opção mais cómoda e, muitas vezes, “mais barata”.

A 21 de maio de 2015, João Pinho de Almeida, à data secretário de Estado da Administração Interna do Governo PSD/CDS, apresentou o novo regime da carta de condução por pontos, aprovado em Conselho de Ministros. A partir do ano seguinte, os condutores portugueses passariam a ter 12 pontos, que iam perdendo a cada infração cometida. Uma delas apresentava números preocupantes: um terço das vítimas mortais de acidentes rodoviários seguia com taxas de alcoolemia acima do limite legal. Por isso, desde 1 de junho de 2016 que quem é apanhado com mais de 0,5 g/litro de álcool no sangue, infração grave, perde três pontos na carta; os que têm entre 0,8 e 1,2 ficam com menos cinco; e ter acima de 1,2 g, contraordenação considerada crime, dá direito a menos seis pontos na habilitação de condução. A isto há que juntar, no último caso, uma pena de prisão de até um ano ou multa de até 120 dias, além da proibição de conduzir entre três meses a três anos.

Campanhas, multas mais pesadas, estatísticas de acidentes e vítimas mortais. Nada disso fará com que a condução sob efeito do álcool seja erradicada, porque, diz Paulo Gomes, “há sempre fatias da população que infringem as regras, e que estão mais preocupadas com a adrenalina”. Exceções que não comprometem a conclusão de que a sociedade portuguesa evoluiu: “Hoje em dia uma pessoa que conduz alcoolizada é censurada aos olhos das outras; há 20 anos não era”, lembra o tenente-coronel, para quem esta é também uma questão cultural. Os jovens que começam agora a poder conduzir são os que nasceram na época de um “grande investimento” na segurança rodoviária, que alguns anos depois já dava frutos. Na década de 90 o número de vítimas mortais nas estradas rondava as duas mil por ano; na seguinte, caiu para menos de metade. O álcool não explica tudo, mas para a GNR as campanhas de sensibilização e fiscalização são como um farol na viagem, principalmente para os mais novos. A ação 100% Cool, criada em 2002 pela Associação Nacional de Empresas e Bebidas Espirituosas (ANEBE), premeia os condutores livres de qualquer gota. Resultado? “Já vimos veículos com muitos ocupantes que vêm inebriados pelo álcool, em que achamos que vamos ter ali um caso de infração, e depois o condutor acusa taxa 0”, conta Paulo Gomes.

Matilde Worthmann dá corpo às palavras do responsável da GNR. Aos 21 anos, já por duas vezes proibiu amigos de levarem o carro por achar que não estavam em condições. “Acima de tudo temos de ter medo não só de nos magoarmos, mas de magoar alguém; esse é o meu maior medo”, explica. Para a jovem, que concilia estudo e trabalho, há sempre solução, seja evitando levar carro ou escolhendo alguém que não possa beber durante a noite — “se entretanto essa pessoa desistir, eu própria me ofereço para conduzir (se não tiver bebido ou se tiver sido apenas uma cerveja)”. Em último caso, um táxi a dividir pelo grupo, para que não se repitam episódios que Matilde admite ainda acontecer entre amigos e conhecidos e que considera “uma estupidez”.

Nem só de condutores se faz uma estrada. Paulo Gomes recorda os tempos em que havia alguma condescendência das autoridades em relação às multas, uma questão de “ser seletivo relativamente à fiscalização a fazer”. Essa mentalidade, diz, também se alterou: “Não nos cabe a nós definir quais devemos punir e quais perdoar. É nosso dever levantar o auto de contraordenação, sob pena de incorrer num crime de negação de justiça”, atira. É por isso que hoje, como há 20 anos, a estrada pode afinal ser um espelho, neste caso, de um país mais seguro, onde há mais fiscalização (só em 2017 a GNR fez acima de um milhão e 200 mil testes) e menos gente a conduzir embriagada (24.874 no ano passado, a comparar com os quase 29 mil que a GNR identificou em 2010).

Números não explicam tudo

O Relatório Anual de Segurança Interna de 2017 mostra que se mantém a tendência de mais de 60 por cento dos crimes cometidos na estrada serem provocados pelos abusos de álcool. Juntamente com os que não configuram crime — excesso entre 0,5 g e 1,2 g — houve no ano passado um total de 44.782 pessoas a infringir a lei do álcool na estrada (ao número supracitado da GNR há que somar o da PSP).

Dos 77.306 acidentes registados pela GNR no último ano, por exemplo, 2833 tinham uma pessoa embriagada ao volante. “Não quer dizer que os acidentes ocorram por isso”, alerta o tenente-coronel Paulo Gomes. As causas separam-se entre “imediatas” e “mediatas”, estando o álcool na segunda categoria, já que são as manobras, perda de controlo do carro ou excesso de velocidade a ocupar as primeiras. “Um acidente nunca tem como única causa o excesso de álcool, que pode é contribuir para ele”, esclarece.

