GNR e PSP a conduzir camiões? Das “caldeiradas” aos derrames: os riscos das cargas e descargas de combustíveis

11-08-2019
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Militares da GNR e agentes da PSP estão a ter em 3 dias formação que os motoristas levam mais de um mês a receber. As operações de cargas e descargas acarretam riscos -- e podem dar em "caldeirada".

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Em vésperas de nova greve dos motoristas, agentes da PSP e militares da GNR começaram a ser treinados para operarem viaturas de transporte de matérias perigosas, e, inclusivamente, procederem às cargas e descargas dos combustíveis. Entre quarta e sexta-feira, estes profissionais estão a ter uma formação que os motoristas de matérias perigosas demoram, em alguns casos, mais de um mês a receber.

O transporte e manuseamento de combustíveis acarreta riscos — não só para quem dirige a operação, mas também para os que o rodeiam. Há casos de motoristas certificados que, por se enganarem na medição dos tanques, provocam derrames nos postos de abastecimento. E outros que misturam, por erro, gasóleo com gasolina nos tanques — originando uma autêntica “caldeirada”, na gíria do setor.

Francisco São Bento, presidente do Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), frisa, porém, que não são situações comuns. Mas podem acontecer, mesmo aos motoristas que têm semanas de formação. Ou anos de experiência.

Um motorista de matérias perigosas começa por ter uma formação de ADR-base de 4 dias, no âmbito do Acordo Europeu Relativo ao Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada, e depois uma de “cisterna” durante 2 dias e meio (onde aprende “o essencial” das operações de carga e descarga), explicou ao Observador Rui Ribeiro, formador da Transform. Mas as transportadoras podem optar por prolongar o tempo de formação, que, segundo Francisco São Bento, “normalmente, demora dois a três meses“. Já um motorista de matérias perigosas, que não quis ser identificado, relatou ao Observador que foi treinado durante cerca de um mês.

Na visão dos motoristas que subscreveram o pré-aviso de greve, as cargas e descargas não constam como uma função obrigatória no Contrato Coletivo de Trabalho (CCT). A ANTRAM já veio informar os sindicatos de que, se os trabalhadores recusarem essa tarefa, haverá “procedimentos e sanções legalmente previstas”.

Numa carta enviada às associações sindicais, a entidade patronal já tinha defendido que a descrição das funções de um motorista de pesados, no CCT, inclui as operações de cargas e descargas de mercadorias, embora tal função não seja obrigatória, “exceto quando tenha sido contratado ou tenha acordado ser adstrito a serviços cuja natureza assim o exija” ou caso se tratem de mercadorias, como combustíveis, cujo manuseamento exige “formação específica”. E o Governo apoia a associação patronal nesta matéria.

Contrato Coletivo de Trabalho assinado entre a FECTRANS e a ANTRAM “Sobre o trabalhador motorista não recai qualquer dever de fazer operações de cargas ou descargas de mercadorias, exceto quando tenha sido contratado ou tenha acordado ser adstrito a serviços cuja natureza assim o exija, tais como a distribuição, entendendo-se como tal a distribuição das mercadorias entre armazéns centrais e respetivas lojas, mudanças e porta-a-porta e, bem assim, quando por razões de segurança e em função da formação específica recebida e utilização de equipamento específico, tais operações tenham que ser realizados pelo trabalhador, designadamente no transporte de combustíveis, graneis e porta-automóveis.”

Na conferência de imprensa em que decretou serviços mínimos entre os 50% e os 100%, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, disse que “as operações de carga e descarga das matérias perigosas fazem hoje parte da atividade dos motoristas”, e, portanto, estão incluídas no despacho. “Prevenindo” a possibilidade de se recusarem a fazer a tarefa, o Governo tem, “por escrito”, o compromisso de quem gere os sete centros logísticos de distribuição de combustível, de que “vão ter pessoas para fazer a carga, caso ela não venha a ser feita por parte dos senhores motoristas“, disse, por sua vez, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes.

Além disso, “todas as marcas comerciais que vendem combustível em Portugal, exceto duas”, já deram a garantia de que “os responsáveis pelos postos estarão nos postos e têm know-how para fazer a descarga de combustível”.

