A farsa dos rankings escolares

02-09-2019
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Os rankings escolares não querem dizer nada de nada. Desculpem ser tão frontal, mas não o afirmo enquanto pai ou mero cidadão. Afirmo-o como profissional.Os rankings escolares não querem dizer nada de nada. Desculpem ser tão frontal, mas não o afirmo enquanto pai ou mero cidadão. Afirmo-o como profissional, encarregado de ensinar, aos meus alunos, como se devem ler os dados estatísticos ou, antes disso, como recolhê- -los, agrupá-los e compará-los. E se há coisa que na ciência é lei (e é ética), é nunca comparar o incomparável, para lá das questões relativas aos vieses de amostragens, indicadores, definição de caso, etc.Mas não quero estar aqui a maçar ninguém com uma aula de Epidemiologia. Vamos aos factos. Os malfadados rankings limitam-se a referir quais as escolas de que mais alunos entraram na universidade. Mesmo que este critério valesse estatisticamente, extrair conclusões era errado porque podiam os alunos de uma determinada escola, por exemplo, ter entrado em faculdades em que se entra com médias baixas, e outra ter tido menos alunos na faculdade mas os alunos desejarem cursos que obrigam a notas elevadas. Numa versão mais “pós-modernista”, os rankings “apoderaram-se” das notas dos exames do 4.o, do 6.o e do 9.o anos, e, mesmo sendo exames nacionais, reflectem apenas algumas disciplinas (Português e Matemática, essencialmente), que podem ser ensinadas de modo diferente, que são uma fracção do total e portanto nada quer dizer sobre o resto da escola e das competências do aluno.Todavia, muito pior que este erro é considerar-se à partida que o objectivo do sistema de ensino/aprendizagem é “entrar na faculdade” ou “ter boas notas”. É muito pobre. Demasiado pobre. Porque se, por absurdo, fosse apenas isso que se deseja, não seriam necessárias escolas – cada um estudaria em casa, isoladamente, ao seu ritmo e faria um exame final. Para quê então o ensino obrigatório? Será curioso, aliás, numa análise mais criteriosa, olhar para os dados “sociais!” que só surgem para as públicas e em que as assimetrias são mais que evidentes.Por outro lado, compara-se o incomparável: é o mesmo que dizer que Lisboa é melhor que São Mamede da Infesta porque tem mais gente, ou que o Porto é melhor que Bragança porque tem um rio. Não tem pés nem cabeça. As escolas não são melhores por terem alunos com melhores médias (até porque são juízes em causa própria, dado que forjam – é inútil negar, todos o sabemos – parte dessas médias através do método de classificação)... ou forçam, algumas delas, os alunos a trabalhar como cavalos de corrida, esquecendo a vertente de formação humana, as actividades lúdicas e o descanso e vida em família. Aliás, é curioso ver algumas escolas que defendem ideais “religiosos” e apregoam o valor da família não se importarem nada com sacrificar os escassos momentos em que a família poderia estar junta para minar a relação pais/filhos com os malditos TPC em dose cavalar.São melhores as escolas que permitem um ensino variado e inclusivo, em que os alunos progridem, se motivam e gostam de estar. Não esqueçamos: a realidade social do país é muito desequilibrada, plena de assimetrias e de desigualdades, nomeadamente quanto ao apoio que os alunos têm em casa, em livros e outros meios, em explicadores, acesso à internet ou materiais pedagógicos, pelo que será melhor, em termos de pessoa, cidadão e futuro profissional, um aluno que consegue transcender-se, estudar sem grandes apoios e fazer das tripas coração que um que tem explicações de tudo, a quem nada falta e é levado ao colo toda a vida escolar.Finalmente, os rankings são muitas vezes publicidade enganosa para algumas escolas privadas manterem elevados níveis de propinas, sobretudo numa altura em que as crianças desertam das privadas para as públicas, ou para começarem (continuarem) a formar futuros dirigentes, administradores e decisores que pertencerão a determinados lóbis e classes de poder – do poder “semi-invisível”, dado que a maioria dos dirigentes que são mesmo competentes, como demonstrou um estudo da Universidade do Porto, frequentou maioritariamente escolas públicas! Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva, António Guterres, Marcelo Rebelo de Sousa, Maria de Belém, Passos Coelho, António Costa, Francisco Louçã, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa… que eu saiba, pelo menos todos estes frequentaram a escola pública.Ao escrever este comentário, estou perfeitamente à vontade dado que os meus filhos frequentam uma escola que ficou no top das públicas. Mas por isso mesmo é que, conhecendo a realidade e a maneira como estas listas são elaboradas, não tenho qualquer problema em denunciar os rankings.Senhor ministro da Educação, acabe com esta mistificação. Será uma das provas de que encara o sistema de ensino/aprendizagem de uma forma inovadora, e científica e socialmente decente.PS: O problema dos auxiliares... ou da falta delesAinda à consideração do senhor ministro e das autarquias responsáveis pelas EB1: os auxiliares de educação não têm força sindical, não têm tempo de antena em prime-time e ganham resvés o ordenado mínimo. Contudo, são peças fundamentais da escola, designadamente na orientação e apoio aos pais e às crianças, na supervisão dos recreios, na prevenção da violência e do bullying, no apoio aos alunos que se sentem mais tímidos, que acompanham nas idas aos refeitórios ou à casa de banho. São de uma dedicação extrema. Passados os dois primeiros dias conhecem as crianças pelo nome próprio e sabem quem são os pais e quem está autorizado a ir buscar os alunos.Infelizmente são muito poucos. Nem é preciso dizer mais. As consequências são muitas, no sentido negativo. Há que olhar mais atentamente para esta realidade que não faz manchetes no telejornal das oito e dotar as escolas de um número decente destes preciosos agentes educativos.PediatraEscreve à terça-feiraFonte: Jornal IOnline


Os rankings escolares não querem dizer nada de nada. Desculpem ser tão frontal, mas não o afirmo enquanto pai ou mero cidadão. Afirmo-o como profissional.Os rankings escolares não querem dizer nada de nada. Desculpem ser tão frontal, mas não o afirmo enquanto pai ou mero cidadão. Afirmo-o como profissional, encarregado de ensinar, aos meus alunos, como se devem ler os dados estatísticos ou, antes disso, como recolhê- -los, agrupá-los e compará-los. E se há coisa que na ciência é lei (e é ética), é nunca comparar o incomparável, para lá das questões relativas aos vieses de amostragens, indicadores, definição de caso, etc.Mas não quero estar aqui a maçar ninguém com uma aula de Epidemiologia. Vamos aos factos. Os malfadados rankings limitam-se a referir quais as escolas de que mais alunos entraram na universidade. Mesmo que este critério valesse estatisticamente, extrair conclusões era errado porque podiam os alunos de uma determinada escola, por exemplo, ter entrado em faculdades em que se entra com médias baixas, e outra ter tido menos alunos na faculdade mas os alunos desejarem cursos que obrigam a notas elevadas. Numa versão mais “pós-modernista”, os rankings “apoderaram-se” das notas dos exames do 4.o, do 6.o e do 9.o anos, e, mesmo sendo exames nacionais, reflectem apenas algumas disciplinas (Português e Matemática, essencialmente), que podem ser ensinadas de modo diferente, que são uma fracção do total e portanto nada quer dizer sobre o resto da escola e das competências do aluno.Todavia, muito pior que este erro é considerar-se à partida que o objectivo do sistema de ensino/aprendizagem é “entrar na faculdade” ou “ter boas notas”. É muito pobre. Demasiado pobre. Porque se, por absurdo, fosse apenas isso que se deseja, não seriam necessárias escolas – cada um estudaria em casa, isoladamente, ao seu ritmo e faria um exame final. Para quê então o ensino obrigatório? Será curioso, aliás, numa análise mais criteriosa, olhar para os