O Expresso pediu à GNR que fizesse uma divisão dos números alcançados no último ano por distrito (não são os valores totais nacionais, já que esses incluem também as fiscalizações da PSP), para tentar perceber se o fenómeno encontra explicações geográficas. Paulo Gomes responde que, numa série curta, não há leituras conclusivas. No ano passado, por exemplo, Aveiro, Faro e Braga foram os distritos com mais casos de taxas de crime, o que pode ser explicado pela iniciativa dos próprios comandantes, tanto ou mais do que pela atitude das pessoas. “Há uma dialética entre o comportamento da sociedade e a nossa atuação”, comenta o tenente-coronel da GNR, que dá o exemplo de Bragança como reflexo dessa realidade. Por lá “está identificado um conjunto de eventos e atividades que coincidem com o verão e a chegada dos emigrantes, que, não só ali como em todo o interior do país, é uma época dada ao cometimento de excessos”. É nessa altura que há uma maior disponibilização de meios e de operacionais para evitar “situações muito tristes”. Se partíssemos os dados por meses, comenta Paulo Gomes, os resultados de Bragança no inverno seriam muito mais baixos.

É por isso que, mais do que ver os galhos, é importante olhar para a árvore. O chefe da Divisão de Trânsito e Segurança Rodoviária da GNR considera grave o número de 63 mortes na estrada por cada milhão de habitantes em Portugal (se contarmos com até 30 dias após o sinistro). Alguns países nórdicos mais populosos conseguem ter um número absoluto semelhante, o que significa taxas menores, entre os 20 e os 30 mortos por cada milhão de residentes. Assim, ficamos a saber que a estrada é longa. Paulo Gomes aponta a Suécia como um bom destino, onde é claro que os óbitos, além de lamentáveis, “custam muito dinheiro a um país”, tornando-o duplamente mais pobre. Para o tenente-coronel, em Portugal “ainda se encara o acidente rodoviário como uma fatalidade, mas nós, e falo em nome da GNR, não temos essa perspetiva”.

O relatório de 2017 da Associação Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) registou um aumento de vítimas mortais (510, mais 65 do que no ano anterior), que contrasta com a constante tendência de descida que vem de 2010. Paulo Gomes volta por isso à Suécia e à política que por lá existe, a que chamam “visão 0”. O significado explica-se em poucas palavras: “Não é tolerável que morram pessoas ao volante.”

A maior poupança

Tal como muitos dos que arriscam misturar copos e volantes, Simão reincidiu, uma e outra vez. A última delas deixou marca no registo criminal, mas também na forma como olha para o problema. Sentia “impunidade ao início, depois medo e depois passou a funcionar”, numa conjugação de fatores que o levou a tornar-se “ultrarrestritivo” em relação à bebida. O trabalho comunitário de 80 horas que foi obrigado a fazer mostra que as penas podem ter efeitos positivos, já que o local e as funções a desempenhar são escolhidos de acordo com o perfil dos prevaricadores. Para Simão e para quem o acompanhou, o período foi de aprendizagem mútua.

Hoje garante que jamais voltaria a sentar-se ao volante nas condições em que o fez. E depois do medo e das multas, aquelas que na altura lhe pareceram noites caras fizeram-no ter a certeza que a maior fortuna é sempre chegar a casa.

Todos os anos, cerca de 20 mil portugueses são apanhados a conduzir com uma taxa de alcoolemia considerada crime. Há, por isso, um longo caminho a fazer no combate a “uma questão que é também cultural”. Ainda assim, Portugal já mostra sinais positivos

Os dias eram sempre outros, mas a noite quase a mesma. Jantar em casa de um dos membros do grupo ou num restaurante próximo, passagem por Bairro Alto ou Santos, terceira e última fase na pista de uma discoteca. Entre um destino e outro, havia sempre carro, às vezes mais do que um. Quem tivesse bebido menos, seguia à frente para perceber se o caminho estava livre. Quando a festa acabasse, já seria a luz solar a iluminar as casas a que sempre chegavam, e que davam aquilo a que Simão (nome fictício) chama hoje uma “falsa sensação de segurança”.

Numa dessas madrugadas, quando Simão percebeu que só havia uma direção para sair da rua onde estava, já se avistavam outras luzes, as da polícia. Decidiu estacionar onde havia espaço, à porta de uma garagem, porque a multa seria “menos grave do que a do excesso de álcool”. Não foi. Batedores seguiam de moto quem tentasse escapar e, num segundo, o tempo parou. “Há adrenalina e passa-nos tudo pela cabeça, a aparência, limpar a boca, beber água... as consequências.”