Há riscos inerentes às cargas e descargas. Quais?

Segundo Francisco São Bento, “há cerca de 15 ou 20 anos”, a operação de carga e descarga era feita por um especialista que se deslocava com o motorista de matérias perigosas. Desde então que, “a pouco e pouco, [as empresas] foram imputando essa obrigação apenas ao motorista“, o que levou à perda de postos de trabalho. O sindicalista alerta que “além do risco que é a deslocação diária de mais de 30 mil litros de combustível [conduzir um camião-cisterna não é o mesmo que transportar mercadorias fixas] há a questão do manuseamento” durante o processo de carga e descarga.

Os camiões-cisterna podem ter seis compartimentos para diferentes tipos de combustível. Cada compartimento tem um API, ou seja, um bucal de acesso, onde é colocada a mangueira, que é acionada através de um sistema eletrónico. Inicia-se, assim, o carregamento.

No caso da descarga, o motorista remove as mangueiras dos compartimentos, de forma a fazer a conexão da cisterna ao tanque do posto de abastecimento. E nestes casos há riscos de “sobre-enchimento” e, portanto, de derrame, se o responsável se enganar a medir a quantidade de combustível que já se encontra no tanque.

O sindicalista exemplifica: “O motorista pode trazer 4.000 litros de um combustível e descarregar num tanque do posto de abastecimento. Imaginando que esse tanque tem capacidade para 5.000 litros, mas o motorista não deteta que já lá estão 2 mil litros… vai causar um ‘sobre-enchimento’ e um derrame.”

Para isso a medição (ou sondagem) tem de ser feita com cautela. Alguns postos de abastecimento dispõem de mecanismos de sondagem eletrónica — através de um aparelho que indica o nível de combustível nos tanques. “Mas não é infalível, pode avariar”, diz Francisco São Bento. Quando não estão disponíveis os aparelhos, a medição é feita com uma vareta, que quando retirada do tanque, permite aferir o nível de combustível.

Em função desse indicador, o motorista calcula quanto produto pode ainda verter para o compartimento. “Quando faz a primeira sondagem, e constata que a totalidade do produto que traz não vai caber, tem de fazer várias sondagens até ao nível desejado. A gasolina corre 1000 litros por minuto, o gasóleo corre 800 litros por minuto. O motorista pode, por exemplo, pôr o combustível a correr durante 3 minutos, faz depois nova sondagem, e se ainda couber mais, por exemplo, 400 litros, volta a abrir a válvula da mangueira. Só que tem de deixar uma margem de espaço, porque o combustível pode alterar-se na sua massa”, explica o sindicalista.

"Prevenindo" a possibilidade de se recusarem a fazer a tarefa, o Governo tem, "por escrito", o compromisso de quem gere os sete centros logísticos de distribuição de combustível, de que "vão ter pessoas para fazer a carga, caso ela não venha a ser feita por parte dos senhores motoristas", disse, por sua vez, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes.

Durante a sondagem, o profissional “está exposto ao vapor dos produtos”. “E um dos componentes é o benzeno, que é altamente cancerígeno”, aponta o responsável, criticando a falta de fardamento adequado para a operação (por exemplo, não são obrigatórias máscaras). O motorista ouvido pelo Observador avança que a descarga pode chegar a demorar mais de 1h30, seguindo à risca as indicações da petrolífera.

“Por exemplo, se for detetada água num tanque do posto de abastecimento (através da vareta), temos de comunicar a situação ao chefe de tráfego ou diretamente à revendedora.” E depois esperar que lhe sejam dadas as indicações sobre o que fazer a seguir. Mas as regras variam consoante as petrolíferas — há umas mais exigentes que outras nos requisitos para as cargas e descargas.

Além do derrame, há o risco da “contaminação”, conhecida na gíria como “caldeirada”: por exemplo, misturar gasóleo com gasolina. Há camiões-cisterna que, caso detetem a mangueira de gasolina num tanque de gasóleo, estão programados para impedir a operação de carga. Por isso, estes “erros” ocorrem sobretudo no processo de descarga, nos tanques dos postos de abastecimento. “As bocas de descarga estão muito encostadas umas às outras. Às vezes, as chapas de identificação de cada boca estão ao contrário, ou mal sinalizadas”, relata um motorista, acrescentando que na empresa transportadora onde trabalha, aconteceu uma “caldeirada” este ano. No ano passado, terão sido entre três a quatro.