dados “sociais!” que só surgem para as públicas e em que as assimetrias são mais que evidentes.Por outro lado, compara-se o incomparável: é o mesmo que dizer que Lisboa é melhor que São Mamede da Infesta porque tem mais gente, ou que o Porto é melhor que Bragança porque tem um rio. Não tem pés nem cabeça. As escolas não são melhores por terem alunos com melhores médias (até porque são juízes em causa própria, dado que forjam – é inútil negar, todos o sabemos – parte dessas médias através do método de classificação)... ou forçam, algumas delas, os alunos a trabalhar como cavalos de corrida, esquecendo a vertente de formação humana, as actividades lúdicas e o descanso e vida em família. Aliás, é curioso ver algumas escolas que defendem ideais “religiosos” e apregoam o valor da família não se importarem nada com sacrificar os escassos momentos em que a família poderia estar junta para minar a relação pais/filhos com os malditos TPC em dose cavalar.São melhores as escolas que permitem um ensino variado e inclusivo, em que os alunos progridem, se motivam e gostam de estar. Não esqueçamos: a realidade social do país é muito desequilibrada, plena de assimetrias e de desigualdades, nomeadamente quanto ao apoio que os alunos têm em casa, em livros e outros meios, em explicadores, acesso à internet ou materiais pedagógicos, pelo que será melhor, em termos de pessoa, cidadão e futuro profissional, um aluno que consegue transcender-se, estudar sem grandes apoios e fazer das tripas coração que um que tem explicações de tudo, a quem nada falta e é levado ao colo toda a vida escolar.Finalmente, os rankings são muitas vezes publicidade enganosa para algumas escolas privadas manterem elevados níveis de propinas, sobretudo numa altura em que as crianças desertam das privadas para as públicas, ou para começarem (continuarem) a formar futuros dirigentes, administradores e decisores que pertencerão a determinados lóbis e classes de poder – do poder “semi-invisível”, dado que a maioria dos dirigentes que são mesmo competentes, como demonstrou um estudo da Universidade do Porto, frequentou maioritariamente escolas públicas! Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva, António Guterres, Marcelo Rebelo de Sousa, Maria de Belém, Passos Coelho, António Costa, Francisco Louçã, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa… que eu saiba, pelo menos todos estes frequentaram a escola pública.Ao escrever este comentário, estou perfeitamente à vontade dado que os meus filhos frequentam uma escola que ficou no top das públicas. Mas por isso mesmo é que, conhecendo a realidade e a maneira como estas listas são elaboradas, não tenho qualquer problema em denunciar os rankings.Senhor ministro da Educação, acabe com esta mistificação. Será uma das provas de que encara o sistema de ensino/aprendizagem de uma forma inovadora, e científica e socialmente decente.PS: O problema dos auxiliares... ou da falta delesAinda à consideração do senhor ministro e das autarquias responsáveis pelas EB1: os auxiliares de educação não têm força sindical, não têm tempo de antena em prime-time e ganham resvés o ordenado mínimo. Contudo, são peças fundamentais da escola, designadamente na orientação e apoio aos pais e às crianças, na supervisão dos recreios, na prevenção da violência e do bullying, no apoio aos alunos que se sentem mais tímidos, que acompanham nas idas aos refeitórios ou à casa de banho. São de uma dedicação extrema. Passados os dois primeiros dias conhecem as crianças pelo nome próprio e sabem quem são os pais e quem está autorizado a ir buscar os alunos.Infelizmente são muito poucos. Nem é preciso dizer mais. As consequências são muitas, no sentido negativo. Há que olhar mais atentamente para esta realidade que não faz manchetes no telejornal das oito e dotar as escolas de um número decente destes preciosos agentes educativos.PediatraEscreve à terça-feiraFonte: Jornal IOnline

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