Simão tinha 1,22 gramas de álcool por litro de sangue, o que equivale a dizer que era uma das cerca de 20 mil pessoas que todos os anos cometem este tipo de crime nas estradas portuguesas (fora as que escapam às fiscalizações). Os anos de crise ajudaram a fazer baixar os números, explica Paulo Gomes, chefe da Divisão de Trânsito e Segurança Rodoviária da GNR, porque menos dinheiro significa menos diversão noturna, o período crítico do álcool ao volante. Mesmo quem podia, “talvez bebesse só um whisky, em vez de dois”, acrescenta.

Simão não sabe responder à pergunta sobre o número de copos. Era comum que cada espaço tivesse bebida própria, com vinho ao jantar, ao que se juntava cerveja na rua e bebida branca na discoteca. “Nunca pensei que fosse dar crime”, recorda, apesar de reconhecer que havia “muita inconsciência” também nos outros bancos do carro, onde iam mais duas pessoas, “tudo gente normal, com os seus trabalhos”. Então o que é que a noite tem? “Leva-nos para aí, há uma cultura de bebida gigantesca” e o carro é sempre a opção mais cómoda e, muitas vezes, “mais barata”.

A 21 de maio de 2015, João Pinho de Almeida, à data secretário de Estado da Administração Interna do Governo PSD/CDS, apresentou o novo regime da carta de condução por pontos, aprovado em Conselho de Ministros. A partir do ano seguinte, os condutores portugueses passariam a ter 12 pontos, que iam perdendo a cada infração cometida. Uma delas apresentava números preocupantes: um terço das vítimas mortais de acidentes rodoviários seguia com taxas de alcoolemia acima do limite legal. Por isso, desde 1 de junho de 2016 que quem é apanhado com mais de 0,5 g/litro de álcool no sangue, infração grave, perde três pontos na carta; os que têm entre 0,8 e 1,2 ficam com menos cinco; e ter acima de 1,2 g, contraordenação considerada crime, dá direito a menos seis pontos na habilitação de condução. A isto há que juntar, no último caso, uma pena de prisão de até um ano ou multa de até 120 dias, além da proibição de conduzir entre três meses a três anos.

Campanhas, multas mais pesadas, estatísticas de acidentes e vítimas mortais. Nada disso fará com que a condução sob efeito do álcool seja erradicada, porque, diz Paulo Gomes, “há sempre fatias da população que infringem as regras, e que estão mais preocupadas com a adrenalina”. Exceções que não comprometem a conclusão de que a sociedade portuguesa evoluiu: “Hoje em dia uma pessoa que conduz alcoolizada é censurada aos olhos das outras; há 20 anos não era”, lembra o tenente-coronel, para quem esta é também uma questão cultural. Os jovens que começam agora a poder conduzir são os que nasceram na época de um “grande investimento” na segurança rodoviária, que alguns anos depois já dava frutos. Na década de 90 o número de vítimas mortais nas estradas rondava as duas mil por ano; na seguinte, caiu para menos de metade. O álcool não explica tudo, mas para a GNR as campanhas de sensibilização e fiscalização são como um farol na viagem, principalmente para os mais novos. A ação 100% Cool, criada em 2002 pela Associação Nacional de Empresas e Bebidas Espirituosas (ANEBE), premeia os condutores livres de qualquer gota. Resultado? “Já vimos veículos com muitos ocupantes que vêm inebriados pelo álcool, em que achamos que vamos ter ali um caso de infração, e depois o condutor acusa taxa 0”, conta Paulo Gomes.

Matilde Worthmann dá corpo às palavras do responsável da GNR. Aos 21 anos, já por duas vezes proibiu amigos de levarem o carro por achar que não estavam em condições. “Acima de tudo temos de ter medo não só de nos magoarmos, mas de magoar alguém; esse é o meu maior medo”, explica. Para a jovem, que concilia estudo e trabalho, há sempre solução, seja evitando levar carro ou escolhendo alguém que não possa beber durante a noite — “se entretanto essa pessoa desistir, eu própria me ofereço para conduzir (se não tiver bebido ou se tiver sido apenas uma cerveja)”. Em último caso, um táxi a dividir pelo grupo, para que não se repitam episódios que Matilde admite ainda acontecer entre amigos e conhecidos e que considera “uma estupidez”.