Em caso de contaminação, tem de ser removido todo o combustível e o tanque deve ser limpo pelo revendedor, com custos para as empresas. “Só não corre o risco quem não anda na estrada. Trata-se de uma distração“, indica Francisco São Bento.

O sindicalista aponta ainda a possibilidade de derrame para a via pública. Se um motorista que acabou de efetuar a carga da cisterna não fechar as válvulas de fundo (que têm de ser acionadas antes da carga e fechadas no final, de forma a garantir que a cisterna está selada), nem a torneira de purga, “há a possibilidade de o produto sair pela torre [o topo da cisterna], podendo sair para o exterior, e escorrer para a via pública”. Além disso, “a própria eletricidade estática do corpo pode inflamar o produto“, alerta ainda.

Formação obrigatória dura seis dias

Um motorista de matérias perigosas começa por ter uma formação de ADR-base de 4 dias, e uma de subcategoria cisterna durante 2 dias e meio. É depois sujeito a um exame do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes) para avaliar os conhecimentos teóricos de ADR-base (em 24 perguntas, pode errar 13). Só se passar neste teste é que pode inscrever-se no exame de cisterna, segundo Rui Ribeiro, formador da Transform, e obter a certificação.

Durante o curso, é feito um enquadramento “do que é a formação das cisternas, depois as cisternas utilizadas para o transporte, os veículos para o transporte em cisternas, a sinalização, equipamento a bordo do veículo, procedimentos de enchimento e descargas de cisternas, segurança na circulação dos veículos, e também nesta formação têm um exercício prático”, explicou o responsável à rádio Observador.

“Eles aprendem o que é o ADR, o transporte das matérias perigosas e os seus riscos, material a usar no transporte, sinalização, a documentação necessária, os equipamentos de proteção, as isenções, operação de transporte, segurança, responsabilidade dos intervenientes no transporte, medidas transitórias, exercícios práticos. Também os bombeiros vão lá ter formação de primeiros socorros, luta contra incêndios.” As empresas transportadoras podem optar por dar aos trabalhadores mais tempo de formação. O Observador tentou contactar a Antram, mas não obteve resposta.

Segundo avançou o Correio da Manhã, militares da GNR e agentes da PSP com carta de condução de pesados começaram esta quarta-feira (e até sexta-feira) a ter formação para conduzir matérias perigosas. O ministro do Ambiente, Pedro Matos Fernandes, confirmou que a formação destes profissionais inclui as operações de cargas e descargas.

Além da GNR e da PSP, o Observador sabe ainda que há 30 militares do exército por empresa de transporte de matérias perigosas destacados para garantirem – se for preciso – os serviços mínimos. Mas aqui há várias dúvidas: os militares vão conduzir os camiões fardados ou à civil? De acordo com o Expresso, os militares envolvidos nesta operação – além de conduzir – também terão a tarefa acrescida de garantir “a segurança dos veículos”. Como? Vão com escolta ou armados?

Na sexta-feira, o Observador contactou o Exército precisamente para perceber o tipo de formação que é dada aos militares que conduzem pesados. A instrução é – em grande medida – prestada na Escola Prática de Serviços, na Póvoa de Varzim. Mas o Observador também quis perceber quantos militares estavam desde já habilitados a ajudar e quantos teriam começado a receber a instrução já depois da anterior greve dos motoristas de matérias perigosas, em abril.

A resposta foi esta, salientando apenas as necessidades operacionais do Exército: “A formação de Transporte de Mercadorias Perigosas tem vindo a ser assegurada por empresas de formação certificada e visam fazer face às necessidades operacionais do Exército, assim como contribuir para a futura inserção dos seus Militares no mercado de trabalho e para a profissionalização do serviço militar. O Exército tem no seu dispositivo equipamentos que exigem ser operados por Militares com esta valência, pelo que têm sido planeadas estas formações com a periodicidade necessária”.

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Militares da GNR e agentes da PSP estão a ter em 3 dias formação que os motoristas levam mais de um mês a receber. As operações de cargas e descargas acarretam riscos -- e podem dar em "caldeirada".

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Em vésperas de nova greve dos motoristas, agentes da PSP e militares da GNR começaram a ser treinados para operarem viaturas de transporte de matérias perigosas, e, inclusivamente, procederem às cargas e descargas dos combustíveis. Entre quarta e sexta-feira, estes profissionais estão a ter uma formação que os motoristas de matérias perigosas demoram, em alguns casos, mais de um mês a receber.

O transporte e manuseamento de combustíveis acarreta riscos — não só para quem dirige a operação, mas também para os que o rodeiam. Há casos de motoristas certificados que, por se enganarem na medição dos tanques, provocam derrames nos postos de abastecimento. E outros que misturam, por erro, gasóleo com gasolina nos tanques — originando uma autêntica “caldeirada”, na gíria do setor.

Francisco São Bento, presidente do Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), frisa, porém, que não são situações comuns. Mas podem acontecer, mesmo aos motoristas que têm semanas de formação. Ou anos de experiência.

Um motorista de matérias perigosas começa por ter uma formação de ADR-base de 4 dias, no âmbito do Acordo Europeu Relativo ao Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada, e depois uma de “cisterna” durante 2 dias e meio (onde aprende “o essencial” das operações de carga e descarga), explicou ao Observador Rui Ribeiro, formador da Transform. Mas as transportadoras podem optar por prolongar o tempo de formação, que, segundo Francisco São Bento, “normalmente, demora dois a três meses“. Já um motorista de matérias perigosas, que não quis ser identificado, relatou ao Observador que foi treinado durante cerca de um mês.

Na visão dos motoristas que subscreveram o pré-aviso de greve, as cargas e descargas não constam como uma função obrigatória no Contrato Coletivo de Trabalho (CCT). A ANTRAM já veio informar os sindicatos de que, se os trabalhadores recusarem essa tarefa, haverá “procedimentos e sanções legalmente previstas”.

Numa carta enviada às associações sindicais, a entidade patronal já tinha defendido que a descrição das funções de um motorista de pesados, no CCT, inclui as operações de cargas e descargas de mercadorias, embora tal função não seja obrigatória, “exceto quando tenha sido contratado ou tenha acordado ser adstrito a serviços cuja natureza assim o exija” ou caso se tratem de mercadorias, como combustíveis, cujo manuseamento exige “formação específica”. E o Governo apoia a associação patronal nesta matéria.

Contrato Coletivo de Trabalho assinado entre a FECTRANS e a ANTRAM “Sobre o trabalhador motorista não recai qualquer dever de fazer operações de cargas ou descargas de mercadorias, exceto quando tenha sido contratado ou tenha acordado ser adstrito a serviços cuja natureza assim o exija, tais como a distribuição, entendendo-se como tal a distribuição das mercadorias entre armazéns centrais e respetivas lojas, mudanças e porta-a-porta e, bem assim, quando por razões de segurança e em função da formação específica recebida e utilização de equipamento específico, tais operações tenham que ser realizados pelo trabalhador, designadamente no transporte de combustíveis, graneis e porta-automóveis.”

Na conferência de imprensa em que decretou serviços mínimos entre os 50% e os 100%, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, disse que “as operações de carga e descarga das matérias perigosas fazem hoje parte da atividade dos motoristas”, e, portanto, estão incluídas no despacho. “Prevenindo” a possibilidade de se recusarem a fazer a tarefa, o Governo tem, “por escrito”, o compromisso de quem gere os sete centros logísticos de distribuição de combustível, de que “vão ter pessoas para fazer a carga, caso ela não venha a ser feita por parte dos senhores motoristas“, disse, por sua vez, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes.

Além disso, “todas as marcas comerciais que vendem combustível em Portugal, exceto duas”, já deram a garantia de que “os responsáveis pelos postos estarão nos postos e têm know-how para fazer a descarga de combustível”.