Nem só de condutores se faz uma estrada. Paulo Gomes recorda os tempos em que havia alguma condescendência das autoridades em relação às multas, uma questão de “ser seletivo relativamente à fiscalização a fazer”. Essa mentalidade, diz, também se alterou: “Não nos cabe a nós definir quais devemos punir e quais perdoar. É nosso dever levantar o auto de contraordenação, sob pena de incorrer num crime de negação de justiça”, atira. É por isso que hoje, como há 20 anos, a estrada pode afinal ser um espelho, neste caso, de um país mais seguro, onde há mais fiscalização (só em 2017 a GNR fez acima de um milhão e 200 mil testes) e menos gente a conduzir embriagada (24.874 no ano passado, a comparar com os quase 29 mil que a GNR identificou em 2010).

Números não explicam tudo

O Relatório Anual de Segurança Interna de 2017 mostra que se mantém a tendência de mais de 60 por cento dos crimes cometidos na estrada serem provocados pelos abusos de álcool. Juntamente com os que não configuram crime — excesso entre 0,5 g e 1,2 g — houve no ano passado um total de 44.782 pessoas a infringir a lei do álcool na estrada (ao número supracitado da GNR há que somar o da PSP).

Dos 77.306 acidentes registados pela GNR no último ano, por exemplo, 2833 tinham uma pessoa embriagada ao volante. “Não quer dizer que os acidentes ocorram por isso”, alerta o tenente-coronel Paulo Gomes. As causas separam-se entre “imediatas” e “mediatas”, estando o álcool na segunda categoria, já que são as manobras, perda de controlo do carro ou excesso de velocidade a ocupar as primeiras. “Um acidente nunca tem como única causa o excesso de álcool, que pode é contribuir para ele”, esclarece.

O Expresso pediu à GNR que fizesse uma divisão dos números alcançados no último ano por distrito (não são os valores totais nacionais, já que esses incluem também as fiscalizações da PSP), para tentar perceber se o fenómeno encontra explicações geográficas. Paulo Gomes responde que, numa série curta, não há leituras conclusivas. No ano passado, por exemplo, Aveiro, Faro e Braga foram os distritos com mais casos de taxas de crime, o que pode ser explicado pela iniciativa dos próprios comandantes, tanto ou mais do que pela atitude das pessoas. “Há uma dialética entre o comportamento da sociedade e a nossa atuação”, comenta o tenente-coronel da GNR, que dá o exemplo de Bragança como reflexo dessa realidade. Por lá “está identificado um conjunto de eventos e atividades que coincidem com o verão e a chegada dos emigrantes, que, não só ali como em todo o interior do país, é uma época dada ao cometimento de excessos”. É nessa altura que há uma maior disponibilização de meios e de operacionais para evitar “situações muito tristes”. Se partíssemos os dados por meses, comenta Paulo Gomes, os resultados de Bragança no inverno seriam muito mais baixos.

É por isso que, mais do que ver os galhos, é importante olhar para a árvore. O chefe da Divisão de Trânsito e Segurança Rodoviária da GNR considera grave o número de 63 mortes na estrada por cada milhão de habitantes em Portugal (se contarmos com até 30 dias após o sinistro). Alguns países nórdicos mais populosos conseguem ter um número absoluto semelhante, o que significa taxas menores, entre os 20 e os 30 mortos por cada milhão de residentes. Assim, ficamos a saber que a estrada é longa. Paulo Gomes aponta a Suécia como um bom destino, onde é claro que os óbitos, além de lamentáveis, “custam muito dinheiro a um país”, tornando-o duplamente mais pobre. Para o tenente-coronel, em Portugal “ainda se encara o acidente rodoviário como uma fatalidade, mas nós, e falo em nome da GNR, não temos essa perspetiva”.

O relatório de 2017 da Associação Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) registou um aumento de vítimas mortais (510, mais 65 do que no ano anterior), que contrasta com a constante tendência de descida que vem de 2010. Paulo Gomes volta por isso à Suécia e à política que por lá existe, a que chamam “visão 0”. O significado explica-se em poucas palavras: “Não é tolerável que morram pessoas ao volante.”

A maior poupança

Tal como muitos dos que arriscam misturar copos e volantes, Simão reincidiu, uma e outra vez. A última delas deixou marca no registo criminal, mas também na forma como olha para o problema. Sentia “impunidade ao início, depois medo e depois passou a funcionar”, numa conjugação de fatores que o levou a tornar-se “ultrarrestritivo” em relação à bebida. O trabalho comunitário de 80 horas que foi obrigado a fazer mostra que as penas podem ter efeitos positivos, já que o local e as funções a desempenhar são escolhidos de acordo com o perfil dos prevaricadores. Para Simão e para quem o acompanhou, o período foi de aprendizagem mútua.

Hoje garante que jamais voltaria a sentar-se ao volante nas condições em que o fez. E depois do medo e das multas, aquelas que na altura lhe pareceram noites caras fizeram-no ter a certeza que a maior fortuna é sempre chegar a casa.

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