Há riscos inerentes às cargas e descargas. Quais?

Segundo Francisco São Bento, “há cerca de 15 ou 20 anos”, a operação de carga e descarga era feita por um especialista que se deslocava com o motorista de matérias perigosas. Desde então que, “a pouco e pouco, [as empresas] foram imputando essa obrigação apenas ao motorista“, o que levou à perda de postos de trabalho. O sindicalista alerta que “além do risco que é a deslocação diária de mais de 30 mil litros de combustível [conduzir um camião-cisterna não é o mesmo que transportar mercadorias fixas] há a questão do manuseamento” durante o processo de carga e descarga.

Os camiões-cisterna podem ter seis compartimentos para diferentes tipos de combustível. Cada compartimento tem um API, ou seja, um bucal de acesso, onde é colocada a mangueira, que é acionada através de um sistema eletrónico. Inicia-se, assim, o carregamento.

No caso da descarga, o motorista remove as mangueiras dos compartimentos, de forma a fazer a conexão da cisterna ao tanque do posto de abastecimento. E nestes casos há riscos de “sobre-enchimento” e, portanto, de derrame, se o responsável se enganar a medir a quantidade de combustível que já se encontra no tanque.

O sindicalista exemplifica: “O motorista pode trazer 4.000 litros de um combustível e descarregar num tanque do posto de abastecimento. Imaginando que esse tanque tem capacidade para 5.000 litros, mas o motorista não deteta que já lá estão 2 mil litros… vai causar um ‘sobre-enchimento’ e um derrame.”

Para isso a medição (ou sondagem) tem de ser feita com cautela. Alguns postos de abastecimento dispõem de mecanismos de sondagem eletrónica — através de um aparelho que indica o nível de combustível nos tanques. “Mas não é infalível, pode avariar”, diz Francisco São Bento. Quando não estão disponíveis os aparelhos, a medição é feita com uma vareta, que quando retirada do tanque, permite aferir o nível de combustível.

Em função desse indicador, o motorista calcula quanto produto pode ainda verter para o compartimento. “Quando faz a primeira sondagem, e constata que a totalidade do produto que traz não vai caber, tem de fazer várias sondagens até ao nível desejado. A gasolina corre 1000 litros por minuto, o gasóleo corre 800 litros por minuto. O motorista pode, por exemplo, pôr o combustível a correr durante 3 minutos, faz depois nova sondagem, e se ainda couber mais, por exemplo, 400 litros, volta a abrir a válvula da mangueira. Só que tem de deixar uma margem de espaço, porque o combustível pode alterar-se na sua massa”, explica o sindicalista.

"Prevenindo" a possibilidade de se recusarem a fazer a tarefa, o Governo tem, "por escrito", o compromisso de quem gere os sete centros logísticos de distribuição de combustível, de que "vão ter pessoas para fazer a carga, caso ela não venha a ser feita por parte dos senhores motoristas", disse, por sua vez, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes.

Durante a sondagem, o profissional “está exposto ao vapor dos produtos”. “E um dos componentes é o benzeno, que é altamente cancerígeno”, aponta o responsável, criticando a falta de fardamento adequado para a operação (por exemplo, não são obrigatórias máscaras). O motorista ouvido pelo Observador avança que a descarga pode chegar a demorar mais de 1h30, seguindo à risca as indicações da petrolífera.

“Por exemplo, se for detetada água num tanque do posto de abastecimento (através da vareta), temos de comunicar a situação ao chefe de tráfego ou diretamente à revendedora.” E depois esperar que lhe sejam dadas as indicações sobre o que fazer a seguir. Mas as regras variam consoante as petrolíferas — há umas mais exigentes que outras nos requisitos para as cargas e descargas.

Além do derrame, há o risco da “contaminação”, conhecida na gíria como “caldeirada”: por exemplo, misturar gasóleo com gasolina. Há camiões-cisterna que, caso detetem a mangueira de gasolina num tanque de gasóleo, estão programados para impedir a operação de carga. Por isso, estes “erros” ocorrem sobretudo no processo de descarga, nos tanques dos postos de abastecimento. “As bocas de descarga estão muito encostadas umas às outras. Às vezes, as chapas de identificação de cada boca estão ao contrário, ou mal sinalizadas”, relata um motorista, acrescentando que na empresa transportadora onde trabalha, aconteceu uma “caldeirada” este ano. No ano passado, terão sido entre três a quatro.

Em caso de contaminação, tem de ser removido todo o combustível e o tanque deve ser limpo pelo revendedor, com custos para as empresas. “Só não corre o risco quem não anda na estrada. Trata-se de uma distração“, indica Francisco São Bento.

O sindicalista aponta ainda a possibilidade de derrame para a via pública. Se um motorista que acabou de efetuar a carga da cisterna não fechar as válvulas de fundo (que têm de ser acionadas antes da carga e fechadas no final, de forma a garantir que a cisterna está selada), nem a torneira de purga, “há a possibilidade de o produto sair pela torre [o topo da cisterna], podendo sair para o exterior, e escorrer para a via pública”. Além disso, “a própria eletricidade estática do corpo pode inflamar o produto“, alerta ainda.

Formação obrigatória dura seis dias

Um motorista de matérias perigosas começa por ter uma formação de ADR-base de 4 dias, e uma de subcategoria cisterna durante 2 dias e meio. É depois sujeito a um exame do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes) para avaliar os conhecimentos teóricos de ADR-base (em 24 perguntas, pode errar 13). Só se passar neste teste é que pode inscrever-se no exame de cisterna, segundo Rui Ribeiro, formador da Transform, e obter a certificação.

Durante o curso, é feito um enquadramento “do que é a formação das cisternas, depois as cisternas utilizadas para o transporte, os veículos para o transporte em cisternas, a sinalização, equipamento a bordo do veículo, procedimentos de enchimento e descargas de cisternas, segurança na circulação dos veículos, e também nesta formação têm um exercício prático”, explicou o responsável à rádio Observador.

“Eles aprendem o que é o ADR, o transporte das matérias perigosas e os seus riscos, material a usar no transporte, sinalização, a documentação necessária, os equipamentos de proteção, as isenções, operação de transporte, segurança, responsabilidade dos intervenientes no transporte, medidas transitórias, exercícios práticos. Também os bombeiros vão lá ter formação de primeiros socorros, luta contra incêndios.” As empresas transportadoras podem optar por dar aos trabalhadores mais tempo de formação. O Observador tentou contactar a Antram, mas não obteve resposta.

Segundo avançou o Correio da Manhã, militares da GNR e agentes da PSP com carta de condução de pesados começaram esta quarta-feira (e até sexta-feira) a ter formação para conduzir matérias perigosas. O ministro do Ambiente, Pedro Matos Fernandes, confirmou que a formação destes profissionais inclui as operações de cargas e descargas.

Além da GNR e da PSP, o Observador sabe ainda que há 30 militares do exército por empresa de transporte de matérias perigosas destacados para garantirem – se for preciso – os serviços mínimos. Mas aqui há várias dúvidas: os militares vão conduzir os camiões fardados ou à civil? De acordo com o Expresso, os militares envolvidos nesta operação – além de conduzir – também terão a tarefa acrescida de garantir “a segurança dos veículos”. Como? Vão com escolta ou armados?

Na sexta-feira, o Observador contactou o Exército precisamente para perceber o tipo de formação que é dada aos militares que conduzem pesados. A instrução é – em grande medida – prestada na Escola Prática de Serviços, na Póvoa de Varzim. Mas o Observador também quis perceber quantos militares estavam desde já habilitados a ajudar e quantos teriam começado a receber a instrução já depois da anterior greve dos motoristas de matérias perigosas, em abril.

A resposta foi esta, salientando apenas as necessidades operacionais do Exército: “A formação de Transporte de Mercadorias Perigosas tem vindo a ser assegurada por empresas de formação certificada e visam fazer face às necessidades operacionais do Exército, assim como contribuir para a futura inserção dos seus Militares no mercado de trabalho e para a profissionalização do serviço militar. O Exército tem no seu dispositivo equipamentos que exigem ser operados por Militares com esta valência, pelo que têm sido planeadas estas formações com a periodicidade necessária”.

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